Na escuridão, amanhã, de Rogério Pereira

Na escuridão, amanhã, de Rogério Pereira

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Escrevem-se poucos grandes livros com o propósito de escrever uma obra-prima. Em compensação, com um propósito circunstancial…

BIOY CASARES, citado por Ernani Ssó em sua crônica de ontem no Sul21

Na escuridão, amanhã (Cosac & Naify, 125 páginas) é um livro ambicioso, que deve ficar ao lado da melhor literatura nacional dos últimos anos. É um romance que, sob uma linguagem poética, trata da vida e da morte de uma família que sai do campo para a cidade grande. A narrativa carrega uma quase insuportável verossimilhança para contar a tristemente exemplar história de uma degradação familiar. Não é daqueles romances que narram o que não são, é do gênero que diz o que é, um texto onde há um pai terrível e odiado, abusador e animal, que mantém sob seu tacão uma mulher de religiosidade simples e seus três filhos, dois meninos e uma menina. O desajuste é geral. Desajuste e pobreza no campo; desajuste, pobreza e repetição de padrões de comportamento na cidade. Seu texto é luxuoso e sufocante.

O livro de Pereira tem seu parentesco mais próximo com Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, mas o clima — atenção, eu escrevi “o clima” — parece mais o de Os Desgarrados, de John Huston. A narrativa está estabelecida em dois planos: o primeiro são cartas enviadas ao pai pelos filhos. A maioria delas é de um dos filhos homens que está numa guerra, presumivelmente expatriado, que reflete com enorme ressentimento o passado familiar. O outro plano é direto, apesar de caminhar no tempo. Mas há outros flashes. Quem cala é o pai, o qual mantém o silêncio de um deus impiedoso do velho testamento. A mãe, personagem tão fundamental quanto o pai, também aparece pouco, embotada que fica pela religião e incompreensão. Há também a pequena e mirrada filha, ainda mais vítima.

A história é irremediável como alguns filmes de Bergman e romances de Faulkner, mas vou me negar a avançar nos spoilers.

Rogério Pereira é o criador e editor do jornal literário mensal Rascunho o qual existe desde o ano 2000. Está no número 165, algo inédito para os efêmeros padrões nacionais. O romance Na escuridão, amanhã é seu primeiro livro de ficção. E vale muito a leitura.

Rascunho completa 9 anos apresentando alguma fúria…

Durante um mês, comprem todos os cadernos culturais que falam um pouco de literatura. Separem as páginas literárias das outras. Façam o mesmo com a Bravo, Cult, etc. (Deixem a Continente de fora). De posse de todas estas páginas, joguem tudo no liquidificador. Guardem o bolo de papel resultante. Depois peguem a Rascunho daquele mês e façam o mesmo com ela. De posse dos dois bolos de papel, vá até a balança literária mais próxima e compare seus pesos. Mesmo que a Bravo e outras usem papéis mais pesados, o bolo de papel jornal da Rascunho terá maior peso. Sempre. Façam a experiência.

Pois a Rascunho completou nove anos em seu número 108 (108 / 12 = 9). Sou assinante e recebi a revista ontem. Está esplêndida. Mas vamos a seus pontos mais “anormais”. Não creio ter havido uma combinação entre os articulistas, houve apenas a coincidência de vários se referirem à decadência cultural de nosso querido Brasil, quiçá do mundo.

Já na capa — normalmente laudatória em publicações comuns — há uma paulada: Um Shakespeare manco, fanho e chato – Tradução de Carlos Alberto Nunes mostra como é possível converter um gênio em um autor quase ilegível e aborrecido. Lá dentro, em longo artigo, os três volumes do Teatro Completo de Shakespeare, em tradução de Nunes, são queimados peça por peça. Não, não há fúria aqui.

Mas há aqui, ó. Fernando Monteiro adentra furibundo uma megalivraria e segue um leitor comum qualquer. Ele, o leitor, busca primeiramente os best-sellers coca-cola, depois dá uma olhada nas obras factuais (aquelas que nos fazem revelações sensacionais sobre o assassinato de Kennedy, por exemplo), dirige-se aos livros de auto-ajuda e dá uma passada de olhos na LITERATURA propriamente dita. Passemos a palavra a Fernando:

Não adianta vir pra cima de mim tentando dizer que, ora, tudo é literatura.

Sabemos que não é. Por exemplo: Lya luft sabe, perfeitamente, que o que ela deu para escrever, nos últimos anos, não é literatura de modo algum, e não adianta ela até ameaçar (conforme ameaçou, num programa televisivo de entrevistas) que “se retiraria”, etc., caso os entrevistadores continuassem a chamar de auto-ajuda a auto-ajuda da lavra recente da senhora Luft, com a qual Lya ajuda o editor Sérgio Machado a ajudar a conta bancária própria com os novos títulos da “escritora” gaúcha auto-ajuditícia.

A Rascunho não precisa de minha ajuda (mais ajuda?) nem dos livros de auto-ajuda, mas mesmo assim eu volto à carga: precisamos dar peso — em leitores, em divulgação — a revista de Rogério Pereira. Ela está cheia de bons articulistas (Monteiro, Castello, Ruffato, Eduardo Ferreira, o Rodrigo Gurgel que detonou aquela tradução de Shakespeare), é grande em todos os sentidos, sempre vem com mais de 30 páginas, é séria, não parece existir por obra de editores interessados em aumentar as vendas e… tem NOVE ANOS.

Que chegue aos NOVENTA!