Os gatinhos da Ospa e a ascensão do conservadorismo pela via religiosa

Volo 1
O volume 1 da numerosa série

Com a ajuda dos amigos FM e MPN.

Não tem nada a ver? Pois tem sim.

Prelúdio

Lembram aquelas seleções de clássicos dos anos 70 e 80 que tinham gatinhos na capa? Ali, o Aleluia de Handel podia vir antes de Rhapsody in Blue, a qual era seguida da Abertura 1812, por exemplo. Salada semelhante foi servida  na noite de ontem. A Ospa estava cheia de gatinhos, óin… Claro que isto não cria público. Este gênero de programa é válido apenas em séries de concertos para escolas ou como eram os velhos “Concertos para a Juventude”, mas, enfim. O apelido “Disco de Gatinhos” ou “Concerto de Gatinhos” é de autoria do Júlio e da D. Cristina lá da King`s Discos, esplêndida loja que ficava na Galeria Chaves. Eles não gostavam muito daquelas seleções… Nem eu.

Allegro politico

Eduardo Cunha, o homem que está tentando — e que provavelmente conseguirá — acabar com direitos trabalhistas conquistados em décadas de lutas, é fiel da Assembleia de Deus. Faz parte da bancada religiosa que infestou o Congresso Nacional. É um lutador, um fundamentalista encarniçado, um homem perigoso.

Vitória em Cristo...
Retrocesso e maior sofrimento para os trabalhadores em Cristo

Já eu e todos os que estão em greve hoje acham que ele é um criminoso. Afinal, ele está jogando nossos direitos trabalhistas fora em nome do pagamento do lobby dos empresários que financiaram a campanha eleitoral dele e de outros. Foi isso que os deputados fizeram quando aprovaram o projeto que beneficiava os empresários. Nós, é claro, ficamos apanhando do lado de fora do Congresso, sem poder entrar.

Enquanto a bancada religiosa acaba conosco, nós paricipamos de um um festim fora do Congresso
Enquanto a bancada religiosa nos fodia no Congresso, um flagrante da festa lá fora

Eduardo Cunha — como costuma ocorrer com os evangélicos — também é um conservador. Ele representa uma oligarquia política oportunista que se aproveita de um governo fraco e desestabilizado para fazer o Brasil retroceder para aquém das mínimas conquistas de melhoria da qualidade de vida, tudo sob a lógica do “melhor um trabalho péssimo que nenhum”, chantagem canalha que apresenta apenas duas alternativas quando existem múltiplas.

Eduardo Cunha é do PMDB e é um sujeito que usa as palavras gay e feminismo como se fossem palavrões. E diz coisas incríveis: “Eu não acho que o homossexualismo deva ser imposto à sociedade”. Eduardo Cunha é do PMDB. O governador Sartori é do PMDB. E a Ospa é do Governo do Estado.

Desculpem o mau gosto da foto | Foto: Guilherme Santos / Sul21
Cunha e Sartori ouvindo Temer: desculpem o mau gosto da foto | Foto: Guilherme Santos / Sul21

Adagio difficili da uccidere

Tal orquestra seminômade criou o projeto OSPA nas Igrejas. Os espaços que o projeto ocupava eram restritos às mais tradicionais instituições religiosas, mas é legítimo que outros espaços de culto reivindiquem concertos, não? Antes dos terreiros de umbanda, dos budistas e do candomblé, os evangélicos saltaram à frente na disputa, pois o momento é de ofensiva social e política deles. Quando eles tomarem o poder em Brasília — pois é essa sua intenção — teremos o maior espetáculo de incultura, burrice, arrogância, intolerância e estupidez de todos os tempos. Nosso país sem educação permitirá tudo a eles. E ontem o concerto (de gatinhos) foi no Templo da Assembleia de Deus da General Neto. Os admiradores da boa música em salas adequadas e humanistas que não têm simpatias pelas relações entre instituições públicas e templos religiosos lastimam e se afastam. Este projeto, ruim na origem, torna-se cada dia pior. No momento político atual do Brasil e do mundo, é um temerário apoio ao furor teocrático dos neopentecostais que são adulados por quase todos os políticos com a exceção de poucos partidos..

Vão me dizer que a orquestra precisa de locais para dar seus concertos, mimimi que justifica o afago feito ontem ao poder mesmo que este esteja no arcabouço de uma tendência que nos empurra mais para perto da tragédia do fundamentalismo. Todos querem ficar bem com a(s) igreja(s). Elas dão votos agora e problemas logo depois, se quisermos voltar a Eduardo Cunha e à famigerada bancada religiosa.

A nova sala de concertos
A nova sala de concertos na General Neto, em Porto Alegre

Presto breve

Nem deveria ter escrito isso. A maioria dos cristãos odeia demais e vou ter que moderar os comentários furibundos deles. A pessoa que tem fé deveria procurar só fazer coisas dignas dela, não? Afinal, acho que não desejam perder a salvação assim no mais, ofendendo um ateu bobão como eu.. Só que “Narciso acha feio o que não é espelho” e eles são odiadores profissionais. Prova de que religião não define caráter.

Coda

Não fui ao concerto de ontem.

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  1. Breve esclarecimento. Para alegria e alívio de muitos assembleianos, Eduardo Cunha não faz parte dessa denominação evangélica há um bom tempo. Acredite, não são poucos os evangélicos que não gostam desse senhor. Quanto, ao concerto ocorrido dentro de uma Igreja Assembleia de Deus, meu caro, acho que lhe falta um pouco de conhecimento do trabalho que é feito dentro do âmbito musical nestas igrejas. Realmente no RS, o número de músicos evangélicos oriundos de igrejas evangélicas é muito baixo, mas ao contrário do que acontece nos pampas, no sudeste, de onde sou oriundo, se você fizer um levantamento da formação dos músicos nas orquestras sinfônicas, você verá que quase 90% são de matriz protestante. Se você for então para o meio militar, eles serão praticamente totalidade. Não existe só essa “gritaria gospel” dentro dessas igrejas. Existem muitos com formação acadêmica e que fazem um trabalho seríssimo. Concertos em igrejas evangélicas no Rio de Janeiro por exemplo, já são comuns há tempos. Vejo isso como uma conquista e uma oportunidade de dismistificar e dismitificar a música erudita nesse meio. Só para constar, temos na OSPA o principal trombone, principal trompete, a primeira trompa e o colega tubista oriundas dessas igrejas. Ali foi a partida para que hoje eles se tornassem os grandes profissionais que são hoje. Há uma luta intensa dos músicos evangélicos para que haja uma conscientização da importância da música dentro das igrejas e levar uma orquestra sinfônica para fazer um concerto num espaço com este é um trabalho hercúleo pois existe muita resistência de algumas lideranças nesse meio. Tirando o viés político que você atribuiu e trazendo pro lado social, veja isso como uma conquista de mais um público e mais um espaço. Um fraterno abraço!

  2. Jamais concordei tanto com você, Milton. Estamos em um momento terrível da história brasileira, um momento em que TEMOS que abrir os olhos e nos unir, colocarmos de lado esse partidarismo tosco que também é mais uma das armas usadas pelos poderosos para nos dividir, e tomarmos frente da situação. Eu sempre disse aqui e em meu blog que esse futebolismo partidário é a melhor das maneiras deles manterem o povo idiotizado e em guerras mentais estúpidas internas. A mais poderosa e fácil arma para promover a desavença e as brigas nas arquibancadas da torcida. Precisou que o Brasil chegasse lamentavelmente a este nível, ao mais baixo e nefasto nível de indigência total em todas as instâncias nacionais em muitas décadas, para que a venda fosse nos tirada dos olhos, para vermos que estávamos em uma rixa de galinheiro a bel comando dos “heróis” e “santos” nacionais, e que as vítimas eram nós mesmos, absolutamente solitários e in-governados e roubados por todos os lados. Chegou a hora, urgente, emergencial, de falarmos por nós mesmos, com alguma voz própria arranjada à força, porque a barco está afundando. Eu presto consultoria veterinária em algumas empresas de produtos derivados de carne e a crise está grassando a uma velocidade assustadora. A maior parte delas reduziu a produção em MAIS DA METADE, não tenho dados estatísticos e números precisos, mas a experiência pontual. Supermercados vazios, um a cada três casas financiadas sendo apreendidas por falta de pagamento, uma quebradeira geral, e apenas o caos não se instalou de todo porque estamos passando por aquele prólogo suspensivo que precede toda grande tragédia ou acidente natural. E o esquema é tão espúrio, tão bestial, nossos pecados a serem pagos por anos de idiotice em acreditarmos nas estatísticas de crescimento baseadas em liberação irresponsável e irrestrita de crédito sendo tão pesados, que a situação de precarização financeira traz de roldo essa nova manobra política para retroceder ainda mais o Brasil. Será que só eu vi que, quando a esquerda brasileira apareceu em fotos se coligando e defendendo velhos assassinos, velhos coronéis antigos e mumificados em vida, teria um alto preço a pagar? Todo mundo dizendo que era um gesto inteligente e maquiavélico para angariar força parlamentar, que era uma jogada enxadrística de gênio. E agora, colhemos o fruto, pela razão que é a mais antiga e menos acadêmica e erudita das razões: a de que a moral, quando muito afrontada, traz o desgaste irreversível de toda profunda corrupção mantida e sacralizada como coisa comum, como coisa simpática e inofensiva. A esquerda brasileira esqueceu ou fingiu esquecer que o fundamento da existência da matriz da qual deriva é puramente moral, e que, a exemplo de todos as outras pragmatizações da grande teoria comunista, que deram no que deram, destruiu no coração dos povos a fé na esquerda. O Brasil foi o último bastião da esquerda, e seria tão fácil ganhar. Bastava o populismo efetivo que vinha sendo feito, bastava os 10% de praxe da corrupção onipresente, ou talvez 20% (ah!! 20% para que o Brasil subisse finalmente ao primeiro mundo seria muito adequado, até justo), bastava que o partido não subestimasse tanto a moral e a inteligência dos brasileiros, não apostasse tanto no potencial digestivo de nosso suposto estômago de avestruz, e pronto!! Vinte anos de progresso. Mas não foi assim. Aquela foto com o Sarney foi o laço da corda no pescoço, e começo do fim. Foi ali que jogaram tudo na lama, esfregaram bosta na cara do povo. Sarney não é um homem comum, deve ser respeitado, foi dito. E ali, estava evidente que a estaca já estava posicionada para ser encravada no coração generoso e cheio de piedosa fé de nós, brasileiros. Aproximaram-se de um velho dragão achando que estavam eles donos da situação, que velhos dragões já estão por demais domados e obsoletos; foram ingênuos, desbragadamente ingênuos e tolos, pois quem estava em dominância era o velho partido, a única entidade realmente poderosa e inexorável da história brasileira dos últimos 40 anos. E eis no que deu. Tristíssimo ver que os anos de suposto progresso, do anestésico feliz do consumo desregrado que nos venderam como emancipação do atraso, acabaram, e voltamos, ou antes, acordamos no mesmo estágio, nos anos de penúria econômica e política da inflação galopante, em que diariamente os telejornais falavam da cotação exorbitante do dólar como uma febre terçã que nos ia consumindo no ápice do termômetro. O velho partido está de volta, e quem está aí para lutar contra ele? Só a carcaça insossa e suspeita da esquerda, a esquerda definitivamente morta do Brasil, por inanição de falta de moral, por coaptação aos demônios astuciosos que mostraram o quanto ela foi tola e manipulável. Basta ver os sinais: crise hídrica e dengue. Crise hídrica e dengue deveria ser a frase na lápide do povo brasileiro. Uma remete à burrice de conseguimos esgotar uma riqueza patrimonial que era invejada no mundo todo, outra à idade medieval em que estamos. Devastados por uma doença anacrônica, como sinal metafórico de nosso anacronismo total em todas as hordas. Semana passada eu fui ao supermercado, e 4 funcionários estavam com dengue, visivelmente abatidos. Júnior, o moço do açougue, um grande e atencioso camarada, estava se coçando pela hemorragia tegumentar que é uma das fases da doença, e com febre, TRABALHANDO DE FRENTE A UM REFRIGERADOR GIGANTESCO DE AR. O patrão não deu licença para nenhum deles. Essa é a “vitória” da esquerda nacional. Estamos de volta aos anos 80 e 90. Em poucos anos, 3 ou 4, temo, a situação vai estar intolerável. Sem representações, definitivamente sem heróis, definitivamente relegados à solidão em que sempre estivemos. Eduardo Cunha capa da Veja, os mais altos elogios a esse grande estadista. É gritante demais a evidência de que voltamos mais burros e submissos, mais alienados: como deixamos que Eles voltassem? Como eles fizeram tudo em nossa cara, e só agora vemos que não vemos nada?

  3. Aplausos para os cinco movimentos orquestrados aqui, Milton!! Num ponto pelo menos o Charlles está equivocado. Esse senhor ainda tem laços estreitíssimos com a Assembléia de Deus (Madureira), a nossa Cosa Nostra do religioso (literalmente, pois esses caras resolvem querelas políticas e religiosas mandando o capanga quebrar a sua perna) .

  4. Não tenho palavras para dizer o quanto esse EC é abjeto. É como disse um jornalista, o Brasil está dominado pela bancada do BBB, “Bíblia, boi e bala”. É o atraso do atraso do atraso. Ruralismo, evangelismo, e a mídia e o estado tomado pelo entretenimento policial da ultra-violência.

  5. Que texto espetacular! Parabéns. A articulação desses caras vai longe e engana pessoas ingênuas como aquele Wilton bobão e sua turminha.

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