Rascunho completa 9 anos apresentando alguma fúria…

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Durante um mês, comprem todos os cadernos culturais que falam um pouco de literatura. Separem as páginas literárias das outras. Façam o mesmo com a Bravo, Cult, etc. (Deixem a Continente de fora). De posse de todas estas páginas, joguem tudo no liquidificador. Guardem o bolo de papel resultante. Depois peguem a Rascunho daquele mês e façam o mesmo com ela. De posse dos dois bolos de papel, vá até a balança literária mais próxima e compare seus pesos. Mesmo que a Bravo e outras usem papéis mais pesados, o bolo de papel jornal da Rascunho terá maior peso. Sempre. Façam a experiência.

Pois a Rascunho completou nove anos em seu número 108 (108 / 12 = 9). Sou assinante e recebi a revista ontem. Está esplêndida. Mas vamos a seus pontos mais “anormais”. Não creio ter havido uma combinação entre os articulistas, houve apenas a coincidência de vários se referirem à decadência cultural de nosso querido Brasil, quiçá do mundo.

Já na capa — normalmente laudatória em publicações comuns — há uma paulada: Um Shakespeare manco, fanho e chato – Tradução de Carlos Alberto Nunes mostra como é possível converter um gênio em um autor quase ilegível e aborrecido. Lá dentro, em longo artigo, os três volumes do Teatro Completo de Shakespeare, em tradução de Nunes, são queimados peça por peça. Não, não há fúria aqui.

Mas há aqui, ó. Fernando Monteiro adentra furibundo uma megalivraria e segue um leitor comum qualquer. Ele, o leitor, busca primeiramente os best-sellers coca-cola, depois dá uma olhada nas obras factuais (aquelas que nos fazem revelações sensacionais sobre o assassinato de Kennedy, por exemplo), dirige-se aos livros de auto-ajuda e dá uma passada de olhos na LITERATURA propriamente dita. Passemos a palavra a Fernando:

Não adianta vir pra cima de mim tentando dizer que, ora, tudo é literatura.

Sabemos que não é. Por exemplo: Lya luft sabe, perfeitamente, que o que ela deu para escrever, nos últimos anos, não é literatura de modo algum, e não adianta ela até ameaçar (conforme ameaçou, num programa televisivo de entrevistas) que “se retiraria”, etc., caso os entrevistadores continuassem a chamar de auto-ajuda a auto-ajuda da lavra recente da senhora Luft, com a qual Lya ajuda o editor Sérgio Machado a ajudar a conta bancária própria com os novos títulos da “escritora” gaúcha auto-ajuditícia.

A Rascunho não precisa de minha ajuda (mais ajuda?) nem dos livros de auto-ajuda, mas mesmo assim eu volto à carga: precisamos dar peso — em leitores, em divulgação — a revista de Rogério Pereira. Ela está cheia de bons articulistas (Monteiro, Castello, Ruffato, Eduardo Ferreira, o Rodrigo Gurgel que detonou aquela tradução de Shakespeare), é grande em todos os sentidos, sempre vem com mais de 30 páginas, é séria, não parece existir por obra de editores interessados em aumentar as vendas e… tem NOVE ANOS.

Que chegue aos NOVENTA!

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16 comments / Add your comment below

    1. Eu não poria todos os colunistas da Bravo no mesmo saco, mas há sim, muita coisa ruim. Talvez escrita por encomenda.

      Abraço.

      1. Talvez eu tenha tido má sorte, Milton, mas eu não me lembro de ter lido nenhuma resenha sobre música ou cinema que tenha me agradado. Mas eu posso estar sendo injusto sim, eu nunca fui um leitor assíduo da Bravo. Grande abraço!

  1. Puxa! e nós completamos um aninho de affair e deixamos passar em brancas nuvens…
    Conferi agora, depois que o pesadelo passou. Foi 12 de março, o teu post literário (contos da casa), uma história que alguém te contou sobre o primeiro frasco de perfume. Reli agora: (http://miltonribeiro.opsblog.org/2008/03/12/objeto-de-desejo/)
    Te vi no idelber e caí ali, e desde então minha vida nunca mais foi a mesma… amor é lido e no nosso caso conflituoso e divertido!
    Happy birthday my dear love (sempre bom ritualizar, ainda que atrasado!)
    (e eu vi o ato falho lido/lindo – a dislexia revela verdades insuspeitadas e poéticas, que não devem ser corrigidas… Quando muito explicadas… só em ‘datas especiais…)
    bj, TE AMO!
    Flávia (agora mais ousada com o pretexto da falta de tireóide, e claro confiando sempre na bença da cumadi Cláudia)

    1. Um ano, meu amor. Foram tantas emoções desencontradas…

      Mas o que é o amor além de uma constante tentativa de entender o outro.

      Nosso dia é o 12 de março. Uma bela data, 4 dias depois do Dia Internacional de Mulher.

      Beijo, râni.

  2. Eu que nunca fui leitor da Bravo — tenho uma certa antipatia a jornalismo cultural, na verdade — não me daria ao trabalho de colocá-la num liquidificador. Da Cult li apenas uma edição logo no comecinho — e ela trazia tantos erros crassos de ortografia que achei desaforo continuar lendo. Revista para mim era a Mini Fiesta, de saudosa memória, lá pelos idos dos anos 80.

    Pelo pouco que vi do site, a Rascunho me pareceu infinitamente melhor que essas revistas. Grande indicação, Milton.

    Acho que a raiva da Luftal é justificada, embora eu não conheça muito — só li um pouquinho dela na Veja há alguns anos, e ela consegue ser pior que a Denise Aquino da Época. Mas pelo estilo e pelo conteúdo apresentados ali, provavelmente qualquer crítica que se faça a ela será justificada

    Mas não sei até que ponto eu concordaria com a crítica à tradução do Nunes.

    Não estou elogiando nem defendendo, até porque não leio Shakespeare em tradução — aliás, a verdade é que eu raramente leio Shakespeare, tá lá com meus Proust e meu Musil e o bostinha do Hemingway. O problema é que não é bom esquecer que, além de teatro, o texto de Shakespeare é poesia também. Com todos aqueles “thou shan’t doth yer”, ou coisa que o valha. E traduzir poesia não é como traduzir teatro. Não sei seisso se aplcia a essa tradução específica, mas é um parâmetro que sempre se deve ter em vista.

    Mas sinceramente eu não sei do que tô falando. 🙂

    1. Oi, Rafael Galvão, é uma honra recebê-lo por aqui.

      Rafa, a Lya era legal, mas descobriu o filão da autoajuda e apaixonou-se.

      Não sei leste por inteiro a crítica do Rodrigo Gurgel. Li toda e achei bem fundamentada. Agora, não entendo chongas de “thou´s” também.

      Abraço.

    2. “…até porque não leio Shakespeare em tradução…”

      Desculpe-me, Rafael. Mas preciso dar-lhe uma alfinetada. O que você pensa disso:

      UM SONHO DENTRO DE UM SONHO

      Tome este beijo sobre a têmpora
      e, partindo de ti agora,
      muito a dizer nesta franca hora
      Você não está errado, quem diria
      que meus sonhos têm sido o dia;
      Ainda se a esperança fosse um açoite
      em um dia, ou numa noite,
      numa visão, ou em ninguém
      É isso então o que está aquém?
      Tudo o que vejo, tudo o que suponho
      É só um sonho dentro de um sonho.

      As ondas quebram e fico ao meio
      de uma praia atormentada
      e eu seguro em minhas mãos
      uns grãos de areia dourada –
      Quão poucos! E como se vão
      Pelos meus dedos para o nada,
      enquanto eu choro, enquanto eu choro!
      Ó Deus! Eu Vos imploro:
      Não posso mantê-los em minha teia?
      Ó Deus! Posso eu proteger
      das duras ondas um grão de areia?
      Será que tudo o que vejo e suponho
      É só um sonho dentro de um sonho?

      Edgar Allan Poe

      Tradução: Leonardo Dias

      Rafael, pergunto-lhe ao seu coração:
      será que eu preciso ler “este” Poe no original?

      PS- gostei muito do seu comentário…

      1. Ramiro, se perdoa o excesso de purismo, esse é o Poe do Leonardo Dias.

        Uma das coisas que eu sei que nunca conseguiria ser é tradutor, porque é extremamente difícil. Há dezenas de maneiras de traduzir qualquer poema, e tradução é no fundo a escolha dessas palavras. Essas são as palavras do Leonardo, foi a escolha dele. É o ritmo que ele escolheu, etc. Em uma tradução, o tradutor também é criador, tem a sua marca nela.

        Isso não diminui a obra do autor (pelo menos não neste caso), mas a transforma. Uma tradução pode ser inclusive melhor que o original (eu gosto mais da tradução de “Como Era Verde o Meu Vale” que do original, por sinal, mas talvez isso seja trauma de infância). Mas é necessariamente a interpretação de alguém sobre o original, e não tem como ser diferente. Então se dá para ler no original, eu prefiro (e os livros em inglês costumam ser mais baratos, também). Não é esnobismo, é só uma possibilidade aberta.

        1. Concordo, Rafael, que “esse” Poe é do Leonardo Dias. Mas, não está aí a alma de Poe? A sua angústia, a sua impotência, o seu não sentido da vida, o nosso ontológico aparente, o sonho dentro do sonho?
          Penso-sinto que neste caso, o Leonardo Dias foi “Cavalo” de Poe. Embora em português, tenho a certeza de que, nesse poema, “escuto” Poe. Não possuo erudição para ler poesia em inglês. Não é que não compreenda um poema em inglês, mas é que ler poesia, para mim, é pensar-sentir. E, talvez, por limitação penso-sinto, apenas, em português: minha música-língua-mãe. Ops, acabo de me trair: penso-sinto também na língua de Garcia Lorca.
          Quando li pela primeira vez “esse” Poe, invadiu-me uma imensidão, um nascer solene de sol, acho que, poderia dizer, um canto trágico de um deus. Deu-me orgulho de ser um SER-HUMANO (assim mesmo, com hífen; uma ponte entre ser e humano: não sou mais um ser humano)!

  3. Milton, em 2003 “calquei fumo” na Rascunho, devido a um artigo, muito desrespeitoso, dirigido ao poeta, já falecido, Sebastião Uchoa Leite. O “rascunho-de-merda” era assinado por dois vigaristas que se passavam por críticos de literatura. Espero que tenham levado o merecido pé na bunda, e tenham voltado à sarjeta da soberba onde foram defecados quando nasceram. O texto que escrevi foi publicado no “Jornal de Poesia” do Feitosa.

    1. Se é pra escrever merda, poeta ruim (também conhecido como Ramiro não sei-de-quê), fica calado, cara! Vai experimentar – na tua casa (se é que tu tem uma) editar durante nove anos um jornal literário neste país!
      Ôoo cara chato…

      1. Ramiro e Donato.

        Por favor, não briguem.

        Donato, o Ramiro é sujeito muito bem posicionado frente às coisas, inclusive as literárias. Se achou desrespeitoso aquele artigo sobre o “Aqui jaz / para seu deleite / Sebastião Uchoa Leite” (poema do próprio) deve ter boas razões. Eu acho que o Ramiro erra ao estender sua indignação sobre TODA A PRODUÇÃO da Rascunho, cuja média é de bom para cima.

        Ramiro, sobreviver nove anos nesse país com um jornal bem cuidado, mas em preto e branco e com uma cara modesta, é um ATO HERÓICO, que pressupõe qualidade e GARRA impressionantes.

        No fundo, vcs dois estão do mesmo lado. Tenho certeza. Melhor abrir uma cerveja e se entender.

        Abraços.

        1. Donato, o “rascunho-de-merda” não era o Rascunho, mas o artigo de merda, volto a dizer!

          E, Donato, não sou poeta ruim, não! E sei muito bem o que é manter um Jornal literário neste país. Mas dar voz a dois sujeitos para macular a imagem de um poeta indefeso e muito sério, pra mim é demais!! Dar espaço a dois sujeitos que querem espaço apenas pelo escândalo, pela injúria, não aceito! Jamais aceitarei!

          Em nenhum momento disse uma única palavra contra o Rascunho, entendeu Donato?

        2. Tudo bem, Ramiro, eu até lhe apresento as minhas desculpas, se sua intenção foi se ater e-x-c-l-u-s-i-v-a-m-e-n-t-e ao texto contra o Sebastião Uchoa Leite (que eu não li porque não conhecia o jornal, naquela época).
          Entretanto, sei que tal texto foi assinado pelo Paulo Polzonoff – um idiota – e pelo Rogério Pereira, o sério e excelente editor de “Rascunho”.
          Então, quando você, Ramiro, escreve “O rascunho-de-merda (sobre Sebastião Leite) era assinado por dois vigaristas que se passavam por críticos de literatura. Espero que tenham levado o merecido pé na bunda, e tenham voltado à sarjeta da soberba onde foram defecados quando nasceram”, você está se referindo também ao Rogério Pereira, que não é “vigarista” nem levou nenhum “pé na bunda”, pelo contrário: ele leva é o jornal curitibano nas costas, até hoje, com dignidade e perseverança admiráveis, como o único jornal totalmente dedicado à literatura, neste momento, “neste país” (como diria o Mandatário, se ele lesse jornais ou qualquer outra coisa)…

  4. Tudo bem, Donato. Eu não queria dar o nome aos bois, bem você os deu. Veja, Donato, se, como você mesmo diz, o Rogério Pereira está a tocar o Jornal o que posso fazer é parabenizá-lo por tal feito. Porém, mantenho minha posição quanto ao artigo.

    Donato, vou contar-lhe um fato. À época, 2003, o poeta Sebastião Uchoa Leite estava muito doente, tanto que faleceu ao final daquele ano.A indignação contra o texto do Rascunho não foi somente da minha parte. No “Jornal de Poesia” muitos escritores brasileiros deixaram o seu protesto. Eu fui apenas mais um.

    Outra coisa, Donato, detesto baixaria na internet. O fraseado que utilizei foi ocasionado pela indignação que me subiu às têmporas. No fundo, no fundo, torço sinceramente para que o Rascunho (com o Rogério Pereira à frente) dê realmente certo. Da minha parte, retiro o que disse acima sobre os dois autores. E, sinceramente, que a LITERATURA BRASILEIRA avance!

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