Na semana da entrega do relatório da Comissão da Verdade, o AI-5 completa 46 anos

Na semana da entrega do relatório da Comissão da Verdade, o AI-5 completa 46 anos
Foto: Reprodução
Leia-se “Golpe” | Foto: Reprodução

Publicado no Sul21 em 13 de dezembro de 2014

Comprova o calendário, consta nos astros, na ciência e na filosofia que o tempo não para. Mas o ano de 1968 não acabou, como diz o livro de Zuenir Ventura. Ou não acabou em 31 de dezembro como todos os outros, tendo sido interrompido no dia 13 daquele mês. Pois no dia 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi baixado o Ato Institucional nº 5, o AI-5, que inaugurou o momento mais duro da ditadura militar brasileira (1964-1985). Ele vigorou até dezembro de 1978, dando poder aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. A partir daquela dia, há 46 anos atrás, os militares podiam tudo.

No restante do mundo, o ano de 1968 ficou marcado como um momento de grande contestação. Na França, o mês de maio foi um momento de grandes protestos tanto contra a política tradicional, quanto a favor de novas liberdades. O radicalismo, principalmente dos estudantes, era expresso claramente pelo lema “é proibido proibir”. Na Europa oriental, no mês de agosto, a União Soviética, acabou com a onda liberalizante em um de seus países satélites, a Tchecoslováquia. A curta Primavera de Praga de Alexander Dubček acabou sob os tanques soviéticos. Dubček e outros membros do governo foram sequestrados e levados a Moscou, onde “lhes fizeram voltar à razão”. As artes também embarcaram no espírito libertário de 1968, mas o que nos interessa é a política brasileira.

Relembremos resumidamente alguns fatos de 1968. No mês de março, uma grande agitação estudantil tomou as ruas do Rio de Janeiro para protestar contra a alta do preço das refeições nos restaurantes universitários. Edson Luís de Lima Souto era um dos 300 estudantes que jantavam no restaurante estudantil do Calabouço no final da tarde de 28 de março de 1968 quando o local foi invadido por policiais. Edson Luís, de apenas dezesseis anos, foi morto pelos militares com um tiro no peito. O fato serviu para que as críticas ao regime se intensificassem. No velório do estudante, uma manifestação de 50 mil pessoas demonstrava a desaprovação ao acontecido.

Edson Luís Lima Souto foi assassinado por um soldado da PM, com um tiro no peito, em 28 de março de 1968
Edson Luís Lima Souto foi assassinado por um soldado da PM, com um tiro no peito, em 28 de março de 1968 | Foto: Reprodução

Em junho, a Passeata dos Cem Mil, ocorrida também no Rio de Janeiro, reuniu trabalhadores, políticos, artistas, professores, religiosos e estudantes decididos a questionar a repressão daqueles tempos. Em clima pacífico, a passeata serviu para que eventos semelhantes acontecessem em outros pontos do país, intensificando o repúdio ao governo militar. Em São Paulo, estudantes da USP entraram em confronto contra governistas da Mackenzie.

Passeata dos Cem Mil | Foto: Repodução
Passeata dos Cem Mil | Foto: Reprodução

Na mesma época, as autoridades militares desarticularam uma reunião clandestina da União Nacional dos Estudantes, acontecida na cidade paulista de Ibiúna. Aproximadamente 900 estudantes foram presos. Alguns dos pais dos jovens envolvidos foram perseguidos ou exonerados de suas funções públicas.

No dia 30 de agosto de 1968, a Universidade Federal de Minas Gerais foi fechada, e a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida pela Polícia Militar, que espancou diversos estudantes. Em resposta, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, nos dias 2 e 3 de setembro, lançou na Câmara Federal um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, “ardentes de liberdade”, se recusassem a sair com oficiais. Logo após o discurso, o procurador-geral da República selecionou alguns trechos isolados do discurso, imprimiu-os e mandou distribuir nos quartéis. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã considerados provocações. O governo, atendendo ao apelo dos militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que esses pronunciamentos eram “ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis” e solicitou ao Congresso a cassação dos dois deputados.

Seguiram-se dias tensos, entrecortados pela visita da rainha da Inglaterra ao Brasil, fato super honroso na época. E, no dia 12 de dezembro, a Câmara surpreendentemente recusou, por uma diferença de 75 votos — com a colaboração da própria Arena, o partido do governo –, o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.

Em resposta, veio o AI-5. A criação Ato Institucional Nº 5 foi definida em uma reunião comandada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e mais 24 assessores diretos que integravam o Conselho de Segurança Nacional, dos quais 15 eram militares. A decisão foi tomada no salão de jantar do Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Por cerca de duas horas, os 25 discutiram e definiram o que seria incluído no ato. Apenas o então vice-presidente da República, Pedro Aleixo, foi contrário à medida. O placar foi de 24 votos a um.

A reunião que criou o AI-5
A reunião que criou o AI-5 | Foto: Reprodução

Os defensores do AI-5 alegaram que o ato era necessário porque havia um clima de rebeldia no ar… Na reunião, todos os presentes se manifestaram. Costa e Silva determinou que a reunião fosse gravada e registrada. O argumento de Aleixo para bastante lógico e claro: ele se manifestou contrariamente ao ato, entre outros aspectos, porque ele institucionalizaria a ditadura.

O Ato autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a:

— decretar o recesso do Congresso Nacional;
— intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares;
— suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão;
— decretar o confisco de bens considerados ilícitos;
— suspender a garantia do habeas-corpus.

O preâmbulo do ato dizia ser ele uma necessidade para atingir os objetivos da revolução, “com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país”. No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado — só em outubro de 1969 o Congresso seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.

Plenário da Câmara nega cassação do deputado Márcio Moreira Alves Arquivo/12-12-1968
Plenário da Câmara nega cassação do deputado Márcio Moreira Alves em 12-12-1968 | Foto: Câmara Federal

Ao fim do mês de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 não só se impunha como um instrumento da intolerância, como referendava uma concepção de modelo econômico e de restrições.

Membro da Comis­­­são Nacional da Verdade, Rosa Cardoso afirma que entre 1964 e 1968 os militares preocupavam-se em manter uma aparência de democracia. “Com o ato, o Estado decidiu deixar às claras toda a sua estrutura repressiva e terrorista. Sem o habeas corpus, por exemplo, as pessoas podiam ser presas, torturadas e desaparecer. E não havia o que ser feito”.

A lembrança do AI-5 está viva na memória de quem acompanhou os desdobramentos do ato. “Todos os grupos do movimento estudantil foram afetados, tiveram as sedes fechadas e foram calados”, comenta Narciso Pires, ex-preso político e coordenador da ONG Tortura Nunca Mais. Hoje com 64 anos, Pires morava em Apucarana (Norte do Paraná) na época e teve de mudar de cidade. “O AI-5 foi o golpe dentro do golpe. Se já tínhamos a sensação de insegurança, fomos calados.”

O resto se sabe. Com o AI-5, acirrou-se o período de terror no país. Houve o aumento do número de prisões de opositores, os centros clandestinos de torturas — assim como os cemitérios — multiplicaram-se pelo país, milhares foram para o exílio e os grupos de resistência armada foram exterminados.

Presidente se emocionou ao falar nas pessoas que  Fto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Presidente se emocionou quando do ato de entrega do relatório da Comissão da Verdade | Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Hoje

Na última quarta-feira, 10, a presidenta Dilma Rousseff recebeu as aproximadamente 4 mil páginas que integram os três volumes do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ela disse que o trabalho da CNV vai ajudar a afastar “fantasmas de um passado doloroso” e permitir que os brasileiros conheçam a história das violações aos direitos humanos durante a ditadura militar para que elas não se repitam. “Nós, que acreditamos na verdade, esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão”, disse.

O próximo passo será complicado. O Judiciário não tem aceito ações que já vêm sendo propostas pelo Ministério Público. A partir da divulgação do relatório, Rosa Cardoso acredita que esse cenário possa mudar. “Todas as pessoas racionais refletem todos os dias e mudam de posição. Juízes mudam de posição. Há uma parcela da sociedade que dizia: o passado passou. Não passou. Existe uma questão chamada memória.”

Para a procuradora da República Eugênia Gonzaga, o Brasil era um país “vergonhosamente atrasado” em relação a assuntos ligados a graves violações de direitos humanos. Desde o caso das ossadas de Perus, em São Paulo, “vimos que era um tema totalmente abandonado, que as autoridades deixaram de lado. Se o Ministério Público fez a sua parte — tardiamente –, o Judiciário ainda é de uma resistência imensa.” Ela lamentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha endossado a Lei da Anistia, o que fez com muitas ações fossem travadas — inclusive a referente ao caso do Riocentro (1981), posterior à lei (1979).

Eugênia citou ainda a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o Brasil no caso Araguaia. “Em 1988, o Brasil assinou uma Constituição em que se submete a decisões de cortes internacionais naquilo que se refere a direitos humanos”, observou.

A chaga segue aberta.

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Fontes consultadas:
— Matérias da EBC, da Contraf-CUT, da FGV e de várias publicações da época.

Opus Dei, a prelazia pessoal do espanhol Josemaría Escrivá

O Centro Cultural Porto Belo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Publicado no Sul21 em 2 de outubro de 2011

O Centro Cultural Porto Belo, localizado na Av. Lucas de Oliveira, 919, bairro Bela Vista, em Porto Alegre, é uma casa aprazível, corriqueira naquela região nobre da cidade. O nome Porto Belo remete a uma praia catarinense. O logotipo é um barquinho navegando no mar sobre ondas. Com maior imaginação, o desenho também pode parecer a parte de cima de um biquini de uma mulher que se banha no mar. Não obstante a casa, tudo leva a pensar em praia. É como se não estivéssemos em Porto Alegre.

A logomarca da Porto Belo: um barquinho sobre o mar | Fonte: site do Centro Cultural

Neste domingo (2), haverá uma comemoração na sede do Centro Cultural, pois a organização mater da entidade está completando 83 anos de vida. A agenda determina uma apresentação sobre a Prelazia Pessoal da Igreja Católica que parece ser a razão da existência da Porto Belo, o Opus Dei (“Obra de Deus”, também conhecido como “A Obra”). No evento, também se falará na marca da santidade deixada no mundo pela existência de seu Fundador, São Josemaría Escrivá — canonizado em Roma no dia 6 de outubro de 2002 — , assim como pela de outros membros que estão em processo de canonização.

Apesar da simpatia que lhe dedicava Karol Wojtyła — no que é imitado por Joseph Ratzinger — , antigamente o Opus Dei era uma organização menos pública. O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, e a velocíssima canonização de Escrivá trouxeram-na à tona, porém ela não gosta de falar. Em contato com a diretora do Centro Cultural porto-alegrense, fomos gentilmente passados ao jornalista responsável pela assessoria de comunicação do Opus Dei. Mas, após alguns telefonemas, recebemos um e-mail em tom igualmente cordial, mas firme, informando-nos que “Todas as informações necessárias você encontra no site do Opus Dei, principalmente na área ‘O que é o Opus Dei'”.

Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, ou “A Obra”

A organização

A Opus Dei – expressão em latim que significa “Obra de Deus” – foi fundada pelo espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer em 1928. Ela é uma prelazia pessoal. Prelazias pessoais são circunscrições eclesiásticas previstas pelo Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito Canônico. Elas são constituídas com a finalidade de levar a cabo determinadas tarefas pastorais. Os fiéis das prelazias pessoais continuam pertencendo às igrejas locais ou às dioceses onde têm o seu domicílio.

Porém, segundo seus críticos dentro e fora da Igreja, o Opus Dei solicita a seus membros seguirem as ordens do prelado (o líder máximo do Opus, que fica em Roma), em vez de obedecer à autoridade católica local. Simplificando, é como se o grupo fosse um braço independente da Igreja que não deve explicações a mais ninguém, além do Papa.

O Opus Dei diz que “sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasiões de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade. O Opus Dei colabora com as igrejas locais, oferecendo meios de formação cristã (palestras, retiros, atenção sacerdotal), dirigidos a pessoas que desejam renovar sua vida espiritual e seu apostolado”.

Leonardo Boff é um dos grande críticos da Obra no Brasil | Foto: Editora Vozes

O Opus Dei nasceu na Espanha pouco antes do franquismo e floresceu durante o mesmo. Dizendo-se inovadora, condena livros e, segundo 100% dos relatos de quem a abandona, incentiva a autoflagelação, além de desejar às mulheres a santificação no trabalho doméstico. O teólogo Leonardo Boff define o Opus Dei como: “um tipo de fundamentalismo que trata de restaurar a antiga ordem fundamentada no matrimônio entre o poder político e o poder central”. Com efeito, Escrivá foi confessor do generalíssmo Francisco Franco e vários membros da Prelazia ocuparam cargos na ditadura espanhola. Alguns foram até ministros de estado.

A participação política

Obscurantista, misógina e reacionária, os críticos da Opus Dei também a chamam de “máfia santa”. Outros a acusam de ser outra Igreja dentro da Igreja, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a serviço de um conservadorismo atroz. Em parte, essa fama se deve às relações históricas que cultivou e trata de cultivar com governos, principalmente àquela citada, mantida com o regime fascista do ditador espanhol Francisco Franco, de 1939 a 1975. Ou seja, tudo o que o Opus Dei não desejaria seria o Estado Laico.

Juan Carlos Onganía: Opus Dei no governo da Educação | Foto: Wikipedia

No fim da década de 40, a Prelazia iniciou sua caminhada rumo à América Latina. Foi simples conquistar simpatia em países onde há oligarquias pretensamente hispânicas que buscam diferenciar-se da maioria. Alberto Moncada, outro dissidente, conta em seu livro La evolución del Opus Dei: “os jesuítas decidiram que seu papel na América Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los”.

Era natural, da mesma forma, que alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e 1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. A organização já controlou a Educação na Argentina durante o período entre 1966-70, época do ditador militar Juan Carlos Onganía.

João Paulo II, o amigo, e Pinochet

Já no Chile, a Opus Dei foi para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo do regime, Jaime Guzmán, era membro numerário da organização, assim como centenas de quadros civis e militares. Também os 3 principais membros da junta militar que tomou o poder no Chile, o general Augusto Pinochet, o general Jaime Estrada Leigh e o almirante José Merino, eram membros supranumerários ou cooperadores da Opus Dei. Algumas semanas após o golpe, Escrivá de Balaguer deslocou-se a Santiago do Chile para celebrar uma missa de ação de graças em honra de quem chamou de seu “filho espiritual”, Augusto Pinochet. No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.

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O caso Panair: o esquecimento de que a ditadura fazia mais que torturar

O caso Panair: o esquecimento de que a ditadura fazia mais que torturar

No caso da repressão, talvez se chegue à punição ou, no mínimo, à identificação de militares torturadores, mas o papel da Oban e da Fiesp e de outros civis coniventes permanecerá esquecido nas brumas do passado, a não ser que a tal Comissão da Verdade siga a sugestão do [Carlos] Araújo e jogue um pouco de luz nessa direção também.

Luís Fernando Verissimo, na crônica Os coniventes, de 21 de março de 2013

Cerveja que tomo hoje é
Apenas em memória dos tempos da Panair

A primeira Coca-cola foi
Me lembro bem agora, nas asas da Panair

A maior das maravilhas foi
Voando sobre o mundo nas asas da Panair

Conversando no bar (Canção de Milton Nascimento e Fernando Brant)

Há alguns anos, esta canção de Milton Nascimento recuperou seu título original de Saudades dos aviões da Panair. Na época em que foi lançada por Elis Regina, em 1974, os autores tiveram receio de falar em Panair e em suas saudades da empresa logo no título da canção. Então, ela foi rebatizada para Conversando no Bar. Afinal, era proibido sentir saudades da enorme e respeitada empresa que, por ação dos militares, foi desmontada sem maiores explicações nos primeiros meses do Golpe de 1964. Num país pobre e quase desindustrializado, a existência da Panair do Brasil S. A. era motivo de orgulho nacional.

Logotipo da Panair: pouso forçado em abril de 1965

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1965, 15 h. Um telegrama do Ministério da Aeronáutica chegou aos escritórios da Panair, a maior companhia aérea do país e uma das maiores do mundo. A mensagem era simples e dava conta de que o governo estava cassando seu certificado de operação em razão da condição financeira insustentável da empresa. O telegrama vinha assinado pelo ministro Eduardo Gomes. A Panair não tinha nenhum título protestado nem impostos atrasados, mas o telegrama adiantava que ela não tinha meios para saldar suas dívidas e que estava proibida de voar. Os dias eram assim, também cantava Elis, ou podiam ser assim.  À noite, tropas do Exército invadiram os hangares da Panair e a Varig imediatamente assumiu todas as  concessões de linhas aéreas e propriedades da concorrente. E conseguiu fazer isto sem atrasar nenhum voo. Provavelmente, tinha sido alertada sobre os caminhos se abririam para ela naquele grande abril.

Um avião que levava um passageiro e 25 fardos de borracha na Amazônia em 1943

A revogação das concessões de linhas aéreas da Panair do Brasil foi decretada pelo Marechal Castelo Branco e a Varig era de propriedade de um aliado do governo militar, Ruben Berta  — nome de bairro em Porto Alegre. De uma tacada, a atitude provocou o desemprego de cerca de 5 mil pessoas, deu à Varig o monopólio dos vôos aéreos internacionais do Brasil e isolou quarenta e três cidades da Amazônia, pois nenhuma outra empresa operava os hidroaviões Catalina, os únicos que alcançavam aquelas localidades. Já a Celma, a subsidiária da Panair que fazia a manutenção das turbinas aeronáuticas civis e militares no Brasil, foi estatizada. Fim.

Provavelmente, não houve apenas uma razão um motivo para que os militares responsáveis pelo Golpe de 1964 perseguissem a Panair. Provavelmente, o motivo foi o conjunto da obra e, certamente, houve considerável influência externa. Mário Wallace Simonsen, o principal sócio da empresa, era um dos homens mais ricos do país. Era uma versão principesca de nossos super-ricos, uma espécie de Eike Batista com glamour. Simonsen era o sócio majoritário da Panair, o dono da TV Excelsior, da Comal — maior exportadora de café do Brasil num período em que o café respondia por dois terços das exportações nacionais –, da Editora Melhoramentos, do Banco Noroeste, do Supermercado Sirva-se (o primeiro a existir no Brasil), da Rebratel (qualquer semelhança com o nome Embratel não é mera coincidência) e de mais 30 empresas. A rapidez com ele foi expurgado do mundo empresarial brasileiro após  1964 foi absolutamente espantosa. A única empresa que continuou a existir foi o Banco Noroeste, que foi repassado a seu primo Léo Cochrane Simonsen até ser recentemente comprado pelo Banco Santander.

A família era admiradíssima como os ricos costumam ser. Presença constante nas colunas sociais, sabia-se que a família Wallace Simonsen – Mário, sua esposa Baby e os três filhos Wallace, John e Mary Lou – viviam como reis. A linda Mary Lou era figura comum nas revistas dos dois lados do Atlântico. Sua festa de debutante foi realizada em Londres, na presença da rainha da Inglaterra. Seu noivado também ocorreu na capital inglesa, só que na embaixada do Brasil. Seu irmão Wallinho andava com um espantoso Mercedes-Benz esportivo nas ruas de São Paulo e tinha casa com mordomo em Paris.

Ou seja, tratava-se do jet set da época, pessoas que normalmente têm boas relações com o poder. Mas Mário Wallace Simonsen devia ter graves problemas, na opinião dos militares. Por que a ditadura empenhou-se tanto para acabar com o império de Simonsen? Há várias possibilidades: é notório que a Varig – cuja diretoria era amiga da ditadura – desejava o mercado aéreo dominado pela Panair, que os Diários Associados queriam o mercado da TV Excelsior e que as empresas americanas de café, representadas por Herbert Levy, queriam abocanhar a Comal. E se havia tais pressões civis, talvez houvesse também um bom motivo militar.

Mario Wallace Simonsen, dono de um grupo de empresas destroçadas pelo Golpe de 64

Simonsen não era especialmente simpático à esquerda nem tinha intimidade com João Goulart, porém, em agosto de 1961, enquanto Jânio Quadros estava em visita à China, Simonsen posicionou-se ao lado da legalidade. Houve “acusações” – fato inverídico – de que Jango teria voltado da China num avião da Panair. Mas a verdade talvez seja ainda pior: Simonsen mandou um executivo da empresa avisar o vice-presidente sobre o que estava em andamento no Brasil. Jango não sabia de nada, pois naquele tempo as comunicações eram tais que o vice-presidente poderia retornar da China sem cargo e sem saber de nada. Então, avisado, Jango deu telefonemas de Paris e Zurique, onde fazia escalas, para San Tiago Dantas — seu futuro Ministro de Relações Exteriores e da Fazenda — e para o ex-presidente Juscelino Kubitschek, articulando sua ascensão ao cargo que lhe cabia constitucionalmente.

Logo após o Golpe, o deputado Herbert Levy conseguiu criar uma CPI da Comal, a empresa de exportação de café de Simonsen.  Levy era uma figura da ditadura militar. Foi deputado federal por dez mandatos consecutivos, entre 1947 e 1987, pela UDN, Arena, Partido Popular, PDS, PFL e PSC, além de secretário da Agricultura do Estado de São Paulo em 1967, durante a administração Abreu Sodré. Na CPI, Levy conseguiu que o novo regime cancelasse a licença da empresa para comercialização de café, sem que ela tivesse um único título protestado.

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Fazia algum tempo que eu não falava de deus

Na última quarta-feira, o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas anulou uma união estável gay em Goiânia e ainda proibiu os cartórios de fazer esse tipo de contrato sem autorização judicial. O idiota é pastor da Assembleia de Deus e diz que foi deus quem o iluminou. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux disse que a decisão do juiz de anular o contrato de união estável entre um casal homossexual pode ser cassada no STF se houver reclamação formal contra a decisão. Enquanto isso…