No dia da morte de Fidel, lembro de minha longa conversa com Padura

Foto de Alberto Korda. Clique para ampliar.
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Quando conversei com Leonardo Padura, ele foi muito franco sobre seu país. Pediu que ficassem off-the-record apenas algumas de suas impressões sobre o Brasil. Falou que há uma esquerda romântica que vê Cuba como paraíso socialista e há uma direita muito agressiva, que a vê como um inferno comunista. E Cuba não é uma coisa nem outra. Segundo ele, o país parece mais com o purgatório. Porém… “Como leste em meus livros, sabes o quanto sou crítico de muitas coisas que ocorrem em Cuba, mas posso te dizer com toda certeza que, por sorte, lá nunca houve os excessos que ocorreram na União Soviética, na Alemanha e nos países do oeste. É uma sociedade que teve e tem, sobretudo, grandes problemas econômicos. A economia não funciona bem e a política está presente na vida das pessoas, mas nunca tivemos grande repressão. Há controle, é uma sociedade muito controlada, de um partido único, em que o estado e o governo são os mesmos. Há controle, repito, mas sem excessos. Lezama Lima, por exemplo, jamais teria sido publicado na URSS ou na Europa Oriental comunista. Até hoje teria problemas na Rússia. Em Cuba, foi. E isso aconteceu nos anos 60”.

Sobre a relação dos escritores cubanos com o mercado, foi ainda mais tranquilo: “Até 1990, 91, cada vez que um escritor cubano publicava um livro fora do país, tinha que fazê-lo através de uma agência literária do Ministério da Cultura. Ela cobrava os direitos e dava a parte do escritor. Já a partir dos anos 90, foi possível a livre contratação. Eu, no ano de 1995, comecei a publicar através de uma editora espanhola. E, desde então, minha relação econômica com o governo cubano é a de um escritor que recebe direitos e que paga impostos, como qualquer trabalhador independente. Pago pontual e religiosamente meus impostos, mas os direitos são meus e de uma agência da Espanha”.

Pois é, eu e Padura | Foto: Roberta Fofonka
Pois é, eu e Padura | Foto: Roberta Fofonka

Conversamos muito sobre Cuba. Sobre a dificuldade de alguém realizar-se no país — parecia que falávamos de toda a América Latina –, sobre a casa onde mora, que é a mesma em que nasceu. Aliás, seu pai e seus avós também viveram no mesmo local. Riu quando, ironicamente, perguntei se a revolução não quisera levá-la. Também sobre a sensação de pertencimento de todo povo cubano. Sobre a pobreza e as fugas. Sobre o excelente sistema de saúde, uma das obsessões de Fidel. E ele contou a piada que já conhecia: “Acaba o comunismo e o pai diz para o filho em Cuba: meu filho, tudo o que te disseram sobre as maravilhas do comunismo eram mentiras, mas tudo o que te disseram sobre o capitalismo era verdade”.

A ingenuidade de tanta gente que vê um país latino tão semelhante ao Brasil como se fosse outra dimensão…

Hoje, dia da morte de Fidel Castro, não é dia de entrar no Facebook. Li cada coisa sobre Cuba… Uns falando no tal paraíso, outros falando em pobreza e que Fidel não deveria ter nascido… Olho para lá, para cá, e concluo que essa gente certamente não mora no Brasil.

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