Opus Dei, a prelazia pessoal do espanhol Josemaría Escrivá

O Centro Cultural Porto Belo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Publicado no Sul21 em 2 de outubro de 2011

O Centro Cultural Porto Belo, localizado na Av. Lucas de Oliveira, 919, bairro Bela Vista, em Porto Alegre, é uma casa aprazível, corriqueira naquela região nobre da cidade. O nome Porto Belo remete a uma praia catarinense. O logotipo é um barquinho navegando no mar sobre ondas. Com maior imaginação, o desenho também pode parecer a parte de cima de um biquini de uma mulher que se banha no mar. Não obstante a casa, tudo leva a pensar em praia. É como se não estivéssemos em Porto Alegre.

A logomarca da Porto Belo: um barquinho sobre o mar | Fonte: site do Centro Cultural

Neste domingo (2), haverá uma comemoração na sede do Centro Cultural, pois a organização mater da entidade está completando 83 anos de vida. A agenda determina uma apresentação sobre a Prelazia Pessoal da Igreja Católica que parece ser a razão da existência da Porto Belo, o Opus Dei (“Obra de Deus”, também conhecido como “A Obra”). No evento, também se falará na marca da santidade deixada no mundo pela existência de seu Fundador, São Josemaría Escrivá — canonizado em Roma no dia 6 de outubro de 2002 — , assim como pela de outros membros que estão em processo de canonização.

Apesar da simpatia que lhe dedicava Karol Wojtyła — no que é imitado por Joseph Ratzinger — , antigamente o Opus Dei era uma organização menos pública. O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, e a velocíssima canonização de Escrivá trouxeram-na à tona, porém ela não gosta de falar. Em contato com a diretora do Centro Cultural porto-alegrense, fomos gentilmente passados ao jornalista responsável pela assessoria de comunicação do Opus Dei. Mas, após alguns telefonemas, recebemos um e-mail em tom igualmente cordial, mas firme, informando-nos que “Todas as informações necessárias você encontra no site do Opus Dei, principalmente na área ‘O que é o Opus Dei'”.

Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, ou “A Obra”

A organização

A Opus Dei – expressão em latim que significa “Obra de Deus” – foi fundada pelo espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer em 1928. Ela é uma prelazia pessoal. Prelazias pessoais são circunscrições eclesiásticas previstas pelo Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito Canônico. Elas são constituídas com a finalidade de levar a cabo determinadas tarefas pastorais. Os fiéis das prelazias pessoais continuam pertencendo às igrejas locais ou às dioceses onde têm o seu domicílio.

Porém, segundo seus críticos dentro e fora da Igreja, o Opus Dei solicita a seus membros seguirem as ordens do prelado (o líder máximo do Opus, que fica em Roma), em vez de obedecer à autoridade católica local. Simplificando, é como se o grupo fosse um braço independente da Igreja que não deve explicações a mais ninguém, além do Papa.

O Opus Dei diz que “sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasiões de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade. O Opus Dei colabora com as igrejas locais, oferecendo meios de formação cristã (palestras, retiros, atenção sacerdotal), dirigidos a pessoas que desejam renovar sua vida espiritual e seu apostolado”.

Leonardo Boff é um dos grande críticos da Obra no Brasil | Foto: Editora Vozes

O Opus Dei nasceu na Espanha pouco antes do franquismo e floresceu durante o mesmo. Dizendo-se inovadora, condena livros e, segundo 100% dos relatos de quem a abandona, incentiva a autoflagelação, além de desejar às mulheres a santificação no trabalho doméstico. O teólogo Leonardo Boff define o Opus Dei como: “um tipo de fundamentalismo que trata de restaurar a antiga ordem fundamentada no matrimônio entre o poder político e o poder central”. Com efeito, Escrivá foi confessor do generalíssmo Francisco Franco e vários membros da Prelazia ocuparam cargos na ditadura espanhola. Alguns foram até ministros de estado.

A participação política

Obscurantista, misógina e reacionária, os críticos da Opus Dei também a chamam de “máfia santa”. Outros a acusam de ser outra Igreja dentro da Igreja, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a serviço de um conservadorismo atroz. Em parte, essa fama se deve às relações históricas que cultivou e trata de cultivar com governos, principalmente àquela citada, mantida com o regime fascista do ditador espanhol Francisco Franco, de 1939 a 1975. Ou seja, tudo o que o Opus Dei não desejaria seria o Estado Laico.

Juan Carlos Onganía: Opus Dei no governo da Educação | Foto: Wikipedia

No fim da década de 40, a Prelazia iniciou sua caminhada rumo à América Latina. Foi simples conquistar simpatia em países onde há oligarquias pretensamente hispânicas que buscam diferenciar-se da maioria. Alberto Moncada, outro dissidente, conta em seu livro La evolución del Opus Dei: “os jesuítas decidiram que seu papel na América Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los”.

Era natural, da mesma forma, que alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e 1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. A organização já controlou a Educação na Argentina durante o período entre 1966-70, época do ditador militar Juan Carlos Onganía.

João Paulo II, o amigo, e Pinochet

Já no Chile, a Opus Dei foi para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo do regime, Jaime Guzmán, era membro numerário da organização, assim como centenas de quadros civis e militares. Também os 3 principais membros da junta militar que tomou o poder no Chile, o general Augusto Pinochet, o general Jaime Estrada Leigh e o almirante José Merino, eram membros supranumerários ou cooperadores da Opus Dei. Algumas semanas após o golpe, Escrivá de Balaguer deslocou-se a Santiago do Chile para celebrar uma missa de ação de graças em honra de quem chamou de seu “filho espiritual”, Augusto Pinochet. No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.

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Petição «Cidadãos pela Laicidade»

Senhor Presidente da República Portuguesa,

Nós, cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade, manifestamos, através da presente carta, o nosso veemente protesto contra as condições – oficialmente anunciadas – de que se revestirá a viagem a Portugal de Joseph Ratzinger, Papa da Igreja Católica.

Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade.

Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas.

Desejamos deixar claro que, se em Portugal há católicos dos quais uma fracção, mais ou menos importante, se regozijará com a visita de Joseph Ratzinger, há também católicos e não católicos para quem o carácter oficial da visita papal, o seu financiamento público e a tolerância de ponto concedida pelo Governo, são agressões perpetradas contra os princípios de laicidade do poder político que a própria Constituição da República Portuguesa institui.

Esta infracção da laicidade a que estão constitucionalmente vinculadas as autoridades republicanas torna-se ainda mais gritante e deletéria quando consideramos que se celebra este ano o Centenário da Implantação da República, de cujo legado faz parte o princípio de clara separação entre Estado e Igreja, contra o qual atentará qualquer confusão entre homenagens a um chefe de Estado e participação oficial dos titulares de órgãos de soberania em cerimoniais religiosos.

Declaramos também o nosso repúdio pelas posições veiculadas pelo Papa em matéria de liberdade de consciência, igualdade entre homens e mulheres, autodeterminação sexual de adultos, e outras matérias políticas.

Porque nos contamos entre esses cidadãos que entendem que a laicidade da política é condição fundamental das liberdades e direitos democráticos em cuja defesa e extensão estão apostados, aqui deixamos o nosso protesto e declaramos a Vossa Excelência o nosso propósito de o mantermos e alargarmos através de todos os meios de expressão e acção ao nosso alcance enquanto cidadãos activos da República Portuguesa.



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