Certa vez, um chato de um cético perguntou a Louis Armstrong o que era o jazz e ele respondeu: Man, if you gotta ask, you`ll never know.
Minha mulher ama e conhece muito sobre óperas. Eu não, muito pelo contrário. Não gosto mesmo.
Como morou 7 anos entre Verona, Roma e Londres, pôde passar este período assistindo ao vivo uma ópera por semana. Quando voltou para Porto Alegre, por alguns anos participou de um grupo que se reunia semanalmente a fim de assistir e comentar óperas. Uma pessoa era escolhida para estudar a ópera e fazer o comentário inicial. Depois, a peça era vista de cabo a rabo e tudo terminava num jantar. Então me conheceu e, talvez pelo fato de minha paixão pela música de concerto e de câmara ser tão açambarcante, acabou oprimida e hoje é uma ouvinte mais ou menos conformada daquilo que ouço.
Também contribuiu para seu afastamento uma briga interna com quem administrava o grupo. Alguma dureza é necessária para manter por anos um grupo do gênero, mas os ciúmes e a competição extrapolaram em muito o amor ao bel canto. Os desentendimentos eram recorrentes e voltavam-se principalmente para os que debilmente se insurgiam, se ausentavam ou demonstravam mesmo o mais humilde desejo de mudar alguma coisa.
Para assistir uma ópera é necessária toda uma infraestrutura. O gênero faz menos sentido sem a imagem. É preciso ver cantar, ver o cantor atuar. Deste modo — e já que pouquíssimas óperas são apresentadas nas cidades brasileiras — , é necessário armar-se de um DVD, sentar na frente da TV e ficar ali umas poucas horas. Nem sempre dá, então participar de um grupo com compromissos de horário e discussão é uma boa. Faz acontecer.
A novidade dos últimos anos é ver ópera no cinema, muitas vezes ao vivo. Acho uma solução sensacional, já que nossas cidades são tão ineptas para montar as suas, apesar da paixão de muitos e do excelente material humano.
O fato de minha mulher ter, digamos, “jogado a toalha”, não é uma vitória minha. Na verdade é algo que lamento ter-lhe tirado. Porém ela é muito gregária e, para mim, acompanhá-la é um suplício. O resultado é que fantasio ou durmo. Não gosto do gênero e os motivos não são claros, apenas posso contorná-los. Penso que a maioria dos enredos sejam inverossímeis e talvez cantá-los corresponderia mais ou menos com o fato de atores saírem repentinamente dançando nos musicais. Isto é, acho que a expressão sincera se perde em meio à cantoria empostada e às muitas necessidades do gênero: mostrar voz, mostrar que está sobrando potência, atuar e ainda ser delicado, raivoso, terno, amoroso, rancoroso, engraçado, malvado, interessado, ciumento e tudo. É complicadíssimo e não vejo motivo para todo aquele esforço. I´ll never know. Pior: noto certo desespero dos autores em torcer as melodias para contar a história e os recitativos – frases “semicantadas” que para mim parecem algo como um roubar num jogo (e isso também vale para os das Cantatas e Paixões de Bach) – são de matar. Há também a total proeminência de melodia ou da voz principal na música; coisa que, hoje sei, me irrita. If I gotta think about it, I`ll never know, indeed.
Porém me assusta o fato de tê-la involuntariamente roubado algo que lhe era tão importante. Ainda mais que sua paixão pela música de concerto não me parece tão avassaladora, não obstante sua devoção a Brahms. Um dia, ela vai recuperar o amor pela ópera e eu só espero que não passe a me detestar.
Hoje, ela está na Espanha com sua mãe e depois irá trabalhar em Roma. É claro que esta culpa e este texto é uma expressão em péssimo recitativo de minhas saudades. Até o dia 8.
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