Vai ter Copa

Vai ter Copa

Mas será tumultuada, claro.

A Suécia rejeitou sediar os Jogos Olímpicos de Inverno em 2022 para dar prioridade à construção de moradias. A candidatura de Estocolmo foi enterrada em bloco pelos partidos políticos suecos, com apoio do próprio prefeito da capital e também do primeiro-ministro do país. Os argumentos que orientaram a decisão: a cidade tem prioridades mais importantes, a conta para realizar o evento na cidade seria alta demais, e um eventual prejuízo com a organização dos Jogos teria que ser coberta com o dinheiro dos contribuintes.

Sem dúvida, os escandinavos tomaram a melhor decisão e o Brasil poderia ter agido assim antes de propor-se a ser sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Afinal, o mau uso do dinheiro público está bem claro em algumas construções que receberão dois ou três jogos do Mundial. Só que o caso sueco foi bem diferente do brasileiro — onde nós estávamos quando tudo isso ocorreu, estávamos comemorando? — e, sinceramente, hoje sou contra o movimento “Não vai ter Copa”. Acho que deveríamos lutar por uma improvável auditoria na CBF, em todas as federações estaduais e nas absurdas construções de estádios por todo o lado. Nós sabemos para servem algumas grandes obras no Brasil e o destino dado a cada real devia ser explicado e conferido. Mas agora que a mesa está posta e os convidados batendo na nossa porta, creio ser tolo e impopular o movimento. Não que acredite que o “Não vai ter Copa” passará ao largo da mesma como se os manifestantes fossem mímicos bobos, apenas acho que ele será um gol contra.

Eu tinha 13 anos em 1970. Minha compreensão das coisas era — e ainda é — bem limitada. Mas intuía que devia confiar em quem estava contra a ditadura, era de esquerda e ateu. E torci contra o Brasil. Afinal, a conquista de uma Copa era alienante e a ditadura militar usaria a glória conquistada no futebol para seguir censurando, torturando e matando. E ganhamos a Copa. O mesmo aconteceu na Argentina 8 anos depois. E, bem, foi uma época terrível: o Brasil apresentou um futebol sublime e Médici colheu grande popularidade. Depois, o ditador queria grudar nos jogadores enquanto, nos porões, seus milicos torturavam e matavam. Não adiantava nada, mas era justificado torcer contra. Agora, os tempos são muito diferentes e o que o movimento “Não vai ter Copa” não se deu conta é que não é produtivo combater algo tão popular quanto o futebol. Em junho, todos seremos açambarcados por uma única preocupação e a imensa maioria da população vai dar razão à repressão ao “Não vai ter Copa”.

Não vejo a lógica de tentar impedir o Mundial. A lógica é ser crítico e mostrar que os dribles de Neymar não têm nada a ver com os políticos. Para o bem e para o mal. É ingenuidade pensar que a Copa não tirou recursos da saúde, da segurança e da educação. Porém, quando entidades como a Fundação Getúlio Vargas prometem que haverá a injeção de R$ 142 bilhões na economia e a criação de 3,6 milhões de empregos em função da Copa, deveríamos lutar para que estes recursos e empregos apareçam. Quem vendeu a ideia de que o Mundial é bom para o país que viabilize o nirvana. Ademais, vou dar um golpe baixo: eu e Eduardo Galeano adoramos futebol!

Voltando a falar sério. O que não deveria estar esquecido é a vergonha de termos um anacrônico produto da ditadura militar como presidente da CBF. Sua presença nos eventos será um completo escândalo. Todos estão esquecidos de que Marín esteve envolvido no assassinato de Vladimir Herzog? E por que Dilma ou nosso atuante Congresso não apoiaram uma CPI para investigar a CBF e os negócios da Copa do Mundo de 2014? Lembram que os senadores não tiveram colhões para apoiá-la? Lembram que o senador Zezé Perrela chutou a Comissão Parlamentar pra escanteio antes do helicóptero da família ser flagrado com 400 Kg de cocaína? Será o STF deveria ter entrado novamente em campo, dando mais um passo para a judicialização do estado? Ou também os ministros gostam demais de futebol…?

Não subestimo e amo as ruas, mas vai ter Copa sim. Imaginem que só o sorteio dos grupos da Copa foi visto por 500 milhões de pessoas. E eu e o mundo o veremos. Não há como não acontecer. O “Não vai ter Copa” terá visibilidade, mas joga uma partida perdida, a não ser que esta seja a de só fazer barulho e ser impopular.

O novo Beira-Rio: bonitinho | Foto: SC Internacional
O novo Beira-Rio: de fora, parece um belo bergamotão | Foto: SC Internacional

Opus Dei, a prelazia pessoal do espanhol Josemaría Escrivá

O Centro Cultural Porto Belo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Publicado no Sul21 em 2 de outubro de 2011

O Centro Cultural Porto Belo, localizado na Av. Lucas de Oliveira, 919, bairro Bela Vista, em Porto Alegre, é uma casa aprazível, corriqueira naquela região nobre da cidade. O nome Porto Belo remete a uma praia catarinense. O logotipo é um barquinho navegando no mar sobre ondas. Com maior imaginação, o desenho também pode parecer a parte de cima de um biquini de uma mulher que se banha no mar. Não obstante a casa, tudo leva a pensar em praia. É como se não estivéssemos em Porto Alegre.

A logomarca da Porto Belo: um barquinho sobre o mar | Fonte: site do Centro Cultural

Neste domingo (2), haverá uma comemoração na sede do Centro Cultural, pois a organização mater da entidade está completando 83 anos de vida. A agenda determina uma apresentação sobre a Prelazia Pessoal da Igreja Católica que parece ser a razão da existência da Porto Belo, o Opus Dei (“Obra de Deus”, também conhecido como “A Obra”). No evento, também se falará na marca da santidade deixada no mundo pela existência de seu Fundador, São Josemaría Escrivá — canonizado em Roma no dia 6 de outubro de 2002 — , assim como pela de outros membros que estão em processo de canonização.

Apesar da simpatia que lhe dedicava Karol Wojtyła — no que é imitado por Joseph Ratzinger — , antigamente o Opus Dei era uma organização menos pública. O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, e a velocíssima canonização de Escrivá trouxeram-na à tona, porém ela não gosta de falar. Em contato com a diretora do Centro Cultural porto-alegrense, fomos gentilmente passados ao jornalista responsável pela assessoria de comunicação do Opus Dei. Mas, após alguns telefonemas, recebemos um e-mail em tom igualmente cordial, mas firme, informando-nos que “Todas as informações necessárias você encontra no site do Opus Dei, principalmente na área ‘O que é o Opus Dei'”.

Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, ou “A Obra”

A organização

A Opus Dei – expressão em latim que significa “Obra de Deus” – foi fundada pelo espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer em 1928. Ela é uma prelazia pessoal. Prelazias pessoais são circunscrições eclesiásticas previstas pelo Concílio Vaticano II e pelo Código de Direito Canônico. Elas são constituídas com a finalidade de levar a cabo determinadas tarefas pastorais. Os fiéis das prelazias pessoais continuam pertencendo às igrejas locais ou às dioceses onde têm o seu domicílio.

Porém, segundo seus críticos dentro e fora da Igreja, o Opus Dei solicita a seus membros seguirem as ordens do prelado (o líder máximo do Opus, que fica em Roma), em vez de obedecer à autoridade católica local. Simplificando, é como se o grupo fosse um braço independente da Igreja que não deve explicações a mais ninguém, além do Papa.

O Opus Dei diz que “sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasiões de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade. O Opus Dei colabora com as igrejas locais, oferecendo meios de formação cristã (palestras, retiros, atenção sacerdotal), dirigidos a pessoas que desejam renovar sua vida espiritual e seu apostolado”.

Leonardo Boff é um dos grande críticos da Obra no Brasil | Foto: Editora Vozes

O Opus Dei nasceu na Espanha pouco antes do franquismo e floresceu durante o mesmo. Dizendo-se inovadora, condena livros e, segundo 100% dos relatos de quem a abandona, incentiva a autoflagelação, além de desejar às mulheres a santificação no trabalho doméstico. O teólogo Leonardo Boff define o Opus Dei como: “um tipo de fundamentalismo que trata de restaurar a antiga ordem fundamentada no matrimônio entre o poder político e o poder central”. Com efeito, Escrivá foi confessor do generalíssmo Francisco Franco e vários membros da Prelazia ocuparam cargos na ditadura espanhola. Alguns foram até ministros de estado.

A participação política

Obscurantista, misógina e reacionária, os críticos da Opus Dei também a chamam de “máfia santa”. Outros a acusam de ser outra Igreja dentro da Igreja, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a serviço de um conservadorismo atroz. Em parte, essa fama se deve às relações históricas que cultivou e trata de cultivar com governos, principalmente àquela citada, mantida com o regime fascista do ditador espanhol Francisco Franco, de 1939 a 1975. Ou seja, tudo o que o Opus Dei não desejaria seria o Estado Laico.

Juan Carlos Onganía: Opus Dei no governo da Educação | Foto: Wikipedia

No fim da década de 40, a Prelazia iniciou sua caminhada rumo à América Latina. Foi simples conquistar simpatia em países onde há oligarquias pretensamente hispânicas que buscam diferenciar-se da maioria. Alberto Moncada, outro dissidente, conta em seu livro La evolución del Opus Dei: “os jesuítas decidiram que seu papel na América Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los”.

Era natural, da mesma forma, que alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e 1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. A organização já controlou a Educação na Argentina durante o período entre 1966-70, época do ditador militar Juan Carlos Onganía.

João Paulo II, o amigo, e Pinochet

Já no Chile, a Opus Dei foi para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo do regime, Jaime Guzmán, era membro numerário da organização, assim como centenas de quadros civis e militares. Também os 3 principais membros da junta militar que tomou o poder no Chile, o general Augusto Pinochet, o general Jaime Estrada Leigh e o almirante José Merino, eram membros supranumerários ou cooperadores da Opus Dei. Algumas semanas após o golpe, Escrivá de Balaguer deslocou-se a Santiago do Chile para celebrar uma missa de ação de graças em honra de quem chamou de seu “filho espiritual”, Augusto Pinochet. No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.

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