Contos para futuro nenhum (VIII)

NATHALIE LOURENÇO (São Paulo/SP)

A unha parecia maior no alicate do que quando ainda era parte do dedo. A cabeça de Chicho pensava esse tipo de coisa inútil quando a dor escoava por um momento. Era a última unha do pé e ele ainda resistia bravamente. Não tinha dito nada para o homem de capuz, que escolhia agora um novo instrumento como quem escolhe um lápis de cor.

– Quem é você?

Era um cabo com presilhas de metal denteadas, os dentinhos a lhe morder os mamilos com força. E então veio a corrente elétrica. Uma vez e outra vez, a pele sofrendo a queimadura de mil cigarros. O torturador deu mais um ou dois choques e voltou para a mesa de instrumentos.

– O que está planejando?

Era um vidrinho de ácido com conta-gotas, e a dor da primeira gota, na coxa, parecia quase suave depois de tudo, mas foi ardendo e espalhando, incontrolável. Na terceira gota a pele parecia borbulhar, dissolver. Pela primeira vez quis confessar. Confessar… o que? Se deu conta que até agora, era apenas ele, torturado, quem tinha feito perguntas. Outra gota caiu e Chicho recomeçou a gritar.

– Me diz o que você quer saber! Eu falo! Eu falo…

– Não precisa falar nada, fique tranquilo, já estamos acabando.

– Então por que? Isso tudo não é pra arrancar a verdade?

– Isso aqui? É só tradição. Eu não preciso arrancar nada de você. Não preciso que você me diga a verdade. A verdade é o que eu disser que é.

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