Milton Ribeiro's OPSBlogs Gallery of World's Finest Arts I

Êxtase de Santa Teresa de Ávila, de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680).

Detalhe

Comentário de uma amiga: “Pedi pra vc postar o Êxtase pq pra mim é um exemplo puro de sacanagem sacra: se isso não for um orgasmo, eu não sei mais o que pode ser então. Cheguei à essa conclusão numa aula de teologia… tesão é uma dádiva dos céus. Aleluia, irmãos!”

E de outro amigo: “Rapaz, no Museu de Arte Erótica de Paris (ali no Monmartre, perto do Moulin Rouge, terceiro japonês à esquerda de quem sobe a rua) — ELE FALA COMO SE EU CONHECESSE PARIS… — tem uma escultura dessa mesma moça gozando, mas com os dedinhos dos pés articulados, uma coisa de louco. Muito bom. A Bíblia sempre nos proporcionou momentos apicais de pura safadeza.”.

26 comments / Add your comment below

  1. O registro de Santa Teresa, que inspirou o Êxtase, também é eloquente:

    “I saw in his hand a long spear of gold, and at the iron’s point there seemed to be a little fire. He appeared to me to be thrusting it at times into my heart, and to pierce my very entrails; when he drew it out, he seemed to draw them out also, and to leave me all on fire with a great love of God. The pain was so great, that it made me moan; and yet so surpassing was the sweetness of this excessive pain, that I could not wish to be rid of it.”

    (http://www.ccel.org/ccel/teresa/life.viii.xxx.html)

  2. Êxtases

    A esposa de Heraldo o traía, ele sabia, mas precisava de prova material para obter dela uma recompensa financeira compatível ao escândalo da separação dele com Eneida, mulher riquíssima que só casou-se com ele para roubar-lhe o patronímico da tradicional família hipercatólica dos Veiga, cuja linhagem remonta a Dom Manuel I de Portugal.

    Contratou uma empresa que em apenas uma semana pôs diante de sua mesa um arquivo digital com filmagem in loco da traição consumada. Pagou o remetente, trancou a porta da saleta de sua banca de advocacia tributária, pôs o disco do aparelho de DVD do microcomputador e estarreceu-se com as imagens de sua mulher deitada à cama, braços abertos com as mãos espalmadas para cima, e entre suas pernas abertas outra mulher que lhe fazia sexo oral, enquanto Eneida gemia e sussurrava “Oh, meu deus… oh, meu deus…” A filmagem, certamente realizada através de uma câmera oculta no lustre do quarto de motel não deixava qualquer dúvida quanto à identidade de Eneida e seu completo êxtase. A outra mulher, estava escrito no relatório também gravado no disco, era funcionária dela nas empresas da família Silveira. Sim, era por isso que ela sempre chegava em casa com a fisionomia ao mesmo tempo serena e excitada.

    Casaram-se para unir a fortuna de uma família ao nome da outra; tiveram dois filhos e encerraram na última concepção a vida sexual de ambos. Era de se esperar que ela buscasse satisfação com outros. O fato de ser outra, uma mulher e não um homem, desconcertou o fervoroso católico. Que pôs a filmagem para rodar duas, três, quatro vezes.

    Constrangido, guardou a material e refugou da tentativa de fundamentar o divórcio na traição. Trabalha agora com a hipótese de vencer o asco e realizar na própria mulher o ato que para ele seria vedado a qualquer criatura humana. Mas não poderia ser, não deveria ser: afinal, não havia ali uma manifestação de angelical fé?

    1. Heraldo dirigiu-se a Santiago de Compostela a fim de comparar as imagens da Santa com a resultante da ação de Eneida no rosto de sua esposa.

      Chegou à conclusão óbvia e consultou seu confessor sobre a adequação ou não de cair de boca. O confessor ficou puto, mas não daquele jeitinho de quem vai dar a bunda.

      O fato é Heraldo já estava convencido a tentar o sexo oral. Refletira que, se Santa Teresa sentia-se atraída pelas imagens de Cristo ensanguentado em agonia, ele seria perdoado por tentar impor à sua amada esposa semelhante paroxismo. E o fez.

      Mas foi impedido por uma chave de pernas que quase o degolou. A mulher disse-lhe que aquilo não era correto segundo as regras de Deus. Dias depois, Heraldo pagou os olhos da cara para que uma prostituta lhe permitisse uma tentativa. Hoje, toda vez que Heraldo olha a imagem de Santa Teresa, vem-lhe à mente o rosto da puta.

      Ele mudou de confessor e de igreja. Rezou centenas de padre-nossos. Porém nada lhe retirou do cérebro a imagem da mulher de aluguel. Não há, para ele, maior imagem de devoção e religiosidade.

      1. Durante todo esse tempo, Haroldo nunca deixou de sentar-se ao computador e olhar sua mulher com a amante praticando o ato nefando.

        É o que faz todas as quartas-feiras, no final da tarde. Para esta hora não marca reuniões, não atende funcionários ou clientes. Apenas prepara um uísque, tira os sapatos, sente no corpo o prazer de ser quem é. Em nenhum outro momento, sente-se tão completo.

        1. Quando a mulher chega em casa depois dele, procura olhar para ela com atenção desatenta, para perceber se ela dera uma passada pelo motel ou não, sem deixá-la intrigada com uma inquisição muda. Geralmente vê repetida a expressão de satisfação íntima com seus matizes gloriosos, o que o faz repensar a natureza do deus no qual acredita e em outras mentiras, como aquelas devidas à ideía do inconsciente. Afinal, Deus e Inconsciente são duas entidades afins: inexistentes, em am bos tudo cabe, até explicação do mundo e das coisas, para não falar nas gentes. E o que essas gentes andam a fazer em seus quartos, Heraldo pouco a pouco se dá a saber, de forma diligentemente católica.

  3. A foto desse gozo, digo, êxtase, trouxe-me a lembrança de uma charge que vi décadas atrás, ainda vivendo no México, que mostrava uma mocinha de joelhos, aos pés da imagem da Virgem de Guadalupe, suplicando nos seguintes termos:

    Virgencita, tu que concebestes sem pecar, ajude-me a pecar sem conceber…

  4. Para quem quer erotismo, recomendo o Cântico dos Cânticos, livro incluído na Bíblia. Infelizmente, não tenho Bíblia em casa, senão postaria aqui alguns versos.
    Como se sabe, a Bíblia é uma compilação de vários livros diferentes. Ali entraram desde mitologias da criação do mundo (há, pelo menos, duas narrativas diferentes sendo contadas no Gênesis), passando por narrativas “político-hitóricas” com fim de dar identidade ao povo hebreu (Êxodo, Juízes), mais um monte de coisa, etre elas essa recolha da cultura popular muito interessante e sensual que é o Cântico dos Cânticos. Vale conferir.

    1. Me espanta o assombro diante um fato tão historico e literariamente conhecido como o de que a religião e erotismo estão mais ligados do que se pensa. Estou lendo a biografia de Jack Davis sobre deus, uma história interessantíssima sobre as circunstâncias da escrita da bíblia, e neste livro pode-se deleitar-se com um sem número de exemplos de erotismo não subliminar, mas voluntário, interposto no livro judáico. Antes mesmo de ser criminoso sequer insinuar sobre masturbação na literatura ( e me vem a clássica cena de Bloom tocando uma bronha vendo a moça manca na praia em Ulisses, e as incontáveis punhetagens na obra de Anthony Burguess), o personagem Onan já dava seu nome ao caso clássico freudiano. Prostitutas, insesto, traições atrozes (a minha preferida: o rei Davi mandando o marido de sua amante para morrer na frente de batalha, só para desobstruir seu caminho), orgias incontáveis, estão todas na bíblia. Só o homossexualismo, até onde eu sei, foi privado do texto bíblico, e sobre isso, Foulcalt, em História da Sexualidade, nos ajuda a compreender que tais práticas romanas foram banidas, além do motivo da proibição dogmática, como prevenção ascéptica na saúde corporal.

      Mas aqui importa é erguer o véu do catolicismo. Aí seria bom lermos as cartas de Sóror Joana_ ou melhor: o livro de Octávio Paz sobre ela_, e seu erotismo acentuado e desvelado. Nos relatos obtidos por Ginzburg para o seu História Noturna, o julgamento público feito pela inquisição católica contra a bruxaria, era cheio de histórias de orgias demoníacas retiradas da fantasia das mulheres por coação dos inquisitores_ o que servia a coadunar-se ao espírito lascivo reinante e angariar aprovação popular.

      E para irmos longe, num ensaio sobre Gandhi, em Cruze esta linha, de Salman Rushdie, vemos que o guru da guerra pacífica se deleitava com passar as noites ao lado de suas sobrinhas nuas, como forma de exercer seu domínio sobre os desejos. E Tagore compôs alguns dos poemas eróticos-religiosos mais lindos que já li.

      1. Me lembrei de Gore Vidal dizendo que, ao escrever o roteiro de Ben-Hur, colocou os vários chicotes e alguns apetrechos eróticos nas cenas de flagelamento dos cristãos para, segundo ele, atender ao sadomasoquismo inerente ao cristianismo. E depois, na mesma entrevista, saiu com uma interpretação pessoal, nestes moldes, do título de uma passagem de uma cantata de Bach, “Jesus, alegria dos homens”.

        Como já disse, não sou católico, mas toda semana ter um dia para a malhação do católico homoerótico e enganado, me lembra o Borat, mostrando o tradicional espancamento do judeu naquela perdida aldeia do cazaquistão.

        1. Charlles, a associação dos arrebatamentos de Santa Teresa com a sexualidade sublimada já são notórios, claro. O excerto que transcrevi já estava cá, em meus arquivos, há muito tempo, e cheguei a cogitar inseri-lo em um dos meus rascunhos pretensiosos meses atrás. Então, creio que não se trata de assombro com uma novidade, mas de encantamento com aquilo que tem a capacidade de maravilhar a todos nós, mesmo já sendo mais que cediço.

          Eu também me incomodaria com a “malhação semanal do pobre cristão”, mesmo não sendo um. Por algum motivo, não entendo o prazer que supostamente há em ficar lembrando às crianças, a todo momento, que Papai Noel não existe, ao mesmo tempo em que me admiro com o assombro que alguns tem com essa não-existência. Portanto, não foi por esse lado, o da “malhação” que decidi interpretar este “post”. Ao menos quanto a mim, não houve nenhum deboche, nenhuma vontade de ridicularizar a religiosidade, quando citei o diário de Santa Teresa. Isso seria, de certo modo, considerar a sexualidade como algo antirreligioso, e nada mais errado que essa opinião.

          Na verdade, creio que só dois tipos de pessoas cogitam que a sexualidade sublimada de Santa Teresa pode ser motivo de vergonha ou ofensa (alheia ou própria): os crentes e os ateus. Vejam, também mais isso eles tem em comum! Para os demais – ou, pelo menos, para alguns – a sexualidade mal disfarçada no cristianismo encanta, por ser sinal de que o verdadeiro sentimento religioso acaba por se manifestar mesmo em uma crença opressora e míope, nem que seja de forma subliminar e inconsciente.

          Da mesma forma, não é com deboche, mas com fascinação, que observo a presença dos rituais antropófagos de nossos mais primitivos antepassados na Eucaristia católica. O ato de comer o deus remonta à época em que a divindade estava associada ao animal cuja carne consistia na maior fonte alimentar da tribo – como, por exemplo, búfalos, antílopes ou, veja só, carneiros que são papais dos cordeiros. Remonta, também, à uma época posterior, em que o deus foi antropomorfizado e os selvagens devoravam a carne do velho rei ou do mais valoroso guerreiro para adquirir-lhes os atributos. A pobreza de espírito de Dawkins é ver nessas coisas apenas um elemento de desconstrução da fé das “crianças” em “Papai Noel”, e não uma razão para fascínio perante a riqueza da experiência fundamental do ser humano neste mundo.

          É uma fascinação misturada com horror e repulsa, tal qual a sensação que você teve ao fim Dogville. Pois, ao meu ver, o verdadeiro sentimento religioso, que dispensa a crença em qualquer deus e em qualquer espécie de metafísica, reside no deslumbramento com a existência carnal e impermanente do ser humano, com sua sexualidade, seu desespero, sua dor, sua violência e sua compaixão vivenciados de forma plena. Esse arrebatamento com o que é humano, demasiado humano, é justo o cerne da verdadeira experiência sacra. Foder, brigar, respirar, beber, comer e sofrer, para muitas tradições primitivas, são manifestações verdadeiras do que há de religioso em nós. Apenas os ocidentais modernos se desenraizaram de tal forma que chegam a considerar essas coisas como absolutamente distintas da experiência religiosa. E esse é o triste legado do cristianismo.

        2. Victor, concordo com absolutamente tudo de sua réplica abaixo. A desculpa maior de escrever comentários neste ou qlqer outro blog, é que quase se trata de uma conversa pessoal, o que nos exime de palavras mal escolhidas. “Assombro” é quase uma palavra mal escolhida por mim, mas a usei para apagar o que me parece uma tentativa de humor (ia dizer deboche) em cima das mesmas identificações distorcidas da acusação religiosa. Quando essa temática preguiçosa aparece por aqui, para acobertar a falta de tempo do Milton em produzir substância, espero o mesmo rodar em círculos em torno de algo que não é suficientemente argumentativo, mas que oferece oportunidade para se colocar para fora os antigos e já muito batidos traumas pessoais contra nossa sina de vivermos num país de históricas origens católicas. Não passa de uma terapia grupal. Neste sentido, o “ser do contra” acaba por me obrigar a me opor ao que parece ser o posicionamento subversivo requerido. Nada contra o seu excerto, aliás ótimo.

  5. Olá caro Milto!

    Confesso que sou uma assídua deste seu blog. Seus escritos são sempre perspicazes.

    Desta vez, além da visita para ler seus post, faço um convite a você para uma passada, ainda que breve, em meu blog. Modesto mas sincero.

    Gostaria muito de um parecer seu, pois algumas de suas criticas, ainda que desconcertantes, são profundamente encantadoras e admiráveis.

    Assim que tiver um tempo acesse http://www.madamecabaret.blogspot.com/

    De uma velha muito agradecida…

  6. “Jouissance:
    A palavra arcaica anglo-francesa jouissance, retomada e ampliada por Jacques Lacan no seminário sobre “Deus e a jouissance de A mulher”, sugere traduções interpretativas tão subtis como “orgasmo”, “gozo”, “fruição” “prazer”, “satisfação”, “posse”, “apetite” ou “desejo”. Em português, o termo tem sido traduzido por “gozo”, no entanto, tal tradução carece de uma mais precisa definição: “Gozo” (do espanhol goce, que, por sua vez deriva do latim gaudium para “júbilo, fruição”), ao equivaler-se a jouissance terá de traduzir gosto, prazer; posse ou uso de alguma coisa de que advêm satisfação, vantagens, interesses; deleite sexual, prazer, orgasmo. O sentido para onde também nos arrasta o termo, significando zombaria, desdém ou menosprezo por alguém, é antípoda do sentido lacaniano de jouissance, que não encontra realização fora do contexto sexual. Distingue-se de “prazer”, porque este, segundo Freud, embora motor de toda a actividade psíquica, é apenas um breve momento entre o desejo e a satisfação do desejo, assinalando desta forma um equilíbrio homoestático de um organismo submetido a uma tensão, que ele procura manter a um nível o mais baixo possível. A jouissance transgride este limiar de homeostase e “coloca-se” para além do princípio de prazer. Em francês, o termo tem ainda uma forte conotação sexual (que se perdeu em inglês, por exemplo, onde hoje é normalmente traduzido por “enjoyment”), significando literalmente “orgasmo”, porém há uma diferença entre ambos que se pode avaliar pela realidade quântica do orgasmo em oposição à impossibilidade de se quantificar a jouissance. Esta é precisamente o prazer que deixou de ser possível quantificar e ficou em excesso. Se a jouissance ordinária se atinge por ejaculação, a jouissance é uma jaculação, isto é, um arremesso para o infinito e, ao mesmo tempo, um arremesso interminável. ”

    Tirei daqui = http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/J/jouissance.htm onde tem muito mais!

  7. Quando vi uma foto desta estátua no meu livro de educação artística do segundo ano do ensino médio (eu tinha 17 anos e malícia pouca), achei a estátua belíssima. Exprime sentimento intenso, os raios atrás, o impressionante movimento da roupa, beleza beleza beleza.

    Ano passado, fui a Roma, e me arrependo profundamente por haver passado EM FRENTE à igreja onde esta estátua está (aliteração proposital), e não haver entrado para ver o êxtase de santa tereza.

    Ontem (e quando digo ontem digo o dia de ontem, 15 de outubro, não é força de expressão) terminei de ler o livro do Dan Brown, Anjos e Demônios (don´t judge me! :D), e ele faz exatamente essa análise da estátua. Orgasmo, anjo introduzindo a espada flamejante, lábios entreabertos e zoim revirando.

    Ora, eu me pergunto, qual o problema? 🙂 Grandes artistas retratam com maestria grandes sentimentos. O fato da Igreja pregar uma coisa mais pudica e casta e não obter sucesso em época alguma só prova o quanto certos aspectos da humanidade não podem ser ignorados.

    A estátua continua belíssima. Obrigada por postá-la.

  8. Vai parecer um orgasmo pra quem olhe pra ela procurando um orgasmo. A cara, em si, pode dizer muitas coisas: parece que ela levou um tiro, ou que está doidona de maconha, ou que está prestes a desmaiar. Mas quem olha pra ela procurando alguma espécie de arrebatamento ou transe religioso – coisa bastante condizente com o local onde a estátua se encontra e com a história da Santa que ela busca representar – também vai achar.

Deixe uma resposta