Uma curiosidade: em 1999, Lula dizia “não” ao impeachment de FHC, proposto por Tarso

Uma curiosidade: em 1999, Lula dizia “não” ao impeachment de FHC, proposto por Tarso

Agência Folha 27/01/1999 20h35
São Paulo

O presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, classificou de “prematura” e “precipitada” a proposta do ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro, que defendeu a renúncia do presidente Fernando Henrique Cardoso e a realização de novas eleições em outubro.

“Fernando Henrique tem 20 e poucos dias de mandato. Ele tem tudo para fazer, mas até agora não fez nada. Se eu achar que, porque as coisas estão ruins, o presidente tem de renunciar, daqui a pouco vai ter gente defendendo a renúncia dos governadores do PT. Aí, vai virar moda no Brasil”, declarou Lula.

Embora tenha criticado muito a postura de FHC diante da crise, o petista frisou que agora o papel do PT é mobilizar a sociedade para tentar mudar a política econômica do governo. Lula voltou a sugerir que se faça no país um debate nacional em busca de soluções para a crise econômica. Mas disse que a oposição só aceita conversar com FHC se o governo admitir que pode mudar o rumo de sua política.

Lula anunciou que o PT, independentemente da vontade do governo, vai promover esse debate nacional com reuniões entre os líderes partidários, empresários e sindicalistas. Ele próprio vai, nos próximos dias, agendar encontros com o empresariado, nos mesmos moldes das reuniões realizadas durante as campanhas eleitorais de 1994 e 1998. (Patrícia Andrade)

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Na semana da entrega do relatório da Comissão da Verdade, o AI-5 completa 46 anos

Na semana da entrega do relatório da Comissão da Verdade, o AI-5 completa 46 anos
Foto: Reprodução
Leia-se “Golpe” | Foto: Reprodução

Publicado no Sul21 em 13 de dezembro de 2014

Comprova o calendário, consta nos astros, na ciência e na filosofia que o tempo não para. Mas o ano de 1968 não acabou, como diz o livro de Zuenir Ventura. Ou não acabou em 31 de dezembro como todos os outros, tendo sido interrompido no dia 13 daquele mês. Pois no dia 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi baixado o Ato Institucional nº 5, o AI-5, que inaugurou o momento mais duro da ditadura militar brasileira (1964-1985). Ele vigorou até dezembro de 1978, dando poder aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. A partir daquela dia, há 46 anos atrás, os militares podiam tudo.

No restante do mundo, o ano de 1968 ficou marcado como um momento de grande contestação. Na França, o mês de maio foi um momento de grandes protestos tanto contra a política tradicional, quanto a favor de novas liberdades. O radicalismo, principalmente dos estudantes, era expresso claramente pelo lema “é proibido proibir”. Na Europa oriental, no mês de agosto, a União Soviética, acabou com a onda liberalizante em um de seus países satélites, a Tchecoslováquia. A curta Primavera de Praga de Alexander Dubček acabou sob os tanques soviéticos. Dubček e outros membros do governo foram sequestrados e levados a Moscou, onde “lhes fizeram voltar à razão”. As artes também embarcaram no espírito libertário de 1968, mas o que nos interessa é a política brasileira.

Relembremos resumidamente alguns fatos de 1968. No mês de março, uma grande agitação estudantil tomou as ruas do Rio de Janeiro para protestar contra a alta do preço das refeições nos restaurantes universitários. Edson Luís de Lima Souto era um dos 300 estudantes que jantavam no restaurante estudantil do Calabouço no final da tarde de 28 de março de 1968 quando o local foi invadido por policiais. Edson Luís, de apenas dezesseis anos, foi morto pelos militares com um tiro no peito. O fato serviu para que as críticas ao regime se intensificassem. No velório do estudante, uma manifestação de 50 mil pessoas demonstrava a desaprovação ao acontecido.

Edson Luís Lima Souto foi assassinado por um soldado da PM, com um tiro no peito, em 28 de março de 1968
Edson Luís Lima Souto foi assassinado por um soldado da PM, com um tiro no peito, em 28 de março de 1968 | Foto: Reprodução

Em junho, a Passeata dos Cem Mil, ocorrida também no Rio de Janeiro, reuniu trabalhadores, políticos, artistas, professores, religiosos e estudantes decididos a questionar a repressão daqueles tempos. Em clima pacífico, a passeata serviu para que eventos semelhantes acontecessem em outros pontos do país, intensificando o repúdio ao governo militar. Em São Paulo, estudantes da USP entraram em confronto contra governistas da Mackenzie.

Passeata dos Cem Mil | Foto: Repodução
Passeata dos Cem Mil | Foto: Reprodução

Na mesma época, as autoridades militares desarticularam uma reunião clandestina da União Nacional dos Estudantes, acontecida na cidade paulista de Ibiúna. Aproximadamente 900 estudantes foram presos. Alguns dos pais dos jovens envolvidos foram perseguidos ou exonerados de suas funções públicas.

No dia 30 de agosto de 1968, a Universidade Federal de Minas Gerais foi fechada, e a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida pela Polícia Militar, que espancou diversos estudantes. Em resposta, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, nos dias 2 e 3 de setembro, lançou na Câmara Federal um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, “ardentes de liberdade”, se recusassem a sair com oficiais. Logo após o discurso, o procurador-geral da República selecionou alguns trechos isolados do discurso, imprimiu-os e mandou distribuir nos quartéis. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã considerados provocações. O governo, atendendo ao apelo dos militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que esses pronunciamentos eram “ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis” e solicitou ao Congresso a cassação dos dois deputados.

Seguiram-se dias tensos, entrecortados pela visita da rainha da Inglaterra ao Brasil, fato super honroso na época. E, no dia 12 de dezembro, a Câmara surpreendentemente recusou, por uma diferença de 75 votos — com a colaboração da própria Arena, o partido do governo –, o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.

Em resposta, veio o AI-5. A criação Ato Institucional Nº 5 foi definida em uma reunião comandada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e mais 24 assessores diretos que integravam o Conselho de Segurança Nacional, dos quais 15 eram militares. A decisão foi tomada no salão de jantar do Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Por cerca de duas horas, os 25 discutiram e definiram o que seria incluído no ato. Apenas o então vice-presidente da República, Pedro Aleixo, foi contrário à medida. O placar foi de 24 votos a um.

A reunião que criou o AI-5
A reunião que criou o AI-5 | Foto: Reprodução

Os defensores do AI-5 alegaram que o ato era necessário porque havia um clima de rebeldia no ar… Na reunião, todos os presentes se manifestaram. Costa e Silva determinou que a reunião fosse gravada e registrada. O argumento de Aleixo para bastante lógico e claro: ele se manifestou contrariamente ao ato, entre outros aspectos, porque ele institucionalizaria a ditadura.

O Ato autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a:

— decretar o recesso do Congresso Nacional;
— intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares;
— suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão;
— decretar o confisco de bens considerados ilícitos;
— suspender a garantia do habeas-corpus.

O preâmbulo do ato dizia ser ele uma necessidade para atingir os objetivos da revolução, “com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país”. No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado — só em outubro de 1969 o Congresso seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.

Plenário da Câmara nega cassação do deputado Márcio Moreira Alves Arquivo/12-12-1968
Plenário da Câmara nega cassação do deputado Márcio Moreira Alves em 12-12-1968 | Foto: Câmara Federal

Ao fim do mês de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 não só se impunha como um instrumento da intolerância, como referendava uma concepção de modelo econômico e de restrições.

Membro da Comis­­­são Nacional da Verdade, Rosa Cardoso afirma que entre 1964 e 1968 os militares preocupavam-se em manter uma aparência de democracia. “Com o ato, o Estado decidiu deixar às claras toda a sua estrutura repressiva e terrorista. Sem o habeas corpus, por exemplo, as pessoas podiam ser presas, torturadas e desaparecer. E não havia o que ser feito”.

A lembrança do AI-5 está viva na memória de quem acompanhou os desdobramentos do ato. “Todos os grupos do movimento estudantil foram afetados, tiveram as sedes fechadas e foram calados”, comenta Narciso Pires, ex-preso político e coordenador da ONG Tortura Nunca Mais. Hoje com 64 anos, Pires morava em Apucarana (Norte do Paraná) na época e teve de mudar de cidade. “O AI-5 foi o golpe dentro do golpe. Se já tínhamos a sensação de insegurança, fomos calados.”

O resto se sabe. Com o AI-5, acirrou-se o período de terror no país. Houve o aumento do número de prisões de opositores, os centros clandestinos de torturas — assim como os cemitérios — multiplicaram-se pelo país, milhares foram para o exílio e os grupos de resistência armada foram exterminados.

Presidente se emocionou ao falar nas pessoas que  Fto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Presidente se emocionou quando do ato de entrega do relatório da Comissão da Verdade | Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Hoje

Na última quarta-feira, 10, a presidenta Dilma Rousseff recebeu as aproximadamente 4 mil páginas que integram os três volumes do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ela disse que o trabalho da CNV vai ajudar a afastar “fantasmas de um passado doloroso” e permitir que os brasileiros conheçam a história das violações aos direitos humanos durante a ditadura militar para que elas não se repitam. “Nós, que acreditamos na verdade, esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão”, disse.

O próximo passo será complicado. O Judiciário não tem aceito ações que já vêm sendo propostas pelo Ministério Público. A partir da divulgação do relatório, Rosa Cardoso acredita que esse cenário possa mudar. “Todas as pessoas racionais refletem todos os dias e mudam de posição. Juízes mudam de posição. Há uma parcela da sociedade que dizia: o passado passou. Não passou. Existe uma questão chamada memória.”

Para a procuradora da República Eugênia Gonzaga, o Brasil era um país “vergonhosamente atrasado” em relação a assuntos ligados a graves violações de direitos humanos. Desde o caso das ossadas de Perus, em São Paulo, “vimos que era um tema totalmente abandonado, que as autoridades deixaram de lado. Se o Ministério Público fez a sua parte — tardiamente –, o Judiciário ainda é de uma resistência imensa.” Ela lamentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha endossado a Lei da Anistia, o que fez com muitas ações fossem travadas — inclusive a referente ao caso do Riocentro (1981), posterior à lei (1979).

Eugênia citou ainda a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o Brasil no caso Araguaia. “Em 1988, o Brasil assinou uma Constituição em que se submete a decisões de cortes internacionais naquilo que se refere a direitos humanos”, observou.

A chaga segue aberta.

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Fontes consultadas:
— Matérias da EBC, da Contraf-CUT, da FGV e de várias publicações da época.

Pesquisa identifica Machado de Assis em foto histórica da Abolição da Escravatura

Pesquisa identifica Machado de Assis em foto histórica da Abolição da Escravatura

A Brasiliana Fotográfica identificou a presença de Machado de Assis na fotografia da Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura realizada no dia 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. O autor da foto foi Antonio Luiz Ferreira.

Machado Missa Campal

A identificação de Machado de Assis foi confirmada por Eduardo Assis Duarte, doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada (USP) e professor da Faculdade de Letras da UFMG. Segundo ele, Machado de Assis teve uma “atitude mais ou menos esquiva na hora da foto, em que praticamente só o rosto aparece, dando a impressão de que procurou se esconder, mas sem conseguir realizar sua intenção totalmente. Atitude esta plenamente coerente com o jeito tímido que sempre adotou em público, uma vez que dependia do emprego público para viver e eram muitas as perseguições políticas aos que defendiam abertamente o fim da escravidão.”

Ali, à direita, meio escondido atrás do senhor de barba branca
Ali, à direita, meio escondido atrás do senhor de barba branca

Um dos mais famosos “populares” de todos os tempos: o homem que viu os Beatles atravessarem Abbey Road…

Um dos mais famosos “populares” de todos os tempos: o homem que viu os Beatles atravessarem Abbey Road…

… morreu na semana passada, aos 96 anos.

Paul-Cole-Abbey-Road-243x180Observe cuidadosamente a capa de Abbey Road.

No canto superior direito, entre John e Ringo, dá para ver um homem em pé ao lado de uma van da polícia.

Era um turista de Florida, chamado Paul Cole.

Paul curtiu a fama por 45 anos. “Eu comprara um novo casaco esportivo e uns óculos feitos de conchas e fui passear”. Ele pensou que os Beatles eram “um bando de malucos”. E acabou saindo na capa.

Paul Cole morreu na semana passada em Pensacola, aos 96 anos.

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via Norman Lebrecht

Jornalistas recebem treinamento do BOE sobre como devem atuar em manifestações

Jornalistas recebem treinamento do BOE sobre como devem atuar em manifestações

Publicado em 16 de junho de 2014 no Sul21

Por solicitação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), a Brigada Militar mostrou como deve ser o comportamento dos profissionais de imprensa durante quaisquer manifestações, durante ou fora da Copa do Mundo. Além do presidente do Sindicato, Milton Simas Junior, estava presente um grupo de jornalistas convidados. O evento teve a duração de dois turnos, manhã e tarde, envolvendo uma parte teórica pela manhã, almoço e prática à tarde. O local escolhido foi o canil da Brigada, já que todos os outros espaços estavam ocupados por militares que vieram do interior.

Foto: Carlos Latuff
“Agora o inimigo é você” | Foto: Carlos Latuff

A instrução foi ministrada por três capitães — Araújo, Euclides e Bukowski. Bukowski fez uma apresentação do ponto de vista legal, revisando as atribuições e a lei que regula a atividade policial dentro do contexto das manifestações. Sua apresentação teve o auxílio de um PowerPoint que mostrava cenas de manifestações. Ele abriu a apresentação com uma imagem do filme Tropa de Elite que mostrava a frase “Agora o inimigo é você” e outras imagens de protestos retiradas das redes sociais.

Depois disso vieram os dois outros capitães, os quais fizeram uma abordagem do ponto de vista estratégico. Definiram, por exemplo, a sigla CDC (Controle de Distúrbios Civis) e explicaram como os jornalistas devem se portar diante de uma manifestação a fim de se proteger fisicamente. A teoria estendeu-se até a hora do almoço.

Foto: Carlos Latuff
Jornalistas fora do alvo | Foto: Carlos Latuff

Após o almoço, houve a apresentação das armas utilizadas para conter conflitos. Foram apresentados os armamentos da Condor, empresa do Rio de Janeiro, tais como lançadores de granada e diversos tipos de munições não letais.

Foto: Carlos Latuff
Parte da munição | Foto: Carlos Latuff

Depois, os jornalistas foram levados num micro-ônibus até uma pedreira próxima ao Quilombo dos Alpes. Ali, foram demonstradas cada uma das munições. Calibre 12 de curta, média e longa distância, quatro tipos de granada de efeito moral, gás lacrimogênio, etc. Depois de fazer demonstrações em três alvos  — silhuetas humanas de papelão –, os jornalistas foram convidados a participar.

Nem todos entraram na fila com a finalidade de experimentar as armas. Os que participaram deram tiros com vários tipos de munição. Alguns puderam jogar granadas também. Havia granadas para serem jogadas com a mão e outras para serem atiradas com um lançador. Depois disso, foi feita uma demonstração de como atua a formação clássica de um pelotão do choque. Então, surgiu um pelotão do BOE vestido exatamente como os que vão para as ruas, equipado, armado e em formação. A intenção era reproduzir a abordagem de aproximação contra manifestantes. No teatro montado, os manifestantes eram policiais à paisana que gritavam “Revolução! Não vai ter Copa!”. Ninguém atacou ninguém.

Então, foi proposto que os jornalistas se fizessem de pelotão de choque. “Agora, os policiais vão tirar seu equipamento e os senhores poderão usá-los para sentir o mesmo que a gente sente”. Com exceção de três jornalistas, o restante do grupo animou-se a fazê-lo. E passaram a vestir-se como policiais. Houve brincadeiras com aqueles que não aceitaram participar da simulação. “Vocês não vão receber o certificado de participação no curso…”.

Foto: Carlos Latuff
Os jornalistas encaram o inimigo e… | Foto: Carlos Latuff
Foto: Carlos Latuff
… vão ao ataque, recebendo frutas! |Foto: Carlos Latuff
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS Milton Simas Júnior | Foto: Carlos Latuff
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS Milton Simas Júnior | Foto: Carlos Latuff

O presidente do Sindicato ficou entre aqueles que colocaram os capacetes, escudos e o cassetetes. Eles fizeram a formação da polícia e foram atrás dos “manifestantes”. Quando chegaram a uma certa distância, os “manifestantes” começaram a atacá-los com frutas. Em meio à simulação — conforme fora combinado previamente com o comando do BOE — , o instrutor da PM aproximou-se por trás e soltou uma bomba real de gás lacrimogêneo, provavelmente do tipo “bailarina”. Esta não explode, somente esguicha o gás. Formou-se então uma nuvem branca no meio da tropa de jornalistas, que ficaram desnorteados. E o capitão gritou:” Mantenham a unidade! Não se dispersem!”. Como eles não tinham o treinamento adequado, dispersaram-se de qualquer maneira, começando a tossir. A assessora do Sindicato caiu, passando mal, e foi atendida por dois oficiais médicos que estavam lá.

Foto: Carlos latuff
Uma baixa na tropa de choque formada pelos jornalistas | Foto: Carlos latuff

Todos ficaram constrangidos durante o atendimento. O comando explicou que aquilo não estava dentro do previsto, mas que os médicos resolveriam o problema rapidamente. Após a assessora erguer-se e não sem antes tirar uma foto com fumaça colorida para guardar como lembrança do curso, todos dirigiram-se para o micro-ônibus de volta para o batalhão, onde foi servido um lanche de pão com salsichão. Foram entregues os certificados e houve mais falas, inclusive a do comandante geral do Batalhão. O presidente do sindicato sugeriu uma aproximação entre os jornalistas e policiais militares: “Espero que não aconteçam protestos como os do ano passado, mas, se houver, desejamos que os jornalistas possam trabalhar em conjunto com a Brigada”.

Depois disso, o representante do Sindicato entregou a cada um o guia da Copa da Volkswagen para jornalistas.

Para a posteridade | Foto: Carlos Latuff
Para a posteridade | Foto: Carlos Latuff

Segundo o cartunista e repórter fotográfico Carlos Latuff, presente no evento, a ideia era a de capacitar os profissionais da imprensa que cobrem manifestações para atuar com segurança. Mas o que se verificou, principalmente nesse momento da prática, foi uma aproximação dos jornalistas com a tropa de choque, com a polícia, através de jogos lúdicos. “Repare que o pessoal brincava com escopeta calibre 12, atirando bala de borracha. Aquela arma, aquela munição, é utilizada para atingir pessoas. Pessoas, inclusive, já perderam os olhos por conta dessas balas. O comando disse que havia diferença de precisão entre a munição fabricada no Brasil e a munição padrão americano. Disseram que o policial é treinado para atingir o manifestante do joelho para baixo, mas que estes muitas vezes os atingem mais acima em função da munição nacional não ser de boa qualidade. Nos Estados Unidos , palavras deles, “se você atira abaixo do joelho é abaixo do joelho que a munição vai”. No Brasil não. É curioso que o Brasil, através da Condor, exporta essa munição. O gás lacrimogêneo utilizado no Bahrein é feito pela Condor. O gás lacrimogêneo que é utilizado na Turquia é também produzido pela Condor. Não acredito que esses países comprariam produtos de má qualidade do Brasil”.

Segundo o jornal Versão dos Jornalistas, do SINDJORS, o presidente Milton Simas e o comando do BOE acenam com novas ações integradas entre as duas entidades. “Todos saímos do treinamento melhor instrumentalizados para cobrir protestos. A Brigada Militar deixa abertos seus portões aos jornalistas e isto pode significar uma nova edição do curso. Recebemos orientações importantes de como se portar e de como comparecer a estas manifestações. Por exemplo, poucos sabem que lentes de contato não combinam com gás lacrimogêneo e que há que ser cuidado até com a maquiagem”. O primeiro secretário do SINDJORS, Ludwig Larré, um dos idealizadores do treinamento, observa que a entidade assumiu uma responsabilidade que deveria ser das empresas, no sentido de promover a segurança dos trabalhadores jornalistas.  “Não podíamos protelar essa capacitação. O Sindicato tem que zelar pela integridade física da categoria. Se isso ocorrer por meio de ações conjuntas com as empresas, tanto melhor. Caso contrário, estaremos sempre buscando os meios para que esse serviço não deixe de ser prestado”, pondera Larré.

Estádio Chile, 1973 traz de volta Victor Jara, um homem armado de música

Estádio Chile, 1973 traz de volta Victor Jara, um homem armado de música

Publicado em 14 de setembro de 2014 no Sul21

Com o livro-reportagem Estádio Chile, 1973 – Morte e Vida de Victor Jara, a voz da Revolução Chilena (Editora Unijuí, 328 páginas), o jornalista Maurício Brum finaliza um projeto de três anos. Foram várias viagens ao Chile — passou lá seis meses, somados todos os períodos –, mais de 50 entrevistas e visitas aos locais onde viveu e morreu o compositor, cantor, diretor teatral e militante político Victor Jara. No livro, Maurício busca reconstruir a trajetória do artista e a multiplicidade de versões sobre sua morte. As entrevistas e relatos permitiram a elaboração de uma vasta crônica sobre a vida e morte de Jara, explicando não somente os fatos e as lendas, mas sua permanência na memória do Chile a da América Latina.

Maurício falou ao Sul21 no último 11 de setembro, dia dos 41 anos do infame Golpe Chileno.

Sul21: Qual foi a origem de Estádio Chile, 1973 – Morte e Vida de Victor Jara, a voz da Revolução Chilena?

Maurício Brum: Ao todo foram três anos de trabalho. Comecei a apuração das informações em meados de 2011 e a parte mais importante da pesquisa foram os seis meses que passei no Chile – somadas todas as viagens que fiz para lá. No Chile, pude obter um material muito rico. Ao todo, fiz cerca de 50 entrevistas, inclusive com pessoas que estiveram com ele no Estádio Chile, local onde ocorreu seu assassinato. Também coletei materiais na Fundação Victor Jara. O material era tão rico que me permitiu organizar não apenas tudo o que se sabe sobre sua morte, reconstituindo os acontecimentos no Estádio Chile, como quem era este personagem, escrevendo uma crônica de sua vida. Não tenho a pretensão de ter escrito a biografia definitiva, mas sei que no livro há muito do homem Victor Jara.

Sul21: Essas entrevistas foram com amigos, músicos…

Maurício Brum: Sim, com pessoas que conviveram com ele, seja na Escola de Teatro, seja como músicos, companheiros de partido, integrantes do Quilapayún, do Inti-Illimani — que foram grupos da Nueva Canción Chilena, movimento do qual ele participou. Também conversei com a viúva Joan Jara Turner, amigos pessoais e outros que se encontraram com ele na prisão política. É um grupo de personagens distintos que cruzaram com ele e que eu procurei juntar. Então, a primeira parte do livro é sobre a vida de Victor Jara e a segunda sobre a prisão política e a morte. Os músicos me ajudaram muito na biografia, mas, obviamente, contribuíram menos para a descrição dos acontecimentos dos dias de prisão, pois não estavam lá.

Sul21: Vamos falar sobre a prisão? O golpe foi na manhã de 11 de setembro, há exatos 41 anos… 

Maurício Brum: Pois é, neste horário os militares estavam entrando no Palácio. Talvez Allende já estivesse morto.

Mauricio Brum, colunista do Sul21
Mauricio Brum, autor do livro

Sul21: Como aconteceu a prisão?

Maurício Brum: Na manhã do dia 11, havia uma convocação da CUT chilena — não se imaginava que o Golpe ocorreria, é claro — para que os trabalhadores ocupassem seus postos de trabalho. E eles atenderam ao chamado. Victor Jara foi até a UTE (Universidade Técnica do Estado), pois tinha um compromisso lá. Naquela manhã, Salvador Allende iria ao campus, abriria uma exposição sobre os riscos de uma Guerra Civil e os meios da esquerda pensavam que ele, o presidente, convocaria um plebiscito para definir a continuidade ou não de seu governo. Quando se soube que não haveria o discurso, todos permaneceram na UTE em parte por causa desse chamado da CUT e em parte por causa do toque de recolher imposto pelos militares. Eles ficam o dia inteiro e a noite lá. O campus é cercado e atacado pelos militares. Na manhã do dia 12 eles são presos. As mulheres são quase todas liberadas, mas os homens permanecem detidos e depois são levados para Estádio Chile — que, apesar do nome, é um ginásio, hoje chamado Victor Jara. As mulheres, mesmo liberadas, foram deixadas no centro de Santiago sob toque de recolher. Ou seja, sem transporte, tinham que correr para casa de qualquer maneira passando o risco de serem mortas ou novamente presas. O Estádio Chile era um dos recintos que eles improvisaram como prisão política, era próximo do campus. Dá menos de um quilômetro. Eles foram levados de ônibus e em caminhões.

Sul21: Victor Jara foi logo reconhecido?

Maurício Brum: Sem dúvida! Victor Jara era uma pessoa extremamente conhecida, um cantor popular. Suas fotos estão em todos os lugares. Primeiro ele tenta se livrar da carteira de identidade. Ele a joga no chão para dificultar a identificação, mas não dá certo. Logo na entrada ele já é identificado e apartado dos demais prisioneiros. E ali mesmo já começa a ser golpeado. Os relatos que temos é que já na fila os militares batiam em Victor Jara. Foram para trás da porta do ginásio e vinham coronhadas, de golpes de fuzil, chutes… Aí ele é isolado e permanece dois ou três dias num corredor interno do Estádio que fica atrás da quadra. Neste período, ele é levado ao menos uma vez por dia aos porões — na verdade os vestiários do ginásio –, onde aconteciam os interrogatórios e as torturas. Em torno do dia 13 ou 14, não se sabe precisamente, há uma chegada grande de prisioneiros que ocupa os militares. Então Jara fica sozinho no corredor. É o momento que os detidos da arquibancada dão um jeito de carregá-lo para as arquibancadas e tentam enfim disfarçá-lo com o que é possível. Cortam seus cabelos com cortadores de unha e tentam que ele passe desapercebido. Era uma tentativa desesperada, claro. É nesse convívio nas arquibancadas que surge a maior parte das versões e lendas que depois ficaram famosas. Ele teria tido suas mãos cortadas em frente aos demais prisioneiros. Nada disso aconteceu.

A família Jara: as filhas, Joan e Victor
A família Jara: as filhas, Joan e Victor

Sul21: Na autópsia posterior, ele tinha as mãos, mas quebradas, certo?

Maurício Brum: Sim, ele teve as mãos quebradas provavelmente pelas coronhadas, pelos chutes, pelas pisadas. Era chutado e humilhado o tempo todo. Havia tremendo ódio em relação à figura dele. Era um personagem importante da esquerda e ele serviu de exemplo para mostrar aos outros até onde o regime estava disposto a ir. Se alguém como Victor Jara não estava imune, o que dizer do prisioneiro comum? E ali onde ele estava com os demais prisioneiros, ele pede um pedaço de papel e escreve seu último poema (*), que ficou inacabado — obviamente com as mãos ainda não totalmente quebradas. E aí a versão talvez seja um pouco romanceada, mas são os relatos que eu consegui: ele estava escrevendo o poema, compondo as últimas linhas e os militares descobrem que ele está ali e o levam novamente para os vestiários e ele não sai de lá com vida. Há relatos de que foi feito um jogo sórdido de roleta russa e que depois todos descarregaram suas armas sobre o cadáver. A última vez que ele foi visto com vida foi no dia 15 de setembro. No dia 16, seu corpo é jogado na rua de um bairro popular de Santiago para dar exemplo. Porém, na própria tarde do dia 16, os militares voltam e recolhem o corpo, que segue para o necrotério. Ele teria se tornado um desaparecido político, mas um funcionário do registro civil que estava como voluntário no necrotério identifica o corpo de Victor Jara, descobre onde ele vivia e consegue a informar a viúva, Joan Turner. E eles obtêm um enterro improvisado assistido por 3 pessoas: Joan, o funcionário e mais um amigo dela.

Sul21: A viúva contribuiu com informações para o livro? Ela vive em Santiago?

Maurício Brum: Ela vive em Santiago. Ela é responsável pela Fundação Victor Jara.

Sul21: Ela sofreu algum tipo de repressão?

Maurício Brum: Não, teve que se exilar, mas não foi presa. Ela retornou secretamente ao Chile nos anos 80 a fim de realizar as entrevistas para seu livro, que é a biografia mais famosa de Victor Jara. No Brasil, o livro é chamado Canção Inacabada. Depois ela voltou pra Inglaterra e só se fixou no Chile ao final dos anos 80.

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Sul21: Voltamos a Jara. Sua formação era como ator, certo? Ele nasceu onde?

Maurício Brum: Isso. Ele nasceu no sul, no interior. Seus pais eram trabalhadores rurais. Eram arrendatários, ou inquilinos, como eram chamados os que trabalhavam na terra de outra pessoa. Logo na primeira infância, eles mudam então para um lugar mais próximo de Santiago. O casal briga bastante, se separa e a mãe dele se muda pra Santiago. Na metade dos anos 1950, ele ingressa na escola de teatro da Universidade do Chile. Ali ele inicia de fato a carreira artística. Primeiro ele estuda atuação e depois direção teatral. Vai trabalhar quase só como diretor. Era o final da década de 50, é quando o Partido Comunista sai da ilegalidade no Chile. O Partido passara 10 anos ilegal. O Canto Geral do Neruda fala muito a respeito deste período muito efervescente para a juventude de esquerda chilena. Então, muitos colegas de Victor Jara começam a se filiar ao Partido, o que acaba por ocorrer também com Victor. Ele passa a integrar as Juventudes Comunistas.

Sul21: Foi o período em que ele entrou em contato com o folclore chileno?

Maurício Brum: Exato, é nesta época que ele começa a viajar pelo interior do Chile com a finalidade de conhecer o folclore do país, de coletar suas histórias e canções. A mãe dele era cantora, ela se apresentava no interior do país; ou seja, ele tinha música em casa. Quando um bebê morria, por exemplo, era realizada uma cerimônia fúnebre durante a madrugada que incluía um “canto ao divino” e um “canto ao humano”. Ela cantava nestes rituais que permitiam que o bebê ascendesse aos céus. Havia esta influência. Quando Victor ingressa no teatro, passa a viajar com amigos pelo interior e, de certa forma, acaba por complementar o que Violeta Parra já vinha fazendo: ele recolhia canções. Então, entra num grupo da universidade que cantava e dançava estas músicas e, pouco a pouco, vai se encaminhando para a música, escrevendo também canções próprias.

Victor e o Cuncumen
Victor e o Cuncumen

Sul21: E começa a participar de grupos que ficaram famosos.

Maurício Brum: Sim, ele passa a fazer parte dos Cuncumem, que em mapucho significa “Murmúrio das águas”. Neste grupo, no início dos 60, durante uma excursão à União Soviética, em Moscou, ele faz sua estreia como cantor solista. Tudo porque a cantora titular sucumbira a uma gripe… E, aos poucos, ele vai assumindo o papel de cantor até chegar a uma carreira solo. E ele chega a um dilema, pois gosta mais de ser diretor teatral, só que atinge muito mais pessoas mostrando suas composições e cantando. Desta modo, para ser mais útil à causa de Salvador Allende e do Partido, ele acaba por abandonar o teatro.

Sul21: E se torna figura nacional.

Maurício Brum: No começo, ele fez pesquisas, chegando a um tipo de música folclórica muito diferente daquilo que a cidade de Santiago pensava ser o folclore do país. Aliás, Violeta Parra também chegara a um gênero muito diferente do daquelas canções para turista que eram “o folclore chileno”. Porém, Jara e Parra não apresentavam o folclore como peças de museu. Eles se apropriaram do folclore, passando a produzir novas canções, normalmente de temática social, política. Na metade dos anos 60, Victor Jara e Violeta Parra são os grandes e mais polêmicos artistas populares do Chile, por serrem excelentes e por estarem identificados como “cantores de protesto”, rótulo que Jara rejeitava, preferindo ser chamado de “cantor revolucionário”.

Sul21: Aparece o viés político da Nueva Canción Chilena.

Maurício Brum: Sim, dele, de Violeta Parra, Rolando Alarcón, Patrício Manns, de Angel e Isabel Parra (filhos de Violeta), do Quilapayún, Inti-Illimani, etc. A liderança do grupo era de Violeta, mas o suicídio dela em 1967 colocou Victor como protagonista.

Edmundo_Pérez_ZújovicSul21: E o movimento cresceu.

Maurício Brum: Sim, houve um incidente muito significativo em junho de 1969. Acontecera um movimento de pobladores (pessoas que saem dos campos e realizam ocupações nas cidades) em Puerto Montt que foi brutalmente reprimido pela polícia. Nove pessoas morreram e Victor Jara imediatamente escreveu uma canção chamada Preguntas por Puerto Montt onde acusava o governo pela repressão. Mais exatamente, ele acusava o Ministro do Interior Edmundo Pérez Zujovic. E ele pergunta ao Ministro: “Você deve responder / Senhor Perez Zujovic / porque ao povo indefeso / responderam com fuzil”. Então, ele foi ao Saint George`s College, em Santiago, um colégio de elite, um colégio inglês, exatamente aquele que é retratado no filme Machuca. Além de educar a elite, este colégio católico fornecia bolsas de estudo para alguns pobladores e jovens de baixa renda. Ali se formara um grupo de esquerda que organiza um seminário para discutir a reforma da educação no Chile. E convidam o Victor Jara para lá cantar. E ele canta as Preguntas. Só que, dentre os alunos, estava o filho de Pérez Zujovic, que tinha se armado de pedras junto com outros colegas. Quando Victor entoa a canção, começam a voar pedras. Ele teve que se proteger com o violão. O show acaba na maior briga.

nueva_cancion1Sul21: Houve repercussão?

Maurício Brum: A princípio, nada. Passaram-se vários dias e nenhuma notícia. Os jornais conservadores esperaram uma semana e deram a notícia justo no dia da estreia do Festival Nueva Canción Chilena. A manchete do El Mercurio era Incidentes por Infiltração Marxista em Colégio Católico. Talvez seja este o momento em que fica claro para todos que Victor Jara é um artista marxista. Ele será uma figura cada vez odiada para direita até o Golpe.

Sul21: Um Festival seguido de eleições. 

Maurício Brum: Sim. A Nueva Canción Chilena ganha este nome em 1969 a partir do Festival. Antes o grupo não tinha um nome que os caracterizasse. O Festival é vencido por Victor Jara com Plegaria a un labrador. E no ano seguinte vem as eleições e ele se torna o cantor mais identificado com a Unidade Popular. No dia da vitória do Allende, este discursa e logo depois vem um show do Quilapayun, grupo do qual Jara não faz mais parte, mas de que fora diretor artístico. Então, o envolvimento da Nueva Canción Chilena com Salvador Allende é total.

"El dia que ganó Allende": show do Quilapayun
“El dia que ganó Allende”: show do Quilapayun

Sul21: E começa um governo de minoria.

Maurício Brum: Sim, Allende jamais teve maioria. Venceu com 36 % dos votos. E a Nova Canção, que só obtinha espaço no jornal do Partido Comunista, El Siglo, e só gravava na Discoteca del Cantar Popular, também do Partido, ganha novos espaços – havia algumas rádios progressistas – e realmente passa a ser popular e a apoiar o governo. Claro que permanecia sem espaços na grande imprensa. A NCC torna-se não somente a voz artística do governo, como os cantores passam a ser embaixadores culturais do país. Os grupos viajaram o mundo divulgando o folclore chileno e sua pauta de temáticas sociais. O Quilapayún e o Inti-Illimani tiveram a sorte de estarem na Europa como embaixadores culturais quando do Golpe de 73.

Sul21: Victor Jara denunciava o golpismo?

Maurício Brum: Certamente ele fez canções que só podem ser identificadas como panfletárias, mas que eram cantadas e ouvidas como toda a arte da esquerda chilena naquele momento. O próprio Pablo Neruda escreve naqueles anos Incitación al Nixonicidio y alabanza a la Revolución Chilena, denunciando a atuação da CIA e as iniciativas golpistas. A polarização entre direita e esquerda era fortíssima. A greve dos caminhoneiros de outubro de 72 foi financiada pela CIA. A CIA já tentara impedir a posse do Allende. Pensava-se que a tradição democrática do Chile impediria o Golpe, mas o risco era real, como se viu depois.

victor jara

Sul21: Como o Victor Jara se tornou um símbolo?

Maurício Brum: Depois do golpe, todas as músicas foram censuradas e seus discos queimados. A ditadura chilena queimou discos e livros. Ele torna proscrito no Chile e divulgadíssimo no exterior. Um disco que ele tinha deixado gravado saiu em 74 no exterior. É o disco de Manifiesto. Ele se torna um símbolo porque era, obviamente, uma das pessoas mais conhecidas que pereceram na prisão política do Chile.

Sul21: A ditadura o usava como exemplo de até onde a ditadura pode ir e o mesmo vale para a resistência.

Maurício Brum: Sim, aí se criam algumas lendas, como a morte romanceada dele cantando o hino da Unidade Popular, o corte das mãos e o fato de Allende ter morrido lutando, quando todos hoje sabem que ele se suicidou. Toda a resistência precisa de heróis e Victor Jara serviu como um deles. Até hoje, quando se fala no Golpe, sua figura é relembrada. Até porque não se fez justiça. No Museu da Memória dos Direitos Humanos do Chile, dedicado à repressão e à Ditadura, bem na entrada, está, em letras gigantescas, o poema que ele escreveu na prisão política.

Sul21: E quem o matou?

Maurício Brum: Ninguém sabe. Nenhum prisioneiro viu ele ser morto. E, com todos os subterfúgios legais, jamais se saberá. Além disso, a Lei da Anistia do Chile é semelhante à nossa. Mas foi encontrada uma brecha na Lei: para o caso dos desaparecidos, o crime não prescreveu e então alguns foram condenados. Para o caso dos mortos, há a Anistia.
victor jara

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(*) Introdução de Joan Jara: “… Quando mais tarde me trouxeram o texto do último poema de Víctor, soube que ele queria deixar seu testemunho, seu único meio de resistir ainda ao fascismo, de lutar pelos direitos dos seres humanos e pela paz”.

Somos cinco mil 

nesta pequena parte da cidade. 
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total, 
nas cidades e em todo o país? 
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam 
e fazem andar as fábricas.

Quanta humanidade 
com fome, frio, pânico, dor, 
pressão moral, terror e loucura!

Seis de nós se perderam 
no espaço das estrelas.

Um morto, um espancado como jamais imaginei 
que se pudesse espancar um ser humano.

Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores 
um saltando no vazio, 
outro batendo a cabeça contra o muro, 
mas todos com o olhar fixo da morte.

Que espanto causa o rosto do fascismo!

Colocam em prática seus planos com precisão arteira, 
sem que nada lhes importe.

O sangue, para eles, são medalhas.

A matança é ato de heroísmo.

É este o mundo que criaste, meu Deus? 
Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?

Nestas quatro muralhas só existe um número 
que não cresce, 
que lentamente quererá mais morte.

Mas prontamente me golpeia a consciência 
e vejo esta maré sem pulsar, 
mas com o pulsar das máquinas 
e os militares mostrando seu rosto de parteira,
cheio de doçura.

E o México, Cuba e o mundo?

Que gritem esta ignomínia! 
Somos dez mil mãos a menos 
que não produzem.

Quantos somos em toda a pátria?

O sangue do companheiro Presidente 
golpeia mais forte que bombas e metralhas.

Assim golpeará nosso punho novamente.

Como me sai mal o canto 
quando tenho que cantar o espanto!

Espanto como o que vivo 
como o que morro, espanto.

De ver-me entre tantos e tantos 
momentos do infinito 
em que o silêncio e o grito 
são as metas deste canto.

O que vejo nunca vi,
o que tenho sentido e o que sinto 
fará brotar o momento…”

(Victor Jara, Estádio de Chile, Setembro 1973).

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Grande novidade… Estudo aponta que pessoas de esquerda são mais inteligentes que as de direita

Grande novidade… Estudo aponta que pessoas de esquerda são mais inteligentes que as de direita

Do Jornal GGN

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Um estudo realizado por acadêmicos da Universidade Brock, em Ontário, no Canadá, afirma que pessoas com opiniões políticas de esquerda tendem a ser mais inteligentes do que aquelas com visões de mundo de direita. A pesquisa, que inclui dados coletados por mais de 50 anos, também aponta que crianças com menores índices de inteligência tendem a desenvolver pensamentos racistas e homofóbicos na idade adulta.

O trabalho de pesquisa ouviu mais de 15 mil pessoas, comparando o nível de inteligência na infância com seus pensamentos políticos como adultos. Os dados analisados são do Reino Unido, entre os anos de 1958 e 1970. Para realizar o estudo, os pesquisadores mediram a inteligência de crianças com idade entre dez e 11 anos e voltaram a analisar suas posições políticas aos 33 anos de idade.

“As habilidades cognitivas são fundamentais na formação de impressões de outras pessoas e a ter a mente aberta. Indivíduos com menores capacidades cognitivas gravitam em torno de ideologias conservadoras que mantêm as coisas como elas são, porque isso lhe dá um um senso de ordem”, dizem no estudo publicado no Journal of Psychological Science.

Preconceito burro

A equipe concluiu, então, que menores níveis de inteligência estão relacionados a pensamentos de direita, porque esses os fazem se sentir mais seguros no poder – o que pode se relacionar com o seu nível educacional, inclui o jornal britânico. Além disso, ao analisar dados de um estudo de 1986, nos Estados Unidos, sobre o preconceito contra homossexuais, os pesquisadores descobriram que pessoas com baixa inteligência detectada na infância tendem a desenvolver pensamentos ligados ao racismo e à homofobia.

“As ideologias conservadoras representam um elo crítico por meio do qual a inteligência na infância pode prever o racismo na fase adulta. Em termos psicológicos, a relação entre inteligência e preconceitos podem ser derivadas de qual a probabilidade de indivíduos com baixas habilidades cognitivas apoiarem ideologias de direita, conservadoras, porque eles oferecem uma sensação de estabilidade e ordem “, acrescentou. “No entanto, é claro que nem todas as pessoas pessoas prejudicadas são conservadoras”, disse a equipe de pesquisa.

A importância de Steve Biko e do Movimento de Consciência Negra na África do Sul

A importância de Steve Biko e do Movimento de Consciência Negra na África do Sul

Publicado em 7 de setembro de 2014 no Sul21

Biko
Biko, 22h de tortura

Stephen Bantu Biko, ou Steve Biko, nasceu em 18 de dezembro de 1946 e morreu em 12 de setembro de 1977, aos 30 anos, após ser preso e torturado. Ativista anti-apartheid da África do Sul na década de 1960 e 1970, Biko não faz somente parte da memória política da África do Sul, mas também da memória da cultura ocidental. O Movimento da Consciência Negra de Biko agregou para si o slogan Black is Beautiful, que nos Estados Unidos destinava-se a dissipar a noção de que as características físicas dos negros — como cor da pele, detalhes do rosto e cabelos — seriam feias. O movimento também incentivava homens e mulheres a pararem de esconder seus traços afros alisando o cabelo, clareando a pele, etc. Porém, na África do Sul, a luta análoga era outra, muito mais básica, e o Black is Beautiful de Biko significava algo como “você tem que olhar para si mesmo como um ser humano e aceitar a si  mesmo como você é”.

A música brasileira homenageou o movimento norte-americano através da belíssima canção homônima dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, famosa na versão de Elis Regina.

O roqueiro inglês Peter Gabriel foi mais direto e escreveu Biko, verdadeiro hino cujas primeiras palavras são September ’77 / Port Elizabeth weather fine / It was business as usual / In police room 619.

Mas tais referências culturais são apenas ornamentos para a vida de um grande mobilizador da população negra sul-africana. As muitas organizações fundadas por Biko iam no caminho inverso das lições de inferioridade racial ministradas aos negros por ordem do governo da África do Sul. Ele desejava que os negros tivessem consciência de suas capacidades, que pudessem ocupar cargos destinados apenas aos negros, além do fim da educação limitada, pois muitas disciplinas simplesmente não podiam ser ministradas aos negros do país.

Em 18 de agosto de 1977, Biko foi preso em uma barreira policial e interrogado por oficiais da polícia. Esse interrogatório ocorreu na sala de polícia nº 619 do Edifício Sanlam em Port Elizabeth. O interrogatório durou 22 horas e incluiu tortura e espancamentos, resultando em coma. Ele sofreu graves ferimentos na cabeça e, após as torturas, foi acorrentado às grades de uma janela durante um dia inteiro.

Biko
Biko, a grande liderança e mobilizador da população negra.

Dias depois, em 11 de setembro de 1977, a polícia resolveu levá-lo, nu e algemado, para uma prisão com instalações hospitalares, mas ele morreu logo após chegar, em 12 de setembro. A polícia divulgou que sua morte foi resultado de uma prolongada greve de fome, mas a autópsia revelou múltiplas contusões e escoriações. Seu fim deveu-se a uma hemorragia cerebral. O jornalista Donald Woods, editor e amigo de Biko, e Helen Zille, mais tarde líder do partido político da Aliança Democrática, expuseram a verdade sobre sua morte.

A notícia espalhou-se rapidamente. O funeral foi assistido por mais de 10 mil pessoas, incluindo numerosos embaixadores e outros diplomatas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. O mesmo Donald Woods fotografou seus ferimentos no necrotério. Woods foi mais tarde forçado ao exílio, passando a fazer campanha contra o apartheid na Inglaterra. Também foi autor do livro Biko, mais tarde transformado no filme Cry Freedom, de Richard Attenborough, com Denzel Washington no papel de Biko.

Em 1978, a Justiça sul-africana decidiu que não havia provas suficientes para acusar os oficiais de homicídio. Faltariam testemunhas. E, em outubro de 2003, o Ministério da Justiça Sul-Africano anunciou que os cinco policiais acusados de matar Biko não seriam processados também em razão de insuficiência de provas.

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Biko
Biko, fundador e unificador de diversas organizações

Steve Biko nasceu em Ginsberg, bairro de King Williams Town. O nome do bairro é o do dono da fábrica de velas instalada no local no início do século 20. Ginsberg não gostava que seus empregados fossem muito longe quando não estavam na fábrica. Então, conseguiu que a administração municipal mandasse construir em torno dela as primeiras casas do futuro bairro.

Foi em uma dessas casinhas que Steve Biko cresceu. Foi criado pela mãe Alice, cozinheira no hospital vizinho. Inteligente e com grande capacidade de liderança, Biko estudava medicina quando foi expulso da Universidade da Província de Natal, no ano de 1972, em razão de suas atividades políticas. No ano seguinte, foi “banido” pelo governo do apartheid. A punição era incrível: ele não estava autorizado a falar com mais do que uma pessoa de cada vez. Também não podia escrever publicamente ou falar com a imprensa. Esta também foi proibida de citar qualquer coisa que ele dissesse.

Steve Biko tinha grande preocupação com o desenvolvimento de uma consciência negra. Pensava que tal desenvolvimento teria duas fases: a primeira seria de “libertação psicológica” e a segunda de “libertação física”. A bibliografia aprecia fazer a ligação entre Biko e a não-violência de Gandhi e Martin Luther King, mas ele sempre entendeu que a libertação física só se daria fora das realidades políticas do apartheid. Ou seja, havia antes que derrubá-lo. Outro fato que costuma ficar oculto são suas posições políticas. “Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda”, dizia.

Cartaz do BPC
Cartaz do BPC

Em 1972, Biko foi um dos fundadores da Black Peoples Convention (BPC). Trabalhava em projetos de melhorias sociais nos arredores de Durban. Com o tempo, o BPC acabou por reunir cerca de 70 diferentes grupos de consciência negra e associações como o South African Student’s Movement (SASM), que desempenhou um papel significativo na Revolta de Soweto de 1976, a National Association of Youth Organisations e a Black Workers Project que apoiaram os trabalhadores cujos sindicatos não foram reconhecidos sob o regime do apartheid. Biko foi eleito o primeiro presidente do BPC e, como recompensa, recebeu a citada expulsão da escola médica.

Sobrou-lhe trabalhar em tempo integral para o BCP. Mesmo banido pelo apartheid, Biko ajudou a criar Zimele Trust Fund, fundo de assistência financeira a presos políticos e a suas famílias. Steve Biko era considerado perigoso pela habilidade para organizar a população e porque procurava investir nas comunidades e inspirar a juventude negra do país.

As circunstâncias brutais da morte de Biko tornaram-no um mártir e um símbolo da resistência negra ao regime de apartheid. Logo após seu assassinato, o governo sul-sfricano proibiu que uma série de pessoas falassem — incluindo Donald Woods — e fechou várias organizações, especialmente os grupos da Consciência Negra associados a Biko. O Conselho de Segurança das Nações Unidas respondeu com um embargo de armas contra a África do Sul.

Representando este homem também interessado por artes, educação e desenvolvimento econômico, a família Biko recusou a ideia de construir um mausoléu. Um túmulo grandioso talvez o retirasse da companhia de camaradas enterrados, como ele, em modestos pedaços de terra.

Nelson Mandela disse a respeito de Biko: “Eles tiveram que matá-lo para prolongar a vida do apartheid“.

Há 80 anos, o mundo via Hitler tornar-se o Führer

Há 80 anos, o mundo via Hitler tornar-se o Führer
Hindenburg e Hitler
Hindenburg e Hitler

Publicado em 2 de agosto de 2014 no Sul21

Em alemão, Führer significa “guia”, “líder”, “chefe”. Deriva do verbo führen, “conduzir”. Embora a palavra permaneça de uso comum em alemão, está tradicionalmente associada a Adolf Hitler, que a usou para se autodesignar líder da Alemanha Nazista.

Há 80 anos, às 9 horas de 2 de agosto de 1934, o Presidente Paul von Hindenburg, de 87 anos, faleceu. Três horas depois, ao meio-dia, foi divulgado que,  de acordo com uma lei emanada “no dia anterior”, os cargos de Chanceler (Reichskanzler), o qual Hitler já ocupava, e Presidente (Reichspräsident) tinham sido unificados e que Adolf Hitler, de 45 anos, assumiria poderes de chefe de estado e comandante supremo das forças armadas. O título de presidente ficava abolido e Hitler seria Líder e Chanceler (Führer und Reichskanzler). Em 19 de agosto, foi realizado um referendo em que o povo alemão aprovou a posse de Hitler no cargo. Sua vitória foi, pela primeira vez, esmagadora. Cerca de 95% dos eleitores inscritos votaram e 90% – mais de 38 milhões – votaram a favor, com apenas 4,25 milhões votando contra. Então, Hitler exigiu de todos os oficiais e membros das forças armadas um juramento de fidelidade para com ele próprio. O juramento era muito pessoal:

“Faço perante Deus o sagrado juramento de que renderei incondicional obediência a Adolf Hitler, o Führer do povo e do Reich alemão, comandante supremo das forças armadas, e de que estarei pronto como um corajoso soldado a arriscar minha vida a qualquer momento por este juramento”.

Hindenburg morto.
Hindenburg morto.

E o que é o Reich? O Terceiro Reich seria um novo período de supremacia alemã. O governo nazista tinha por hábito glorificar o passado do país que, de acordo sua visão, tivera dois períodos de grande destaque mundial. O primeiro fora o estabelecimento do Sacro Império Romano-Germânico no ano de 962; o segundo, a criação do Império Alemão em 1871, que consistia em uma Alemanha unificada ao modo dos estados modernos e que, além disso, possuía um considerável império ultramarino, com colônias na África, Ásia e Oceania. O Terceiro Reich, proposto pelo partido nazista, viria recriar os momentos de glória do povo germânico e deveria durar mil anos.

Um detalhe importante é que nestes mil anos haveria uma seleção de etnias na qual a raça ariana deveria ter a supremacia.

Alois Hitler (1837-1903)
Alois Hitler (1837-1903)

Como Hitler chegou a Führer

O pai, Alois Hitler, era funcionário da alfândega e filho, como se dizia na época, ilegítimo, isto é, não nascera dentro de um casamento. Até os quarenta anos, Alois usou o sobrenome da sua mãe, Schicklgruber. Em 1876, passou a empregar o nome do seu pai adotivo, Johann Georg Hiedler, cujo nome foi alterado para Hitler por erro de um escrivão. Alois casou-se e teve seis filhos com Klara Pölzl. Apenas Adolf, o quarto, e sua irmã mais nova, Paula, sobreviveram à infância. Viviam em Linz, no interior da Áustria. Adolf era muito mais devotado à mãe, Klara, que faleceu em 1907, do que ao pai, morto em 1903. Aos 18 anos, em 1907, órfão de pai e mãe, ele partiu para Viena, onde tinha vagas aspirações de se tornar artista plástico. Tinha, então, direito a um subsídio para órfãos, que acabaria por perder aos 21 anos, em 1910.

No mesmo ano fez dois exames de admissão na Academia de Belas-Artes de Viena, sempre sem sucesso. Nos anos seguintes permaneceu em Viena, sem emprego fixo. O dinheiro era curto e ele chegou mesmo a pernoitar, por vezes, em asilos para mendigos. Depois, começou a copiar postais e pintar paisagens de Viena — ocupação com a qual conseguiu financiar o aluguel de um apartamento. Com suas pinturas copiadas, ganhava mais dinheiro do que se tivesse um emprego regular. Ele gostava de frequentar a Ópera Estatal de Viena, especialmente para assistir as óperas de Richard Wagner.

Klara Hitler (1860-1907)
Klara Hitler (1860-1907)

Foi em Viena que Hitler começou a perfilar-se como antissemita. O antissemitismo estava profundamente enraizado na cultura católica do sul da Alemanha e na Áustria, onde Hitler cresceu. Viena tinha uma grande comunidade judaica, incluindo muitos judeus ortodoxos do leste da Europa. Na cidade, Hitler tomou contato com os judeus ortodoxos, que, ao contrário dos judeus de Linz, distinguiam-se pelas suas vestes. Foi em Viena que ele comprou e leu os primeiros panfletos abertamente antissemitas que relata em seu livro Mein Kampf.

Também foi em Viena que tomou contato com a doutrina marxista, tendo “aprendido a lidar com a dialética deles, incorporando-a para os meus fins”.

Em 1913, mudou-se para Munique. Como relata em Mein Kampf, desejava viver numa cidade alemã a fim de afastar-se do por demais multiétnico Império Austro-Húngaro. Queria viver num país mais homogêneo do ponto de vista racial. Ao mudar-se, também fugia do serviço militar obrigatório. Só que foi localizado e obrigado a um exame físico no qual foi considerado inapto. Então, regressou a Munique, onde retomou sua atividade de pintor, vendendo seus quadros na rua.

A Primeira Guerra Mundial

Em agosto de 1914, quando a Alemanha entrou na Primeira Guerra Mundial, alistou-se imediatamente no exército bávaro. Serviu na França e Bélgica como mensageiro, uma posição muito perigosa, que envolvia exposição a fogo inimigo. A folha de serviço de Hitler foi exemplar, mas nunca foi promovido além de cabo, que era a patente mais alta oferecida a um estrangeiro no Exército Alemão.

Foi condecorado duas vezes por coragem em ação. A primeira medalha que recebeu foi a Cruz de Ferro de Segunda Classe, em dezembro de 1914 . Depois, em agosto de 1918, recebeu a Cruz de Ferro de Primeira Classe, uma distinção raramente atribuída a não oficiais.

Apesar de não ser cidadão alemão, durante a guerra Hitler desenvolveu um patriotismo apaixonado. Ficou chocado pela capitulação da Alemanha em novembro de 1918, sustentando a ideia de que o exército alemão não tinha sido, de fato, derrotado. Como muitos nacionalistas alemães, culpou os políticos civis pela capitulação.

Ao término da Primeira Grande Guerra, Hitler permaneceu no exército, agora ativo na supressão das revoltas socialistas que surgiam pela Alemanha. Participou de cursos de “pensamento nacionalista” e chegou a uma nova conclusão: a Alemanha capitulara na Primeira Guerra Mundial em função do “judaísmo internacional”, dos comunistas e dos políticos de todos os setores.

Hitler na Primeira Guerra Mundial (sentado, à direita)
Hitler na Primeira Guerra Mundial (sentado, à direita)

1923

Então, escreveu aquele que é geralmente tido como o seu primeiro texto antissemita, um “Relatório sobre o Antissemitismo”. Nele, Hitler fazia a apologia de um “Antissemitismo racional” que não recorreria aos pogroms, mas que “lutaria de forma legal para remover os privilégios gozados pelos judeus em relação a outros estrangeiros. O objetivo final era o da remoção irrevogável dos judeus”.

Hitler foi liberado do exército em 1920. A partir dessa data, começou a participar ativamente das atividades do Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei – NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães), normalmente conhecido como partido Nazi, ou Nazista, palavra que tem origem na junção das palavras “National Sozialistische”, em contraste com os Sozi, um termo usado para descrever os social-democratas. O partido adotou a suástica (supostamente um símbolo ariano) e a saudação romana, também usada pelos fascistas italianos.

O partido servia -se do apoio da Sturmabteilung (SA), uma milícia paramilitar que costumava vagar pelas ruas atacando comunistas, minorias religiosas e gritando palavras de ordem. Por volta de 1923, Hitler conheceu Julius Streicher, editor de um jornal violentamente antissemita chamado Der Stürmer, que o apoiaria em sua propaganda de promoção pessoal e de ódio aos judeus.

Hitler numa marcha das SA em 1932
Hitler numa marcha das SA em 1932

O Partido Nazista era nesta altura constituído por um pequeno número de extremistas de Munique. Mas Hitler tinha duas armas potentíssimas: a oratória pública e o poder de inspirar lealdade pessoal. A sua oratória de esquina, atacando os judeus, os comunistas, os liberais e os capitalistas, começou a atrair simpatizantes. Alguns dos seguidores desde o início foram os futuros ministros Rudolf Hess, Hermann Göring, e Ernst Röhm, líder da SA. Outro admirador foi o marechal de campo Erich Ludendorff.

O crescimento do partido apoiava-se no ressentimento pela derrota e no mal-estar econômico, político e social decorrente da derrota de 1918 e, depois, da crise de 1929.

Intermezzo 1. Curiosamente, o melhor retrato da Berlim deste período foi criado pelo mais intimista e filosófico dos diretores de cinema. Em O Ovo da Serpente, Ingmar Bergman mostra a ascensão do nazismo, captando com grande acurácia e brilhantismo o ambiente da República de Weimar, com o caos econômico, moral e político aflorando e alterando as pessoas. No final do filme, o médico Hans Vergerus fala sobre a formação do nazismo: (…) qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como o ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado. Infelizmente e sabe-se lá por quê, a imagem, roubada por Bergman de Shakespeare, tornou-se lugar-comum de nove entre dez políticos de parca cultura. Fim do intermezzo.

O Dr. Hans Vergerus de 'O Ovo da Serpente'
O Dr. Hans Vergerus de ‘O Ovo da Serpente’

O putsch da Cervejaria

O célebre putsch da Cervejaria foi uma malfadada tentativa de golpe de Adolf Hitler e seu Partido Nazista contra o governo da região alemã da Baviera, ocorrido em 9 de novembro de 1923. O objetivo era tomar as rédeas do governo bávaro para, em seguida, abocanhar o poder em todo o país. Mas a ação foi rapidamente controlada pela polícia bávara, sendo que Hitler e vários correligionários – entre eles, Rudolf Hess – acabaram presos.

Hitler usou o seu julgamento como uma oportunidade para espalhar a sua mensagem por toda a Alemanha. Era um eficiente político que não cansava de fazer proselitismo, falando aos jornais e a todos que buscassem contato. Em abril de 1924, Hitler foi condenado a cinco anos de prisão, mas foi anistiado depois de seis meses. Na prisão, ditou o primeiro volume do livro chamado Mein Kampf (“Minha Luta”), primeiramente a Emil Maurice, e posteriormente ao seu fiel ajudante Rudolf Hess. O livro é essencialmente biográfico.

Intermezzo 2. Os direitos autorais do livro caem em domínio público em 2015, quando dos 70 anos da morte do autor. Está sendo preparada uma edição crítica para esta data. Fim do intermezzo.

A primeira edição de Mein Kampf com autógrafo de Hitler (clique para ampliar)
A primeira edição de Mein Kampf com autógrafo de Hitler (clique para ampliar)

Mein Kampf prega a militarização da Alemanha. Descreve a visão de Hitler sobre psicologia de massas, a maneira certa e o melhor momento de fazer um discurso político. Analisa o conteúdo que cada discurso deve ter de acordo com o público alvo. Expõe também a ascensão de Hitler no Partido Nazi que não fundou, mas que mudou o rumo. Expõe também a visão de Hitler sobre o jogo político partidário. Mostra-se totalmente avesso às coligações, afirmando que “O forte é mais forte sozinho”, frase que é título de um capítulo do livro. Também critica o colonialismo francês prevendo que a intromissão na África traria, no futuro, problemas para a França.

O segundo volume do Mein Kampf foi escrito em 1926, quando Hitler já estava fora da prisão. Neste são expostas as ideias Nacional-Socialistas, sem mais informações biográficas. A compilação dos dois volumes recebeu primeiramente o nome de Viereinhalb Jahre des Kampfes gegen Lüge, Dummheit und Feigheit (Quatro anos e meio de luta contra mentiras, estupidez e covardia), mas foi alterado para simplesmente Mein Kampf antes de ser publicado. Após a leitura, a conclusão a que se chega é simples: os dois males do mundo são o comunismo e o judaísmo. E a solução é a erradicação de ambos.

Além disso, em Mein Kampf, ele divide os seres humanos com base em atributos físicos e psicológicos. Hitler afirma que os “arianos” estavam no topo da pirâmide, cuja base era formada por judeus, polacos, russos, checos e ciganos. Segundo ele, aqueles povos se beneficiavam aprendendo com os superiores arianos. Ele também afirmava que os judeus estavam a conspirar para evitar que a raça ariana se impusesse como era seu direito, ao diluir sua pureza racial e cultural e ao convencer os arianos a acreditarem na igualdade.

Ascensão ao poder

Hitler e a SS
Hitler e a SS

Após sua prisão, Hitler foi considerado relativamente inofensivo. Enquanto isso, ele trabalhava. Fundou um grupo que mais tarde se tornaria fundamental. Uma vez que o Sturmabteilung (“Tropas de choque” ou SA) de Röhm, não eram confiáveis e formavam uma base separada de poder dentro do partido, ele estabeleceu uma guarda para sua defesa pessoal, a Schutzstaffel (“Unidade de Proteção” ou SS). Esta tropa de elite em uniforme preto seria comandada por Heinrich Himmler, que se tornaria o principal executor dos seus planos relativamente à “Questão Judaica” durante a Segunda Guerra Mundial. Criou também numerosas organizações de filiação (Juventudes Hitleristas, associações de mulheres, etc.).

E, a partir de 1929, o Partido Nazista teve uma progressão semelhante à do partido fascista de Benito Mussolini.

Um elemento vital do apelo de Hitler era o sentimento de orgulho nacional ofendido pelo Tratado de Versalhes, imposto ao Império Alemão pelos Aliados da Primeira Guerra Mundial. O Império Alemão perdeu territórios para a França, Polônia, Bélgica e Dinamarca e teve de admitir a responsabilidade única pela guerra, desistir das suas colônias e da sua marinha e pagar uma grande soma em reparações de guerra, um total de 32 bilhões de marcos. Uma vez que a maioria dos alemães não acreditava que o Império Alemão tivesse começado a guerra, nem que tinha sido efetivamente derrotado, eles se ressentiam amargamente. Apesar das tentativas iniciais do partido de ganhar votos culpando o “judaísmo internacional”, os Nazistas aprenderam rapidamente uma propaganda muito mais sutil e eficaz que combinava o antissemitismo com ataques aos políticos.

Explorando habilmente as frustrações e o sentimento antissemita enraizado na sociedade alemã da época, o ponto da virada em benefício de Hitler veio com a Grande Depressão que atingiu a Alemanha em 1930. Os social-democratas e os partidos tradicionais de centro e direita eram incapazes de lidar com o choque da depressão. As eleições parlamentares de setembro de 1930 foram de vitória para o Partido Nazista, que se ergueu da obscuridade para ganhar mais de 18% dos votos e 107 lugares no Reichstag (parlamento alemão), tornando-se o segundo maior partido do país.

Cana de Berlin Alexanderplatz: quase 16 horas de filme
Cana de Berlin Alexanderplatz: quase 16 horas de filme

Intermezzo 3. É desta época o romance Berlin Alexanderplatz, obra-prima de Alfred Döblin. É a esplêndida narrativa da história de Franz Biberkopf, um operário saído da prisão no ano de 1929, após quatro anos cumprindo pena. Ele recomeça sua vida arranjando um emprego, mas não consegue levar uma vida decente, quer do ponto de vida material, quer do moral. Rainer Werner Fassbinder filmou a história para a televisão em 1980. O filme tem a duração de 15 horas e meia. Fim do intermezzo.

Hitler ganhou sobretudo votos entre a classe média alemã, que tinha sido atingida pela inflação dos anos 20 e o desemprego oriundo da depressão. Agricultores e veteranos de guerra foram outros grupos que apoiaram os nazistas. As classes trabalhadoras urbanas, em geral, ignoraram os apelos de Hitler. As cidades de Berlim e da Bacia do Ruhr (norte da Alemanha, protestante) eram-lhe particularmente hostis.

Mas nenhum partido conseguiria governar sem os nazistas e, nas eleições presidenciais de julho de 1932, o governo procurou obter o apoio dos nazistas para estenderem o mandato do presidente Paul von Hindenburg. Hitler recusou qualquer acordo, e acabou concorrendo com Hindenburg na eleição presidencial, obtendo o segundo lugar na primeira fase da eleição. Era mais um grande resultado. Uma vez que nazistas e comunistas tinham muitos representantes no Reichstag , a formação de um governo estável de partidos do centro era impossível. Para colaborar, Hitler passou a fazer grandes exigências, incluindo o posto de Chanceler da Alemanha.

Após novas eleições em novembro, Hindenburg acabou nomeando Hitler como Chanceler, num gabinete que ainda incluía dois nazistas: Göring e Wilhelm Frick.

Curiosamente, Hitler e seu partido jamais obtiveram maioria absoluta. Nas últimas eleições livres, os nazistas obtiveram 33% dos votos, obtendo 196 lugares num total de 584. Mesmo nas eleições de março de 1933, que tiveram lugar após o terror e violência terem varrido o Estado, o partido de Hitler chegou aos 44% dos votos, sem alcançar a maioria absoluta. Contrariando a proposta do Mein Kampf, os nazistas só obtiveram a maioria do Reichstag através de coligações formais. E os votos adicionais conseguidos para aprovar a lei que deu a Hitler autoridade de ditador só foram assegurados pela expulsão de deputados comunistas e da intimidação de ministros dos partidos do centro.

Numa série de decretos que se seguiram pouco depois, outros partidos foram suprimidos e toda a oposição foi proibida. Em poucos meses, Hitler tinha adquirido o controle autoritário do país e enterrou definitivamente os últimos vestígios de democracia.

E então, em 2 de agosto de 1934, Hindenburg morreu. E Hitler fundindo as funções de Presidente e de Chanceler, tornando-se o Führer, requerendo um juramento de lealdade a cada membro das forças armadas. Esta fusão dos cargos, aprovada pelo parlamento poucas horas depois da morte de Hindenburg, foi mais tarde confirmada pela maioria do eleitorado em 19 de agosto. O regime teve débil oposição interna. Os grupos oposicionistas existentes eram pequenos, sem forças, carentes de coordenação e sistematicamente intimidados. Começava o Regime Nazista.

Convenção do Partido Nazista em Nuremberg (1935)
Convenção do Partido Nazista em Nuremberg (1935)

(*) A maior parte do texto consiste de compilação feita a partir de várias fontes.

O Monumento às Prostitutas de Praga

O Monumento às Prostitutas de Praga

Praga tem monumentos estranhos. Há o Edifício Dançante.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

Na frente do Museu Kafka, tem também aquele cara mijão que gira o púbis, regando tudo em torno de si.

O cara gira, esguichando | Foto: Milton Ribeiro
O púbis do cara gira, esguichando | Foto: Milton Ribeiro
Tudo na frente de um locais mais visitados da cidade, o Museu Kafka | Foto: Bárbara Ribeiro
O autor do blog observa. A escultura encontra-se na frente de um locais mais visitados da cidade, o Museu Kafka | Foto: Bárbara Ribeiro

E a belíssima cidade vai empilhando atrações clássicas com outras nem tanto.

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Recentemente, a capital da República Checa, recebeu uma escultura de bronze de uma menina sem calcinha. Mas não é só isso: ela está agachada, com o rosto sobre a perna de um homem, sugerindo ter feito ou estar prestes a praticar felação (ou um “boquete”, para usar o termo mais comum). A escultura causou escândalo, como era de se esperar.

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Oficialmente, a escultura recebeu o nome de “Morsa”, mas os habitantes da cidade a chamam de forma unânime de “Monumento às Prostitutas”. Originalmente, a escultura, que é de autor anônimo, ficaria no bairro Dvorak, conhecido por sua abundância de bordéis. Mas os habitantes locais não quiseram ver o bairro ainda mais estigmatizado e opuseram-se à obra.

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Por incrível que pareça a escultura acabou em uma tranquila área residencial. E tornou-se imediatamente atração turística. É considerado um bom presságio ir até ela e esfregar o dedo no clitóris da moça. Criou-se a fama de que as mulheres que assim o fizerem atingirão mais e melhores orgasmos, assim como os homens… Não conferimos o veracidade do fato.

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Tornar-se um Robinson Crusoe, uma boa ideia para jornalistas

Tornar-se um Robinson Crusoe, uma boa ideia para jornalistas
Moyenne Island Seychelles
Moyenne Island Seychelles

As Ilhas Seychelles estão perdidas no meio do Oceano Índico. Antigamente, eram muito visitadas por piratas. Não há nada próximo. A Moyenne é uma pequena ilha do arquipélago. Tem 9 hectares e fica ao lado da maior das ilhas. De 1915 até os anos 70, o local ficou abandonado, até sua compra por parte de Brendon Grimshaw, um bem-sucedido editor de um jornal de Yorkshire, Inglaterra. O que havia na ilha? Nada nem ninguém.

Até sua morte, em julho de 2012, aos 87 anos, Grimshaw foi o único habitante da Moyenne. Ele comprou a ilha por £8.000 em 1962 e, poucos anos depois, começou a fazê-la habitável. A obra foi feita pelo ex-editor com a ajuda de um local, Rene Antoine Lafortune. Após a primeira ajeitada, eles passaram a cobrar o correspondente a 12 euros por visita, o que daria aos visitantes a chance de vagar pela ilha, jantar com Brendon e relaxar na praia.

Enquanto isso, Grimshaw e seu amigo plantavam dezesseis mil árvores, abriam 3 Km de trilhas naturais, traziam e criavam tartarugas gigantes. Fizeram tudo sozinhos. Também deram respeitosa direção à incrível variedade de vida vegetal e de pássaros naturais da região. A tartaruga mais velha das atuais 120 chama-se Desmond e tinha 76 anos de idade, de acordo com Grimshaw em 2012. Ele a chamava de seu afiliado.

Hoje, a ilha vale 34 milhões de euros. Para melhorar, Grimshaw fez duas grandes escavações e encontrou indícios de esconderijos de piratas, mas nada de ouro. Atualmente, a Moyenne é um Parque Nacional e pode ser visitada como parte de viagens organizadas.

Pois é, após 20 anos de persistência, Grimshaw e seu assistente alcançaram seu objetivo de fazer Moyenne um Parque Nacional, agora conhecido como o Parque Nacional de Ilha Moyenne. Ele abriga mais espécies por metro quadrado do que qualquer outra parte do mundo. A ilha está a 4,5 quilômetros de distância da principal ilha.

Dizia Grimshaw: “Lentamente, as árvores cresceram e consegui água, luz e um cabo de telefone. No começo, nós não estávamos fazendo isso para tornar a ilha em um parque nacional ou qualquer coisa assim. Nós estávamos fazendo isso para torná-lo habitável para mim. Desde o momento em que pus os pés na ilha, sabia que era o lugar certo para eu morar”.

Brendon não foi um recluso. Ele adorava os visitantes e lamentava não ter casado. “Como eu poderia pedir a alguém para viver aqui? Nós não tivemos água corrente durante anos!”.

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Brendon e Rene
Brendon e Rene

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Estudo mostra que os homens são imbecis

Estudo mostra que os homens são imbecis

via El Pais, na editoria de Ciência

Muitos estudos sustentam que os homens são mais propensos a comportamentos arriscados que as mulheres. O que não fica tão claro é que pratiquem também mais atos temerários e estúpidos que não lhes tragam nenhum benefício. Um estudo publicado nesta sexta-feira traz uma das primeiras provas a favor dessa hipótese, que os autores batizaram de teoria da imbecilidade masculina, ou MIT, na sigla em inglês. O trabalho, assinado por vários médicos do Reino Unido, é publicado nesta sexta-feira no número especial de Natal da prestigiosa revista British Medical Journal, que contém estudos que seguem os padrões de qualidade científica e revisão por pares, mas com um enfoque mais livre.

Os autores buscaram provas de imbecilidade nos arquivos do prêmio Darwin. Essa sardônica distinção é dada a indivíduos que deram uma contribuição à humanidade ao morrer de forma absurda, o que em princípio evita que seus genes passem para gerações posteriores. Para dar ideia do que seja um prêmio Darwin, seu site destaca a história de um terrorista que enviou uma carta bomba sem os selos suficientes para chegar ao destinatário. Quando a carta foi devolvida, o terrorista a abriu e morreu despedaçado.

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É provável que a história seja falsa, mas o prêmio coleta há anos demonstrações similares de estupidez no mundo real. Uma delas é de três homens no Camboja que jogavam num bar uma espécie de roleta russa. Eles tomavam um gole e pisavam numa mina antitanque colocada embaixo da mesa. Os três foram pelos ares, junto com o resto do bar, relato o estudo, que não informa se eles tinham tido filhos. O site do prêmio também lista dez agraciados no Brasil.

O estudo, encabeçado por John Isaacs, diretor do Instituto de Medicina Celular da Universidade de Newcastle (Reino Unido), analisou todos os premiados entre 1995 e 2014, separando-os por sexo. Dos 318 casos confirmados e válidos para a análise estatística, 282 eram homens e 36, mulheres. Os homens protagonizaram mais de 88% dos casos, o que, dizem os autores, é um resultado “estatisticamente muito significativo”.

“Esses resultados são totalmente consistentes com a teoria da imbecilidade masculina e fundamentam a hipótese de que os homens são imbecis, e os imbecis fazem idiotices”, concluem os autores. Só que eles identificam muitas ressalvas. O prêmio Darwin é dado por votação anônima, e é possível que as mulheres votem mais em homens que em mulheres. Talvez também haja influência do sexo da criadora e coordenadora do prêmio, a bióloga molecular Wendy Northcutt, e parte da diferença pode ser explicada pelo maior consumo de álcool por homens que por mulheres. Em todo caso, especulam os autores, os homens premiados com um Darwin podem ter uma vantagem evolutiva sobre os outros, caso consigam sobreviver a seus atos estúpidos, embora isso ainda precise ser comprovado.

A desconhecida história do vibrador (II)

A desconhecida história do vibrador (II)

Pois nós abandonamos ontem nossos vibradores quando eles eram enormes mesas cujo uso podia ser dividido por várias “pacientes” (talvez não fossem de uso exclusivo feminino, mas o que podemos garantir?). Esqueçamos esta hipótese que só nos atrapalha. Bem, aquilo era mais ou menos como uma “lan house” onde as usuárias — todas mulheres satisfeitas com seus diagnósticos de histeria — iam ter seus orgasmos.

Leia mais: A desconhecida história do vibrador (I)

Então, a empresa americana Hamilton Beach, especializada em equipamentos para cozinha, patenteou o primeiro vibrador portátil. Estávamos em 1902.

Como vocês podem ler na propaganda acima, era a Maior Descoberta Médica de Todos os Tempos. E, por favor, vejam a discrição do médico da propaganda à direita. A máquina deveria provocar o tal paroxismo que curaria as histéricas. Era uma coisa tão boa que a literatura consultada diz que, em 1917, havia mais vibradores nos lares americanos do que torradeiras. Descobriu-se que quase todas as mulheres era histéricas e deveriam ser necessariamente levadas ao paroxismo.

Porém, os anos 20 trouxeram o filme pornográfico e, nele, as “atrizes” curavam sua histeria frente as câmaras. Os filmes fizeram com que o vibrador ficasse estigmatizado como coisa de mulheres da vida. Nenhuma mulher fina ou mãe de família poderia ter uma histeria tranquila sabendo que a rameira da esquina fazia uso do mesmo instrumento. A venda de vibradores foi então disfarçada sob formas de discutível sutileza.

Posso imaginar a felicidade daquela esposa que, tendo recebido um aspirador de pó como presente de aniversário de seu marido mongo, se deparasse com a panaceia ao abrir a caixa.

— E aí, amor, o aspirador é bom?
— Uma maravilha. Nossa casa ficou na maior paz!

E ficava mesmo pois, ao comprar-se um aspirador, recebia-se isso:

Como já lhes disse, não sou mulher e não sei o grau de sedução que um instrumento desses tem. Para mim, assemelha-se a um maçarico.

Já o instrumento acima não tem muito jeito de que vá acordar aquele clitóris mais preguiçoso e sim moê-lo a pancadas. Bem, já disse que minha capacidade de entendimento é limitada e que esta matéria serve apenas para disponibilizar cultura a meus sete leitores.

Havia propagandas mais escondidas, que permaneciam nos classificados dos jornais, tal como a desta senhora que faz vibrar sua caixa craniana com numa britadeira doméstica. Sua postura é tão confortável que só mesmo uma histérica faria a compra da geringonça. E como havia!

Nos anos 40, 50 e 60, a utilização diminuiu muito. O conservadorismo e a religião — a mais sem graça das invenções humanas — tornaram cada vez mais deselegante o aparelho. Concluo que é mais provável que sua avó usasse um vibrador, mas não sua mãe! Minha mãe, por exemplo, é tão santa que nem imagino como estou aqui. Porém, o vibrador voltou com tudo nos anos 70 e nos 80, principalmente nos 80, quando a música tornou-se tão chata que era melhor divertir-se privadamente. Em 1973, a Hitachi lançou um vibrador revolucionário. Abaixo, a foto da propaganda…

Quem ergue o mixer acima é Betty Dodson, uma moça que criou grupos de masturbação em Nova Iorque. No mesmo ano, também em Nova Iorque, foi fundada a primeira sex shop feminina. A fundadora foi Eves Garden.

Hoje, com a eletrônica fazendo coisas cada vez menores — nem sempre, nem sempre — e livres das tomadas, os vibradores são… ou seriam… ou talvez devessem ser… Bem, traduzo a seguir uma propaganda dos anos 40 (EUA):

… os vibradores são implementos necessários à vida de toda jovem educada. Os vibes estão destinados a fazerem parte da paisagem urbana e um namorado sensível certamente dará um a sua amada no Dia dos Namorados. O vibrador é, muito possivelmente, o mais potente símbolo de independência feminina. A posse de um vibrador diz ao mundo (ou pelo menos você diz a si mesma!) que não só você está confortável com sua sexualidade, mas que você é capaz de dar satisfação sexual a si mesma sem ficar esperando a boa vontade de um homem.

A última novidade é que um executivo aposentado da indústria petrolífera patenteou um tipo de vibrador com o qual a mais preguiçosa das mulheres chegará ao orgasmo, mesmo que não queira! O fabricante diz que seu vibrador “empurra e gira, eliminando dessa forma qualquer necessidade de trabalho da usuária”. Custa 139 dólares. Só Deus sabe se é verdade. Pesquisem aí.

E abaixo nós temos o famoso vibrador batom, motivação da série de dois artigos, aqui finalizada. Trata-se do “Vibrador em Formado de Batom Multivelocidade À Prova D’água da Studio Collection”. Não, não recebo comissão.

A desconhecida história do vibrador (I)

A desconhecida história do vibrador (I)

Revisado e republicado atendendo a pedidos.
Afinal, o filme Histeria tem passado na Net e as pessoas perguntam.

O espírito que norteia nosso blog sempre foi o de ilustrar seus e suas visitantes. Ademais, aprender história dá-nos outros horizontes e podemos captar repetições e nuances que nos permitem fazer projeções para o que vivemos e vamos viver. É rigorosamente dentro deste propósito que contaremos a nossos leitores e leitoras a história do vibrador. Ora, a ideia me surgiu a partir de uma amiga que possui um vibrador-batom… Isto é, se alguém abre sua bolsa, não encontrará algo de grandes proporções e formato suspeito, mas um aparelho fabricado na China, semelhante a um batom. Digamos que não há nada ali para pintar os lábios. Não lhe perguntei se tamanho era algo importante em tratando-se de vibrador, pois, sabem, até minha cara-de-pau de historiador conhece limites e não sou tão íntimo da moça para lhe perguntar sobre o uso de produto tão íntimo.

Antes de chegar a esta solução pequena e elegante, oculta dentro de uma pequena bolsa que pode ser aberta sem constrangimentos, o vibrador percorreu notável história a qual começa, obviamente, pelos nossos espertos psiquiatras. Ao final do século XIX, vivíamos uma das épocas culturalmente mais florescentes. Havia Brahms e Mahler, Thomas Mann e Kafka eram crianças, Dostoiévski e Tolstói produziam como nunca e, prova da inteligência daquele tempo, a histeria era considerada uma doença exclusivamente feminina. Ou seja, a medicina também era a melhor possível e só decaiu com aqueles médicos vienenses que não apreciavam Richard Wagner.

A massagem vulvar foi descoberta como tratamento eficaz para a histeria e a neurastenia. Claro que aquilo não era nada sexual, era antes algo essencialmente técnico. Era como alongar ou tirar nós musculares nos dias de hoje. Mas as mulheres gostavam e as mais espertas rolavam no chão à menor contrariedade, atrás de um libertador diagnóstico de histeria. O tratamento era aquele mesmo: a massagem vulvar. Era uma máquina de fazer dinheiro e, é claro, a massagem só acabava no momento em que acabava ou, melhor dizendo, no momento em que a paciente chegava ao orgasmo. Mas os médicos achavam que passar dez horas por dia atendendo a vasta clientela das massagens vulvares era cansativo e tedioso, além de que muitos temiam ver crescer pelos na palma de suas mãos. Então, os neurologistas inventaram uma forma de mecanizar o processo: a hidroterapia. Era como molhar as plantas: o médico ajustava o jato, regulava sua força do jato e deixava um (ou uma) auxiliar segurando a mangueira:

Observem atentamente a figura acima. Vejam bem o lado esquerdo. O médico ou auxiliar, certamente inglês, preferia pegar numa mangueira. Eu nunca fui mulher, mas imagino que esta troca não tenha sido muito legal para o publico aficionado. Imagino que houvesse variáveis que poderiam dificultar as coisas: a temperatura da água, por exemplo, poderia ser fatal para as friorentas; também acho que os constantes erros de mira do(a) auxiliar do médico obrigavam a paciente a rebolar sobre a cadeira a fim de que o jato alcançasse de forma produtiva o local exato da histeria. E se, na hora da histeria, algo chamasse a atenção do homem da mangueira e este a apontasse para a parede? Ora, neste caso, tudo teria de começar novamente! Afora isso, havia a absurda conta d`água e aquela molhaçada, já pensaram?

Mas voltemos aos vibradores. Em 1880, novamente os ingleses…

… inventaram uma máquina elétrica que, ao menos, não molhava tudo. E a geringonça — espécie de Orgasmotron, lembram de O Dorminhoco de Woody Allen? — podia atender várias pacientes ao mesmo tempo. Imaginem o ganho de produtividade? Foi um enorme sucesso, apesar do enorme risco dos médicos confundirem os êxtases de suas pacientes com meras eletrocuções. As pacientes passaram a chegar ao êxtase em 10 minutos e as mãos dos médicos, assim como suas mangueiras, puderam finalmente descansar.

(continua amanhã, com muito mais informações e fotos)

Nossa história, à venda: um castelo agoniza no pampa

Nossa história, à venda: um castelo agoniza no pampa
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A recepção | Foto: Milton Ribeiro (clique para ampliar)

Publicado em 18 de maio de 2014 no Sul21.

Logo na entrada, gravada nas lajes, lê-se a seguinte inscrição :

Bem-vindo à mansão que encerra
Dura lida e doce calma:
O arado que educa a terra;
O livro que amanha a alma.

Muito mais do que uma saudação, o verso deixa clara a ideologia de Joaquim Francisco de Assis Brasil. Trabalho e cultura, transpiração e conhecimento. O sonho do diplomata, político, advogado e escritor Joaquim Francisco de Assis Brasil, que transformou sua granja em uma moderna propriedade no campo, ornamentada por um castelo em estilo medieval, está à venda. Tombado desde 1999 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, o Castelo de Pedras Altas precisa de urgente reforma. A progressiva degradação do prédio de 44 cômodos e 12 lareiras ameaça o acervo do castelo, que contém, além de inúmeras peças históricas, uma valiosa biblioteca de 8 mil volumes.

Foto: assisbrasil.org
Foto: assisbrasil.org (clique para ampliar)

O Castelo, construído em granito rosa entre 1904 e 1909, está sendo vendido a portas fechadas, isto é, com tudo dentro. O pacote inclui diversos móveis de madeira maciça importados dos Estados Unidos e França, mais estátuas, espadas, relógios — entre eles, um que pertenceu a Bento Gonçalves — piano e a biblioteca. A biblioteca é famosa: há clássicos em inglês, francês e latim. Dentre as raridades, os 22 volumes da Enciclopédia Francesa de Diderot e D’Alambert, publicada em 1751.

O estilo medieval da construção — algo estranho para a região — foi um presente de Assis Brasil para sua esposa Lídia de São Mamede, filha de um conde europeu e que residia em um local semelhante na Europa. Outra intenção do diplomata nascido em São Gabriel era a de provar que era possível ser homem do campo sem ser rude. Assis Brasil queria enobrecer o campo. Para enobrecê-lo, ele não apenas comprou livros, mas também introduziu no local (e no Brasil) os gados Jersey e Devon, a ovelha Karakul e o cavalo árabe.

Foto: Cecília Assis Brasil
Foto: Cecília Assis Brasil

Com sua granja, Assis Brasil tentava demonstrar o que havia aprendido no exterior. Tinha a tese — na época revolucionária — de que uma área pequena e bem trabalhada poderia produzir mais do que as tradicionais fazendas gaúchas, onde o gado era criado sem maiores cuidados. Havia uma estação de trem próxima ao castelo, hoje desativada. Ali embarcavam animais das raças devon, jersey, karakul, além da lã de ovelha, banha de porco, queijos, manteiga e frutas secas. 

No sonho de Assis Brasil, o trabalho caminharia junto com a educação. “O arado e o livro são ferramentas do progresso”, escreveu. Depois de trabalharem na terra, os trabalhadores poderiam estudar. O que Assis Brasil não previu foi que a fazenda poderia até sobreviver de sua produção, mas jamais sustentar um oneroso Castelo que se ressentiria das infiltrações naturais do clima úmido do Pampa. O Castelo tem aparência medieval, mas seu projeto trazia novidades exclusivas, como o fato de os banheiros ficarem dentro da fortaleza, numa época em que a lei mandava instalar sanitários fora das casas. As coisas antigas se degradam. Já quando morreu, em 1938, Assis Brasil deixou dívidas que fizeram com que a família se desfizesse de 130 hectares.

Pensado como saída, o turismo cultural não decolou. Lídia Costa Pereira de Assis Brasil, neta de Assis Brasil, recebia os visitantes cobrando-lhes um ingresso. Mostrava o castelo com sabedoria e amor, mas era uma guardiã tanto esclarecida quanto feroz. Ai de alguém que se desgarrasse do grupo ou que chegasse muito próximo dos livros, ai de alguém fizesse uma piada sobre a foto abaixo ser a última imagem de Santos Dumont vivo. “Assis Brasil jamais errou um tiro!”, ouvimos ela afirmar, irritada (este é um relato de experiência  pessoal).

Assis Brasil alveja Santos Dumont: adeus, maçã.
Assis Brasil alveja Santos Dumont: adeus, maçã | Foto: assisbrasil.org

O Castelo não é apenas um curioso exemplar arquitetônico, ele tem história. Ali, deu-se a assinatura do acordo de paz que encerrou a revolução gaúcha de 1923.  Em sua biblioteca foi assinada a paz de Pedras Altas entre as forças políticas que apoiavam Borges de Medeiros e suas enjoativas reeleições — foi presidente do estado entre 1898 e 1927 — e aquelas que se insurgiam contra o fato. A paz foi assinada em 14 de dezembro de 1923. A Revolução de 23 durou apenas 11 meses, mas assustou um estado onde — com suas degolas — estavam presentes as lembranças da guerra de 1893, o mais sangrento dos confrontos da história do Rio Grande. O recomeço de um confronto entre chimangos e maragatos preocupava o estado. O acordo impedia Borges de Medeiros de se recandidatar após concluir seu mandato. Deste modo, ele poderia finalmente tornar-se nome de avenidas em todo o estado.

Inspiração para o título desta matéria, o escritor e atual Secretário de Cultura Luiz Antônio Assis Brasil, primo de Lídia, escreveu a série de três romances Um Castelo no Pampa, formado por Perversas FamíliasPedra da Memória e Os Senhores do Século. Lá está, como um dos personagens principais, o velho Assis Brasil. A forma como ele é descrito nos romances deixou Lídia ressentida. Os dois se relacionam educadamente, como se fossem embaixadores de duas nações inimigas. Anos antes, quando esteve no Castelo, Assis Brasil teve acesso à biblioteca e examinou seu exemplar da Enciclopédia Francesa. “O livro está em perfeito estado, como se tivesse sido publicado neste ano”. Fica a dúvida se alguém, além do “velho” Assis Brasil, consultou aquela obra.

Foto: assisbrasil.org
Foto: assisbrasil.org

Antes dos 20 herdeiros decidirem-se pela venda, houve várias tentativas de captação de recursos para a restauração do castelo. Por intermédio da Lei Rouanet, o projeto foi aprovado em 2008 pelo Ministério da Cultura, mas não apareceram interessados. Segundo Lídia, nem todos os herdeiros concordaram em ceder a documentação necessária à captação da verba para o restauro. Por enquanto, a propriedade não está à venda para o público: “Por ser um patrimônio tombado, primeiro temos que oferecer ao município, ao estado e à União. Eles têm preferência. É o processo normal”, explica. O Castelo foi oferecido ao município de Pedras Altas, ao Estado e à União. Ninguém respondeu ainda. Os corretores de imóveis escolhidos pela família estão sendo orientados pelo Iphae (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do estado) e quem comprar a granja terá que continuar respeitando as regras do tombamento.

Lídia Assis Brasil diz que a falta de incentivos governamentais e de empresas para manter a estrutura foi o principal motivo que levou a família a tomar a decisão da venda. “São muitas as dificuldades para manter o edifício. Porém, pensar que o patrimônio e a história terão a oportunidade de serem preservados pelo novo proprietário é o que nos consola. De qualquer maneira, está sendo uma fase muito difícil”, revela.

De como funciona o pacto da mediocridade e outros pactos

De como funciona o pacto da mediocridade e outros pactos

A experiência é real e foi conduzida por um cientista norte-americano chamado Harry F. Harlow (1905-1981). Achei fascinante.

Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro colocaram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas.

Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água gelada nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas.

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Passado mais algum tempo, nenhum macaco tentava subir mais a escada, apesar de ser tentadora a visão da fruta predileta tão próxima dos olhos. Então, os mesmos cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que o pobre fez foi subir a escada para colher as belíssimas bananas, sendo retirado de lá imediatamente pelos outros, sob uma chuva de pancadas.

Depois de algumas surras, o novo integrante assimilou a ideia do grupo e não tentou mais subir a escada, apesar de continuar lambendo os beiços cá debaixo.

Um segundo macaco foi substituído, e o mesmo aconteceu, tendo o primeiro macaco substituído participado com alegria e entusiasmo do corretivo que o grupo impôs ao segundo novato.

Um terceiro macaco foi trocado, e repetiu-se o fato. E assim fizeram com o quarto, e finalmente com o quinto e último dos veteranos. Deste modo, todo o grupo foi substituído.

Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar às bananas.

Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria:

“Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui.”

É sempre bom lembrar: O VIAGRA É UM PRODUTO AUTENTICAMENTE BRASILEIRO E EXISTE DESDE O SÉCULO XIX!!!

É sempre bom lembrar: O VIAGRA É UM PRODUTO AUTENTICAMENTE BRASILEIRO E EXISTE DESDE O SÉCULO XIX!!!

O escritor Bernardo Guimarães (1825-1884), nascido em Ouro Preto e cuja notável austeridade pode ser apreendida na foto abaixo, escreveu A Escrava Isaura. OK, mas comecemos a leitura de seu clássico poema Elixir do Pajé.

O ínclito Bernardo Guimarães
O ínclito Bernardo Guimarães

Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo,
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?

Ao mesmo tempo em que escrevia o citado romance e também O Seminarista, O Garimpeiro e O Ermitão de Muquém – todos romances medíocres filiados à vertente regionalista da ficção romântica brasileira -, Bernardo….

Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!

…criou uma obra poética dotada de dimensão crítico-humorística incomum em meio aos indianismos, arroubos de eloquência e subjetividades lacrimejantes do romântismo brasileiro. (Flora Sussekind).

Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?

O Elixir do Pajé, assim como o extraordinário A Origem do Mênstruo, só teve impressões clandestinas em folhetos de poucas páginas.

Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co`a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando co`a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!

Um escritor da época, Artur Azevedo, nos revela que “de todos os livros de Bernardo Guimarães, o escrito mais popular é um poema obsceno intitulado Elixir do Pajé, que nunca foi impresso com o nome de seu autor. Porém é raro o mineiro que não o saiba de cor. Há na província um sem-número de cópias desse Elixir inútil e brejeiro.”

Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.

A edição oficial das “poesias completas” de Bernardo Guimarães pelo Instituto Nacional do Livro, com data de 1959, omite sem (ou com) pudor alguns de seus poemas e mantém uma atitude de incompreensão diante de sua veia satírica e humorística.

Quem extinguiu-te o entusiasmo?
Quem sepultou-te neste vil marasmo?
Acaso para teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a dextra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?

Mas além de banir a produção satírica e humorística de Bernardo, os critérios românticos também não se ajustavam à sua lírica, nem sempre em consonância com os padrões da época.

Caralho sem tesão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
linguiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume,
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.

Coube a Haroldo de Campos, em linhas sumárias mas decisivas, apontar de modo pioneiro a importância deste novo e ignorado Bernardo Guimarães.

Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.

…..

Terá Bernardo descoberto um Viagra indianista e romântico?

Eis um santo elixir miraculoso,
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.

…..

Com mais de cem anos de clandestinidade e antecipação, o Elixir impõem-se como a manifestação mais integral e debochada daquele indianismo às avessas que Haroldo de Campos teria visto em Oswald de Andrade.

Esse velho pajé de piça mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!

…..

No Elixir, uns dos alvos de Bernardo é o ritmo e a retórica de Gonçalves Dias em poemas como I-Juca-Pirama e Os Timbiras. E olha o ritmo do I-Juca-Pirama chegando aí, gente!!!

E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
da noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!

…..

E, na sátira ao indianismo, o índio vira sátiro.

Vassoura terrível
dos cus indianos
por anos e anos
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou…

José Veríssimo declarou que a metrificação de Bernardo é em geral mais rica, mais correta e mais variada que a de outros românticos. E completa dizendo que a forma é também mais clássica, mais simples, mais calma e mais fria. Sintam a calma do próximo trecho.

Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos de prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!

Só em Oswald de Andrade (O Santeiro do Mangue) e Gregório de Matos, encontra-se algo próximo a esta grossa prosa de palavrões, erotismo satírico e escatológico, tramada em tão inventiva poesia antipoética.

Vinde, ó putas e donzelas,
vinde a mim abrir as vossas pernas
ao meu tremendo marzapo,
que a todas, feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em trapo…
Graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!

…..

Sem mais interrupções, deixo vocês com o final da epopeia.

Este elixir milagroso,
o maior mimo da terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão…
Do macróbio centenário
ao esquecido marzapo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
pôe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode um cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço…

Desculpa, tive que interromper novamente. Quinze dias de tesão? O Cialis dá umas 6 horas, o Viagra menos!

Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!

Sim, faze que este caralho,
por sua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado
vencedor de cem mil conos…
E seja em todas as rodas
d`hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito – rei dos caralhos!

Os fragmentos do Elixir aqui publicados foram copiados do livro “Poesia Erótica e Satírica” de Bernardo Guimarães (Imago, 1992). Esta edição tem organização e prefácio de Duda Machado, do qual roubei algumas interrupções que fiz ao clássico Elixir.