Contos para futuro nenhum (VII)

DANIEL LAKS (Rio de Janeiro/RJ)

João dizia que tortura era morrer na fila do hospital. Na verdade, nunca tinha enfrentado fila de hospital público. Ele e toda a sua família tinham plano de saúde. Era uma fala de revolta, mas isso foi antes. João agora tinha vergonha de dizer que apoiou ele, que votou nele, que fez campanha para ele. Hoje, João se sente enganado, queria um país melhor, ignorou os avisos e se deixou levar. A primeira coisa que o fez se sentir traído foi o aumento do preço dos planos de saúde. Aumentaram logo antes dele perder o emprego. Com tudo mais caro e ainda por cima desempregado, não tinha mais condições de pagar o plano de saúde do pai aposentado. Cancelaram o plano do pai pouco antes de descobrirem o câncer. Na sua revolta, João começou a participar de grupos de protesto contra o governo. Ele não sabe, mas neste exato momento, enquanto toma café da manhã, dois investigadores da polícia política estão a caminho da sua casa. Hoje João aprenderá na carne a diferença entre tortura e fila de hospital.

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