Juliette Binoche fala de prostituição e casamento burguês

De “O Globo”

“No colégio, tive amigas que se prostituíam para sobreviver”

BERLIM – A imprensa francesa se refere a ela como “La Binoche” — e não há ironia na expressão. Entre seus compatriotas, Juliette Binoche é tratada como patrimônio nacional, a grande dama do cinema de sua geração, dona de um currículo sólido, recheado de personagens ora líricos, ora controversos, como a jornalista do drama “Elles”, em cartaz nos cinemas da cidade. No filme da jovem diretora polonesa Malgorzata Szumowska, Juliette interpreta uma repórter de uma revista que, ao mergulhar no mundo da prostituição, passa a questionar sua existência burguesa, ao lado do marido e dos filhos.

Aos 48 anos, a atriz continua inquieta como nos primeiros anos da carreira, quando empolgou como um dos vértices do triângulo amoroso de “A insustentável leveza do ser” (1988) ou a jovem amante de um membro do parlamento inglês de “Perdas e danos” (1992). Ela continua fiel a seus instintos mesmo depois da bajulação decorrente do épico “O paciente inglês” (1996), em que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante.

— Busco projetos que me façam sentir a necessidade de fazê-los. Gosto de ser convencida a fazer um papel, mesmo sem saber exatamente a razão — diz a atriz, sentada no canto de um barulhento café de Potsdamerplatz, durante o Festival de Berlim, onde “Elles” foi exibido na mostra Panorama. — Nós, atores, sempre esperamos que o trabalho afete nossas vidas. Queremos ser comovidos por uma experiência nova, explorar coisas dentro de nós que, ao mesmo tempo, também nos é exterior. Sinto vontade de me despir da minha pele e entender melhor não só a mim mesma, mas também a sociedade em que vivo.

Neste aspecto, “Elles” tem muito a oferecer, embora parte de sua controvérsia seja exagerada. O filme confronta o estilo de vida da jornalista, que vê o relacionamento com o marido e os filhos se deteriorando dentro de seu confortável apartamento parisiense, com o das duas jovens prostitutas que entrevista. À guisa de pesquisa, a produção do filme ofereceu a Juliette um documentário sobre universitárias que vendem o corpo para pagar os estudos, feito durante a fase de confecção do roteiro.

Um desafio: cenas de nudez aos 48 anos

A atriz achou o material muito informativo, mas ela já estava familiarizada com o assunto:

— No colégio, tive amigas que se prostituíam para sobreviver. Não as julgo, porque sei como é difícil estudar sem apoio financeiro da família ou do estado — conta. — O documentário que vi ajudou a me atualizar sobre o tema. A prostituição entre jovens é um fenômeno mundial, principalmente por causa da internet. O que me impressionou foi descobrir que parece ser muito fácil entrar na prostituição para quem está do lado de fora dessa vida. Mas, aos poucos, descobre-se que não é tão fácil assim, as pessoas idealizam muito a profissão das prostitutas. Elas se expõem a perigos reais nessa atividade.

“Elles” impôs pelo menos um grande desafio a Juliette, à beira dos 50 anos: fazer cenas de nudez. Na mais polêmica delas, sua personagem se masturba no chão do banheiro. Amparada pelas mulheres atormentadas que interpretou no passado, Juliette não se abalou.

— No final das contas, foi até divertido (filmar nua) — diz, pontuando a frase com uma sonora gargalhada. — Porque estabelecia um contraste, sabe? No final do dia, Anne, a minha personagem, põe um bom vestido, como uma prostituta sedutora. É como um espelho para ela: depois de ouvir todas as histórias das prostitutas, de conviver com elas, Anne volta para o casamento burguês para enfrentar as perdas dentro de casa, mas dentro de uma roupa elegante. Gosto dessa contradição. É como fumar um cigarro depois do sexo e descobrir na TV que o mundo está acabando em algum lugar lá fora.

Mãe de Raphael, de 18 anos, fruto de sua união com o mergulhador Andre Halle, e de Hannah, de 12 anos, filha do ator Benoît Magimel, Juliette mora numa confortável casa de Vaucresson, subúrbio luxuoso de Paris. Solteira e com os filhos já mais ou menos encaminhados no mundo, a atriz se sente mais à vontade para os projetos que quiser. Há dois anos, foi para a Itália com o diretor iraniano Abbas Kiarostami rodar “Cópia fiel”, produção que lhe deu a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes de 2010.

Ano passado, voou para o Canadá, onde rodou uma pequena participação em “Cosmópolis”, de David Cronenberg, no qual interpreta uma das amantes do galãzinho Robert Pattinson.

Nas telas, amante de Robert Pattinson

Por razões financeiras, parte de “Elles” foi rodado na Alemanha. O nome de Malgorzata lhe foi sugerido pelo diretor de fotografia Slavomir Idziak, que conheceu no set de “A liberdade é azul” (1993).

— Perguntei ao Slavomir o que estava acontecendo de interessante no cinema polonês, que já nos deu Polanski, Kieslowski e Wajda, e ele me disse que a única grande cineasta da geração atual era Malgorzata. O nome dela ficou na minha mente. Umas duas semanas depois dessa conversa eu recebi o roteiro de “Elles” — lembra. — Achei um assunto forte, especial, arriscado. No nosso primeiro encontro, Malgorzata chegou a dizer que não nos daríamos muito bem, porque ela tem personalidade forte e eu também tenho personalidade forte, e blá, blá, blá… Mas, no final das contas, foi ótimo, foi como se dançássemos juntas no set.

6 comments / Add your comment below

  1. Ah, Milton, estou de saco cheio disso tudo…

    ESPANTALHO
    by Ramiro Conceição

    Entre os tropeços dionisíacos de vinhos,
    de mil pedaços – nasceu um espantalho,
    onde o apolíneo teima em construir seus ninhos.
    Por isso – com malicia, Picasso recorta espaços
    de um quadro, a ensinar Portinari; enquanto Einstein
    ao tempo lança pedrinhas; mas Garrincha ri ao vento,
    pois deixou Van Gogh a procurar o amarelo dum gol
    dourado de Pelé, num sonho de Pessoa que, bêbado,
    dorme até a hora da chegança de Caeiro com os seus
    carneiros a balir entre os dentes os poemas de Dante,
    de Goethe, de Poe, de Rilke, de Bandeira, de Whitman,
    de Drummond à colossal manhã provisória do mundo.
    Nietzsche explica o eterno retorno… Mas Shakespeare
    reescreve: sem matar ninguém; e Cervantes abandona
    Dulcineia a Camões que não é só zarolho; e triste, Marx procura
    decifrar a história que Dostoievski crê estar nas batatas de Deus
    que Machado doou ao vencedor; Sócrates cutuca Platão!: Freud
    está feliz!; enquanto Joyce, Homero, Bach e Lennon&McCartney
    inventam um cancioneiro para Beethoven, que pela primeira vez
    irá ouvir, e para Clarice que quase completamente ri, plena de si.

    1. Entre as declarações da tal Juliette,
      prefiro… a realidade que vi!
      .
      .

      CIRCO
      by Ramiro Conceição
      .
      .
      Este mercado… é macabro!
      Empregaram pra bater punheta,
      no picadeiro do circo Kingson,
      velhinhos com mal de Parkson.

      1. E é por isso que inventei alguns aforismos…
        .
        .
        AFORISMOS
        by Ramiro Conceição
        .
        .
        1.
        O poder
        só lambe
        o umbigo.
        Perigo!

        2.
        Por assustador que pareça,
        não existem portos seguros.
        As religiões são barcos náufragos
        em que só os capitães são salvos.

        3.
        Pros antigos romanos,
        Lúcifer… era Vênus,
        a falsa estrela perfeita.

        4.
        Quando vem o silêncio que quase mata,
        faço logo algum barulho pra ver se passa
        essa burrice intermitente… que ameaça.

        5.
        A gargalhada é o estampido,
        o tiro d’alma a matar o tédio
        da bípede súplica a Deus
        – pra privatizar as graças,
        socializando as desgraças.

        6.
        Quem der mais, leva.
        A justiça é puta cega.

        7.
        Não há perguntas idiotas
        mas… respostas idiotas!

  2. Gerard Depardieu, figuraça, diz que “la Binoche” não é uma atriz, e não passa de uma fraude. Acho que ela é uma atriz. Uma atriz e só. O que é até bom: superrepresentação me dá engulhos, do gênero Meryl Streep. Mas é só isso: só uma atriz, não diferente de outras centenas na França, de milhares no mundo. O Depardieu (meu ídolo: bebe 3 garrafas de vinho por dia) talvez se confunda com o “dieu” no seu nome.

    Quanto as putas, existem várias formas de se chegar à profissão, mas gosto apenas de uma: quando a mulher é ninfomaníaca, e sua atitude profissional é requisito de equilíbrio emocional. Essas, infelizmente, são minoria no meio. A maioria está no regime do cálculo: diarista (R$ 50,00) x puta (R$ 500,00) = puta (R$ 25.000,00). A lamentar também as ninfomaníacas covardes que preferiram casar e ter vários amantes do que encarar a vocação na plenitude. Quer dizer, não deixam de fazer o mesmo, só que com remuneração menor. Ou não?

  3. Que estranho! Vi o filme faz umas duas semanas e não me lembro de ter havido cenas de nudez da Juliette, mesmo na de masturbação. As duas garotas prostitutas é que aparecem nuas. Será que estou tão desmemoriada assim? O_o
    Quanto ao filme em si, achei-o medíocre (no sentido “correto” do termo) e com atuações consistentes. O problema maior está no roteiro frágil. De um lado, o filme mostra aonde quer chegar, mas nunca chega, e acaba sendo superficial. De outro, a protagonista chega a ser por demais ingênua em alguns momentos e as suas dúvidas e preconceitos são muito batidos.
    Bom, talvez seja culpa minha, que fui assistir ao drama com outras expectativas.
    Abs.,

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