Macha, de Claudia Tajes

Macha, de Claudia Tajes

Claudia Tajes é uma escritora que sabe fazer rir como poucos. Neste Macha, o humor é em parte substituído pela leveza ao tocar em temas não tão fáceis. Li este livro em voz alta durante 4 noites para minha mulher. No início nós ríamos muito, depois a coisa ficou mais séria e as risadas foram substituídas por sorrisos.

Em capítulos curtos, Tajes vai acrescentando dados sobre o caos que se instala na vida de Celina. Esta é uma bancária de 48 anos que, numa manhã, após sonhos intranquilos, acorda inadvertidamente metamorfoseada em uma estranha criatura que faz xixi em pé e coça as partes íntimas em público. Ou seja, acorda com um pênis, com mais barriga e menos bunda, com mais pelos e mais peso. Quando acorda e vai ao quarto do filho pegar uma camiseta maior, acaba agredida, pois o filho acha que um ladrão entrara em casa. OK, sem spoilers. E não preciso falar no óbvio parentesco da história com Kafka.

Celina é separada de Roney, um sujeito escroto que fica abismado e profere todo gênero de preconceitos frente a transformação da ex. O emprego é outro problema, a forma de vestir é mais um — o fio de consequências parece não ter fim. E os amigos? Tajes trata o tema de forma leve e coloca Celina — que a esta altura talvez já queira ser Afonso (nome do pai de Celina) ou sabe-se lá quem — em várias situações que nos faz pensar nos problemas de adequação de gays e de transsexuais a um mundo machista e dominado pelas Leis de Damares do binarismo rosa e azul. É realmente um atrevimento mudar de sexo ou expressar-se através das roupas… E como demonstrar seu carinho para o filho todo desconfiado?

Li o livrinho de Tajes porque um muito qualificado grupo de leituras escolheu-o para iniciar seus trabalhos em março de 2024. Entendo perfeitamente o motivo. São poucas páginas e muito pano pra manga.

Claudia Tajes | Foto: FSP

Plano Nacional dos Direitos Humanos, versão 3

Sem construção de alicerces de conhecimento histórico, a ignorância erige-se em terreno fértil para que os apoiadores da ditadura, fossem eles truculentos ou silentes, voltem a sibilar barbaridades. Estas, por sua vez, tem, cada vez mais, tomado a forma da velha cantilena de que se travava uma guerra desde 1963, de que o Brasil teve que escolher entre uma ditadura de direita ou uma de esquerda, de que o golpe do Castelo Branco foi necessário, sendo que, depois, o regime degringolou por alguns anos, com os generais da linha dura. Barbaridades, que a pesquisa histórica tem desmentido.

Luís Augusto Farinatti (em comentário feito neste blog)

Ululante ou não, é óbvio que este blog defende o diabo, ou seja, o Plano Nacional dos Direitos Humanos, versão 3. Quando vi quem berrava contra ele, fiquei irremediavelmente apaixonado:

1. Os militares consideraram o plano insultuoso e revanchista, temendo uma caça aos torturadores. Ora, não vejo a hora da caçada. Há que se definir o que foi guerra e o que foi tortura e as punições devem ser para todos os que ultrapassaram os limites. Evidentemente, este blog não pensa em punir o militar que deu um tiro fatal num guerrilheiro no Araguaia; este blog gostaria apenas de saber quem trabalhou nos varais de pau-de-araras, quem foi manicure, essas coisas. Como os militares sabem que foram responsáveis por muito mais mortes, temem as investigações. Teria especial curiosidade sobre as mortes mais espetaculares. Como a de Juscelino Kubitschek (09/08/1976) — ocorrida em acidente automobilístico contrário às Leis da Física, na época suspensas pela ditadura — , como a de Carlos Lacerda (22/07/1977) — internado com uma forte gripe e que morreu logo após uma injeção — e como a do enfarto de João Goulart (06/12/1976) — encontrado com um travesseiro sobre o rosto, em posição bastante atípica para sua causa mortis. Vocês não acham essas mortes muito, assim, tipo muito próximas cronologicamente? Os argentinos gostam muito deste esporte, uma das atividades mais dignas que ocorrem em nosso conturbado vizinho. Bem, sou a favor das investigações e das punições antes que estes caras morram. Há uns bem vivos. Há um, inclusive, ex-membro do CCC, que comenta notícias num programa de TV em rede nacional.

2. A Igreja Católica não curtiu muito a aprovação do aborto, as restrições à ostentação de símbolos religiosos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o direito a adoção para gays. Lula, o catolicão, já começa a recuar nestes pontos que são tranquilos, compreensíveis e razoáveis a quaisquer vertebrados (explico, os vertebrados costumam ter um cérebro numa das pontas da vértebra; a outra ponta costuma estar nas proximidades de coisas menos dignas; mas até os católicos as têm). Alguém poderia informar a eles que o aborto é opcional, que nem todos se ligam em igrejas e que deixem de encher o saco?

3.  A Abert — Associação Brasileira de Rádio e Televisão tem a posição mais cômica de todas, pois vê ameaçada a liberdade de expressão de seus associados. O motivo é incrível: mesmo sendo donos de meras “concessões”, acham repugnante a criação de uma comissão governamental para monitorar suas programações. Querem continuar livres, exercendo a liberdade democrática de bombardear a esquerda e a cultura diariamente. Claro, são empresas privadas, seus donos têm convicções políticas firmes, só que — incrível — trabalham sob “concessões” renovadas periodicamente. Têm uma função social, como não? Tal monitoramento teria como objetivo ranquear as empresas de comunicação dentro de critérios de aderência aos Direitos Humanos. Ora, que absurdo, não? Um ranking! E, olha, estamos falando apenas de rádio e TV. Nada de publicações escritas como a Veja e alguns de nossos bem conhecidos jornais.

Para terminar:

Você sabia… Que em dezembro de 2002, último mês do governo Fernando Henrique, em apenas sete dias foram publicadas no Diário Oficial da União 96 novas concessões por todo o país?

Você sabia… Que em apenas um dia (13 de dezembro), o Diário Oficial publicou 46 novas outorgas? Entre os principais beneficiados pelas novas concessões, destacaram-se a RBS e a Fundação João Paulo II. O grupo gaúcho obteve 21 novas concessões, 21,87% das que foram designadas pelo Ministério das Comunicações.

Fonte dos dois “Você sabia…”.