É sempre bom lembrar: O VIAGRA É UM PRODUTO AUTENTICAMENTE BRASILEIRO E EXISTE DESDE O SÉCULO XIX!!!

É sempre bom lembrar: O VIAGRA É UM PRODUTO AUTENTICAMENTE BRASILEIRO E EXISTE DESDE O SÉCULO XIX!!!

O escritor Bernardo Guimarães (1825-1884), nascido em Ouro Preto e cuja notável austeridade pode ser apreendida na foto abaixo, escreveu A Escrava Isaura. OK, mas comecemos a leitura de seu clássico poema Elixir do Pajé.

O ínclito Bernardo Guimarães
O ínclito Bernardo Guimarães

Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo,
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?

Ao mesmo tempo em que escrevia o citado romance e também O Seminarista, O Garimpeiro e O Ermitão de Muquém – todos romances medíocres filiados à vertente regionalista da ficção romântica brasileira -, Bernardo….

Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!

…criou uma obra poética dotada de dimensão crítico-humorística incomum em meio aos indianismos, arroubos de eloquência e subjetividades lacrimejantes do romântismo brasileiro. (Flora Sussekind).

Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?

O Elixir do Pajé, assim como o extraordinário A Origem do Mênstruo, só teve impressões clandestinas em folhetos de poucas páginas.

Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co`a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando co`a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!

Um escritor da época, Artur Azevedo, nos revela que “de todos os livros de Bernardo Guimarães, o escrito mais popular é um poema obsceno intitulado Elixir do Pajé, que nunca foi impresso com o nome de seu autor. Porém é raro o mineiro que não o saiba de cor. Há na província um sem-número de cópias desse Elixir inútil e brejeiro.”

Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.

A edição oficial das “poesias completas” de Bernardo Guimarães pelo Instituto Nacional do Livro, com data de 1959, omite sem (ou com) pudor alguns de seus poemas e mantém uma atitude de incompreensão diante de sua veia satírica e humorística.

Quem extinguiu-te o entusiasmo?
Quem sepultou-te neste vil marasmo?
Acaso para teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a dextra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?

Mas além de banir a produção satírica e humorística de Bernardo, os critérios românticos também não se ajustavam à sua lírica, nem sempre em consonância com os padrões da época.

Caralho sem tesão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
linguiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume,
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.

Coube a Haroldo de Campos, em linhas sumárias mas decisivas, apontar de modo pioneiro a importância deste novo e ignorado Bernardo Guimarães.

Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.

…..

Terá Bernardo descoberto um Viagra indianista e romântico?

Eis um santo elixir miraculoso,
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.

…..

Com mais de cem anos de clandestinidade e antecipação, o Elixir impõem-se como a manifestação mais integral e debochada daquele indianismo às avessas que Haroldo de Campos teria visto em Oswald de Andrade.

Esse velho pajé de piça mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!

…..

No Elixir, uns dos alvos de Bernardo é o ritmo e a retórica de Gonçalves Dias em poemas como I-Juca-Pirama e Os Timbiras. E olha o ritmo do I-Juca-Pirama chegando aí, gente!!!

E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
da noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!

…..

E, na sátira ao indianismo, o índio vira sátiro.

Vassoura terrível
dos cus indianos
por anos e anos
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou…

José Veríssimo declarou que a metrificação de Bernardo é em geral mais rica, mais correta e mais variada que a de outros românticos. E completa dizendo que a forma é também mais clássica, mais simples, mais calma e mais fria. Sintam a calma do próximo trecho.

Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos de prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!

Só em Oswald de Andrade (O Santeiro do Mangue) e Gregório de Matos, encontra-se algo próximo a esta grossa prosa de palavrões, erotismo satírico e escatológico, tramada em tão inventiva poesia antipoética.

Vinde, ó putas e donzelas,
vinde a mim abrir as vossas pernas
ao meu tremendo marzapo,
que a todas, feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em trapo…
Graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!

…..

Sem mais interrupções, deixo vocês com o final da epopeia.

Este elixir milagroso,
o maior mimo da terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão…
Do macróbio centenário
ao esquecido marzapo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
pôe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode um cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço…

Desculpa, tive que interromper novamente. Quinze dias de tesão? O Cialis dá umas 6 horas, o Viagra menos!

Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!

Sim, faze que este caralho,
por sua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado
vencedor de cem mil conos…
E seja em todas as rodas
d`hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito – rei dos caralhos!

Os fragmentos do Elixir aqui publicados foram copiados do livro “Poesia Erótica e Satírica” de Bernardo Guimarães (Imago, 1992). Esta edição tem organização e prefácio de Duda Machado, do qual roubei algumas interrupções que fiz ao clássico Elixir.

Homenagem ao Clássico Desconhecido

Homenagem ao Clássico Desconhecido

Não, não pensei muito. Peguei a escada e procurei, a partir da letra A, os livros de que gosto muito e sobre os quais o mundo silencia. Encontrei vários. A “santa” tarefa de resgate de minhas obras-primas pessoais não me tomou muito tempo e é uma lista arbitrária que só vai de A a M, pois me apavorei com o número de livros sobre a mesa quando retirei da estante as folhas de papel A4 que formam a 19ª obra. Os de M a Z virão depois, sei lá quando. Meu critério é o descritério. Por exemplo, deixei de fora Hamsun, por considerá-lo “famoso demais” e incluí George Eliot. Vá entender. Alguns dos insuficientes textos explicativos que acompanham cada obra foram retirados de orelhas dos livros; outros, de obras sobre literatura; porém a maioria saiu perigosamente de minha cabeça.

Norberto Martini (10)

1. O Homem Amoroso, de Luiz Antonio Assis Brasil. Mercado Aberto, 1986, 118 p.: O elegante Assis Brasil, ex-violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, sai do sério ao compor de forma irônica e naturalista esta novela que descreve as vivências de um músico erudito gaúcho, durante o “milagre brasileiro” dos anos 70 e seu neo-ufanismo. Para encontrar, só em sebos.

2. Extinção, de Thomas Bernhard. Companhia das Letras, 2000, 476 p.: Bernhard talvez venha a tornar-se inevitavelmente um clássico, se já não o é. É um enorme romancista e dramaturgo austríaco que costuma despejar seu ódio contra a pequena burguesia e os intelectuais de seu país. Destaco a notável descrição de sua família, realizada em duzentas paginas, enquanto o narrador observa uma (apenas uma) foto que retrata, se não me engano, apenas duas ou três pessoas. Livro novo, fácil de achar.

3. Noturno do Chile, de Roberto Bolaño. Companhia das Letras, 2004, 118 p.: O narrador, testemunha do tempo que precede o assalto ao poder pelo general Pinochet e seus sequazes, repassa a sua vida num monólogo febril, reconstruindo dois momentos especiais da vida chilena – antes e depois do golpe. Este narrador, Lacroix, é um religioso ainda aferrado aos dogmas da Igreja, que não dispensa a sua batina surrada, usando-a como se fosse uma bandeira. Fácil de achar, assim como Os Detetives Selvagens.

4. Opiniones de un Payaso, de Heinrich Böll. Barral Editores, 1974, 244 p.: Hans Scheiner é um palhaço de circo que perde todos os seus bens durante o pós-guerra. Trata-se de um ateu muito propenso à melancolia e à monogamia. Mas seus problemas não terminam aí: sua mulher Maria o abandona por outro homem, um católico, com o qual se identifica. Por trás desta catástrofe emocional e material, pode-se ver um homem íntegro, que suporta sua queda com sarcasmo.Um grande livro. À venda na Internet por 16 Euros.

5. Fique Quieta, Por Favor, de Raymond Carver. Rocco, 1988, 240 p.: Grande contista americano homenageado por Robert Altman em Short Cuts . Este livro, assim como a coletânea Short Cuts, também da Rocco, é mais uma prova da boa influência de Tchékhov sobre a literatura atual. Vá ao sebo.

6. A História Maravilhosa de Peter Schlemihl, de Adelbert von Chamisso. Estação Liberdade, 1989, 111 p.: A história curiosíssima do homem que se vê marginalizado e perseguido após vender sua sombra ao Diabo. Até hoje a obra sofre todo o tipo de interpretações, mas o próprio autor nega a alegoria e critica aqueles que preocupam-se em saber o que significa a sombra. Este genial livrinho foi há pouco reeditado.

7. Uma Vida em Segredo, de Autran Dourado. Difel, 1977, 181 p.: Acanhada e deixando-se sempre levar pelas circunstâncias, a prima Biela é boazinha e vive conscientemente uma vida de renúncias. A comparação entre a prima Biela e a Felicité de Un Coeur Simple de Flaubert não obscurece a força da linguagem barroca do Autran Dourado em plena forma de 1964. Milhares de reedições.

8. Middlemarch, de George Eliot. Record, 1998, 877 p.: Desde Shakespeare e Jane Austen, ninguém criara personagens tão inesquecivelmente vivos. É o romance da vida frustrada de Dorothea, que casa-se com o pseudo-intelectual Causabon por um ideal de cultura e tenta desfazer seu casamento e refazer sua vida. O romance é um espetacular panorama das atividades e da moral de uma pequena cidade inglesa de 1830. Canta a tua aldeia e serás universal… George Eliot é o pseudônimo masculino de Mary Ann Evans. Só encontrável em sebos, parece-me.

9. Contos Completos, de Sergio Faraco. L&PM, 1995, 304 p.: Faraco é, disparado, o melhor contista vivo brasileiro e isto não é pouco. O livro foi reeditado no ano passado. Trata-se de um artesão tão econômico quanto rigoroso com as palavras. Sua capacidade de apresentar personagens com um grau de densidade psicológica inversamente proporcional à secura do ambiente, assim como sua maestria na invenção de enredos o tornam obrigatório. Recém relançado.

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