Franny & Zooey, de J. D. Salinger

Apesar de reconhecer o que há de (muito) maniático neste livro. gostei muito de reler Franny & Zooey após algumas décadas. O romance é formado por poucas e detalhadíssimas cenas. Os dois personagens principais são os dois irmãos do título, nascidos na célebre família Glass, presente neste e em outros livros de Salinger. Há mais cinco irmãos, mas eles não são protagonistas aqui.

As cenas? Sem spoiler? Vamos lá. Na primeira, Franny começa a entrar em crise. Ela explica ao namorado Lane as razões que a levam a pensar que a religião é a única solução para seu crescente desencanto, tudo isso pontuado por crises de choro e incompreensão. Não é uma cena hilária e vamos nos acostumando com a notável profusão de detalhes que Salinger nos expõe. Depois vem a cena mais engraçada do livro. Zooey discute com mamãe Bessie sobre o fato de Franny não se alimentar, de estar estranha e sem rumo, à beira de um colapso. E finaliza com um enorme diálogo entre Franny e Zooey. As últimas páginas são realmente lindas.

Resumindo, a coisa parece bem teatral. Temos três atos descritos minuciosamente. Primeiro ato: Franny sem rumo e próxima a um colapso. Segundo: mãe pressiona Zooey a conversar com Franny após este ler carta de Buddy, um dos irmãos mais velhos. Terceiro: Zooey intervém a seu modo.

Eu já conhecia este drama de família e sua curiosa intensidade me prendeu novamente. A implacável luta intelectual de Zooey com Franny é exaustiva, dentro de um conflito familiar altamente realista. E não cansa discutir? Nossa, cansa muito! O relacionamento irônico, carinhoso, mas também intolerante de Zooey com sua mãe ajuda a fazer deste livro uma joia. Eles discutem no banheiro, com Zooey absurdamente preso na banheira que esfria, debatendo com uma mãe cansada através da cortina de chuveiro. Esta cena é um bálsamo para todas as banalidades ​​que abundam na literatura.

Talvez seja surpreendente que Franny & Zooey tenha se tornado um sucesso instantâneo. O apanhador no campo de centeio pode ser o livro mais famoso de Salinger, mas Franny & Zooey não está abaixo. Frenético e intransigente, este livro pode até irritar você, mas uma coisa é certa, ele não o deixará indiferente.

Salinger disse que este romance é um “tipo de filme caseiro em prosa”. Sim, é verdade. Só que também é um excelente trabalho de artesanato. Sabem? No início do livro, certa vivacidade fazia com eu me surpreendesse com o fato de Franny estar sendo foco de tanta atenção. E me perguntava se era possível dizer que ela sofria efetivamente. Mas à medida que as coisas progridem na segunda história, cresce a preocupação de ela estar no mesmo caminho suicida que seu irmão Seymour.

Os diálogos sinuosos revelam bastante de Franny mas também de seu irmão. Ambos têm ânsia por um runo. Quando vemos Zooey suando, sentado em silêncio por 20 minutos no quarto abandonado do irmão perdido, sabemos que ele sofre tanto quanto a pobre Franny. O livro é um retrato terno e compreensivo que certamente reflete muito de Salinger. O que torna tudo mais triste.

Franny & Zooey é uma rara e valiosa obra de arte e empatia.

E eu o recomendo.

J. D. Salinger fumando como um personagem de J. D. Salinger.

1 comment / Add your comment below

  1. Rapaz, eu li esse ano “O apanhador no campo de centeio”. Até hoje procuro entender a razão de tanto prestígio. Achei um livro muito menor do que a imagem dele. Para mim, Salinger tornou-se o escritor mais superestimado que já li na vida. Não li nada mais dele, confesso.

    Realmente vale a pena ler esse ou não preciso esperar nada já que a obra principal foi para mim uma decepção?

Deixe uma resposta