O Leitor, de Bernhard Schlink, e o filme homônimo de Stephen Daldry

O Leitor é um livro alemão até em demasia. Seco com o Rio Grande do Sul destes dias, não há muita coisa desnecessária nele. Há algumas descrições da natureza (querem algo mais alemão?) e o restante são frases que contam a história de forma algo brusca. Como Schlink faz conosco, Hanna também é capaz de asperezas com seu menino. Bem, mas será que todo mundo conhece a história? Ora, vamos resumi-la no parágrafo seguinte.

Michael Berg tem 15 anos no período do pós-guerra na Alemanha. Ele conhece Hanna Schmitz, uma mulher de 36, bela, sexy e autoritária. Eles acabam por estabelecer um ritual diário: primeiro tomam banho, depois ele lê livros em voz alta para ela e finalmente amam-se. Uma marca inapagável na alma de um adolescente. O fim chega de surpresa quando Hanna some. Mas Michael voltará a vê-la poucos anos depois, quando já está na faculdade de direito. Ela se vê envolvida em um processo de acusação contra ex-guardas de campos de concentração nazistas. Ela fora uma delas durante a guerra.

É absolutamente admirável o trabalho de Kate Winslet ao recriar Hanna Schmitz. Toda a Hanna descrita por Schlink está no filme. Winslet é uma atriz de muitíssimos recursos e que realmente gruda no personagem, sem trazê-lo para maneirismos prontos de antemão. Cada gesto descrito por Schlink foi realizado pela atriz e pego por Stephen Daldry. Mas falta ao filme uma cena fundamental, falta ao filme a dúvida que dá a Schlink a gradiosidade que o filme não possui. Daldry ou o produtor fez questão de emburrecer o filme. No capítulo 16 da segunda parte, Berg faz uma visita ao juiz principal. Ora, isso não há no filme! Nesta visita, temos a impressão de descontinuidade narrativa; ou seja, não sabemos se foi mesmo vazia, porém, ao final do capítulo, Berg, que narra o livro, escreve que estava alegre e que poderia seguir vivendo a partir daquilo. É óbvio que ele contou-lhe sobre Hanna, passando a informação que só ele tinha ao juiz.

O que significa? Ora, que o juiz preferiu ignorar o analfabetismo de Hanna e escolheu puni-la como se ela tivesse escrito os relatórios, como queria a platéia. Ele claramente jogou para a torcida, fazendo o que toda justiça faz: julgou para o lado que parecia mais correto à opinião pública, num ridículo exercício de senso comum. Stephen Daldry escolheu a simplicidade. Ao deixar seu filme plano mais plano que podia (ou devia), perdeu uma bela oportunidade de sugerir outras camadas de experiência, de criar mais dúvidas no expectador. Sabemos que a vida é assim, que a realidade nunca se esgota, mas parece haver uma sede de burrice no cinema atual e os diretores tratam de saciá-la.

O final do livro é uma doída e envergonhada reflexão sobre a geração alemã que veio antes de Berg. Eles só pareciam capazes de crimes. E seguiam criminosos ao punir.

3 comments / Add your comment below

  1. Não achei o filme particularmente memorável, e não li o livro. Purgações alemães já passaram diante de meus olhos milhões de vezes; o filme O Leitor é só mais uma, e sob o crivo hollywoodiano, useiro e vezeiro de estropiar a literatura por entender o público como idiota, o que pode até ser verdeiro, mas exclusivamente para o público local, made in USA.

    Noutro dia conversava com meu irmão sobre essa coisa de cinema e suas qualidades à parte das idéias que apresenta. Para ele, se o filme tem boa fotografia (ele tem fixação nisso, é fotógrafo), boa direção, bons atores, etc., ele será bom, apesar da falta de idéias ou excesso de idéias ruins. Para mim, eles fatalmente estragam qualquer produção bem cuidada, enquanto as boas idéias podem (podem, mas não sempre superam) superar certas carências técnicas e materiais. Vide alguns filmes cubanos, como A Morte de um Burocrata; principalmente os neorealistas italianos e, de vez em quando, um filme brasileiro.

    Quando atores fazem bem seu trabalho, não fazem mais do que a obrigação. Quando fazem mal, mas não chamam a atenção, para mim está ótimo também. Quando chamam a atenção porque supostamente “estão muito bem”, tendem a estragar os filmes com superepresentações, como as divas hollywoodianas tipo Betty Davis. Nunca vejo filmes por atores, à exceção de Ornella Muti, cuja beleza me paralisa.

    Alemanha, Hitler, etc.: sem perdão, mas, ao frigir dos ovos, apenas radicalização de estupidez nacionalista latente até hoje, e sempre em ebulição nos EUA. Não estamos infensos desse risco no futuro.

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