Retorcer, por Thomaz Santos

Retorcer, por Thomaz Santos

“O que mais me impressionou foi o quanto a maioria dos homens à minha volta detestava, realmente detestava, estar ali. (…) [Nas plateias de que eu participara] eu nunca observara rostos contorcidos de fúria, desespero ou frustração. A diversão como sofrimento era uma ideia inteiramente nova para mim, e parecia ser algo que eu vinha aguardando” (Nick Hornby, “Febre de Bola”)

Hoje, dia 28 de agosto de 2019, por motivos óbvios, tão óbvios quanto o sofrimento que seria a minha noite, não consegui dormir. São exatamente 2h42 da madrugada e não consigo desligar corpo e mente. Tudo retorna àquela questão que martela minha cabeça: e se o Nico tivesse feito o gol no jogo de ida contra o Flamengo pela Libertadores?

O chá de camomila já no segundo tempo do jogo disputado no Beira-Rio não fez efeito algum. E estar gripado, com o nariz pingando feito um torneira, também não ajudava. Não querendo incomodar meu filho, que já havia acordado graças aos meus espirros, nem minha esposa, também gripada e precisando desesperadamente dormir, refugiei-me em outro quarto, munido de cobertor, travesseiro, rolo de papel higiênico e pijama improvisado composto por uma calça de moletom e a camisa retrô do Inter com o número 7 do Valdomiro às costas. Deitei na cama, peguei o celular e o que fui fazer? Rever vídeos de gols históricos do Inter, especialmente da década de 1970, em homenagem a quem já havia sido homenageado pela minha camisa retrô.

Torcida colorada em Inter x Flamengo na última quarta-feira | Foto: Ricardo Duarte / SCI

E fiquei ainda mais acordado que antes, obviamente. Então, pensei em recorrer à leitura para ver se caía no sono. Vasculhei o armário do quarto em que me encontrava mas não achei o único livro que poderia servir para este momento: Febre de Bola, o clássico de Nick Hornby que como nenhum outro soube compreender e apresentar tão bem o que significava torcer para um time de futebol. Já perdi a conta de quantas vezes li esse livro. De cara ele parecia ter sido escrito para mim, um então jovem torcedor colorado que tinha de testemunhar as glórias do time rival enquanto o clube que eu tanto amava colecionava vexames e decepções entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2000. Esse livro, aliás, foi o que me fez criar simpatia pelo Arsenal, time do coração de Hornby, mais até do que o futebol de Thierry Henry, Patrick Vieira e Dennis Bergkamp. Porque se no período em que me deparei com o livro o Arsenal era um das melhores mais vitoriosas equipes da Inglaterra, durante boa parte do período retratado por Hornby no livro era como se o Arsenal fosse o Inter da virada do século: eliminações para times de divisões inferiores, finais perdidas de forma tragicômica e fracassos retumbantes em torneios continentais.

Pensando bem, os grandes temas que perpassam os três livros mais famosos de Hornby (Febre de Bola, Alta Fidelidade e Um Grande Garoto) são obsessão e amadurecimento, e como aquela pode muitas vezes frear a conquista desse. Ser um torcedor obsessivo (ou um obsessivo torcedor) me traz mais problemas que soluções. Eu fico irritado e mal-humorado depois de uma derrota do meu time (ou depois de um empate que levou à nossa eliminação do torneio continental), acabo me indispondo com pessoas de quem eu gosto, perco tempo e dinheiro em um amor nem sempre correspondido (quem torce por um time sabe bem como é isso) e, se tudo der certo, posso estar levando meu filho de 2 anos pelo mesmo caminho. Que espécie de pai tentaria criar em um filho o amor por uma instituição que, estatisticamente falando, é incapaz de só trazer alegrias para uma jovem criança? Pelo contrário, quem torce por qualquer time terá muito mais chances de ter frustrações que conquistas ao longo da sua vida, pois time algum no mundo pode ganhar tudo sempre. E todo time pode ser rebaixado, como finalmente descobri em 2016.

Mas, mesmo assim, eu sigo torcendo. E torcendo de novo. E retorcendo, inclusive a camisa, seja a do Valdomiro, do Fernandão ou do D’Alessandro. Porque ninguém torce só uma vez. Todo mundo retorce. E se retorce na frente da tevê, ao lado do rádio ou no meio da arquibancada. A cada gol sofrido, a cada pênalti perdido, a cada derrota sofrida, a cada eliminação doída. A gente torce e retorce, obsessiva e infantilmente, porque já não conseguimos ser de outra forma. Meu filho ainda tem chances de se livrar dessa obsessão que já me consumiu por inteiro. Sou, como diziam de Nelson Rodrigues, uma flor de obsessão. Minha sorte é a minha esposa ser uma colorada muito mais sensata e razoável do que eu, que se deixa afetar o mínimo possível pelas dores e derrotas que nosso time nos traz. Exceto quando eu assisto a um jogo na frente dela e não há como ela me ignorar, compartilhando um pouco ainda que seja desse mal que me aflige.

E semana que vem tem mais. Partida de volta contra o Cruzeiro pelas semifinais da Copa do Brasil. Com a possibilidade real de termos a primeira decisão de um torneio nacional disputada em dois Gre-Nais, o maior clássico do Rio Grande do Sul e, para muitas pessoas, do Brasil. São agora 3h20 e estou tão desperto quanto antes. Acho que vou ver alguns vídeos de gols do Inter contra o Cruzeiro. De repente o do gol iluminado do Figueroa na final do Campeonato Brasileiro de 1975. Será que eu tenho a camisa retrô dele com o número 3 às costas?

E assim sigo torcendo e retorcendo eternamente. Vamo Inter.

Nick Hornby

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Thomaz Santos é professor do curso de Relações Internacionais da UFSM e acha que entende mais de futebol que a crônica esportiva gaúcha.

Libertadores é coisa muito boa

Para se ganhar uma Libertadores é preciso futebol, mas apenas isto não basta. É preciso também certo espírito que costuma ser conhecido pelo nome de “copeiro”. O time copeiro é aquele que às vezes nem é o melhor, mas é o que chega a seus objetivos. O Grêmio foi copeiro, assim como o Liverpool e o Boca Juniors, mas hoje o cetro passou ao Internacional, ao menos na América do Sul. Sejamos francos, se a Libertadores fosse só futebol, se ela fosse só bola, o Estudiantes de La Plata teria eliminado o Inter nas quartas-de-final da Libertadores de 2010. Era mais time e jogou mais. Como Giuliano logro hacer aquele gol inexplicável na Argentina, foi criado o monstro que acabou por eliminar o São Paulo nas únicas grandes apresentações do Inter naquele ano — e ainda assim com direito a frango de nosso goleiro — e que ganhou do fraco Chivas na final.

Na verdade, todos querem a Libertadores com uma vontade a mais. Times que achamos bons são desmascarados no torneio. Nos primeiras primeiras rodadas desta ano, dois de nossos favoritos — Fluminense e Santos — tiveram enormes dificuldades por faltarem-lhe este esforço a mais. Os jogos Fluminense x Nacional e Flu x Argentino Juniors, mostraram ao flamante campeão brasileiro que ele sofria de falta de cojones. O tricolor carioca ficou tão brocha que entrou me crise. E o mesmo vale para os saltitantes meninos do Santos. A Libertadores dá preferência aos times sérios e pragmáticos, sem dúvida.

As arbitragens do torneio também ajudam os times menos firulentos. Os juízes não dão qualquer faltinha, não interrompem o jogo só porque Neymar atirou-se ao chão rolando e fazendo cara de quem sofreu uma tentativa de assassinato. Para a falta ser marcada, é necessária… a falta, coisa que nossos juízes teimam em não obedecer. Deveria dizer que é jogo pra macho? Olha, não sei, o que sei é que times que utilizam esforço médio ou residual não vão longe no torneio.

A posição do Peñarol em seu grupo — lider e classifcado por antecipação com uma rodada de antecedência — mostra bem isso. Perdeu de 5 x 0 para a LDU em Quito, mas em todos os jogos, mesmo nesta goleada a qual me referi, jogou à morrer, à uruguaia, e conquistou 3 vitórias, apesar de ser um líder com saldo -4. Maravilhosa Libertadores.

Hoje o Inter pega o mexicano Jaguares na cidade de Tuxtla Gutiérrez. Os caras vem mordidos, mas são mexicanos. Os mexicanos não dão a impressão de terem entendido a índole futebolística suicida do campeonato. Espero que não demonstrem terem-na descoberto hoje. E espero que nos comportemos como o habitual: jogando mal — com a torcida passando a noite inteira a cornetear Celso Roth — e ganhando na base de nossas caríssimas individualidades.

TOLIMINADO, TOLIMADO… Até 2012, Corinthians

A desclassificação do Corinthians para o Tolima da Colômbia não chega a surpreender. Por exemplo, meu colega de trabalho Jorge Seadi brincou com o fato de Liédson ter sido contratado pelo Timão para jogar a Libertadores. “Que Libertadores?”, perguntava ele. “O Tolima é franco favorito depois do empate em São Paulo”. Eu concordava com ele. O time do Corinthians é fraco e ainda tem o comando do Pastor Tite, velho conhecido dos colorados.

Ontem, com naturalidade, o Tolima fez 2 x 0 e levou a vaga. Então, como esteve numa mera pré-Libertadores, o clube paulista fica sem sequer ter participado da competição continental de 2011.

O Corinthians esforçou-se, mas é curioso como parecem desinteressados os times desorganizados. Não jogaram porque não puderam, não correram como loucos porque não sabiam como ou ou para onde ou para quê. E, por favor, alguém me explique a presença do gordo garoto-propaganda Ronaldo até o final do jogo. Não há sentido nisso. Ele foi um de nossos maiores jogadores de todos os tempos, deveria preservar sua biografia ao invés de manter-se ativo por um punhado de dólares. A lembrança do grande Ronaldo Nazário é algo que vai caindo no esquecimento. Em seu lugar, aparece um gordinho desajeitado. É uma falta de respeito consigo mesmo.

E, ontem, no twitter, todos diziam o mesmo: faltou um juiz brasileiro para resolver o problema. Vou finalizar dizendo uma coisa nem tão surpreendente. Sabe do que mais gosto na Libertadores além do fato do Inter ser um autêntico copeiro? Exato, dos árbitros. Ele não dão faltas simuladas, dão poucos cartões amarelos e muitos vermelhos. Agrediu? Pode ir embora. E não beneficiam os queridinhos da CBF.

Agora, só resta ao Corinthians passar 2011 lutando para voltar em 2012. Será fácil, aqui tem arbitragem amiga.


Recebi da Cami nhante:

httpv://www.youtube.com/watch?v=e8X9-aQbVBI

Ou clique aqui.

Do autoritarismo

Não, o assunto não é futebol. É sobre algo que sempre me fascinou: o comportamento das massas, mesmo no microcosmo de um pequeno grupo em pé numa arquibancada.

O Chivas ganhava o jogo por 1 x 0 e estávamos todos nervosos ou apavorados com a possibilidade, naquele momento bem real, de perdermos a Libertadores para um time inferior. Foi quando meu vizinho acendeu um cigarro de maconha. Nada anormal num estádio de futebol  — o cheiro de maconha é uma das fragrâncias mais comuns nestes locais. Só que de repente um grupo de pessoas começou a berrar desorganizada e histericamente:

— Apaga, apaga, apaga essa merda!

Olhei para trás e vi um grupo de senhores cujos rostos pareciam ter saído de uma foto de milicos das muitas ditaduras que nosso continente viu durante os anos 60 e 70. Tinham as caras cortadas à foice, rostos irritados e seriíssimos como se estivessem apanhando de mexicanos. E se mostravam cada vez mais agressivos:

— Fracassado, viciado, maconheiro, filho da puta, vagabundo, traficante! Apaga esta bosta! Apaga agora, porra!

O fumante a meu lado, de olhos vermelhos certamente em função da derrota parcial de seu time, estava apavorado, sem saber se iam chamar a Brigada Militar ou se ia apanhar ali mesmo. Só que naquele exato momento Rafael Sóbis fez o gol de empate.

Como se tivéssemos ensaiado por horas, todos, mas todos os que estavam em volta e que não tinham sido torturadores no passado, ato contínuo se abraçaram ao maconheiro e passaram a gritar, pulando no mesmo ritmo:

— A-cen-de! A-cen-de! A-cen-de!

Éramos uns 20… Confesso não ter conferido a face dos milicos após a vingança.

Confissões de um homem sem caráter

Por Franciel Cruz
(espalhando coisas boas a meu respeito)
(ver última frase do quarto parágrafo)

Com seu inconfundível timbre que passeia entre o mar da Bahia e as montanhas dos Gerais, a mineira Jussara Silveira, talvez a melhor e mais baiana cantora da atualidade, fez a fundamental profissão de fé no Bolero Maria Sampaio. Ouçam: “Amigos são parentes que pude escolher”. Porém, um amigo sacana metido a erudito (esta raça de gente ruim) garante-me que os autores da referida canção, Almiro Oliveira e J. Veloso, se inspiraram na seguinte assertiva do francês Deschamps: les amis — ces parents que l’on se fait soi-même, que, numa tradução malamanhada, seria algo como “Amigos são familiares que cada um escolhe sozinho”.

Foda-se a erudição! Nada entendo de francofilia, direitos autorais e pouco me importa quem vai receber os royalties. O fato é que, há coisa de dois anos, eu escolhi uma nova família: o Impedimento. Foi amizade e admiração à primeira lida. A cada texto era como se a gente já se conhecesse desde sempre. E mais grave: contrariando toda e qualquer lógica, fui acolhido com uma generosidade assombrosa. E quando digo acolhimento não me restrinjo ao sentido figurativo, de dar guarida aos meus desajeitados rabiscos. Nécaras.

Um exemplo? Recebam.

No início de setembro do ano passado, comuniquei a estes meus novos parentes que iria descer a ribanceira rumo a Porto Alegre para orientar o Esporte Clube Vitória na peleja contra o Grêmio. Ato contínuo, Milton Ribeiro, a quem eu não conhecia nem de vista, de nariz ou de chapéu (chupa, Machado de Assis!) abriu as portas de sua casa, oferecendo-me uma excelente estadia, regada a bons papos e rangos de alta qualidade – não necessariamente nesta ordem. E tudo isso sem pedir nada em troca, antes que os hereges comecem a propagar maledicências. Afinal, até onde eu sei, Milton é gaúcho, mas não pratica.

Pois bem.

Tentando retribuir tamanha gentileza, como se existisse alguma forma de retribuição, fiz algo que contraria minha religião. Entreguei a um torcedor de outro time o bem mais precioso dos 18 continentes: uma camisa do Vitória. E ele vestiu o manto Rubro-Negro com orgulho – e fiquei puto. Por quê? Ora. Mesmo tendo sido eu o autor do presente, não conseguia conceber alguém que não torce para o meu Leão envergando a indumentária sagrada.

Aliás, este meu xiitismo leva-me sempre a indelicadezas.

Na antevéspera da final da Copa do Brasil entre Vitória x Santos, por exemplo, estava perdido na noite suja paulistana bebendo com Izabel Marcilio. Lá pra tantas, ela fala sobre suas duas paixões: O Corinthians e o Bahia. Sob o efeito de diversas canjebrinas e do incurável fanatismo, sentenciei. “Quem torce para mais de um time não tem caráter”. A menina Bel, que também possui uma generosa alma impedimentística, relevou.

Quero dizer, relevou, vírgula, pois mulher é bicho vingativo.

No início desta semana, ao ver que eu despejei no Terra Magazine minhas dores e orgulhos inúteis de glórias idem, ela partiu para o fulminante contra-ataque. “Chegando no Terra? Massa, Franciel. Quando tiver mais chegado, pergunte a Bob Fernandes (editor da disgrama) se ele é Baêa ou Santos, que isso de torcer pra dois times, que eu saiba, é coisa de mau caráter”.

Engoli em silêncio, pois não gosto de contrariar mulher.

Quarta, inclusive, a minha Patroa telefonou para esta gloriosa repartição convocando-me para ver um show de um cara com nome jogador francês: Tiganá Santana, exatamente às 20h. Eu quase disse não, mas pensei em meu espinhaço e recorri a Marisa Monte: “Claro, meu bem. O que é que a gente não faz por amor?”.

E fui. Porém, o ponteiro do relógio acelerava e o desinfeliz não parava de cantar. Eu nada ouvia porque minhas vastas emoções e pensamentos imperfeitos estavam voltadas para a partida entre Inter x Chivas. Exatamente às 21h23, o francezinho sai do palco. A plateia pede bis e eu peço uma guilhotinha. Vontade da zorra de enforcar todos aqueles hereges.

Vendo meu desespero, ela pergunta: “O que é que tá acontecendo?” Eu digo: “Nada. É que hoje tem a decisão da Libertadores e estou preocupado com meus amigos gaúchos”. E ela, de bate-pronto: “Não sabia que angústia era contagiante”.

Nem eu. Chego em casa esbaforido e vejo que a porra do time colorado foi contaminado pelo meu nervosismo. Ninguém acerta zorra de nada. Ninguém, vírgula, um viado mexicano manda uma bola no ângulo. 1 x 0. Penso logo nos pênaltis. Afinal, já haviam me ensinado que “No futebol da arquibancada, prova de caráter é ser pessimista”.

Começa o 2º tempo e Rafael Sobis continua enojando meu baba. E quando ele perde uma bola boba na lateral, não resisto e grito para todo o norte e nordeste de Amaralina: “CELSO ROTH, FILHO DA PUTA, bote Alecsandro, carajo, este conhece de futebol, pois já jogou no Vitória. Não quero nem saber se o matador está machucado”. Nem termino o xingamento e Sobis manda a criança para o barbante.

Então, chego à úncia conclusão possíevel naquele momento: sabe tudo este Roth, não foi à toa que começou a carreira treinando o Brioso Rubro-Negro.  O quê? Vai trocar Sobis por Damião? Este Roth não toma jeito. Continua o mesmo sacana que um dia botou Petkovic no banco para colocar Alex Mineiro.  No entanto, Leandro Damião, honrando o sobrenome de nordestino, sai numa correria desabalada como se fora um fugitivo da seca e só para na terra prometida: 2 x 1.

Ninguém dorme mais no pacato nordeste de Amaralina. Nem meu filho, que há poucos dias me propiciara ETERNAS EMOÇÕES, suporta minha algazarra quase solitária e larga a seguinte: Meu pai, você é um alienado.  Nem ligo. Afinal, desprovido de qualquer resquício de caráter, estava comemorando meu primeiro título Internacional.

Essa homilia é dedicada a Teixeirinha.

Originalmente escrito para o Impedimento.