Carioca, de Chico Buarque

Post publicado em 11 de maio de 2006.

(Antes do Chico, vamos responder à pergunta proposta no post anterior. Foi este cara.)

Sim, é um trabalho muito bem acabado e Chico agrega-se ao notável grupo de MPB da gravadora Biscoito Fino. Não há lugar melhor para ele. Mas não esperem obras-primas como as do passado. Nem é esta a intenção, creio eu. Ser dublê de escritor e compositor popular exige algumas limitações. Carioca é um trabalho clássico, agradável e bom, que só avança na inclusão de um pequeno rap na segunda melhor canção do CD, Ode aos Ratos, com melodia de Edu Lobo. De resto, é um Chico parecido com o de seu último trabalho. Um Chico que não vai tocar no rádio, mas que todas as pessoas interessadas em MPB conhecerão e assobiarão. Um CD de arranjos perfeitamente convencionais, mas com letras de qualidade superior, a gentileza habitual da casa.

Fico meio nervoso quando me deparo com um CD de apenas trinta e sete minutos de duração. Não dá vontade de comprar. Talvez acostumado com os de música erudita e jazz, acho pouco. E, na primeira audição, tomei um susto ao ouvir o dueto com Mônica Salmaso, pois sabia que aquela era a última canção do disco. Já? É demais exigir que Budapeste seja seguido por uma grande obra musical. Afinal, apesar do que dizem as mulheres, Chico é apenas um ser humano; talvez menor do que a imaginação de alguns deseja e certamente maior do que os poucos hostis querem.

O que me surpreende é a forma como os compositores de música popular envelhecem mal. Se Chico bipartiu sua carreira tornando-se um excelente escritor, sua música parece cada vez mais parida a fórceps. Em vez das composições ficarem mais fáceis e naturais, em vez da construção de uma linguagem e de um estilo, os compositores de música popular ficam, com o tempo, encalacrados. O estranho é que os compositores eruditos fazem o caminho contrário, indo paralelamente e na mesma direção do que seria uma vida ideal: sempre melhorando e evoluindo. Parece que a música popular acompanha o envelhecimento físico de seus protagonistas, enquanto que a erudita evolui plenamente com o tempo. Por quê? Talvez Tom Jobim seja daquelas exceções que sirvam – clichê dos clichês – para confirmar a regra.

(A Claudia chega por trás de mim e, em sua permanente campanha para me desacreditar junto a meus sete leitores, esclarece a questão. Diz ela que a música popular vive da emoção e a erudita da técnica. E que o fenômeno Tom Jobim é facilmente explicado por tratar-se de um autor de melodias e harmonias muito mais elaboradas do que as utilizadas pelo comum dos compositores. Claudinha complementa a questão dizendo que, com o tempo, a emoção se acomoda e a técnica se aprimora. Por que não a conheci antes? Fecho parênteses.)

Outro fato que me surpreende é a ordem das músicas. Será que é puro acaso a colocação das melhores músicas todas juntas? Ouvi o disco umas sete vezes e estou convicto que o melhor está entre as faixas de 1 a 5 e de 10 a 12, ou seja, as melhores ficam no começo e no final, para garantir uma boa primeira e última impressões. As faixas de 6 a 9 baixam o nível do trabalho e me causaram algum mau humor, com destaque para a tentativa desesperada do arranjador Luiz Cláudio Ramos de salvar a melodia de As Atrizes com uma instrumentação pesada e cinematográfica. Se isto lhe é permitido pelo tema da canção, resulta em algo difícil de se suportar sem estendermos a mão ao player em busca da próxima faixa. É difícil compreender a insistência dos arranjadores de música popular quando chamam a atenção para o que há de ruim num trabalho em vez de desviar nossa atenção com improvisos instrumentais e um contigente mais leve.

Perfeitas são as canções Outros Sonhos, Ode aos Ratos, Dura na Queda, Leve e a campeã Imagina, com a participação da grande Mônica Salmaso. A propósito, se alguém puder me explicar porque uma melodia tão etérea e sonhadora ganhou um final de touradas, faça-o.

Ou seja, o mundo não vai mudar, nem o Brasil. Guinga continuará sendo o meu número um de hoje e as rádios continuarão nos torturando com a música-tema do filme Closer, Blower´s Daughter (de Damien Rice), devidamente retorcida por Ana Carolina e “Seu” Jorge. Um desastre. Mais detalhes aqui. É isso aííííííííí…

As Canções de Carioca:

01. Subúrbio (Chico Buarque)
02. Outros Sonhos (Chico Buarque)
03. Ode aos Ratos (Edu Lobo / Chico Buarque)
04. Dura na Queda (Chico Buarque)
05. Porque Era Ela, Porque Era Eu (Chico Buarque)
06. As Atrizes (Chico Buarque)
07. Ela Faz Cinema (Chico Buarque)
08. Bolero Blues (Jorge Helder / Chico Buarque)
09. Renata Maria (Ivan Lins / Chico Buarque)
10. Leve (Carlinhos Vergueiro / Chico Buarque)
11. Sempre (Chico Buarque)
12. Imagina (Tom Jobim / Chico Buarque)

3 comments / Add your comment below

  1. Gosto muitíssimo de “Carioca”. Não acho que seja um Chico menor, acho que é um Chico diferente, olhar mais sereno, trato menos flamante – talvez por causa dos idos da idade?
    “Imagina” tem sítio reservado e certo no meu peito, mas “Imagina” é canção que foi feita bem antes de “Carioca”, então não a considero de “Carioca” em si, porque não feita para o cd (o mesmo vale para “Ode aos Ratos”). Assim, pra mim, a melhor do cd é a deliciosa “Leve”.
    Gosto muito de “Ela Faz Cinema”, apesar de reconhecer que não é uma grande música. Talvez eu goste porque eu seja mulher e, nos meus mais doces devaneios, eu imagine alguém cantando-a para mim. Afinal de contas, toda mulher faz cinema… e quer ter um homem à sua mercê.
    Um beijo,

  2. Voltei aqui só para comentar que a revista Bravo colocou a canção “Leve” na 28a posição na lista das 100 melhores canções brasileiras. Não acho que a lista seja lá a coisa mais confiável do mundo – o fato de “Ponteio” não figurar nela é falha grave, pra mim é até heresia -, mas é digno de nota, né?

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