Após linchamento moral, Diógenes Oliveira lança livro que conta sua longa e rica trajetória

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Publicado em 10 de novembro de 2014 no Sul21

Após uma longa trajetória de lutas — muitas delas travadas com armas na mão ou sob tortura –, Diógenes Oliveira ficou famoso no Rio Grande do Sul por uma verdadeira campanha de difamação, cujas acusações jamais foram comprovadas. A enxurrada de denúncias, que incluíam envolvimento com o crime organizado e financiamento de campanhas políticas através do jogo do bicho, vinham em manchetes de capa acompanhadas de fotos. Após mais de cinco anos respondendo a processos, Diógenes livrou-se de todos. Só que a sequência de absolvições eram veiculadas em pequenas notas nas páginas internas. As marcas deste linchamento moral persistem até hoje.

Diógenes, o Guerrilheiro narra mais de meio século de sua vida. Combateu o Golpe de 64, foi preso e torturado. Fez treinamento militar em Cuba. Passou 20 anos no exílio. Morou em dez países diferentes: Uruguai, Cuba, México, Bélgica, Chile, Guiné Bissau, Coreia do Norte, Líbia e China Continental. Teve presença ativa em quatro golpes ou revoluções: no Brasil, Chile, Portugal e Guiné Bissau. Mas suas últimas lutas ocorreram longe das armas: foi como Secretário de Transportes do Prefeito Olívio Dutra, após a intervenção nas empresas de transporte coletivo em Porto Alegre e durante a CPI da Segurança Pública. Nesta entrevista, Diógenes faz um resumo de seus 72 anos de vida.

2014.11.04 – Porto Alegre/RS/Brasil – Entrevista exclusiva com Diógenes Oliveira. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br

“Eu tinha um certo pânico de aparecer na imprensa, porque antes era só paulada. Tudo isso era potencializado nas campanhas eleitorais”.

Milton Ribeiro – O sr. foi manchete por muito tempo.

Diógenes Oliveira – É verdade. A RBS me colocou por semanas continuamente na capa de seus jornais, com fotos e grandes manchetes. Sofri um linchamento moral que deve ter sido inédito, porque eu não era político, nunca fui deputado, nunca foi vereador. Foi desproporcional. Por trás de tudo isso, eles queriam o impeachment do Olívio, isso era o que estava na pauta. Queriam nos acusar de ligações com o crime organizado, queriam tirar o governador algemado do Palácio, essa era a intenção dos caras. Meu livro está cheio de informações, mas, por conselhos de amigos, retirei algumas coisas. Se eu abro tudo, seria um Deus nos acuda.

MR – Comecemos então pelo motivo de publicar o livro neste momento.

Diógenes – Este livro está sendo escrito com dez anos de atraso. Se ele fosse publicado no auge da CPI, seria um best seller. Nos primeiros anos destes acontecimentos, fiquei ilhado por ações judiciais. Na porta da minha casa tinha uma fila de oficiais de justiça.

MR – Tinha inclusive a loira.

Diógenes – Ah, é! (risos) A oficial de justiça loira que me visitava! Os vizinhos brincavam que eu andava bancando o garanhão do bairro. Então, na época, não escrevi o livro porque estava muito enrolado judicialmente, levei vários anos para me desenrolar.

MR – Agora o senhor está totalmente livre das ações?

Diógenes – Sim, porque as acusações eram falsas e eu fui absolvido em todas as ações. Uma segunda razão para o atraso do livro é que eu tinha um certo pânico de aparecer na imprensa, porque antes era só paulada. Tudo isso era potencializado nas campanhas eleitorais. Eu não sabia bem o que fazer, se me escondia, se saía à luz do sol. Quando as coisas se acalmaram e meu nome começou a ficar mais, digamos assim, esmaecido, veio a questão da minha anistia. Eu tramitei um requerimento no Ministério da Justiça durante cinco anos e meio pedindo minha anistia, de acordo com a lei. Tarso Genro era ministro naquela época. Bom, quando veio, eu sofri um novo linchamento midiático por parte do Elio Gaspari.

MR – Em que ano foi isso?

Diógenes – Em 2008, 2007. A CPI foi em 2001, no fim do governo do Olívio. Os anos de 2001 a 2006, foram infernais: manchetes, campanhas eleitorais, novas desconfianças e processos judiciais, tudo em paralelo. Quando isso acalmou, veio a minha anistia em portaria publicada no Diário Oficial da União. Aí o Elio Gaspari desencadeou uma campanha midiática muito violenta contra mim. O Juremir Machado da Silva entrou na trilha do Elio Gaspari. A campanha que o Gaspari desenvolveu foi muito sórdida, porque ele tem uma coluna nacional, publica em duzentos jornais pelo país… Eu juntei toda uma papelada para processá-lo, eu já não aguentava mais. Foi minha ex-mulher que entrou na justiça contra ele, contratou o Fábio Konder Comparato e só não colocou o Elio na cadeira porque não quis. E aí ele parou. Hoje estou com 72 anos. Um filho se formou em jornalismo, outro em direito. Os amigos sempre me perguntavam pela biografia. Ano passado estive muito doente, estive mesmo nos umbrais da morte. Então pensei: é agora ou nunca. E aí resolvemos escrever. Antes era muito cedo e depois talvez fosse tarde demais.

“Tu pra padre já não deu, mas pra alienado eu acho que tu também não serve, tu é um guri esperto. Então eu acho que tu vai ser comunista”.

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

MR – Então vamos voltar no tempo.

Diógenes – Minha família era proprietária de terras, médios proprietários de terra. Eu sou natural de Júlio de Castilhos, antiga Vila Rica, cidade que leva este nome por causa do pai do Antônio Chimango. Ele nasceu lá, o próprio Júlio de Castilhos nasceu lá. Era uma antiga redução jesuítica chamada Nossa Senhora da Natividade. Uma redução que os padres fizeram meio escondida para esconder o gado dos bandeirantes que, quando não conseguiam escravizar os índios, levavam as tropas. Eu não tinha condições de estudar em colégio nenhum, então meus pais resolveram me colocar num seminário, porque era de graça. Mas eu não tinha nenhuma vocação pra aquilo. Fiquei lá uns anos e vim pra Porto Alegre.

MR – A política já fazia parte da sua vida?

Diógenes – Eu tive a sorte de, na minha cidade, haver um único comunista, que era casado com uma prima-irmã do meu pai. O cara me chamou quando soube que eu queria vir para Porto Alegre e disse: “Tu pra padre já não deu, mas pra alienado eu acho que tu também não serve, tu é um guri esperto. Então eu acho que tu vai ser comunista”. E me deu um bilhetinho para que eu procurasse a professora e poetisa Lila Ripoll. Procurei e ela foi minha tutora. Fui pupilo da Lila até depois de entrar para a clandestinidade. Foi ela que me iniciou no marxismo, na bibliografia toda, ela reunia grupos de jovens em sua casa. A Lila era comunista de carteirinha, clássica.

MR – Isso foi o quê, nos anos 50?

Diógenes – Sim, sim. Anos 50. Eu sou de 1942. Tive o privilégio de ter uma boa formação teórica por causa da Lila. Ela era uma pessoa maravilhosa, muito querida pela intelectualidade rio-grandense. Essa foi a minha infância e nisso veio a Legalidade.

MR – O sr. já estava na universidade?

Diógenes – Não, eu era secundarista. Na Rua da Ladeira tinha um colégio, o Monteiro Lobato — não é o de hoje –, onde eu estava estudando. E veio a legalidade, ou seja, a renúncia do presidente Jânio Quadros, aquele tumulto e tal. O Brizola tentou trazer o Jânio pra cá, mas ele tinha outras coisas em vista. E montou-se aqui todo aquele mecanismo de resistência que eu procuro mais ou menos em meu livro. Formou-se um QG da Legalidade onde hoje é prédio do Tudo Fácil. Ali tinha um museu chamado Mata-Borrão. Ali é que se formou o QG da resistência. O movimento da Legalidade foi muito intenso e a participação popular foi muito massiva. Os nossos lideres foram o Pedro Alvarez, o Peri Cunha, que também era coronel, e o Álvaro Ayala. Eu era um pirralho. Tínhamos armas. O Brizola requisitou a produção da Taurus e da Rossi e pegou o que tinha nas casas de caça e pesca. Eu consegui uma pistola italiana para mim, mas a gente desejava mesmo eram os “três oitão” da Taurus. O movimento durou pouco tempo porque o Jango voltou logo. Ele não podia ficar muito tempo fora do país, senão os caras consolidavam outra situação. E ele chegou aqui, se enfurnou no Palácio, não saiu dali, não falou com ninguém, não deu discurso nem nada, fez o acordo do parlamentarismo e foi para Brasília. Depois, ele começou um governo bastante reformista. E nós com uma consciência clara de que haveria, em reação, um golpe militar. Eu tinha dupla militância, militava no Partido Comunista e junto com o pessoal do PTB, do antigo PTB. O PTB sabia que muitos de nós tínhamos essa duplicidade e apoiava. Não houve resistência ao golpe. Nós esperávamos uma ordem, mas o Brizola mandou dispersar todo mundo e entregar as armas. Não queria derramamento de sangue. Ele tinha uma fazenda no Uruguai que ficava na linha imaginária da fronteira. Então, sem sair da propriedade, ele emigrava. E foi o que fez. Emigrou. Nós iniciamos um período muito grave de tentativa de resistência armada ao golpe. Víamos o novo governo como resultado de uma quartelada. Foram inúmeras tentativas, todas elas foram abortadas pelo serviço de inteligência da ditadura e dos Estados Unidos. Não conseguimos nada. Não demos sequer um tiro. Eles abortavam tudo na antevéspera e sempre prendiam as lideranças. Lá por 1965, eu já era conhecido pela repressão e trabalhava na Companhia Estadual de Energia Elétrica.

“Em Montevidéu, concentrava-se a maioria de lideranças. Estavam lá para não serem presos. Dali eu fui para Cuba a fim de fazer treinamento militar”.

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

MR – Que cargo o sr. ocupava na CEEE?

Diógenes – Eu era escriturário concursado, mesmo sendo secundarista. Tanto que só consegui a anistia por ter sido funcionário da CEEE. Quem me deu a documentação necessária para embasar o pedido foi ninguém menos do que a Agência Brasileira de Inteligência. Eles tinham tudo a meu respeito.

MR – E aí em 1965, com 23 anos, o senhor foi para o Uruguai.

Diógenes – Havia milhares de brasileiros por lá, principalmente marinheiros e sargentos. Porque houve aquela tentativa de revolta dos sargentos em Brasília, depois aquela movimentação toda dos marinheiros no Rio de Janeiro e aquela famosa assembleia do sindicado dos metalúrgicos. Em Montevidéu, concentrava-se a maioria de lideranças. Estavam lá para não serem presos. Dali eu fui para Cuba a fim de fazer treinamento militar. Fiquei lá quase um ano e o meu destino seria uma coluna guerrilheira na Bolívia, bem no local onde Che Guevara veio a morrer. Só não fui porque, quando eu descia Sierra Maestra, surgiu a notícia de que o Che havia sido localizado. E, quando isso aconteceu, os americanos imediatamente fizeram o chamado cerco estratégico, em que não entrava nem saia ninguém da região. O cerco estratégico do Che na Bolívia durou meses. Eu e meu grupo retornamos para Montevidéu e procuramos o Brizola. Ele não queria saber da luta armada. Nós tínhamos muitas armas, armaram-nos muito bem. O Brizola queria que nós nos desarmássemos. Mas a gente saiu de Montevidéu com nossas armas. Viemos para Porto Alegre, mas o pessoal achava que eu era muito conhecido aqui, e me mandaram para São Paulo. Cheguei em São Paulo no ano de 67. Lá estava se reestruturando aquele pessoal todo do Uruguai, depois do recuo do Brizola. A grande maioria daqueles sargentos e marinheiros começou a se reorganizar em São Paulo e fundaram a VPR, Vanguarda Popular Revolucionária. Essa organização surgiu em São Paulo porque lá tinha um forte núcleo operário, oriundo do antigo partidão. Tínhamos a hegemonia absoluta do movimento operário de Osasco e de São Caetano, com bases operárias fortíssimas. E, devido a isso e à presença de sargentos das três armas e de marinheiros, é que se fundou a VPR. Então começamos os assaltos a bancos e aos quartéis.

MR – E em um deles o sr. acabou preso?

Diógenes – Eu fui preso na Praça da Árvore em São Paulo. Fui encontrar um companheiro e a polícia estava bem defronte, numa banca de revistas. Me atiraram na caçamba de uma daquelas caminhonetes Veraneio. Eu fiquei um ano preso, seis meses na solitária. Nem mosquito tinha. Seis meses na solitária.

MR – O sr. foi muito torturado?

Diógenes – Sim. Eu tenho um joelho de titânio, resultado do pau de arara. E o olho… Eu tinha uma prótese no olho. Eles tiraram a prótese para dar choque lá dentro. Fiquei com muitas sequelas, coisas que não vou falar. Estava no Carandiru em isolamento absoluto. Quem ia para lá eram os destinados ao corredor da morte.

“Mas aí não deu porque o Marighela nos avisou: ‘Se vocês continuarem enrolando, o passarinho vai voar’”.

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

MR – Fale sobre a atuação da luta armada em São Paulo.

Diógenes – Em São Paulo, nossa atuação se caracterizou basicamente por duas coisas: pegar dinheiro dos bancos e armas dos quartéis. O primeiro quartel que nós pegamos foi a guarnição do Hospital Militar do Bairro do Cambuci. Conseguimos um arsenal razoável lá. E aí o comandante ficou uma arara com a gente. Ele disse que os terroristas eram uns covardes, que tinham assaltado um hospital, uma guarnição de recrutas, que “achavam que tinham almoçado o exército mas que o exército iria jantá-los em breve”. A luta armada em São Paulo teve o episódio da morte do capitão Chandler, um americano que era criminoso de guerra do Vietnã. O Chandler operou no Sul do Vietnã. A especialidade dele eram os interrogatórios rápidos. O método dele era o de botar o cara pelado, deitado numa mesa. Aí, encostava uma barra enferrujada no umbigo do cara. A barra tinha uma graduação em escalada métrica. Eles perguntavam: “Onde é que está o fulano?”. “Não sei”. Para cada “não sei” era um centímetro a mais na barriga. Era falar ou morrer, questão de minutos. Os americanos tiraram-no do Vietnã, condecoraram-no como herói da pátria e o mandaram pro Brasil a fim de ensinar essa técnica para a polícia brasileira. Mandaram o Chandler para São Paulo e o Mitrione para Montevidéu. O Mitrione era chamado de “O Professor de Tortura” e foi morto pelos Tupamaros. E nós pegamos o Chandler. Ela já tinha uma sentença de morte no Vietnã. Só não foi executado porque saiu de lá, fugiu. E nós queríamos pegar o cara vivo e para fazer um julgamento parecido com o que os judeus fizeram com Eichmann. Julgaríamos o cara, certamente o condenaríamos à morte e um dia ele apareceria enforcado na Praça da República. Mas aí não deu porque o Marighela nos avisou: “Se vocês continuarem enrolando, o passarinho vai voar”. Ele já estava com a passagem comprada para voltar aos Estados Unidos. E então foi executado.

MR – O sr. saiu da prisão trocado pelo Cônsul japonês, correto?

Diógenes – Isso, pelo Consul Japonês. Tinha um japonês da VPR que estava preso e estava apodrecendo sob tortura. Ele sabia onde é que o Lamarca estava e não falou. Então alguém teve a ideia de sequestrar o Cônsul do Japão pra trocar pelo preso japonês. Foi nessa lista que eu entrei.

MR – E foi para o México…

Diógenes – O exílio é muito longo, vou tentar ser cronológico. Eu fiquei pouco tempo no México, porque o Lamarca nos deu ordens pra ir imediatamente para Cuba. Então, em Cuba, eu recebi a missão de ir para a Coreia do Norte assistir ao Congresso Mundial da Juventude Coreana do Trabalho — não sei se aquilo terá um dia uma solução pacifica porque o ódio acumulado nos dois lados é muito grande. Da Coreia do Norte me mandaram para o Chile, em razão da vitória do presidente Allende. Militei no Partido Socialista chileno. Fiquei dois anos lá e saí depois do golpe. Fui para o México pela segunda vez e pensei que, bem, vou tentar parar um pouco, sossegar o “pito” por aqui. Fui trabalhar na cidade de Puebla, uma cidade colonial histórica muito linda. Eu trabalhava em um banco de fomento ao artesanato. Mas aí houve grandes calamidades naturais no México. A mulher do presidente, que era nossa benfeitora, nos chamou e avisou “olha, nós não vamos conseguir segurar mais vocês aqui. A oposição está muito violenta contra nós e temos muitos chilenos, não param de vir chilenos. Com dor no coração, eu preciso dizer aos companheiros que arrumem um lugar para ir”.

MR – Quanto tempo o sr. ficou no México?

Diógenes – Não chegou a um ano. Porque foram grandes inundações, muitos flagelados, o governo precisava de recursos. A oposição alegava que o governo estava gastando dinheiro com comunista, com terrorista. Os chilenos ficaram por lá, mas os outros não conseguiram. Aí fui morar na Bélgica. Escolhi o país por causa da comunidade diplomática do Benelux – Bélgica, Luxemburgo e Holanda – e em razão da universidade de Louvain, onde fui aluno do professor Ernest Mandel. Mas não terminei o curso porque estourou a Revolução dos Cravos em Portugal. De todas as da minha vida, foi a revolução mais linda que eu assisti. Fracassou porque Portugal entrou no jogo da Guerra Fria, das superpotências e foi trocado por trinta moedas em uma mesa de negociações. A União Soviética ficou com Angola, que tem alguns dos maiores poços de petróleo do mundo e é um território dos diamantes por excelência. E eu fui para Guiné, porque era muito amigo do Amílcar Cabral, tinha feito amizade com ele em Cuba.

“‘Quantas vezes tu já estiveste aqui?’ e eu respondi que tinha perdido a conta. ‘Então tu não volta mais, porque eu não vou mais te atender.’”

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

MR – Guiné foi uma época feliz de sua vida, não? Lá o sr. sossegou o “pito”?

Diógenes – (risos) Sim, foram oito anos. Guiné era muito pobre, tinha pouquíssimas estradas e ruas asfaltadas, poucas riquezas naturais. Arrumei um emprego no Ministério do Planejamento. Eles tinham um Estado a ser organizado, uma população a ser alfabetizada. Havia alguns cubanos lá, o hospital central era gerido e assistido por médicos cubanos. Guiné só tinha um médico guineense formado. Minha vida era razoavelmente boa lá. Eu me informava das coisas do mundo pelo rádio, não me estressava com horários, a comida era muito boa. Mas fui derrotado pela malária. Fizemos um belo trabalho no governo. Mas, nos últimos tempos da minha presença em Guiné, eu tinha uma média de dois ataques de malária por mês. Eu ia a toda hora para o Instituto de Medicina Tropical de Lisboa a fim de fazer tratamento. Esse instituto tem fama mundial. Foram eles que conseguiram erradicar a doença do sono, a da mosca tsé-tsé. Mas para a malária não conseguiram fazer uma vacina. Então o diretor me chamou e perguntou “Quantas vezes tu já estiveste aqui?” e eu respondi que tinha perdido a conta. “Então tu não volta mais, porque eu não vou mais te atender. Tu não tens cura, tens é que sair da zona infestada”. Não tinha outra solução senão sair. E voltei para o Brasil.

MR – Em que ano voltou?

Diógenes – Muito depois da anistia. A anistia foi em 79, eu voltei para cá no Natal de 83.

“Os funcionários viviam em um regime de escambo, não ganhavam salário, ganhavam mercadoria”.

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

MR – E entraste no PT.

Diógenes – Aqui em Porto Alegre, me contaram que tinha uma gente nova, de um bancário aí. O bancário era o Olívio e eu fui para o PT. Aí, o Olívio acabou eleito prefeito e eu fui por quatro anos Secretário de Transportes. Foi uma época muito agitada. Fizemos a intervenção no sistema de transportes. O sistema estava podre. Um toco de cigarro furava os pneus dos ônibus. Constatamos que aquelas empresas eram tudo, menos empresas de ônibus. Os ônibus eram um interesse periférico. Eu fui nomeado interventor da Trevo. Os funcionários viviam em um regime de escambo, não ganhavam salário, ganhavam mercadoria. O sistema era de vales. O funcionário pegava um vale para comprar remédio, por exemplo. Eles davam o vale e cobravam juros de 30, 40% ao mês.

MR – O sindicato?

Diógenes – Patronal e pelego. Então o Olívio renovou o sistema. As maiores obras da administração do Olívio na prefeitura foram a renovação do sistema de transportes e o Orçamento Participativo. Ao final do governo Olívio, fui trabalhar na iniciativa privada, abri uma pequena agência de viagens. E veio aquela eleição do Olívio para governador. Quando ele foi fazer a campanha, me chamou pra ajudar a catar dinheiro. Não tínhamos um tostão. Ninguém faz ideia de quanto custa uma campanha política. Por isso, quando ouço falar dos caras que querem o financiamento público de campanha, não digo nada. Isso é pura balela.

MR – Tu foste visto como o grande financista da campanha do Olívio. A agência de viagens era grande? E o Clube de Seguros?

Diógenes – Não, eu apenas sobrevivia daquilo, era uma agência pequena. Hoje, turismo e seguro não são bons negócios. As pessoas fazem tudo no computador. O problema é que o governo do Olívio foi um governo de minoria, de conflito. O Clube de Seguros, ah, o Clube de Seguros! Um companheiro nosso, Daniel Gonçalves, que trabalhava com seguros, disse que “se a gente montar um clube, se fizermos estipulações de seguros, dá pra ganhar bem”. Queríamos fazer apólices em grande escala. Foi assim que o Caburé ficou biliardário. Se eu montar uma apólice de seguro de vida com 200 caras e levar para uma companhia, eles remuneram muito bem.

“Olívio resolveu distribuir essas verbas de forma mais equitativa, mandando-as para os pequenos jornais e rádios do interior do estado. Isso equivaleu a uma declaração de guerra”.

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MR – Como começou o rolo?

Diógenes – Tu sabes… As verbas de publicidade são disputadas a tapa pela mídia. Os barões das grandes cadeias acham que seus quinhões devem ser proporcionais aos índices de audiência que são, como sabemos, uma caixa preta. O governo Olívio resolveu distribuir essas verbas de forma mais equitativa, mandando-as para os pequenos jornais e rádios do interior do estado. Isso equivaleu a uma declaração de guerra. Eles queriam tirar o Olívio algemado do Palácio. E o bode expiatório de plantão era eu e o Clube. Nunca fui tesoureiro do partido e nem participei do Comitê Financeiro. Inventaram uma CPI da Segurança Pública. Forjaram uma fita onde havia uma imputação, feita pelo Jairo Carneiro, ex-tesoureiro do PT cooptado por eles, de que eu estava envolvido com o jogo do bicho e o crime organizado. Jairo era o inquirido na fita. Esta fita foi montada por três jornalistas da RBS, uns gurizinhos recém contratados. Um dia, eles resolveram que, para fechar a coisa, faltavam algumas informações. Então mandaram o Jairo Carneiro ao escritório do Daniel Gonçalves com o celular ligado para os caras da RBS ouvirem. O Jairo depois disse para a Justiça que, quando entrou no escritório do Daniel, sentiu-se pegajoso, sujo, nojento, fazendo um trabalho indecente. Afinal, o Daniel é um sujeito digno que sempre o tratara com decência. E ele desistiu. Chegou lá e desligou o celular. Depois mentiu pros caras que tinha acabado a bateria. Mas eles foram ao Ministério Público entregar a fita. E o pessoal do MP respondeu: “Olha, doutor Vieira da Cunha, nós queremos ajudar nessas investigações, são denúncias gravíssimas. Mas o senhor sabe que temos que reduzir a fita a um termo e assinar. O senhor é membro do Ministério Público e sabe que nós não podemos trabalhar só na oralidade. O dono da fita tem que degravar e assinar. Façam isso com urgência e “tragam ontem” para mim.

“O Jair perdeu a compostura e, aos berros, com o auditório da CPI lotado, pedia um ‘detector de mentiras’”.

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

MR – E eles não entregaram nada…

Diógenes – Claro! E cometeram um grande erro. Em vez de levar a fita para a CPI, falaram com o Jair Krischke, que era o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos. Ele estava no esquema contra o Olívio. E ele se auto-convocou para uma entrevista com o jornalista Lasier Martins, e disse “Dr. Lasier, quero fazer um comunicado importante ao povo do Rio Grande, mas não vou levar a fita com a comprovação das denúncias”. “Mas como, Dr. Jair?” respondeu o Lasier, “O senhor divulga um caso desses e depois frauda a expectativa criada?”. E o Jair: “Não, vou fazer melhor, vou levar o autor da fita na CPI”. Que era o Jairo. E aí diz o Lasier, “Mas Dr. Jair, não será temerário?”. E ele respondeu “Não, está tudo sob controle”. Foi então que o Jairo chegou lá e desmentiu tudo, revelando a armação da RBS. Eles literalmente enlouqueceram. Ele desmentiu a fita em alto e bom som. O Jair perdeu a compostura e, aos berros, com o auditório da CPI lotado, pedia um “detector de mentiras”. Tudo está contado com detalhes documentais no livro, que termina depois com um capítulo só sobre poesia, para aliviar o leitor dessa sujeira.

MR – E como a Clube de Seguros da Cidadania tinha a sede do Comitê Eleitoral do Olívio?

Diógenes – A sede do Clube foi comprada por nós. O Clube se propunha a fazer estipulação de seguros, que é algo legítimo e legal. Com a receita, nós conseguimos comprar aquela casa na Farrapos e fizemos um comodato com o PT para colocar o comitê do Olívio em nossas salas. Comodato é um aluguel sem ônus: tu te comprometes a manter a casa e pagar os impostos, mas a casa é do outro. Como nós fizemos o comodato, bastava só declarar, porque não entra dinheiro. Eles ficaram malucos, achando que era impossível.

MR – Como se encaixam o jogo do bicho e o crime organizado? Que crime organizado era esse?

Diógenes – Olha, fomos acusados de tudo o que tu possas imaginar. Quando o Jairo Carneiro saiu do PT, antes simulou um assalto ao comitê de campanha. Roubaram só o disco rígido. Imaginem, não pegaram nada, nem a CPU ou monitor quiseram, só o disco rígido. Ali havia orçamentos. Um deles era o dos custos do programa eleitoral na TV, que fora feito junto à Casa de Cinema. Dava um valor redondo de 700 mil reais para o primeiro turno. Claro que nós não tínhamos o dinheiro e pedimos um parcelamento. E a planilha tinha diversas entradas com os nossos pagamentos. Eles mudaram a título da planilha para “Arrecadação do JB (jogo do bicho)”… Veja bem, a CPI tinha como título CPI da Segurança Pública, era pra investigar a situação da segurança pública no estado. E daí derivaram a investigação para cima do Clube, com todas as manchetes em jornais da RBS e a fita gravada. A “prova” era a fita do Jairo, uma montagem. Basicamente, a CPI foi isso.

MR – E hoje?

Diógenes – Hoje tudo passou. Ganhei todos os processos na Justiça e consegui escrever meu livro. Meu advogado me alertou que eles poderiam fazer um mandado de busca e apreensão na sessão de autógrafos em razão da Kalashnikov da capa. Poderiam alegar que é uma afronta ao Estatuto do Desarmamento e apologia à violência. Hoje, sou um velho militante da esquerda e da paz, mas meu livro narra um longo combate, não é um livro água com açúcar para as comadres lerem.

Bom dia, Diego Aguirre

Bom dia, Diego Aguirre
Com o cabelo, Valdívia esconde a bola de um mexicano |Alexandre Lops
Com o cabelo, Valdívia esconde a bola de um mexicano |Alexandre Lops

Uma mui distinta senhora, amiga de anos, escreveu no inbox do Facebook que teve uma caganeira durante o segundo tempo do jogo de ontem. Uma caganeira, Aguirre. Veja o que o futebol faz com as pessoas.

Vamos para o México com uma vantagem diminuta. Sabemos que tu gostas de contra-atacar, então tens aí uns dias para armar teu time naquele estilo Peñarol-like: fechadinho, saindo de trás rapidamente. O Tigres é muito bom time. Sabe armar e defender-se, além disso, faz tudo com fluência. O time é alto e forte. Sóbis e Gignac são estupendos lá na frente. Já Nilmar parece ter sentido a parada. Sua velocidade será fundamental em Monterrey. Eles vão vir para cima, mas têm que ser punidos por nossa velocidade.

Ao final da partida, vi muita gente brocha com a vitória por escassos 2 x 1. O fato do Tigres ter jogado 30 minutos com 10 homens e ter não somente segurado o Inter, como também criado boas situações, deixou-nos muito incomodados no Beira-Rio. Mas, pensem bem, eu acho que jogamos demais tendo em vista os jogos imediatamente anteriores dos chamados titulares. O que me preocupa é o preparo físico. Ao final da partida, o Tigres é que parecia estar em maior número em campo. Isto pode resultar numa calamidade se pensarmos que a partida decisiva das semifinais será jogada sob os 30ºC noturnos de Monterrey. Também não entendi o ingresso de Rafael Moura. Se tínhamos 11 contra 10, não era hora de botar um centroavantão. Era hora de tocar a bola.

Mas o bom do futebol são as eventuais caganeiras, a absoluta indefinição que acaberá apenas na quarta-feira. O jogo decisivo é talhado para teu estilo, Aguirre, mas jamais diria que somos favoritos para passar. Muito pelo contrário; se passarmos, vou ficar tão agradavelmente surpreso quanto fiquei com aquele gol de Giuliano contra um Estudiantes muito superior a nós na Libertadores de 2010.

E o bom de ser colorado é ver confirmado nosso realismo nas redes sociais. Li várias pessoas dizendo que saíram do estádio com o gosto da eliminação da boca. Então, a única coisa que te peço é: surpreenda-nos, Aguirre! Boa caçada aos Tigres! Vá armado de forte marcação e fulminantes contra-ataques!

Os gols de ontem:

Bom dia, Diego Aguirre (com os gols de ontem à noite)

Bom dia, Diego Aguirre (com os gols de ontem à noite)
Foto: Alexandre Lops
Meu craque Rafael Moura salva o Inter | Foto: Alexandre Lops

Eu sempre disse que o Rafael Moura tinha que permanecer no Inter, Aguirre. É mentira, claro, mas é a verdade de hoje, uma sincera inverdade, se me entendem. Ah, esqueçam. Ele nem tocou naquela bola, mas se não estivesse ali, na posição correta, enchendo o saco, o gol da classificação não sairia. Que venham mais Gabirus!

Bem, agora digo uma verdade. Eu sempre discordava quando alguém dizia que o Santa Fe era ruim. Organizado, forte, de muita marcação, eu sabia que a coisa não ia ser mole. E o Inter não está jogando tudo aquilo. O primeiro tempo, após os dez minutos iniciais, foi dominado pelos colombianos. Não criaram boas chances, mas ficaram rondando perigosamente nossa área.

No intervalo, Aguirre, tu fizeste uma mágica ao adiantar a marcação e o time voltou diferente, passando a massacrar o adversário, que apelava para faltas — algumas de ultra-violência, daquelas de deixar o Alex, de A Laranja Mecânica, envergonhado –, cedia escanteios e não saía mais para o jogo. O Santa Fe ficou encurralado, mas só conseguíamos cruzamentos sem resultados para a área. Então, o Marco Weissheimer, atento à dialética ostermanniana do futebol, gritou no sofá de sua casa pedindo a entrada do He-Man. (Foi o que ele disse que fez). Agachado na escadaria do túnel, tu o ouviste  e nós fizemos o terceiro gol dos dois jogos entre Inter e Santa Fe. O terceiro em escanteio.

Valdívia ganhou o prêmio de melhor em campo da patrocinadora do torneio. Porém, acho que os melhores em campo foram o espetacular Rodrigo Dourado e interminável Juan, a parede que evitava os contra-ataques do Santa Fe. D`Alessandro também foi um monstro.

O Inter não jogou bem, mas talvez tenha feito o máximo possível contra um adversário duríssimo e algo agressivo. Agora, lá em 15 de julho, enfrentaremos o Tigres de Monterrey. A segunda partida será no México, em razão da alta pontuação do Tigres na fase classificatória. Monterrey tem pouco mais de um milhão de habitantes e está a apenas 530 m de altitude. Então, não haverá preocupações com a altitude, mas… Fica longe, quase na fronteira com os EUA, no norte do México, próximo ao Texas e ao Caribe de Cuba e Cancún. Não será fácil e Luís Felipe dos Santos já começou uma pressão particular sobre Rafael Sóbis, o centro-avante do time da capital do estado de Nuevo León.

Caro Rafael Sobis,
Já que você vai enfrentar o Inter na semifinal, espero que lembre sua grande passagem com a camisa colorada.
Especialmente aqueles 580 gols que você perdeu contra o Mazembe.
Um abraço,
LF

Isso mesmo, Sóbis. Pense no Mazembe durante o jogo contra o seu Inter.

https://youtu.be/wzVUHXd51oI

Opus Dei, a prelazia pessoal do espanhol Josemaría Escrivá

O Centro Cultural Porto Belo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Publicado no Sul21 em 2 de outubro de 2011

O Centro Cultural Porto Belo, localizado na Av. Lucas de Oliveira, 919, bairro Bela Vista, em Porto Alegre, é uma casa aprazível, corriqueira naquela região nobre da cidade. O nome Porto Belo remete a uma praia catarinense. O logotipo é um barquinho navegando no mar sobre ondas. Com maior imaginação, o desenho também pode parecer a parte de cima de um biquini de uma mulher que se banha no mar. Não obstante a casa, tudo leva a pensar em praia. É como se não estivéssemos em Porto Alegre.

A logomarca da Porto Belo: um barquinho sobre o mar | Fonte: site do Centro Cultural

Neste domingo (2), haverá uma comemoração na sede do Centro Cultural, pois a organização mater da entidade está completando 83 anos de vida. A agenda determina uma apresentação sobre a Prelazia Pessoal da Igreja Católica que parece ser a razão da existência da Porto Belo, o Opus Dei (“Obra de Deus”, também conhecido como “A Obra”). No evento, também se falará na marca da santidade deixada no mundo pela existência de seu Fundador, São Josemaría Escrivá — canonizado em Roma no dia 6 de outubro de 2002 — , assim como pela de outros membros que estão em processo de canonização.

Apesar da simpatia que lhe dedicava Karol Wojtyła — no que é imitado por Joseph Ratzinger — , antigamente o Opus Dei era uma organização menos pública. O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, e a velocíssima canonização de Escrivá trouxeram-na à tona, porém ela não gosta de falar. Em contato com a diretora do Centro Cultural porto-alegrense, fomos gentilmente passados ao jornalista responsável pela assessoria de comunicação do Opus Dei. Mas, após alguns telefonemas, recebemos um e-mail em tom igualmente cordial, mas firme, informando-nos que “Todas as informações necessárias você encontra no site do Opus Dei, principalmente na área ‘O que é o Opus Dei'”.

Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, ou “A Obra”

A organização

A Opus Dei – expressão em latim que significa “Obra de Deus” – foi fundada pelo espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer em 1928. Ela é uma prelazia pessoal. Prelazias pessoais são circunscrições eclesiásticas previstas pelo Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito Canônico. Elas são constituídas com a finalidade de levar a cabo determinadas tarefas pastorais. Os fiéis das prelazias pessoais continuam pertencendo às igrejas locais ou às dioceses onde têm o seu domicílio.

Porém, segundo seus críticos dentro e fora da Igreja, o Opus Dei solicita a seus membros seguirem as ordens do prelado (o líder máximo do Opus, que fica em Roma), em vez de obedecer à autoridade católica local. Simplificando, é como se o grupo fosse um braço independente da Igreja que não deve explicações a mais ninguém, além do Papa.

O Opus Dei diz que “sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasiões de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade. O Opus Dei colabora com as igrejas locais, oferecendo meios de formação cristã (palestras, retiros, atenção sacerdotal), dirigidos a pessoas que desejam renovar sua vida espiritual e seu apostolado”.

Leonardo Boff é um dos grande críticos da Obra no Brasil | Foto: Editora Vozes

O Opus Dei nasceu na Espanha pouco antes do franquismo e floresceu durante o mesmo. Dizendo-se inovadora, condena livros e, segundo 100% dos relatos de quem a abandona, incentiva a autoflagelação, além de desejar às mulheres a santificação no trabalho doméstico. O teólogo Leonardo Boff define o Opus Dei como: “um tipo de fundamentalismo que trata de restaurar a antiga ordem fundamentada no matrimônio entre o poder político e o poder central”. Com efeito, Escrivá foi confessor do generalíssmo Francisco Franco e vários membros da Prelazia ocuparam cargos na ditadura espanhola. Alguns foram até ministros de estado.

A participação política

Obscurantista, misógina e reacionária, os críticos da Opus Dei também a chamam de “máfia santa”. Outros a acusam de ser outra Igreja dentro da Igreja, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a serviço de um conservadorismo atroz. Em parte, essa fama se deve às relações históricas que cultivou e trata de cultivar com governos, principalmente àquela citada, mantida com o regime fascista do ditador espanhol Francisco Franco, de 1939 a 1975. Ou seja, tudo o que o Opus Dei não desejaria seria o Estado Laico.

Juan Carlos Onganía: Opus Dei no governo da Educação | Foto: Wikipedia

No fim da década de 40, a Prelazia iniciou sua caminhada rumo à América Latina. Foi simples conquistar simpatia em países onde há oligarquias pretensamente hispânicas que buscam diferenciar-se da maioria. Alberto Moncada, outro dissidente, conta em seu livro La evolución del Opus Dei: “os jesuítas decidiram que seu papel na América Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los”.

Era natural, da mesma forma, que alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e 1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. A organização já controlou a Educação na Argentina durante o período entre 1966-70, época do ditador militar Juan Carlos Onganía.

João Paulo II, o amigo, e Pinochet

Já no Chile, a Opus Dei foi para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo do regime, Jaime Guzmán, era membro numerário da organização, assim como centenas de quadros civis e militares. Também os 3 principais membros da junta militar que tomou o poder no Chile, o general Augusto Pinochet, o general Jaime Estrada Leigh e o almirante José Merino, eram membros supranumerários ou cooperadores da Opus Dei. Algumas semanas após o golpe, Escrivá de Balaguer deslocou-se a Santiago do Chile para celebrar uma missa de ação de graças em honra de quem chamou de seu “filho espiritual”, Augusto Pinochet. No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.

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O dia em que o mundo não acabou

Publicado em 22 de dezembro de 2012 no Sul21

Imagem do filme Melancolia (2011), de Lars von Trier

Esta matéria foi escrita na tarde de 21 de dezembro e programada para ser publicada na madrugada do dia 22. Evidentemente, quando foi escrita, o mundo ainda existia e, se você a está lendo neste momento, temos outra evidência de que o mundo, mais uma vez, não acabou e que você pode preparar-se com tranquilidade para as festividades natalinas. Este é o motivo de nosso título altamente confiante.

A sigla Nasa significa National Aeronautics and Space Administration. Ignoramos como os EUA obtêm administrar o espaço sideral, mas estivemos de olho em seus informes. Estes garantiam que nada estava sendo ocultado e que nenhum fenômeno celeste rondava nosso planeta. O tal Niburi, planeta quatro vezes maior que a Terra e que estaria em rota de colisão conosco — em exata analogia com o filme Melancolia, de Lars von Trier — , nem passou perto. Se o Niburi viesse de encontro à Terra, seria uma catástrofe muito maior do que aquela que teve como resultado a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Na época, um asteroide de 10 a 15 km de diâmetro caiu sobre a atual península de Yucatán, no México. Don Yeomans, cientista do Laboratório de Propulsão de Jatos da Nasa, acrescenta que, se o Nibiru estivesse chegando, ele seria visível, muito visível, mesmo a olho nu, como o foi no filme de von Trier.

O Sol se extinguirá, mas só daqui a 5 bilhões de anos

Nada visível foi outra ameaça prevista e que também foi afastada pela Nasa: a de uma grande tempestade solar. Segundo a Nasa, a previsão do tempo no Sol é a seguinte para os próximos meses: as tempestades solares se acentuarão e seu máximo deverá ser no mês de maio. Mas, garante Yeomans, trata-se de ciclos normais. A cada 11 anos, o sol passa por uma fase chamada de “máxima solar”. Durante esta fase ou qualquer outra, a Terra é muito pouco afetada. Diz a Nasa que um “apagão solar” está previsto apenas para daqui a 5 bilhões de anos, quando Sol se tornará um gigante vermelho. Antes disso, o calor galopante provocará a evaporação dos oceanos e o desaparecimento de nossa atmosfera. Depois, o astro-rei se resfriará até a extinção. Então, em nota tranquilizadora emitida dias antes do suposto fim do mundo, a Nasa negou também o fim do Sol, ao menos nos próximos dias.

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Porto Alegre (ou eu) enlouquece de vez: Quico (ou Kiko) é a cara da cidade

Penso que se o célebre Simão Bacamarte — médico da novelinha O Alienista, de Machado de Assis — morasse em Porto Alegre e tivesse total poder sobre seus cidadãos, o prefeito José Fortunati já estaria preso a uma cama do Hospital São Pedro. A ascensão do comediante Carlos Villagrán ao posto de Embaixador de Porto Alegre para a Copa do Mundo de 2014 é uma das maiores sandices que já ouvi. E sinceramente, quando ouço algumas pessoas defenderem nosso combalido prefeito, logo penso se não seria o caso de propor a Bacamarte minha internação. Putz, como sou burro, na época em que via Chaves com meus filhos, jamais me dei conta de que o cara era a cara de nossa cidade!

Não, nada do Seu Barriga nem do Seu Madruga, nada de Chaves. O escolhido foi o esnobe do seriado, conforme comentou informalmente comigo o vereador Marcelo Sgarbossa. Mas… Por que um personagem de Chaves? O México jogará em Porto Alegre? Será que não vão pensar que Villagrán é gaúcho ou que Porto Alegre é no México? Ou a livre-associação tornou-se a regra? Confesso que tenho dificuldades em propor algo mais louco. Quando pensei numa outra alternativa maluca, a primeira ideia que me surgiu foi Larissa Riquelme, mas esta tem tudo a ver com Copa do Mundo. Então, que tal Mr. Bean, Ricardo Darín, ou o casal Angelina Jolie e Brad Pitt?

Agora, soube que a ideia de ungir o comediante não foi exatamente consensual e que o secretário da Copa, João Bosco Vaz, nem sabia que haveria um Quico em sua vida. Foi uma escolha pessoal do prefeito. O motivo teria sido a paixão de Villagrán pelo futebol, algo bastante raro em porto-alegrenses. Qual o problema do tesouro, vamos tesouro, não se misture com esta gentalha, divulgar Porto Alegre? Na verdade, nenhum. Só que embaixadores normalmente são figuras ou personagens ligados à cidade.

Na boa, deixo escolher, mas acho que eu ou o prefeito, um de nós tem de ser internado. Calem-se, calem-se, vocês me deixam louco!

Ah, e sobre as obras no Beira-Rio, tenho uma opinião: acho que a questão do Inter jogar fora de Porto Alegre, em razão das obras no Beira-Rio, pode ser resolvida facilmente. O Inter entra em contato com a OAS e aluga o Olímpico até que as obras em seu estádio estejam finalizadas. De posse do Olímpico, o Inter pinta tudo de vermelho e joga lá. Loucura? De modo algum. Como eu dizia, o mundo é muito simples, doutor Simão.