Eu não vou prantear Chico Anysio

A Salomé de Chico Anysio: linha direta com a ditadura

O que posso fazer? Sempre achei o cara um saco, chato mesmo, o rei do humor rasteiro. Quando era criança e ainda via a Globo, gostava mais de Jô Soares. Chico Anysio era… cansativo, extremamente cansativo naquela eterna criação de tipos que logo se esgotavam e que acabavam repetidos ad nauseam. Criou 200 personagens, cada um com uma piada.

Lembro de algumas coisas, mas principalmente de minha opinião sobre a personagem Salomé, a velhinha que falava ao telefone com o presidente Figueiredo, tratando-o por João Batista e deixando o equino mandatário mais deglutível à população. Lembro como ele parecia bem acomodado durante o regime militar na Globo, mas não sei de maiores detalhes. Lembro também de seu ressentimento contra os novos humoristas como a turma do Casseta & Planeta. OK, eles não eram grande coisa, mas Chico ficou muito puto quando foi encostado pela Globo em favor dos meninos liderados por Bussunda. Mais cômico e estranho foi seu casamento com a ex-ministra de Collor Zélia Cardoso de Mello.

Aliás, há um episódio muito repugnante, ocorrido durante a campanha Collor X Lula. Ele tinha um espaço de stand-up no Fantástico. Então, em pleno calor da campanha, lá foi ele ajudar Collor: contou que D Marisa não poderia ser primeira dama porque o Planalto tinha muitas janelas de vidro e ela não resistiria a limpá-las todas. A Globo o adorava, claro. Era o retrógrado engraçado, o conservador popular. Como os textos que aprovava não eram suficientemente cômicos — pois humor à favor é complicado de aguentar — ,  Anysio passou superfetar novos personagens sob o filtro de seu talento de ator e, principalmente vocal. A propósito, Chico tinha excelente voz e sabia como usá-la. Era o que tinha de melhor.

Acho estranho que toda essa gurizada o esteja chamando de grande mestre do humor, etc. Na verdade, tiveram a sorte de vê-lo quando eram crianças. Todo mundo tem saudades da infância. Na minha opinião, Chico Anysio é um subproduto do monopólio da Globo. Ela era o humor que havia disponível. O ídolo poderia ser outro, mas ele teve sorte de estar lá no momento certo.

Infelizmente, não descansará em paz. Quem vê TV deverá ser invadido por homenagens ao grande homem. Estou fora dessa, ainda bem.

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    1. Mas quem no estrelato brasileiro não é um subproduto da Globo? E a Globo NUNCA, JAMAIS, nem em seus momentos menos deterministas, chegou aos pés de uma liberdade de opinião como, p. ex., a BBC londrina. É um aprendizado de nossa pobreza midiática ver a série do Monty Python produzida pela BBC: um dos alvos do humor nonsense deles era a própria emissora. Aqui não temos o privilégio de ver nada semelhante. Lembra o quanto era deprimente ver Chico Buarque em seu programa global bater continência para o sistema Marinho? Nessa ótica, se não admirarmos Anisio, quem sobra?

  1. Nem eu! Já foi tarde! O sujeito nunca conseguiu me arrancar uma risada, nem um risinho amarelo, aliás… Assisti-lo, para mim, sempre foi uma experiência supliciante… quando via qualquer quadro do chico anysio eu ficava pensando “nossa, esse cara tá querendo me fazer rir, mas tipo, essa voz rouca não é engraçada… essa peruca não é engraçada… ai, ele tá querendo me fazer rir… droga… tenho que rir… essa fantasia tá patética, será que ele não nota?… ih, lá vem de novo aquele bordão… e eu não ri! droga!…mas o véio tá querendo me fazer rir, ele tá se esforçando muito” – e daí tudo se nubla numa imensa vergonha alheia… insuportavelmente constrangedor!… E na real era isso: tinha 209 personagens coisa nenhuma: tinha 209 figurinos, 209 bordões sem graça e sempre a mesma cara e a mesma voz rouca. Tô fora!

    1. Que há uma distância muito grande entre Chico Anisio e Rafinha Bastos, ah, isso há!

      (Pode ser um erro de interpretação minha, mas eu vejo a Salomé sob uma ótica oposta ao do Milton. Há uma pitada boa de ridicularização de um dos mais inúteis mandatários do país na cena de uma velha falando com ele pelo telefone com um grau inusitado de intimidade. Me lembra, para citar mais uma vez o Monty Python, um sketch desse grupo em que uma dupla de velhinhas atravessa meio continente para perguntar a Sartre o que ele quis dizer com uma frase bastante trivial de uma peça sua. Isso serve para diminuir o grau de importância depositada em cima de uma sumidade ortodoxa. Salomé serviu para demonstrar o quanto Figueiredo era uma impostura, um palhaço, alguém para não se levar a sério. E lembre-se que há uns dez anos Anisio teve uma grande refrega com a Globo. Fez críticas contundentes contra a emissora. E também foi ele, junto com o Kifuri, o Jô e a Marília Gabriela, quem denunciou a máfia das loterias esportivas, alicerçada pela zebrinha do Fantástico. Ele não ria com toda a circunferência da boca diante a magia global, como o faz os velhos Caetanos e Gil nos especiais de final de ano,)

  2. Putz,concordo com cada letra!!! Sempre achei o Chico Anysio um MALA DO CACETE e como alguém aí já disse nunca me arrancou nem um riso amarelo.Outro que acho absolutamente insuportável é o Renato Aragão e seu Didi Mocó, outro cara absolutamente sem graça e cultuado por todos. Nem criança eu o suportava e para mim era uma tortura quando criança ir obrigada a assistir seus filmes no cinema pois não podia ficar sozinha em casa. Me achava uma criança meio a parte pois não via graça alguma naquele humor tosco e desprovido de inteligencia,apelando o tempo todo para alguma situação grotesca e ridícula. Também estou fora.

  3. Não acho nem uma coisa, nem outra – nem que era um gênio, nem medíocre. Falo do artista, naturalmente; isto posto, a pessoa me era repulsiva. Uma entrevista infeliz no Jô, defendendo matança de baleias (de maneira torta, mas enfim), mais o casamento incompreensível com D. Zélia, e mais uma declaração sobre – de novo – casamentos (“quem está casado há 30 anos com a D. Maria entende de D. Maria – de casamento, entendo eu, que me casei 6 vezes”), pra mim são amostra suficiente da mediocridade do indivíduo. Mas enfim, agora que ele morreu, certamente virou um santo automaticamente, pois não?

  4. Chico Anysio era solamente um artista,aliás um grande artista, com seus altos e baixos.
    Eu tinha uma fita K7 com uma gravação em que ele descrevia um jogo de futebol de várzea que era muito hilário,até hoje estou gargalhando. O timing que ele possuía p/ contar piadas eram insuperáveis.
    A Escolinha do Profº Raimundo também foi outro seu ponto alto,ele ajudou muitos humoristas na época que estavam esquecidos e desempregados (Walter D,Ávila,Grande Otelo,Zezé Macedo,Rogério Cardoso…).
    Jô Soares tinha um humor mais classe-média, mais elitista, devido claro sua formação mais erudita além de um admirador confesso do Chico.Jô sempre foi da Globo mas espertamente nunca se envolveu com política.
    Quanto a casar com a Zélia e votar no Collor,bem,ninguém é perfeito…

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