Os dez discos que mais me influenciaram

Os dez discos que mais me influenciaram

O Paulo Ben-Hur me convidou para deixar aqui as dez capas dos discos que mais me influenciaram. Só as capas, mas não resisti a fazer comentários. E eles foram crescendo disco a disco…

~ 1 ~

Bem, eu era uma criança quando minha irmã Iracema Gonçalves, em 1965, trouxe isso aqui pra casa. Eu certamente ouvi este disco mais de 500 vezes na minha vida — talvez mais de 1000 — e até hoje meu coração bate mais forte vendo a agulha com o disco girando antes de Harrison iniciar aquele solo de guitarra.

~ 2 ~

O segundo disco que mais me influenciou vem também lá da infância. A eletrola do meu pai ficava, por motivos difíceis de entender, no meu quarto. E ele ouvia muita música. Muita mesmo. Como eu, hoje, ele podia passar horas e horas ouvindo discos, um bem diferente do outro, o que deixava minha mãe louca.

Este era especial porque ele dizia que era algo diferente. Mas como eu saberia que era diferente se não conhecia nada? E ele, que era dentista e pianista amador, me explicava as harmonias, o violão, a batida, a forma de cantar… De tal forma que este é um LP que faz parte de mim. Veio pré-instalado no meu cérebro, o que jamais me incomodou.

E hoje eu sei que ele é absolutamente genial e revolucionário.

~ 3 ~

Esta é uma capa famosa, inspiradora de memes. Meu pai comprou o disco no ano de lançamento, em 1966, e ele rodava sem parar na nossa eletrola. Conheço cada acorde e verso dele.

É o LP de estreia deste cidadão muito admirado. Ouço este disco até hoje com enorme prazer.

~ 4 ~

O quarto disco é o primeiro erudito que comprei em minha vida. Era uma gravação pioneira em instrumentos originais, ainda com um jeitinho romântico, mas já com o som delicado e afinadíssimo que amo.

O Collegium Aureum era cheio de craques como Franzjosef Maier, Hans Martin Linde e Gustav Leonhardt.

Dias antes de comprá -lo, tinha saído do banho molhado, enrolado numa toalha, para perguntar a meu pai que maravilha era aquela que ele estava ouvindo. Era o Concerto de Brandenburgo N° 3 tocado com instrumentos modernos.

Então, dias depois, encontrei a minha maravilha na King’s Discos. Ele também ficou babando.

~ 5 ~

Eu era um adolescente que estava descobrindo Bach quando comprei este disco de Thurston Dart (1921-1971) interpretando as Suítes Francesas de Bach no clavicórdio. Estas Suítes foram escritas para cravo ou clavicórdio, tanto faz.

Eu não sabia, mas Dart não era qualquer um, tanto que foi professor de gente como Michael Nyman, Davitt Moroney, Sir John Eliot Gardiner e Christopher Hogwood. Era um disco estupendo comprado na sorte por um ignorante.

O clavicórdio é um instrumento de teclado onde as cordas são percutidas como as do piano, e não pinçadas como as do cravo. Seu som é o mais leve e intimista dentre os três e as Suítes Francesas de Dart me pareceram a coisa mais próxima a um sussurro que já tinha ouvido. Mas era um sussurro muito belo, engenhoso e astuto.

Na Inglaterra, Dart é o padroeiro dos estudos de interpretação histórica. Toda a geração seguinte reverencia seu nome, e vários livros de interpretação histórica dividem esta área do conhecimento musical entre antes e depois de Thurston Dart. Parece que era uma pessoa realmente inspiradora.

Ouço este LP até hoje com enorme prazer.

~ 6 ~

Esse influenciou mesmo. Foi o disco que abriu as portas da música erudita do século XX para mim.

Quem me levou até Bartók foi Erico Verissimo lá nos anos 70. Num de seus livros — creio que se trata de O Senhor Embaixador –, um personagem diz que os Quartetos de Bartók davam-lhe uma representação tão vívida da Europa nos períodos das Guerras Mundiais que lhe era insuportável ouvi-los.

Como sabia de entrevistas que Erico amava os Quartetos de Bartók, aquilo foi a senha definitiva para que eu os procurasse. Perguntei para o amigo Herbert Caro que gravação deveria comprar e ele respondeu que eu deveria ouvir a do Quarteto Végh. Bem, teria que importar e o fiz. Eram 3 LPs da Astrée Auvidis. Me custaram os olhos da cara e aquela pessoa que SABEMOS QUEM É sumiu com o trio de LPs nos anos 90.

Só que o mundo abriga amigos e amigos e é comum acontecerem coisa mágicas. Há uns 5 anos, o Norberto Flach me ofereceu a gravação do Végh para ouvir. Essa mesmo, a de 1972, a que eu tinha. Eu jamais tinha falado pra ele do roubo nem nada, ele só chegou e colocou num e-mail: “Queres?”. Imaginem o que respondi.

~ 7 ~

Depois eu fui tomado de assalto por Schubert, o homem que conseguia fazer a poesia cantar e a música falar. Poderia colocar aqui o LP de A Morte e a Donzela, ou um de Sonatas (Pollini ou Brendel), ou o Winterreise com Fischer-Dieskau, ou a Fantasia Wanderer (com Pollini, novamente), quem sabe os dois últimos quartetos com o Allegri ou A truta, mas acho que ouvi muito mais este Quinteto que chamava de Quintetão.

É uma peça bastante longa e foi a última composição de câmara de Franz Schubert. Às vezes é chamado de “Quinteto para violoncelo” porque foi escrito para um quarteto de cordas padrão mais um violoncelo extra em vez de duas violas, como é mais comum em quintetos de cordas convencionais. Foi composta em 1828 e concluída dois meses antes da morte do compositor.

O incrível é que a primeira apresentação pública da peça só ocorreu em 1850 e a publicação em 1853.

Vale a pena ouvir mil vezes. O Adágio é algo sobrenatural com suas duas seções externas muito lentas e uma parte central turbulenta.

Sem exageros, penso que quem não conhece esta música ainda não viveu. Simples assim.

~ 8 ~

Uma capa ridícula, um disco de uma gravadora desconhecida em 1982, mas eu queria conhecer a tal Sinfonia Concertante de Mozart. E tive uma surpresa.

Sim, há ‘Don Giovanni’, ‘A Flauta Mágica’, os Concertos para Piano de números mais altos, a Júpiter, a 40, o Concerto para Clarinete, o Divertimento K. 287, é tanta obra-prima que nem sei, etc., porém, dentre os sei lá quantos CDs de Mozart de minha discoteca, escolho esta despretensiosa gravação da Bis sueca. É a que mais gosto, é endorfina pura, me deixa feliz. E nem é pelo extraordinário Concerto para Piano, é muito antes pela interpretação da Sinfonia Concertante para Violino e Viola K. 364. Para meu gosto torto, é meu melhor CD do mestre de Salzburgo.

Em 1988, Peter Greenaway realizou sua obra-prima ‘Afogando em Números’ utilizando o Andante da Sinfonia Concertante, o qual é executado longamente durante as cenas de assassinatos de maridos pelas Cissies do filme. Certamente, Mozart nunca imaginaria tal utilização, mas ficou lindo, perfeito, dentro de um filme virtuosístico tanto pela atuação dos atores como por sua beleza plástica.

Mas nosso assunto é Mozart. Prestem atenção ao primeiro movimento da Sinfonia Concertante, atentem ao momento em que violino e viola entram para fazer seu primeiro solo. Se você não sentir arrepios, a pandemia lhe afetou. Dificilmente haverá um mergulho vertiginoso que seja mais belo.

E num ano desses — antes de 2013 –, a Elena, seu ex e o Alexandre Constantino me deram de presente uma interpretação do Andante da Concertante na casa onde eu morava. Fiquei pasmo.

Este disco está no PQP Bach.

~ 9 ~

Tenho que colocar aqui meu querido Shostakovich. E uma audição da 10ª Sinfonia me deixou tão, digamos, fora de mim, que eu escrevi uma carta para a Rádio da Ufrgs pedindo que eles repetissem a Sinfonia no programa Atendendo o Ouvinte.

Fui atendido e fiquei deitado no sofá de casa tentando entender porque aquilo me contava uma história e qual seria exatamente ela. Pois eu sentia que algo de muito grave estava sendo contado.

Este monumento da arte contemporânea mistura música absoluta, intensidade trágica, humor, ódio mortal, tranquilidade bucólica e paródia. Tem, ademais, uma história bastante particular.

Que é, resumidamente, esta:

Em março de 1953, quando da morte de Stálin, Shostakovich estava proibido de estrear novas obras e a execução das já publicadas estava sob censura, necessitando autorizações especiais para serem apresentadas. Tais autorizações eram, normalmente, negadas. Foi o período em que Shostakovich dedicou-se à música de câmara e a maior prova disto é a distância de oito anos que separa a nona sinfonia desta décima. Esta sinfonia, provavelmente escrita durante o período de censura, além de seus méritos musicais indiscutíveis, é considerada uma vingança contra Stálin.

Primeiramente, ela parece inteiramente desligada de quaisquer dogmas estabelecidos pelo realismo socialista da época. Para afastar-se ainda mais, seu segundo movimento – um estranho no ninho, em completo contraste com o restante da obra – contém exatamente as ousadias sinfônicas que deixaram Shostakovich mal com o regime stalinista.

Não são poucos os comentaristas consideram ser este movimento uma descrição musical de Stálin: breve, absolutamente violento e brutal, enfurecido mesmo. Sua oposição ao restante da obra faz-nos pensar em alguma segunda intenção do compositor. Para completar o estranhamento, o movimento seguinte é pastoral e tranquilo, contendo o maior enigma musical do mestre: a orquestra para, dando espaço para a trompa executar o famoso tema baseado nas notas DSCH (ré, mi bemol, dó e si, em notação alemã) que é assinatura musical de Dmitri SCHostakovich, em grafia alemã.

Para identificá-la, ouça o tema executado a capela pela trompa. Ele é repetido quatro vezes. Ouvindo a sinfonia, chega-nos sempre a certeza de que Shostakovich está dizendo insistentemente: Stalin está morto, Shostakovich, não. O mais notável da décima é o tratamento magistral em torno de temas que se transfiguram constantemente.

Crianças, não ouçam o segundo movimento previamente irritados. Você e sua companhia poderão se machucar.

Ah, e quem eu ouvia? Ora, a Filarmônica de Leningrado sob Mravinsky, que foi o maestro que estreou a obra.

~ 10 ~

Esta é uma gravação que ouvi lá na virada do século e que, para mim, é a melhor desta obra-prima de Bach. Talvez seja a música que mais amo de todas. Sim, muita gente a gravou, os adversários são fortíssimos, mas nada se lhe compara ao que fez Pierre Hantaï. Confiram!

Eu nunca tive insônia. Talvez, em razão de alguma dor ou febre, não tenha dormido repousadamente apenas uns dez dias em minha vida. Não é exagero. Quando me deprimo, durmo mais ainda e acordar é ruim, péssimo. O sono é meu refúgio natural. Mas há pessoas que reclamam (muito) da insônia. Saul Bellow escreveu que ela o teria deixado culto, mas que preferiria ser inculto e ter dormido todas as noites — discordo do grande Bellow, acho que ele deveria ter ficado sempre acordado, escrevendo, vivendo e escrevendo para nós. Também poucos viram Marlene Dietrich adormecida. Kafka era outro, qualquer barulho impedia seu descanso, devia pensar no pai e passava suas noites acordado, amanhecendo daquele jeito após sonhos agitados… Groucho Marx, imaginem, era insone, assim como Alexandre Dumas e Mark Twain. Marilyn Monroe e Van Gogh também sofriam muito.

O Conde Keyserling sofria de insônia e desejava tornar suas noites mais agradáveis. Ele encomendou a Bach, Johann Sebastian Bach, algumas peças que o divertissem durante a noite. Como sempre, Bach fez seu melhor. Pensando que o Conde se apaziguaria com uma obra tranquila e de base harmônica invariável, escreveu uma longa peça formada de uma ária inicial, seguida de trinta variações e finalizada pela repetição da ária. ‘Quod erat demonstrandum’. A recuperação do Conde foi espantosa, tanto que ele chamava a obra de “minhas variações” e, depois de pagar o combinado a Bach, deu-lhe um presente adicional: um cálice de ouro contendo mais cem luíses, também de ouro. Era algo que só receberia um príncipe candidato à mão de uma filha encalhada.

O Conde tinha a seu serviço um menino de quinze anos chamado Johann Gottlieb Goldberg. Goldberg era o melhor aluno de Bach. Foi descrito como “um rapaz esquisito, melancólico e obstinado” que, ao tocar, “escolhia de propósito as peças mais difíceis”. Perfeito! Goldberg era enorme e suas mãos tinham grande abertura. O menino era uma lenda como intérprete e o esperto Conde logo o contratou para acompanhá-lo não somente em sua residência em Dresden como em suas viagens a São Petersburgo, Varsóvia e Postdam. (Esqueci de dizer que o Conde Keyserling era diplomata). Bach, sabendo o intérprete que teria, não facilitou em nada. As Variações Goldberg, apesar de nada agitadas, são, para gáudio do homenageado, dificílimas. Nelas, as dificuldades técnicas e a erudição estão curiosamente associadas ao lúdico, mas podemos inverter de várias formas a frase. Dará no mesmo.

O nome da obra — Variações Goldberg, BWV 988 — é estranho, pois pela primeira vez o homenageado não é quem encomendou a obra, mas seu primeiro intérprete.

Não posso distribuir cálices de ouro por aí, mas talvez devesse dar alguma coisa a Pierre Hantaï, o maior intérprete da obra.

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A obra-prima de Chico Buarque que virou meme

A obra-prima de Chico Buarque que virou meme

A foto de capa do primeiro LP (todos sabem o que é isto?) de Chico Buarque é hoje meme nas redes sociais. Aliás, faz alguns anos que isto acontece. O curioso é que, na época em que foi lançado, em 1966, quase todas as capas de discos eram sem graça, ao menos no Brasil. Só que a deste disco foge inteiramente aos padrões daqueles anos. Ela é surpreendente, expressiva e hoje há ferramentas que permitem sua “adulteração”. Uma delas é o Chico Buarque Meme Creator. E não é só no Brasil que ela é utilizada para servir de base a piadas. A cantora norte-americana Patti Smith já criou sua versão do meme e torcedores de futebol inglês a utilizam frequentemente quando seus adversários sofrem decepções. Apoiada na ideia simples de que alguma coisa boa — ou uma boa perspectiva — é subitamente desfeita, o meme chegou a ser usado numa propaganda de um shopping no Piauí, o que levou Chico Buarque a processar o estabelecimento por uso indevido de imagem. Não obstante os abusos, Chico se diverte e deixou isto claro num vídeo que divulgou em seu site. Em conversa com João Bosco, ele disse que “o meme é do cacete”.

Um exemplo dos mais recentes é uma referência ao fato de Chico ter sido hostilizado verbalmente num restaurante do Leblon por defensores do impeachment da presidente Dilma. Então, sob a imagem do Chico Buarque sorridente, foi colocada a frase: “Fui jantar no Leblon”. E, debaixo da foto do compositor com uma expressão sisuda: “Encontrei playboy leitor da Veja”.

O produtor do disco, Manoel Barenbein, não lembra de onde partiu a ideia da imagem:

— Naquela época, eu cuidava apenas da gravação. A parte de arte era do Júlio Nagib (morto em 1983) — revelou Barenbein ao jornal O Globo. — Imagino que ele, Chico e Dirceu Corte-Real (que assina as fotos e o lay-out na ficha técnica do álbum) conversaram e chegaram juntos a essa ideia do Chico sorrindo e do Chico triste.

O que muita gente não imagina é que, por trás das piadas, esconde-se um tesouro — as canções que o jovem Chico escreveu em sua juventude. Abaixo, você poderá ouvir cada uma delas.

O disco foi lançado em 1966 quando o compositor tinha entre 21 e 22 anos. Nascido em 1944, Chico Buarque chegou a ingressar em 63 no curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo. Cursou dois anos e trancou a matrícula quando a carreira artística começou a tomar muito tempo.

Ele poderia ter sido mais um compositor lançado por Elis Regina, mas a cantora acabou desistindo de gravá-lo. Chico era tão tímido que Elis achou que ele “não tinha ido com sua cara” e acabou deixando de lado suas músicas. “Não vou gravar um cara que não gostou de mim”, disse. Mas não era nada disso. Chico ficara apenas constrangido ao mostrar suas criações para uma “cantora famosa”. E a honra de lançar Chico Buarque ficou para a obscura Maricene Costa, que registrou Marcha para um dia de sol em 1964.

A figura do próprio compositor revelou-se ao público brasileiro quando ele ganhou o Festival da Record em 1966 com A Banda — que abre o disco –, interpretada por Nara Leão. A canção empatou em primeiro lugar com Disparada, de Geraldo Vandré, interpretada por Jair Rodrigues. No entanto, Zuza Homem de Mello, no livro A Era dos Festivais: Uma Parábola, comprova que A Banda vencera o festival. O musicólogo preservou por décadas as folhas de votação do festival. Nelas, consta que A Banda ganhou por 7 a 5. Porém, Chico, ao perceber que ganharia, foi até o presidente da comissão e disse não aceitar a derrota de Disparada. Caso isso acontecesse, entregaria o prêmio à concorrente.

O LP de 1966 revela várias faces do futuro Chico. Ela e sua Janela, Você não ouviu e Olê Olá demonstram a faceta lírica de um compositor que chegava a uma bem sucedida pós-bossa nova. Pedro Pedreiro traz as preocupações sociais — além de ter sido a base experimental para o modo como viria a trabalhar os versos. Juca e A Rita são puro e bom Noel Rosa. A Banda é uma marchinha no estilo de Ismael Silva. Tem mais sambaMadalena foi pro marAmanhã, ninguém sabeMeu Refrão e Sonho de um Carnaval são a voz do próprio autor que seria polida nos anos seguintes.

Como quase todos, Chico também imitava João Gilberto e Tom Jobim (que o mandou estudar música), além de Vinicius de Moraes. Mas desde o primeiro momento buscou a aproximação do samba e da bossa nova. Havia nele muito Noel, mas também Tom Jobim.

Se Chico é ainda saudado hoje, na época de sua aparição era chamado de “a única unanimidade nacional”. Seu trabalho ao musicar Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, foi reverenciado pela crítica. Por outro lado, tornara-se popularíssimo graças ao fenômeno A Banda, cujo compacto de Nara Leão vendeu 100 mil cópias em uma semana.

Quando da explosão de A Banda, a gravadora RGE foi rápida. Sabia que não podia virar as costas para toda aquela popularidade. Afinal, Chico nem tinha LP e já era famoso! Tinha chegado a hora de um disco com doze canções. E ele foi gravado nos finais de semana em razão de compromissos profissionais dos envolvidos. Os arranjos foram de Toquinho. O resultado foi um disco perfeito, nascido clássico. “Lá está a filosofia de um Noel, a riqueza melódica de um Vadico, o balanço de um Janet de Almeida, um Vassourinha, um Ciro, de um Mário Reis devidamente atualizado pela batida moderna de Toquinho (…). A música popular brasileira se reencontrou com Chico Buarque de Hollanda”, escreveu Sylvio Tullio Cardoso no mesmo O Globo.

Porém, mesmo neste início de carreira, Chico já tinha embates com a censura. A canção Tamandaré, que estaria no disco, foi proibida após seis meses em cartaz no show Meu Refrão, por ter frases ofensivas ao patrono da marinha, Almirante Joaquim Marques Lisboa. A Marinha não achou graça e vetou a brincadeira. A figura do almirante Tamandaré era estampada nas notas de 1 cruzeiro e Chico perguntava: “Meu marquês de papel, cadê teu troféu? Cadê teu valor? Meu caro almirante, o tempo inconstante roubou…”. A  música permaneceu proibida até o ano de 1991, quando foi gravada pelo Quarteto em Cy. A curiosidade é que, para completar a trilha sonora, em substituição à Tamandaré, Chico compôs Noite dos Mascarados

“‘Seu Marquês’, ‘Seu’ Almirante / Do semblante meio contrariado / Que fazes parado / No meio dessa nota de um cruzeiro rasgado / ‘Seu Marquês’, ‘Seu’ Almirante / Sei que antigamente era bem diferente /  Desculpe a liberdade / E o samba sem maldade / Deste Zé qualquer / Perdão Marquês de Tamandaré”.

Num depoimento concedido a Regina Zappa, Chico surpreende: “Quando conheci Nara, em 65, 66, a gente achava que aquilo tudo estava ficando cansativo, a moda das canções de protesto me incomodava. Era bonitinho ser contra o governo. Parecia a burguesia brincando e dava a impressão de ser um pouco oportunista. Então fiz A Banda e dei para a Nara gravar. Foi uma coisa meio proposital, tipo um chega”. Só que a música explodiu e foi considerada mais um ataque à ditadura. Tudo, aliás, que escrevesse naquele tempo, já era considerado como crítica ao poder dos militares, o mais visível.

Mas voltemos ao disco. No texto do encarte do disco, Chico escreve: “É preciso confessar que à experiência com a música de Morte e vida Severina, devo muito do que aí está. Aquele trabalho garantiu-me que melodia e letra devem e podem formar um só corpo. Assim foi que procurei frear o orgulho das melodias, casando-as, por exemplo, ao fraseado e repetição de Pedro pedreiro, saudosismo e expectativa de Olê, olá, angústia e ironia de Ela e sua janela’, alegria e ingenuidade de A banda, etc”. No fim, falava das imagens da capa: “Enfim, cabe salientar a importância do limão galego para a voz rouca de cigarros, preocupações e gols do Fluminense (só parei de chupar limão para tirar fotografias)”.

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