As apostas — literalmente — para o Nobel de Literatura de 2021

As apostas — literalmente — para o Nobel de Literatura de 2021

Atenção, apostadores! O Prêmio Nobel de Literatura de 2021 será anunciado nesta quinta-feira, 7 de outubro, e as casas de apostas estão abertas.

Para quem desejar fazer sua fezinha e quiser ter uma noção do que os outros estão fazendo, consultei a Ladbrokes londrina. No ano passado, a vencedora Louise Glück teve apenas 25/1 de probabilidade, e os vencedores de 2018/2019, que foram anunciados em conjunto em 2019, estavam apenas um pouco mais perto do topo: Olga Tokarczuk tinha 10/1 e Peter Handke 20/1. Neste momento, a coisa está assim:

Annie Ernaux – 8/1
Ngũgĩ wa Thiong’o – 8/1
Haruki Murakami – 10/1
Margaret Atwood – 10/1
Anne Carson – 12/1
Jamaica Kincaid – 12/1
Lyudmila Ulitskaya – 12/1
Maryse Condé – 12/1
Peter Nadas – 12/1
Jon Fosse – 14/1
Don DeLillo – 16/1
Dubravka Ugrešić – 16/1
Hélène Cixous – 16/1
Javier Marías – 16/1
Mircea Cărtărescu – 16/1
Nuruddin Farah – 16/1
Can Xue – 20/1
Mia Couto – 20/1
Michel Houellebecq – 20/1
Yan Lianke – 20/1
Charles Simic – 25/1
Edna O’Brien – 25/1
Gerald Murnane – 25/1
Homero Aridjis – 25/1
Ivan Vladislavić – 25/1
Karl Ove Knausgaard – 25/1
Scholastique Mukasonga – 25/1
Xi Xi – 25/1
Botho Strauss – 33/1
Cormac McCarthy – 33/1
Hilary Mantel – 33/1
Ko Un – 33/1
Linton Kwesi Johnson – 33/1
Marilynne Robinson – 33/1
Yu Hua – 33/1
Zoë Wicomb – 33/1
Martin Amis – 50/1
Milan Kundera – 50/1
Salman Rushdie – 50/1
Stephen King – 50/1
William T. Vollmann – 50/1

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Um pouco sobre a Missa Glagolítica, de Leoš Janáček

Um pouco sobre a Missa Glagolítica, de Leoš Janáček

Uma obra religiosa escrita por um ateu, uma obra inspirada pelo amor não consumado a uma mulher casada e uma obra para homenagear a cultura eslava. Este é o resumo do que é a extraordinária Missa Glagolítica do tcheco Leoš Janáček. Mas não vamos ficar apenas no resumo. Vamos adiante.

Alexandre Pushkin foi o escritor que, para além de seus grandes méritos literários, recebeu o crédito de ter ampliado significativamente o vocabulário do idioma, normatizando várias expressões populares e codificando o russo literário. Sabemos da importância que o idioma tem para a identidade e cultura de um povo, da parte fundamental que ele ocupa em sua autoafirmação e independência.

A Morávia do compositor Leoš Janáček foi, por quase toda sua vida, dominada por estrangeiros. Até a Primeira Guerra Mundial, em 1918, por exemplo, existia o Império Austro-Húngaro, que ia do centro da Europa até a fronteira com a Ucrânia. Então, finalmente, o povo tcheco pôde celebrar sua independência… Mas esta valeu apenas até 1938, quando os nazistas resolveram anexar o país. Depois veio a URSS.

Ou seja, a região da República Tcheca foi, até a queda do Muro de Berlim, em 1989, uma região constantemente esmagada pelas potências ocidentais de um lado e pela Rússia de outro.

Em 1926, Janáček, resolveu comemorar a efêmera independência de seu país escrevendo uma Missa. Mas não com uma Missa comum: optou, como ato de afirmação étnica, por uma missa cantada na antiga língua litúrgica eslava, o eslavônico. Por isso o nome da obra – “Missa Glagolítica”, ou seja, missa numa língua escrita no alfabeto glagolítico, antecessor do cirílico.

A Missa Glagolítica (Mša glagolskaja) foi apresentada pela primeira vez em 26 de junho de 1926 em Praga.

A opção do ateu Janáček por escrever uma missa de tintas étnicas é muito simbólica. Janáček apoiava o pan-eslavismo e a obra era um modo de celebrar a identidade e a cultura eslava. Não é uma mera Missa nacionalista tcheca, ela celebra todo o patrimônio pan-eslavo, usando a língua litúrgica que foi utilizada em diversos países eslavos.

Esta gravação deverá aparecer no PQP Bach nos próximos dias.

Fora as cinco seções tradicionais da missa -– aqui com títulos em eslavônico: o “Credo” virou “Veruju”, o “Gloria” virou “Slava” e assim por diante — Janáček adicionou uma introdução orquestral e, perto do final, um sensacional solo de órgão seguido de um poslúdio sinfônico curiosamente chamado de “Intrada”, sei lá para onde, mas dá para imaginar.

A linguagem musical de Janáček não costuma ser delicada, mas é de originalidade, beleza e modernidade impressionantes. Os ritmos da Glagolítica refletem tanto a aspereza da língua antiga quanto a bagagem folclórica. A orquestração e o uso da voz humana são absolutamente pessoais e convincentes. E o drama da expressão – como na passagem da crucificação de Cristo, na qual o órgão assume papel fundamental – demonstra a vocação de Janáček para o teatro.

A música começa e termina com fanfarras. Há ainda muitos trechos de grande originalidade rítmica — principalmente para ouvidos treinados para formas diferentes –, além de memoráveis passagens para solistas e coro, e o famoso solo de órgão do qual falaremos mais a seguir.

Milan Kundera escreveu: “A Missa Glagolítica é uma orgia, não uma missa”. Vamos a mais um pouco de história: o pai de Kundera — um pianista e musicólogo que faleceu em 1971 — trabalhou com Janáček e ajudou o compositor nos ensaios para a estreia. Ela é uma das várias obras, justamente as melhores de Janáček, que é marcada por dois fatos que o motivaram muito no final da vida: a independência de seu país obtida em 1918 e, bem, seu enorme amor por Kamila Stösslová, uma mulher casada e 40 mais jovem que jamais compartilhou deste sentimento amoroso, mas que jamais afastou-se dele. Sim, os dois mantiveram por anos uma profunda amizade. Janáček parecia não se incomodar muito e mantinha suas juras de amor mesmo sem a contrapartida física.

Então, a musa Kamila Stösslová ocupa um lugar incomum na história da música. Leoš Janáček, ao conhecê-la em 1917 na Morávia, apaixonou-se profundamente, apesar de ambos serem casados ​​e do fato de que ele sera quase quarenta anos mais velho. Ela influenciou profundamente o compositor em sua última década de vida. Kamila estava morando em Luhačovice (Morávia) com seu marido, David Stössel, e seus dois filhos, Rudolf e Otto. David estava no exército e até ajudou Janáček na obtenção de alimentos no tempo de guerra. Provavelmente o serviço militar de Stössel só deixava que ele passasse poucos dias em Luhačovice, dando a Janácek a chance de caminhar e conversar com Kamila durante o resto do tempo. Ele a conheceu em 3 de julho de 1917. Cinco dias depois, já escrevia apaixonadamente sobre ela em seu diário. Uma correspondência cerrada entre a dupla começou em 24 de julho.

Kamila devia ser muito inspiradora, apesar de impedir que o sexo se concretizasse. Foi para ela que Janáček criou várias mulheres de suas óperas, a Katya de Katya Kabanová, a raposa de A Pequena Raposa Astuta e Emilia Marty de O Caso Makropulos. Outros trabalhos que foram inspirados por sua paixão foram O Diário de Um Desaparecido, a Missa Glagolítica, a Sinfonietta e o Quarteto de Cordas No. 2 (Cartas Íntimas), ou seja, suas obras mais importantes. Na dedicatória das Cartas Íntimas, Janáček escreveu: “A música descreverá o medo que sinto de você”.

Como já disse, o ateu Janáček era um entusiasta do “pan-eslavismo”, movimento que valorizava mais as línguas eslavas do que o latim e as germânicas. Kundera tem razão em chamar a Glagolítica de orgia, pois há tanta música feliz, dançante e efusiva, que nem parece que estamos celebrando uma Missa, não obstante a participação do órgão. Ah, o ateísmo é libertador! Tudo na Glagolítica é moderno e original. O soprano solista parece uma guerreira, o baixo parece ter saído direto de um culto da Igreja Ortodoxa. Talvez seja a mais bela Missa do século XX, talvez melhor que a de Bernstein, que também é um espanto.

Voltando ao pai de Kundera, Ludvík: ele escreveu, numa crônica de 1927, que a Glagolítica fora “escrita por um velho homem religioso”. Janáček não parece ter gostado muito: “Não sou nem velho nem religioso”. Toma, Ludovico!

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O alfabeto glagolítico (glagólitsa nas línguas eslavas) é o mais antigo dos alfabetos eslavos que se conhece. Foi criado por São Cirilo e São Metódio por volta de 862-863 para traduzir a Bíblia e outros textos para as línguas eslavas. O nome vem da palavra glagola, que em búlgaro antigo significa palavra. Já glagolati significa falar e pode-se dizer, um tanto poeticamente, que glagolítico são “símbolos que falam”.

O alfabeto glagolítico original constava de 41 letras, embora a quantidade tenha variado levemente com os séculos. Das 41 letras glagolíticas originais, 24 são derivadas, provavelmente, de grafemas do grego medieval, os quais receberam um desenho mais ornamental.

Os caracteres restantes são de origem desconhecida. Acredita-se que alguns podem ter vindo de caracteres hebraicos e samaritanos, que Cirilo teria aprendido em suas viagens.

O nome “Glagolítico” é em checo hlaholice, em eslovaco hlaholika, em polaco głagolica, em russo, macedónio e búlgaro глаго́лица (transliterado glagólitsa), em croata glagoljica, em ucraniano глаголиця (transliterado hlaholytsia), em bielorrusso глаголіца (transliterado hlaholitsa), em esloveno glagolica, etc.

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Agora, um caso com o órgão presente nesta Missa. Ao folhear o livro Tudo tem a ver, de Arthur Nestrovski, dei de cara com um artigo que descreve o pânico de um organista que fugiu por medo de tocar o famoso movimento solo da Glagolítica. Isso dois ou três dias antes do concerto da Osesp. Nestrovski narra seu desespero e a brilhante solução, obtida quase que por sorte. Ah, querem spoilers? Nada disso, comprem o livro — que é bom demais, com ensaios sobre literatura, música popular e erudita.

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Sibelius: os 150 anos de um compositor que está na base da identidade de seu país

Sibelius: os 150 anos de um compositor que está na base da identidade de seu país
Sibelius em 1939, já na época de seu longo e definitivo silêncio

Os finlandeses dizem que seu país é uma mistura de sauna, sisu e Sibelius. Todos sabem o que é sauna, mas você sabe o que é sisu? A palavra está naquele grupo de difícil tradução para outros idiomas. Trata-se de uma mistura de confiança e autonomia, algo que faz com que a pessoa se veja como capaz de realizar qualquer coisa. O povo finlandês teria o tal sisu e isto faz parte do orgulho nacional. E Sibelius? Bem, Sibelius é um compositor de música erudita que é outra das bases da identidade do país. Ele teve um impacto muito maior na mentalidade finlandesa do que o meramente musical.

Por exemplo, o poema sinfônico Finlândia. A peça era um protesto contra a crescente censura do Império Russo que controlava o país no final do século XIX. Como a execução pública da peça orquestral fora proibida pelos russos, tornou-se comum trocar seu nome nos anúncios de concertos. O fato adquiriu ares de piada. A peça foi mascarada foram numerosos títulos falsos. Se anunciassem a obra Sentimentos Felizes ao Amanhecer da Primavera Finlandesa, já se sabia o que viria. Finlândia evoca a luta nacional do povo finlandês. À medida que vai chegando ao final, a música torna-se tranquila e a melodia serena do hino da Finlândia é ouvida.

Outro exemplo é a Sinfonia Nº 2. Escrita na Itália logo após a composição de Finlândia, foi um acontecimento nacional. Numa época de invasão e opressão russas, ela foi ouvida novamente como representação sonora do nacionalismo finlandês. Quando de sua estreia, foi tocada quatro vezes em oito dias, até ser proibida. Mas não se precisa saber de tudo isso para gostar dela, a música sobrevive tranquilamente sem o contexto de sua origem. Do ponto de vista atual, a música de Sibelius não transparece revolta ou orgulho nacionalista, mas de forma muito particular, deixa claro quão vasto e frio é o país.

Johan Julius Christian Sibelius, conhecido como Jean Sibelius (1865-1957) foi um dos mais populares compositores do fim do século XIX e início do XX. Ele nasceu na cidade de Hämeenlinna, então pertencente ao Império Russo, em 8 de dezembro de 1865, há 150 anos. O compositor preferia utilizar a forma francesa de seu nome, Jean.

Ele terminou o ensino médio em 1885 e começou a estudar Direito na Universidade de Helsinque, porém a música sempre foi a responsável por suas melhores notas na escola e ele logo desistiu do Direito. De 1886 a 1889, Sibelius estudou música na escola de música de Helsinque (hoje a Academia Sibelius), depois estudou em Berlim de 1889 a 1890, e em Viena de 1890 a 1891.

Sibelius fez parte de um grupo de compositores que aceitou as normas de composição do século XIX e foi muitas vezes criticado como uma figura reacionária da música clássica do século XX. Apesar das inovações da Segunda Escola de Viena, ele continuou a escrever num idioma estritamente tonal. Entretanto, sua música é profundamente criativa e nova.

Sibelius é muito diferente de seus rivais na virada do século XIX para o XX. Gustav Mahler e Richard Strauss, eram adeptos de misturar temas muito diferentes, buscando contrastes quase bipolares, enquanto Sibelius transformava lentamente seus temas. Os temas apresentados são poucos, mas estes crescem organicamente, de forma lógica e sem grandes contrastes. Este gênero de música é geralmente entendido como uma representação do país. É curioso como um compositor que admirava a severidade de estilo e a profunda lógica que ligava intimamente os temas fosse tão popular.

Sua Sinfonia Nº 7, por exemplo, é composta de quatro movimentos sem pausas, onde as variações vem do tempo e do ritmo. Sua linguagem não é nada reacionária, apesar de tonal. Sibelius dizia que, enquanto a maioria dos outros compositores estavam preocupados em oferecer coquetéis à audiência, ele oferecia água pura e gelada.

Em O resto é ruído, Alex Ross explica-nos uma parte do drama de Sibelius. Citando um texto de Milan Kundera que fala das características das pequenas nações da Europa, ele se refere ao sentimento de isolamento que os heróis nacionais dessas pequenas nações podem sentir. Todos sabem tudo sobre eles, não havendo espaço para o erro. Isto pode ser uma pressão insuportável. A vida de Sibelius era um pouco pior. Sem espaço para erros na Finlândia, considerado um gênio nos EUA, o finlandês ressentia-se da recepção altamente negativa de seus trabalhos no resto da Europa. Alguns chamavam Sibelius de “o pior compositor de todos os tempos”, apesar de Richard Strauss ter admitido que sua produção era inferior a do finlandês.

Há dois tipos de composição onde Sibelius focou o seu talento: o poema sinfônico e a sinfonia. Mas há duas peças célebres fora do foco principal. Obviamente, estamos falando da belíssima Valsa Triste

… e do espetacular Concerto para violino e orquestra, obra excepcionalmente melódica e virtuosística.

No que diz respeito ao poema sinfônico, foi neste tipo de composição em que uma boa parte da identidade finlandesa se fixou. Não só porque Sibelius soube capturar musicalmente o espírito finlandês — indo buscar elementos no folclore, técnica na qual precedeu Bartók, Kodály e Stravinsky –, como também soube encontrar a poética adequada que o fixou definitivamente como o representante nacional. Há várias destas composições, Tapiola parece ser a melhor….

e Karelia, a mais divertida.

No que diz respeito às sinfonias, Sibelius procurava em cada uma delas basear-se na anterior, melhorando-a. É conhecido o fato de Sibelius ter destruído a sua 8ª Sinfonia — aquela que deveria resumir e dar um passo adiante em relação à sétima — depois de anos de tentativas e de ter por várias vezes prometido mostrá-la a seus fãs americanos. Mas a oitava nunca apareceu.

Como dissemos, as avaliações de Sibelius eram controvertidas. De um lado, o mundo anglófono — a Inglaterra e os Estados Unidos — consideravam suas sinfonias como monumentos de nossa época. Por outro lado, a Europa continental, principalmente os alemães, acusavam-no de ser um passadista medíocre, que não teve a coragem de fazer avançar a linguagem musical de seu tempo, permanecendo numa zona de conforto que lhe proporcionou popularidade.

Assim, para Olin Downes, o influente crítico do jornal The New York Times, e a opinião pública anglófona, Sibelius tinha lugar garantido entre os grandes sinfonistas do século ao lado do russo Dmitri Shostakovich. De outro lado, o mais influente crítico musical da vanguarda, Theodor Adorno, simplesmente considerava Sibelius o pior compositor do mundo.

Sibelius aos 30 anos

Hoje, a 150 anos de distância de seu nascimento e a 58 de sua morte, já possuímos distância histórica suficiente para avaliá-lo tão somente pela qualidade de sua música, ignorando os critérios estético-ideológicos. E o que se vê é, sim, um dos mais importantes sinfonistas do século 20. Suas sete obras neste gênero possuem uma lógica interna implacável.

Mahler foi um dos “culpados” ao escrever que considerava o finlandês um compositor provinciano.

Símbolo nacional e figura artística mundial, Sibelius parou subitamente de compor em 1927. Ele passou os trinta anos seguintes no mais completo silêncio criativo, recolhido a sua casa encravada numa floresta finlandesa e à qual de Ainola em homenagem a sua mulher.

Sibelius viveu 92 anos. O alcoolismo certamente contribuiu para o bloqueio criativo de 30 anos. Sua última aparição pública como maestro foi desastrosa — ele estava completamente bêbado. Mas, como imagina o escritor inglês Julian Barnes no conto O Silêncio (editado em 2006 no Brasil pela Rocco no livro Um toque de limão), o compositor, sentado diante de uma garrafa de vodca, deve ter proclamado a vitória. “Hoje, sou tão famoso por meu longo silêncio quanto o fui por minha música”.

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Fontes:
Jean Sibelius: os sons nórdicos de um dos maiores compositores do século passado
Jean Sibelius
Jean Sibelius (1865-1957)

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Top 10: Os melhores livros do ano de 2014

Top 10: Os melhores livros do ano de 2014
Montagem: Sul21
Montagem: Sul21

Publicado no Sul21 em 26 de dezembro de 2014

Como toda lista, esta é irresponsável ao escolher os melhores livros de um ano que não acabou ainda. E mesmo se tivesse acabado… Sem nenhum distanciamento histórico, vamos novamente correr o risco, deixando por escrito nossa opinião a respeito daquilo que lemos em 2014, ignorando, obviamente, aquilo que não passou sob nossos olhos. Porém, este ano, nossa lista foi criada sem grandes problemas, diferentemente de 2013.

No ano passado, deparamo-nos com um impasse. Cada votante fez sua escolha de forma distinta, não havia quase livros com mais de um voto. O mesmo fato não ocorreu este ano. A equipe do Sul21, mais os jornalistas convidados Luiz Gonzaga Lopes (Correio do Povo), Carlos André Moreira (Zero Hora) e o historiador Éder Silveira deixaram cinco livros com quatro votos e outros cinco com três, resolvendo o problema da escolha.

Assim, aconteceu um empate quíntuplo no primeiro lugar, pois O Capital no Século XXIDia de matar porcoO homem que amava os cachorros, Terra avulsa e Vida e destino, receberam quatro votos e outros cinco livros três. 

Segue a lista, por ordem alfabética:

~ 1 ~
O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty

Nenhum livro de economia publicado nos últimos anos foi capaz de provocar o furor internacional causado por O Capital no Século XXI (Intrínseca, 672 páginas), do francês Thomas Piketty. Seu estudo sobre a concentração de riqueza e a evolução da desigualdade ganhou manchetes nos principais jornais do mundo, gerou discussões nas redes sociais, vídeos no Youtube e colheu comentários e elogios. Fruto de quinze anos de pesquisas, o livro se apoia em dados que remontam ao século XVIII, provenientes de mais de vinte países, para chegar a conclusões explosivas. O crescimento econômico e a difusão do conhecimento impediram que fosse concretizado o cenário apocalíptico previsto por Karl Marx no século XIX. Porém, os registros históricos demonstram que o capitalismo tende a criar um círculo vicioso de desigualdade, pois, a longo prazo, a taxa de retorno sobre os ativos é maior que o ritmo do crescimento econômico, o que se traduz numa concentração cada vez maior da riqueza. Uma situação de desigualdade extrema que leva ao descontentamento geral e até, por vezes, ameaça os valores democráticos. Mas Piketty lembra que a política já foi capaz de reverter tal quadro no passado e poderá voltar a fazê-lo.

capital

~ 2 ~
Dia de matar porco, de Charles Kiefer

Só o fato de Charles Kiefer ter retomado a narrativa longa após 12 anos já é digno de um olhar mais prescrutador. Outro aspecto importante é ele ter sido um dos únicos autores que lançou realmente seu livro na 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, com sessões de autógrafos no supersticioso e excêntrico dia do aniversário, 5 de novembro. Duas festas numa só, autógrafos e 56 anos completados. Mas tudo isso não seria nada se abríssemos o livro e lá não estivesse a marca de Kiefer. Ela está lá. A aridez e o jogo metafórico com camadas quase imperceptíveis, a serem descortinadas da sua estrutura textual, revelam o autor maduro tratando de uma experiência vivida autobiograficamente, a de quase-morte, mas muito bem ficcionalizada por este professor doutor em Letras de Três de Maio. Em Dia de matar porco (Dublinense, 112 páginas), Kiefer nos oferece um personagem bem erigido, o advogado Ariosto Ducchese, que é natural da mítica Pau D´Arco, pelo menos na obra de Kiefer. Nesta experiência de quase-morte, ele vê a sua mãe morta e resolve voltar à cidade natal para desvendar um enigma do passado. Nesta volta, recorda de alguns fatos, como o ritual de iniciação do carnear o porco, que é um dia de contato com a dor e com a resistência à morte, mas também de festa. Esta volta ao passado desvela segredos e coloca Ariosto no coração dos erros cometidos dentro da família gerada por Dante e Beatriz. Kiefer acertou o tom, coloca camadas e referências que vão da Cabala à Ray Bradbury e Wittgenstein e é capaz de edifícações verbais como estas: “Escrever é como matar um porco. É preciso ferir o coração do real, submetê-lo a nossa vontade, dizer a ele o que ele foi, e depois esquartejá-lo, expor as suas vísceras, valorizar este ou aquele pedaço, transformar a pele e as mantas de gordura em torresmo, e os miúdos em salsichas e salames”. (Luiz Gonzaga Lopes)

diadematarporco

~ 3 ~
Diário de Inverno, de Paul Auster

Ao entrar no inverno de sua vida, o maior escritor norte-americano vivo (que me desculpem os fãs de Philip Roth, Don de Lillo e outros), resolveu novamente se autobiografar. E fez o verão dos seus leitores com o inverno de sua vida, com mais um diário desregrado, coberto de pequenas tragédias e grandes lições familiares e da vida e mais uma vez desgraçadamente verdadeiro, como havia sido A Invenção da Solidão e o grande ensaio de per si Da Mão para a Boca. A frase do escritor francês Joseph Joubert, escrita em 1815, serve de baliza para uma das assertivas austerianas: Há que morrer adorável (se possível). Auster envelheceu junto com Quinn, Mr. Black, Hector Mann e outros personagens memoráveis da sua tessitura. Mas neste Diário de Inverno (Companhia das Letras, 216 páginas), livro que foi lançado em 2012 na Europa e Estados Unidos e no segundo semestre de 2014 no Brasil, Auster consegue novamente se colocar na segunda pessoa do singular e dissecar o seu mundo, a matéria tangível, vivenciada dos seus escritos. A autor metaficcional ou autoficcional indireto explica algumas histórias que surgiram ao acaso e que o impeliram a escrevê-las, como a ligação por engano para o escritório de detetives em sua casa, a gênese de Cidade de Vidro, onde Quinn recebe uma ligação de alguém que quer falar com Paul Auster, da Agência de Detetives Auster. (Luiz Gonzaga Lopes)

diario

~ 4 ~
Dostoiévski-trip, de Vladímir Sorókin

Dostoiévski-trip (Editora 34, 104 páginas) é uma obra à beira da perfeição enquanto escolha narrativa. O vanguardista russo que teve seus textos banidos durante o regime soviético esteve na Flip e mostrou todo o seu medo de que Putin se revele mais perverso e ditador que Stalin. Fora isso, criou uma obra que brinca com a drogadição, comparando a literatura a drogas consolidadas e experimentais. Cinco homens e duas mulheres estão na fissura por mais drogas, que no caso são livros ou autores. Céline, Genet e Sartre são drogas que deixam os usuários tensos. Faulkner e Hemingway são consumidos por halterofilistas ou caras que cultuam o corpo. Mas eles vão se deparar com uma droga experimental e mais pesada: Dostoiévski. Após ingeri-la, eles acabam dentro de uma cena de O Idiota. Tudo anda conforme o script até que a droga começa a fazer efeito e eles tecem longos monólogos carregados de drama, sarcasmo e um niilismo. Um livro que aproxima o Dostoiévski do século 19 com o mundo veloz e junkie, mas que propõe que o autor russo pode ser uma leitura/droga demasiada pesado para este superficial e virtual mundo do século 21. (Luiz Gonzaga Lopes)

dostoievski-trip

~ 5 ~
A festa da insignificância, de Milan Kundera

A festa da insignificância (Companhia das Letras, 136 páginas) foi aclamado pela crítica e despertou enorme interesse dos leitores na França e na Itália, onde logo figurava em todas as listas de best-sellers. Lembrando A Grande Beleza, filme de Paolo Sorrentino acolhido com entusiasmo pelo público brasileiro no mesmo ano, o romance de Milan Kundera coloca em cena quatro amigos parisienses que vivem numa deriva inócua, característica de uma existência contemporânea esvaziada de sentido. Eles passeiam pelos jardins de Luxemburgo, se encontram numa festa sinistra, constatam que as novas gerações já se esqueceram de quem era Stalin, perguntam-se o que está por trás de uma sociedade que, em vez dos seios ou das pernas, coloca o umbigo no centro do erotismo. Na forma de uma fuga com variações sobre um mesmo tema, Kundera transita com naturalidade entre a Paris de hoje em dia e a União Soviética de outrora, propondo um paralelo entre essas duas épocas. Assim, o romance tematiza o pior da civilização e lança luz sobre os problemas mais sérios com muito bom humor e ironia, abraçando a insignificância da existência humana.

festa

~ 6 ~
O Homem que Amava os Cachorros, de Leonardo Padura

Um grande e multipremiado romance baseado em fatos e personagens reais, onde o cubano Padura narra pormenorizadamente o assassinato de Trotsky a mando de Stalin — terceira vez que esta nome aparece nesta retrospectiva — a cargo de Ramón Mercader e do serviço secreto soviético. A pesquisa de Padura levou-o a todos os exílios de Trotsky: de Alma Ata (atual Cazaquistão) para a Turquia, dali para França e depois para a Noruega e o México, onde ele encontrará com seu algoz. O texto alterna capítulos dedicados a Trotsky, a Mercader e ao futuro autor do livro, perdido, sem temas e comida em Cuba. Padura inventa os diálogos, mas mantém rigorosamente os fatos históricos. Para melhorar ainda mais, o livro cresce de forma espetacular a cada página dentro do abandonado gênero do thriller policial. Graham Greene ficaria feliz de ler O Homem que Amava os Cachorros (Boitempo, 592 páginas). Obra indicada a todos que não tenham saudades de Stalin, pois seu autor diz claramente: “Trotski podia ser duro, mas era um político; Stalin era um psicopata”. (Milton Ribeiro)

homem

~ 7 ~
O que amar quer dizer, de Mathieu Lindon

Ambientado na Paris do fim dos anos 1970 e início dos 80, O que amar quer dizer (Cosac Naify, 288 páginas) repassa os anos de convivência do jornalista cultural Mathieu Lindon com Michel Foucault (1926-1984) e a enorme influência que o filósofo teve sobre sua vida. Filho de Jérôme Lindon, fundador das Editions de Minuit e editor de Samuel Beckett e Marguerite Duras, o autor deste livro rememora as festas no apartamento de Foucault na Rue de Vaugirard em descrições bem-humoradas de sua vivência homossexual em meio a viagens de ácido e música clássica. Em seguida, trata da sombra que surgiu no meio gay quando a aids, que viria a vitimar o filósofo, entrou na pauta da época. A história se desenrola ao redor dessas duas figuras masculinas: de um lado, o pai de “sorriso tímido”, objeto de um amor que não encontra a forma de se expressar; de outro, o amigo de “sorriso escancarado” que lhe ensinou a ser feliz, vivo – e grato. O que amar quer dizer foi publicado na França em 2011, ano em que obteve o Prêmio Médicis.

o-que-amar-quer-dizer

~ 8 ~
Opisanie świata, de Veronica Stigger

Primeiro romance de Veronica Stigger, Opisanie świata (Cosac Naify, >160 páginas) significa “descrição do mundo” e é como se traduz Il Milione, o livro de viagens de Marco Polo para o polonês. É justamente como uma espécie de relato de viagens que essa novela se constitui. A história central do livro é a de Opalka, um polonês de cerca de sessenta anos que, em sua terra natal, recebe uma carta por meio da qual descobre que tem um filho no Brasil – mais especificamente, na Amazônia -, internado num hospital em estado grave. O pai decide viajar ao encontro do filho; no início do percurso, conhece Bopp, um turista brasileiro que, ao tomar conhecimento das razões da viagem de Opalka, resolve abandonar seu giro pela Europa para acompanhá-lo ao Brasil. O livro se compõe a partir de diversos registros, como o do relato em terceira pessoa, o da carta, o do diário etc., além de contar com inserções de imagens e fragmentos de textos sobre a ou da década de 1930 — época em que transcorre a ação.

Opisanie Swiata

~ 9 ~
Terra Avulsa, de Altair Martins

No seu mais recente romance, Terra Avulsa (Record, 312 páginas), o premiadíssimo Altair Martins fala de diversos temas – isolamento, relações familiares, amores nascentes, política latino-americana, tradução e fotografia – para, no final das contas, falar de literatura: para que ela serve? Como nasce o texto? Qual a distância que separa autor e leitor? E talvez a mais fundamental (e mais ousada e mais irrespondível) de todas as perguntas: o que é literatura? Logo no início do livro, o protagonista (um professor e tradutor que busca sua própria poesia ao mesmo tempo em que busca afastar-se do mundo) revela sua predileção pela hipálage, figura de linguagem que se caracteriza pelo desajustamento entre a função gramatical e a função lógica das palavras, o que ocorre, por exemplo, quando se atribui a um substantivo uma qualidade que pertence a outro. E assim, através de múltiplas transposições de sentidos entre as temáticas contidas no romance, sempre em linguagem exuberante e imagética (“porque a linguagem é a primeira que sangra”), o autor acaba por cunhar uma definição tão precisa quanto fluida: “literatura é procurar a mãe na casa dos outros”. (Rafael Bán Jacobsen, no Amálgama)

terra

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Vida e Destino, de Vassili Grossman

Vida e destino (Alfaguara, 920 páginas) é um épico moderno e uma análise profunda das forças que mergulharam o mundo na Segunda Guerra Mundial. Vassili Grossman, que esteve no campo de batalha e acompanhou os soldados russos em Stalingrado, compôs uma obra com a dimensão de Tolstói e de Dostoiévski, tocando, ao mesmo tempo, num dos momentos cruciais do século XX. A ação tem lugar durante a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista, com foco na batalha de Stalingrado. O livro começa quando a Alemanha cerca a cidade, tentando conquistá-la. Ao longo do livro, são descritos os danos causados pelos bombardeios aéreos e pela artilharia localizada em torno da cidade. Com personagens que são uma combinação de figuras ficcionais e históricas, o romance não é apocalíptico nem crê que o ser humano esteja destinado à desgraça, mesmo em meio à destruição. Estão lá os campos de prisioneiros militares e os de concentração; os altos-comandos, com Hitler de um lado e Stalin de outro; a disputa insensata dos soldados por uma única casa na cidade em ruínas e os dramas familiares dos que ficam para trás e enfrentam o terror político e a incerteza. Um romance de grande força dramática. Finalizado em 1960, e a seguir confiscado pela KGB, o livro permaneceu inédito até a metade dos anos 1980. (Milton Ribeiro)
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* Com assessorias de imprensa das editoras

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A festa da insignificância, de Milan Kundera

a festa da insignificanciaO veterano Milan Kundera voltou à ficção no ano passado, aos 85 anos, com este bom A festa da insignificância (Companhia das Letras, 136 páginas). O tema lembra um pouco o filme de Paolo Sorrentino A Grande Beleza.

O romance gira em torno de quatro amigos parisienses que vivem em Paris, sem grandes objetivos ou ambições. Eles passeiam pelos jardins de Luxemburgo, mentem um para o outro, reinventam passados, se encontram numa festa, constatam que as novas gerações já se esqueceram de quem era Stalin, perguntam-se o que está por trás de uma sociedade que, em vez dos seios, bundas ou das pernas, coloca o umbigo no centro do erotismo — pois as calças caíram e as camisetas subiram, revelando o buraquinho que só Eva não teria…

Kundera brinca entre Paris e a União Soviética de Stálin, propondo um paralelo entre as duas épocas. Assim, o romance fala sobre o medo e o pior da civilização. Porém, fala de forma curiosamente divertida e sem ilusões ou expectativas. Livro curtinho e despretensioso, revelador de que o velho não perdeu a mão.

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A Ospa no frio e sob o domínio de Teraoka

Teraoka durante ensaio com a Ospa (Clique para ampliar)
Teraoka durante ensaio com a Ospa | Foto: Augusto Maurer (Clique para ampliar)

Ontem, no dia em que Brahms completava 180 anos de nascimento, a Ospa programou Sibelius e Prokofiev. Nossa orquestra é rebelde e não se liga muito em datas. Também não é nada nacionalista: por exemplo, no dia 17 de novembro de 2009, quando Villa-Lobos completava 50 anos de morte e todos os cadernos culturais só falavam nisso, a Ospa só falava em outra coisa, apresentando um programa que era inteiramente dedicado a Mendelssohn. Mas, enfim, deixemos Brahms e as datas de lado. Era uma noite gelada em Porto Alegre e tivemos mais uma comprovação de que o gaúcho não é macho o suficiente para enfrentar o frio. Talvez também pela fuga que as pessoas empreendem do centro da cidade ao final do dia, talvez pela falta de estacionamento, a Reitoria de UFRGS parece ser amaldiçoada para além da má acústica. Estava com menos de meia casa. Mas digo pra vocês que a o Theatro São Pedro e o Auditório Dante Barone — que também estão no centro da cidade — trarão mais pessoas nos concertos dos dias 14 e 21. Esperem e verão.

Sibelius foi um enorme compositor. Não é apenas o mais famoso compositor da Finlândia, é o mais famoso dos finlandeses ao lado do piloto Mika Häkkinen e dos celulares Nokia. Sua figura estava nas notas de cem marcos antes do euro chegar. Era um nacionalista e foi figura fundamental na independência do país. Muito mal visto pela escola alemã — pelo simples motivo de ser bom e popular — , recebeu todo o gênero de críticas injustas, boa parte delas feitas pelo contumaz equivocado musical Theodor Adorno. Sibelius era um herói em seu país e ficou logo famoso em Paris e nos EUA, que até hoje aguarda ansiosamente sua oitava sinfonia…

Na coletânea de ensaios Os testamentos traídos, Milan Kundera analisa as culturas periféricas da Europa, tomando como exemplo sua Tchecoslováquia. “A intensidade muitas vezes assombrosa de sua vida cultural pode fascinar um observador”. Porém, “no seio dessa intimidade calorosa, um inveja o outro, todos vigiam a todos”. Se um artista ignora as regras locais, a rejeição pode ser cruel, a solidão, esmagadora”. No início do século XX, cada uma destas pequenas nações tinha seu círculo de compositores locais e, dentre eles, seus representantes nacionais. Sibelius na Finlândia, Bartók na Hungria, Grieg na Noruega, Dvorak, Smetana e Janáček na Tchecoslováquia, Nielsen na Dinamarca, Elgar e Vaughan Williams naquele grande país quase sem música até o século XX. Até nós tínhamos um nacionalismo musical com Villa-Lobos, lembram? A influência de Sibelius na cultura de seu país é tão grande que até hoje a Finlândia dedica generosa fatia de seus investimentos culturais em orquestras e na formação de músicos. Mas tergiverso e preciso voltar logo à Reitoria da UFRGS.

O programa iniciou com a suíte Pelléas et Mélisande, música incidental de Jean Sibelius escrita em 1905 para o dramalhão homônimo de Maurice Maeterlinck. A obra tem nove movimentos curtos e é muito bonita, mais ainda quando não se dá importância ao triângulo amoroso protagonizado pelos irmãos Pelléas e Golaud e que acaba na morte de princesa Mélisande. O tema também serviu a uma ópera de Debussy. Em meio àquelas brumas, a Ospa saiu-se muito bem, orientada eficientemente pelo maestro Teraoka. (Soube que nos ensaios, os cães que habitam as proximidades da Igreja São Pedro, local improvisado de ensaios da Ospa, detestaram as ameaças de mau tempo desferidas pelos contrabaixos e respondiam latindo loucamente).

Depois veio a Valsa Triste, também de Sibelius. É uma das peças mais esplêndidas que conheço. Lacrimosa quando ouvida sem atenção, torna-se absolutamente comovente quando nos aproximamos. São seis minutos do melhor Sibelius, microcosmo de suas melhores sinfonias e poemas sinfônicos. A curtíssima Valsa Triste é o mais belo dos haikais e vi algumas lágrimas próximas a mim durante a execução.

http://youtu.be/P8Oc_J1Lu-o

Já o mesmo não pode ser dito de Cena com garças, medonha peça semi-onomatopaica onde os clarinetistas Augusto Maurer e Marcelo Piraíno fizeram o papel de garças com donaire, esbelteza e garbo. Tudo inútil. As garças gostam de rios e lagoas, mas estas de Sibelius se ligavam mais num charco. A peça era merecidamente desconhecida, os xerox das partituras eram quase ilegíveis e devem ser jogados fora hoje. Por favor, não guardem papelada inútil.

O final do concerto veio pela maravilhosa Sinfonia Clássica Op. 25 de Serguei Prokofiev. Foi uma verdadeira lufada primaveril para a plateia e muito trabalho para a orquestra. A sinfonia — radicalmente feliz e melodiosa — também é muito difícil de tocar e pode ser um tormento para orquestras que ensaiam apertadas em igrejas. É claro que a interpretação não foi das melhores que vi, mas também é verdade que só consegui me dar conta disso ao final, rememorando alguma coisa. Música ao vivo é assim. Muitas vezes a gente nem se dá conta dos erros e foca a atenção na musicalidade e no tesão.

O regente Kiyotaka Teraoka já comandou a Ospa uma dezena de vezes e, este ano, ainda a comandará na Sagração da Primavera, se esta não for cancelada em função da falta de local adequado para ensaios. Se é gentil e educado com os músicos, também é competentíssimo e engraçado. Ontem, bem dentro do espírito da música, fazia momices durante o primeiro movimento da Sinfonia Clássica, marcando o tempo para quem caçava borboletas. É muita classe.

P.S. — E houve um bis. Um certo Andante Festivo, de Sibelius. É uma composição de um  movimento, originalmente escrito para quarteto de cordas em 1922. Em 1938, o compositor rearranjou a peça para orquestra de cordas e tímpanos. É um belíssimo e lírico fluxo de temas que só pode ser considerado festivo na Finlândia.

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Os ateus são pessoas más?

Por Renato Sabbatini

Recentemente a Igreja Católica iniciou uma campanha cerrada contra o que denominou de “valores ateus” e suas supostas conseqüências (basicamente, coisas como ser a favor do aborto e do uso da camisinha e da clonagem de embriões). Um bispo brasileiro, exagerado, chegou a afirmar publicamente que “os ateus são pessoas más”, possivelmente porque muitos religiosos acreditam que a religião é a única fonte da moral. Logo…. ateus não têm moral. Mas não têm mesmo? Os ateus são em média mais imorais e maus do que os que têm religião? A evidência científica aponta que parece ser justamente o contrário… A Bíblia afirma, em Salmos 14:1, que “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem”. Então serão os ateus insensatos ou tolos? Corruptos e abomináveis? Incapazes de fazer o bem? Quanto à questão das “abominações”, a evidência é incontestável. Um estudo feito em 1997 pela Federal Prison Board, dos EUA mostrou que enquanto que 75% da população carcerária americana se declara religiosa e crente em Deus, apenas 0,2% se declaram ateus ou agnósticos! (na população em geral eles já representariam cerca de 10%). O divórcio (um pecado, segundo o catolicismo, mas não segundo os protestantes) ocorre em 40% dos católicos americanos, 27% de evangélicos e apenas em 21% dos ateus… Ou seja, a crença em um pecado é inversamente proporcional à sua adoção… Além disso, não é preciso pesquisar muito na história para constatar que, em nome de valores religiosos, foram praticadas grandes mortandades, infindáveis guerras, horrendas atrocidades (como a Inquisição) e nefandos atos terroristas. Ou matar em nome de Deus não é uma constante insana da humanidade? Quem é mau, então? Numerosos estudos sociológicos têm demonstrado cabalmente que ateus, em geral, cometem menos crimes, respeitam mais as leis, e criam seus filhos com mais critérios morais e familiares do que a maioria dos que acreditam em Deus. Conclusão: não é preciso acreditar em Deus para ser moral e respeitador dos costumes e das regras sociais. Eu mesmo, por exemplo, sou agnóstico, criei meus dois filhos sem batismo, Deus ou religião, e podemos nos incluir tranquilamente entre as pessoas mais morais e sérias e praticantes do bem que eu conheço. Tolos? Veja só a lista dos “tolos” e “insensatos” que foram ou são ateus ou agnósticos: Albert Einstein, Charles Darwin, Stephen Hawking, Francis Crick, James Watson, Richard Feynman, Paul Dirac, Linus Pauling, Alfred Kinsey, Karl Popper, Carl Sagan, Edward O.Wilson, Marvin Minsky, Thomas Edison, B.F. Skinner, Marie Curie, Bertrand Russell, Noam Chomsky, Isaac Asimov, Sigmund Freud, Michel Foucault, Richard Dawkins, Steven Pinker, Daniel Dennett, Stephen Jay Gould, Steve Jobs, Thomas Jefferson, Denis Diderot, Auguste Comte, Friedrich Nietzsche, Arthur Schopenhauer, Karl Marx, Oscar Niemayer, George Bernard Shaw, Jorge Amado, Jorge Luis Borges, Gore Vidal, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Robert Frost, H.G. Wells, José Saramago, Salman Rushdie, Mark Twain, Arthur Clarke, Michael Crichton, Milan Kundera, Marcelo Gleiser, Drauzio Varella, Ernest Hemingway, Kurt Vonnegut Jr., Luis Buñuel, Ingmar Bergman, Charlie Chaplin, John Lennon, Woody Allen, Angelina Jolie, Jodie Foster, Marlon Brando, Christopher Reeve, Juliana Moore, Jack Nicholson, Larry King, Chico Buarque, Paulo Autran e muitos outros. A nata da nata. Quase 40% de todos os cientistas declaram não ter religião. O ateísmo é muito mais prevalente entre pessoas de maior escolaridade, intelectuais e autores, do que no resto da população. Exceção: políticos (isso deve ser o resultado da democracia, ou seja. o fenômeno de seleção pelo eleitorado religioso, ou então medo de declarar publicamente seus “valores ateus”, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma vez, e perdeu a eleição para prefeito de São Paulo). Não fazem o bem? Os três maiores doadores de dinheiro para causas boas e nobres, de toda a história (conjuntamente doaram mais de 70 bilhões de dólares), George Soros e Warren Buffet (financistas) e o fundador da Microsoft, Bill Gates, são ateus declarados. Meu ídolo científico, o físico alemão Albert Einstein, eleito pela revista Time como a Maior Personalidade do Século XX (e erroneamente citado como sendo religioso) escreveu uma vez sobre isso: “Se as pessoas são boas apenas porque têm medo de punições, e esperam uma recompensa, então elas formam um grupo realmente lamentável“.

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