Revelado pobre blogueiro recalcado

Revelado pobre blogueiro recalcado
Obrigado, Cassionei Niches Petry: Peter Lorre numa versão americana de Crime e Castigo (1935).
Obrigado, Cassionei Niches Petry: Peter Lorre numa versão americana de Crime e Castigo (1935).

Pra confessar que andei sambando errado
Talvez precise até tomar na cara

Chico Buarque — CORRENTE

Nunca vi tamanha pertinácia quanto à demonstrada por Tiago Flores em seu pedido de resposta a este desqualificado e recalcado… bem, blogueiro. E, nossa, que monte impressionante de títulos. E que trajetória! Que retórica! Como duelar com um homem desses? E quantos amigos no Facebook! Pois ele e seus amigos têm razão, sou um invejoso! A inveja é um sentimento difícil de lidar, é um sentimento que nos destrói e estraga por dentro. É quando vemos que outra pessoa é melhor ou possui algo que não possuímos. E isso acaba conosco. O invejoso é um ser que sofre, meus amigos. Parafraseando Roland Barthes, digo que, como invejoso, sofro quatro vezes: sofro por sê-lo, sofro porque me reprovo de sê-lo, sofro porque tenho medo de magoar o objeto de minha adoração e, finalmente, porque me deixo dominar por algo banal.

Direi a verdade, meus sete leitores, e a verdade é que invejo os cabelos de Tiago Flores. Eles são magníficos.

Cada vez que ele entra num palco, eu penso: que quantidade, que cor, que brilho, que hidratação! E, imaginando sua sedosidade, coço desconsolado meu crânio ralo, quase calvo. Sei que os cabelos são a continuação do cérebro. Que inveja. As volutas dos violinos nada são quando comparadas às mil concavidades, convexidades e espirais dos magníficos cabelos do maestro. Todos aplaudem seus cabelos. Toda a vez que ele para na frente da plateia, as pessoas não resistem e prorrompem em entusiástica vibração. Ele poderia reger nu, como num pesadelo, que seria ovacionado. Que cabelos magníficos!

Foto: David Alves / Palácio Piratini
Foto: David Alves / Palácio Piratini

Eu não desejo uma Ferrari, não desejo a glória, esnobo a megasena, não quero títulos — os do Inter me bastam –, não desejo as mais lindas mulheres, desistiria até da Juliette Binoche e da Elena se me fossem dados os magníficos cabelos de Tiago Flores. Trocaria tudo por eles. Por eles, esqueceria Pasárgada. Me mordo e emagreço só pensando neles. Não adiantam os condicionadores, os shampoos anti-queda, os creminhos, não adiantaria nada eu me tornar um metrossexual se não obtivesse os cabelos magníficos do maestro. Sim, confesso, sou como a bruxa má dos contos de fada. Quero aqueles cabelos para mim!

É este o meu problema. Recalque. Sou pior que Adorno falando sobre jazz. Não tenho a educação de Aury Hilário, a carreira de Juarez Fonseca, nem os cabelos de Tiago Flores. Que são magníficos. Como os de Dudamel. Como os de Sansão. Eu? Para que falar de mim? Sou apenas um invejoso.

Milton Ribeiro
Crítico submergente
Recalcado
Sem trajetória, talento ou carreira
Blogueiro

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Uma resenha cheia de dedos: a Ospa, a Sinfonia Concertante de Mozart e a 3ª de Schumann

Uma resenha cheia de dedos: a Ospa, a Sinfonia Concertante de Mozart e a 3ª de Schumann
Um chocolatinho.
Um chocolatinho.

Além de eu gostar muito da obra, tenho uma ligação pessoal com a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, K. 364, de Wolfgang Amadeus Mozart.

A primeira e mais simplória das ligações é a ex-tra-or-di-ná-ria obra-prima de Peter Greenaway Afogando em Números (Drowning by Numbers, 1988). A cada um dos afogamentos é tocado o segundo movimento (Andante). O filme é esplêndido. Sério: vi-o mais de cinco vezes. Até hoje tenho vontade de decorar as falas dos personagens.

A segunda é o fato de eu ter escrito uma novela tendo por tema a Sinfonia Concertante. O Violista — lá de 2006, 2007 — conta os dramas de um instrumentista antes de um importante concerto. Sei lá, é divertido.

Mas a mais profunda ligação deu-se depois, em 2012. No dia 19 de agosto, sempre um dia glorioso, ganhei de presente de aniversário uma interpretação do Andante em minha casa, executada por Elena Romanov (violino), Vladimir Romanov (viola) e Alexandre Constantino (piano). Fiquei comovidíssimo com o presente — ideia de Elena após ler a citada novelinha –, mas, no dia seguinte, tomei um susto ao lembrar que a peça refletia o impacto que teve, em Mozart, a morte de sua mãe. Explico duas coisas: (1) na época, minha mãe estava muito mal — faleceu em 31 de outubro daquele ano — e (2) absolutamente nada fazia prever que Elena se tornaria minha namorada. Eu era amigo de uma mulher linda e inteligente e gentil e de humor peculiar. Com intenções nulas, nada indicava um futuro com ela.

Então, voltando, digo-lhes, meus sete fiéis leitores, que a Sinfonia Concertante é uma peça que conheço profundamente. Para muitos, esta peça é o maior dos concertos para violino de Mozart, superando os cinco oficiais. E digo-lhes que não ouvi ainda gravação melhor do que a da dupla sueca Bernt Lysell e Nils-Erik Sparf, feita para a Bis. Se Mozart é o compositor da leveza e da ousadia, Lysell e Sparf acertaram em cheio no tom utilizado. Não é uma gravação pretensiosa e sem erros, é apenas muito musical.

O programa de ontem da Ospa tinha a Sinfonia concertante para violino e viola, de Mozart e a Sinfonia Nº 3, de Robert Schumann. Os dois solistas — Emerson Kretschmer (violino) e novamente Vladimir Romanov (viola) –, da Concertante não costumam postar-se diante do público, normalmente há um maestro entre eles e o povão. Um é spalla dos violinos e outro das violas na Ospa.

E, bem, sabem? Como direi?

É o seguinte: sinto-me impedido de elogiar ou detonar o Mozart de ontem. O violista é o ex-marido de minha namorada e qualquer posicionamento poderia ser interpretado MUITO criativamente. Tenho opinião, sim, mas preferiria enviar um sincero Cartão de Agradecimentos e a caixa de chocolate que ornamenta este post a ele. Afinal, ele foi um dos que provocou a virada mais feliz de minha vida. Como iria reclamar dele ou fazer-lhe um elogio que poderia soar protocolar como uma conversa entre dois embaixadores de nações inimigas? Não quero confusão. E mais não digo.

O primeiro movimento (Allegro maestoso) é lindíssimo e não chega a ser surpresa que George Balanchine tenha coreografado um famoso balé para esta música em que o papel dos solistas é mais de uma conversa entre si e não com a orquestra em geral. É interessante notar que a voz de Mozart seria a da viola. O compositor adorava tocar viola em quartetos de cordas, gostando de estar “no meio”, se me entendem.

A grande “ária” do Andante realça a diferença da sonoridade entre o som de violino e o da viola. É da beleza deslumbrante da peça: é como se o violino fizesse um lamento, sendo consolado pela viola. A alegria do 3º movimento faz-lhe intenso contraste. É um belo concerto e foi bem melhor do que a soporífera execução da Sinfonia Nº 3 de Robert Schumann.

Um músico da orquestra me disse que faltou a linha curva, a surpresa, a abertura de uma garrafa de champanhe. Também disse que a obra do marido de Clara Wieck parecia um carro 1.0 subindo lotado a Lucas de Oliveira. Concordo! Foi opaco, para dormir.

O programa:

Wolfgang Amadeus Mozart: Sinfonia concertante para violino e viola K. 364
Robert Schumann: Sinfonia n° 3

Regente: Tiago Flores
Solistas: Emerson Kretschmer (violino) e Vladimir Romanov (viola)

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Ospa nas igrejas ou Nada é o que parece ou Concerto de Gatinhos

Ospa nas igrejas ou Nada é o que parece ou Concerto de Gatinhos
Clarke: revirando-se no túmulo
Clarke: revirando-se no túmulo

Nossa, que chuvarada a de ontem à noite! E que acústica horrível e gritona a da Igreja dos Navegantes! Quando o excelente oboísta Javier Balbinder começou a ensaiar sozinho no palco já deu para concluir que o final da Abertura Egmont soaria como uma manada de elefantes na ponte do Guaíba. E soou mesmo.

Quando o concerto iniciou, os sismógrafos londrinos tremeram, indicando movimentos no solo abaixo da Catedral de St. Paul. É que Jeremiah Clarke revirava-se e dava socos para todo lado dentro de seu túmulo. O concerto começou com Trumpet Voluntary

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Miau!
Miau!

Desde 1940, é sabido que a obra conhecida por Trumpet Voluntary foi escrita por Jeremiah Clarke e não por Henry Purcell, como anunciou o programa da Ospa. Quando a peça foi escrita, Purcell já estava morto havia cinco anos. A peça foi escrita originalmente para cravo e chama-se Prince of Denmark’s March. De 1878 até 1940, a peça foi atribuída a Henry Purcell e chamada de Trumpet Voluntary. Tudo porque, naquele ano do século XIX, um certo William Sparkes publicou um volume chamado Pequenas Peças para o Órgão, Livro VII, No. 1 (Londres, editado por Ashdown & Parry), incluindo erroneamente a peça de Clarke como se fosse de Purcell. Esta versão chamou a atenção de Sir Henry J. Wood, que fez duas transcrições orquestrais do mesma. Aí é que apareceu o trompete e o novo nome. Antigas gravações do início do século XX cimentaram o erro. Mantido o título dado por Wood, a peça tornou-se popular em casamentos reais, mas sabe-se desde 1940 que seu autor é Jeremiah Clarke, não Purcell. Não acho muito legal errar o autor de uma obra.

Volo 1
Estou mortinho!

O pobre Clarke não foi sacaneado somente pela Ospa. Dizem os livros que “uma paixão violenta e sem esperança por uma bela senhora de uma classificação superior a sua levou-o a cometer suicídio”. Antes de se matar, ele ficou na dúvida: enforcamento ou afogamento? Como forma de decidir seu destino, ele jogou uma moeda para o alto, mas esta caiu em pé na lama. Gente, não brinco, falo sério. Em vez de considerar o fato como um sinal de que deveria desistir de seu intento, ele escolheu um terceiro método, matando-se com um tiro na cabeça nos jardins da Catedral de St. Paul, em Londres. Suicidas não têm muita chance com igrejas, mas foi feita uma exceção para Clarke, que foi enterrado na cripta da Catedral.

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Óin!
Óin! Olha o adágio de Albinoni aí, gente!

Por outro lado, com toda a razão, estava escrito no programa da Ospa: Albinoni (Remo Giazzoto) – Adagio.

Albinoni foi um compositor barroco veneziano relativamente obscuro. Então, em 1958, surgiu este “Adagio” que tem sido usado por companhias de balé, patinadores, filmes — lembram de Gallipoli, um filme de 1981 sobre a Primeira Guerra Mundial? — e, com letras, por uma série de vocalistas como Sarah Brightman, por exemplo. Esta peça é, no entanto, uma composição moderna, como salientou o maestro Tiago Flores após regê-la. Conto o caso a seguir.

cacda
Gato mau. Será por causa de Wagner?

Manuscritos de Albinoni, incluindo uma série de partituras que nunca tinha sido publicada, estavam há muitos anos na Alemanha. Mas a biblioteca onde se encontravam foi destruída no bombardeio de Dresden, em fevereiro de 1945. Os papéis de Albinoni foram perdidos no incêndio. Porém, algumas obras do compositor tinham sido antes catalogadas por um musicólogo italiano chamado Remo Giazotto, autor de uma biografia de Albinoni. Em 1958, Giazotto introduziu esta peça como obra de seu biografado. Ele a teria reconstruído a partir de fragmentos de uma sonata.

Mas outros musicólogos tinham realizado as mesmas pesquisas e acharam tudo muito estranho. Denunciaram. Diante disso, como bom italiano enrolão, a história de Giazotto mudou um pouco. Ele passou a dizer que tinha se baseado em alguns fragmentos de uma linha de baixo que estavam num manuscrito de Albinoni. Mais: ele alegou que tinha os fragmentos. E mais: disse que eles tinham sido enviados a ele por questões de segurança, quando a biblioteca em Dresden dispersou muitos de seus tesouros… Um cidadão imaginativo, sem dúvida. É fundamental saber que os direitos autorais da peça têm apenas o nome de Remo Giazotto. E que ele, é claro, jamais mostrou os tais manuscritos.

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Bunitinho!
Soninho.

Abertura Egmont. Aqui não há erro nem má intenção, apenas curiosidades. A música incidental para a peça Egmont, de Goethe, foi composta no final de 1809 para o Court Theater de Viena. A obra de Goethe é de 1786 e refere-se à acontecimentos não contemporâneos dos autores. No século XVI, o conde Egmont, de Flandres, lidera o povo flamengo em sua revolta contra a tirania espanhola. Depois de sua captura e prisão pelos espanhóis, sua amante Clärchen tenta resgatá-lo, mas fracassa em sua tentativa e ela se suicida, ingerindo veneno. Em sua cela, Egmont tem visões da imagem da liberdade e esta é uma mulher que se parece com sua amada. Ela coloca uma coroa de louros em sua cabeça enquanto uma música militar é ouvida. Então Egmont é executado, mas leva consigo a certeza de que a liberdade irá prevalecer.

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Meus
Bunitinho…

Este foi um Concerto de Gatinhos. Lembram aquelas seleções de clássicos dos anos 70 e 80 que tinham gatinhos na capa? Ali, o Aleluia de Handel podia vir antes de Rhapsody in Blue, a qual era seguida da Abertura 1812, por exemplo. Salada semelhante foi-nos servida  na noite de ontem. A Ospa estava cheia de gatinhos, óin… Olha, eu acho que isso não cria público, acredito que este gênero de programa seja válido apenas em séries de concertos para escolas ou como eram os velhos “Concertos para a Juventude”, mas enfim. O apelido “Disco de Gatinhos” ou “Concerto de Gatinhos” é de autoria do Júlio e da D. Cristina lá da King`s Discos, esplêndida loja que ficava na Galeria Chaves. Eles não gostavam muito daquelas seleções…

Não vou avaliar o lado artístico do concerto de ontem. Era quase impossível tocar alguma coisa sem desafinar no meio daquela reverberação. Os membros da orquestra devem ter saído meio surdos de lá.

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O programa:

Com aquela chuva, queriam que não estivesse amassado?
Com aquela chuva, queriam que não estivesse amassado?

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A Ospa precisa de mais do que um teatro

A sala de ensaios com o protetor de acrílico | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Publicado originalmente em 20 de maio de 2012 no Sul21

Eu venho de uma cidade que tem uma Orquestra Sinfônica.
Erico Verissimo

“O Governo tem os olhos voltados para a orquestra, a Secretaria da Cultura também tem os olhos voltados para a orquestra, mas a Fundação (FOSPA – Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), entidade que detém a gestão da orquestra, só tem olhos para o governo. Desta forma, sem gestão, a orquestra fica abandonada”. Tal imagem foi criada pelo presidente da AFFOSPA (Associação dos Funcionários da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), Wilthon Matos — que mostrou vários e-mails com relatos de músicos da OSPA — , a partir de uma afirmação do pianista André Carrara, músico da orquestra e membro da diretoria da entidade. O trompista Israel Oliveira, também da diretoria, diz que a Fundação tem receio de reivindicar qualquer coisa e acaba por não representar os músicos frente ao governo e, pior, não consegue gerir a orquestra.

Vamos explicar as siglas e as funções de cada órgão. O governo e sua Secretaria da Cultura são conhecidos, a FOSPA é a Fundação que deve se responsabilizar pela gestão da orquestra, seja administrativa ou artisticamente, e a AFFOSPA é a associação dos músicos da orquestra. “Temos um problema gravíssimo de gestão, a Fundação ignora, não ouve os músicos”, completa o mineiro Carrara.

Na tarde da última quarta-feira, o Sul21 visitou a direção da Associação de Funcionários em sua sede, uma pequena sala no edifício da Gal. Malcon em Porto Alegre. A Associação relatou que a relação com a Fundação está cada vez mais “franca”, o que talvez seja uma figura de linguagem educada para a palavra correta: “tensa”. A Associação considera, por exemplo, que o governo do estado está dialogando e ouvindo as partes na discussão salarial e do quadro de funcionários da orquestra, porém, se é consenso que a é proposta atual de reajuste é boa, é porque a Fundação assim avaliou, sem ouvir a orquestra.

André Carrara e Wilthon Matos (à direita)

André Carrara diz que “nenhum governo, ou, pelo menos, este, faria uma alteração no conteúdo de um projeto de aumento sem dialogar ou comunicar ao autor do projeto. A Fundação teve conhecimento dos valores oferecidos e os aceitou sem pestanejar e sem nos consultar. Nosso problema, como disse, é de gestão, não é um problema com o governo estadual. O governo está sentado à mesa de negociações discutindo o quadro, onde nós tentaremos reorganizar a instituição e colocar o funcionários certos nos lugares certos através de concursos específicos. O governo tem investido no teatro e sido sensível às nossas necessidades.

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Toda a vez que sentamos com o Secretário da Cultura, fomos ouvidos. Então, quando os colegas dizem que nós temos que fazer uma manifestação, o local correto não é fazer isso na frente da Casa Civil, mas frente da sede da Fundação. O atual governo é o mais favorável, o mais solícito, próximo e efetivo de todos, tanto que o teatro vai sair. Nós temos um problema interno”. Por exemplo, este foi o único governo que nos entregou uma proposta por escrito (ao lado).

Nenhum dos três representantes da Associação dos Funcionários é gaúcho. Eles ficam animados quando falam nos motivos que os fizeram virem para Porto Alegre. Curiosamente, o motivo parece ter sido o naipe de cordas da Ospa. “Quando eu cheguei aqui em 2004, fui logo assistir a um Concerto da Ospa onde ela tocava a Sinfonia Clássica de Prokofiev. Fiquei encantado, principalmente com as cordas da orquestra. A afinação, a qualidade sonora do naipe de violinos era incrível e olha que eu vim de orquestras muito boas”, conta Wilthon. “E, mesmo com o tratamento recebido, o nível artístico dos concertos ainda é muito bom. Não sabemos até quando será”.

As condições de trabalho – a fase do Palácio Piratini

A Ospa perdeu muito nos últimos anos. Os dois últimos concursos para músicos da orquestra foram no governo Rigotto, sendo que “a coisa degringolou de vez no governo de Yeda Crusius”, conforme Carrara. “Durante aqueles quatro anos, perdemos o Teatro da OSPA na Av. Independência, a Escola e vários funcionários na área administrativa”.

Logo que o ex-Teatro Leopoldina foi perdido, a Ospa passou a ensaiar no Palácio Piratini. Ali, grande parte do sentido, do espírito de grupo da orquestra, foi perdido. “Ficamos sem local para conversar, praticar e até largar nossos pertences. Vinha um caminhão com o nosso material – , instrumentos, cadeiras, estantes – eles deixavam tudo lá, nós usávamos a Sala de Imprensa”, contígua ao Salão Negrinho do Pastoreio e depois tudo era carregado de novo no caminhão. Ficamos sem salas e armários. Imagina, um ensaio de orquestra é uma bagunça. Os naipes muitas vezes tocam separadamente, repetindo os temas, a gente atrapalhava o funcionamento do Palácio, é claro, mas estávamos fora de nosso ambiente. Tínhamos horários e não adiantava chegar mais cedo porque mais cedo o Palácio estava fechado…”.

O trompista Israel Oliveira

Israel Oliveira completa: “Eu toco trompa, ele toca tuba (Wilthon). Como podemos ensaiar em casa? Hoje, com a tecnologia, a gente consegue se ouvir usando fones sem fazer muito barulho, há aparelhos que permitem isso, mas a gente perde a noção de força, de tocar forte ou piano (fraco) e perde a noção do diálogo que temos que estabelecer com outros músicos. Isto é, é uma necessidade imperiosa termos um espaço nosso. Nós não podemos ensaiar sozinhos em casa. Temos músicos excelentes, mas houve um prejuízo total em termos de performance”.

A fase em que a OSPA ensaiava no Palácio Piratini possui acentuados traços de comédia. Os instrumentos e cadeiras da orquestra ficavam armazenados dentro de um caminhão, pois não tinha como deixar o material no Palácio. Era um caminhão de mudanças e os instrumentos eram carregados de um local para outro transportados por pessoal não especializado. Naquela época também vários músicos se demitiram por terem sido convidados por outras orquestras sem substituição.

O fechamento da Escola de Música da Ospa

Depois, foi a vez da Escola de Música da OSPA fechar. Com a saída de funcionários administrativos e com a extinção das funções gratificadas, a Escola teve de ser fechada. A escola atendia alunos carentes. Desta forma um benefício social à população foi abolido. Vários músicos da OSPA e inúmeros outros que hoje se dedicam à música popular, quando meninos, foram formados na Escola da Ospa ou análogas. Os músicos que incorporaram esta FG a seus salários permanecem recebendo mesmo sem escola. Hoje, a Escola da Ospa não funciona, mesmo tendo prédio e uma estrutura mínima. O governo atual ainda não deu uma posição a respeito da escola. O fato é que a Fundação fez o pedido através de ofícios e, como sabemos, a papelada que não faz barulho nem incomoda.

Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

A mudança para o cais do porto

Então, no início de 2010, a governadora Yeda Crusius anunciou que precisava fazer uma reforma no Palácio e que a Ospa não poderia permanecer lá. Então, foi dada a “solução” do cais do porto e a orquestra foi se alojar no armazém A3. A vida no porto não está sendo nada divertida, mas os primeiros dias foram ainda menos. As paredes eram de gesso acartonado e as placas de absorção acústica, poucas. O pessoal da Fundação tentava convencer os músicos de que a nova sede era o melhor dos mundos. Como não era, a orquestra voltou a ser um problema para a Fundação.

Durante os ensaios, o som produzido pelos metais é tão alto e reverbera de tal forma que o pessoal das cordas passou a usar protetores auriculares. Também são utilizadas placas de acrílico com a finalidade de separar os metais dos outros instrumentos. Wilthon Matos explica: “É que numa sala inadequada e baixa, o som não sobe, provocando um verdadeiro estrondo. Então, o pessoal das cordas se protege como pode. As placas de acrílico causam prejuízos artísticos, pois o pessoal dos metais não consegue ouvir como seu som se projeta. O cara que está tocando o trompete passa a semana inteira com aquele acrílico na frente. Na hora do concerto, o som se projeta de forma diferente, de que valeu o ensaio?”. “O instrumentista perde a referência para que o que é forte ou piano”, completa o trompista Israel. “A música é um diálogo”, diz Carrara. “Como é que um colega vai ouvir o outro se usa protetor auricular?”.

Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Wilthon cita mais um item do rosário de problemas da orquestra. “Até nossas cadeiras estão quebrando. No concerto de domingo passado (no Colégio Militar de Porto Alegre), uma oboísta caiu. No concerto anterior foi a cadeira do spalla e do corne inglês. A Fundação, que deveria estar atenta a isto, só agora está tratando de nossas cadeiras”. Porém, apesar do local precaríssimo, em 2010, a governadora compareceu na inauguração da sala do A3… Segundo Matos, “todos os órgãos sofreram com os cortes do governo Yeda e encontraram soluções criativas, nós não. A Fundação não correu atrás de soluções”.

Revitalização do cais do porto

Não obstante, a lista de tragédias não para. Agora, com a revitalização do cais do porto, a OSPA será obrigada a se mudar novamente em agosto. Para onde? Ninguém sabe ainda onde será o novo puxadinho. Segundo a AFFOSPA, a indefinição foi novamente criadas pela inoperância e falta de previsão da Fundação que deveria gerir a orquestra. Ou seja, apesar da AFFOSPA dizer que o governo está na mesa discutindo, criando o quadro e agindo para garantir a Ospa por muito mais do que uma legislatura, há mais problemas logo à frente.

A Associação de Amigos foi extinta

Se a Fundação tem um diálogo insuficiente com os músicos, o mesmo acontece com o público da Ospa. Há algumas semanas um pequeno grupo de ouvintes e admiradores da orquestra, formado, em sua maioria, por descontentes com os repertórios dos concertos dos últimos anos, com o escasso e equivocado material dos programas e com os locais inusitados e nada confortáveis das recitais – há concertos de duas horas em bancos duros de igrejas de péssima acústica – começou a conversar através das redes sociais. Nestes contatos surgiu o tema da ausência de uma Associação de Amigos da Ospa. Ora, a imensa maioria das orquestras do mundo todo são apoiadas por Associações de Amigos, entidades sem fins lucrativos que visam dar apoio às orquestras. Seus associados pagam mensalmente um valor irrisório em troca de ingressos mais baratos, participação nas decisões no repertório e, muitas vezes, até adquirem instrumentos ou contratam músicos para se apresentarem em concertos.

A recriação da Associação de Amigos da Ospa já tem logotipo no Facebook

No Facebook, foi criado um grupo virtual chamado Associação dos Amigos da OSPA que, em menos de uma semana, contava com mais de 2000 seguidores. O grupo, criado em 23 de abril – não tem um mês de existência – , segue crescendo e ora conta com mais de 2500 seguidores. A primeira ação do grupo foi a de buscar informações sobre a antiga Associação de Amigos mas, após interpelar o diretor artístico, o e-mail da Assessoria de Comunicação que consta no site da OSPA, a página do Facebook da orquestra e vários músicos e ouvintes que participaram da antiga associação, nada obteve de informações.

Uma das criadoras do grupo, diz que ainda não se sabe se a antiga Associação de Amigos era formal ou informal. Há alguns relatos de antigos carnês de contribuição, mas nenhum material foi encontrado e nem se conhece os motivos pelo quais foi fechada. Dentro do grupo, há o consenso de que a OSPA merece uma Associação do gênero, mas a Fundação não reage ou responde.

Ou seja, não há relação entre o público da Ospa e a Fundação que gere a orquestra. As ações da Associação de Amigos vêm ao encontro da opinião dos músicos.

Futuro Teatro da Ospa, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho l Foto: Ospa / Divulgação

O futuro

“O que nós cobramos é que a Fundação esteja no compasso do governo. O governo quer a Ospa, quer apoiar a Ospa. O secretário Assis Brasil afirmou que colocaria o cargo à disposição se não resolvesse a questão salarial, de quadro e de teatro da Ospa. E o papel da Fundação seria o de viabilizar as coisas mais facilmente. A Fundação não consegue nem resolver os problemas imediatos da orquestra. Falta arregaçar as mangas e trabalhar.

A Fundação tem como presidente o médico Ivo Nesralla e seu diretor artístico é o maestro Tiago Flores. O maestro Flores não respondeu a nossas tentativas de contato, apesar de ter, à princípio, por e-mail, manifestado o desejo de conversar com o Sul21. Atualmente, Tiago Flores tem um péssimo relacionamento com a orquestra. Em contatos com vários músicos, podemos afirmar que não obtivemos manifestações de apoio à atuação de Flores, principalmente porque ele não considera a opinião da orquestra ao contratar maestros e ao definir repertório, desconsiderando a opinião da Comissão Artística. Aliás, no primeiro ano de funcionamento da Comissão Artística, houve uma súbita melhora na qualidade da programação o que infelizmente não subsistiu no segundo ano e alguns colegas deixaram a comissão. Carrara foi, inclusive, eleito como membro da Comissão, mas a abandonou pela disponibilidade restrita como vice-presidente da AFFOSPA e também por discordar de alguns pontos administrativos.

“O problema não é o Assis Brasil, é seu funcionário”. | oto: Ramiro Furquim/Sul21

“O problema não é o Assis Brasil, é seu funcionário. E nós, na última reunião, avisamos: ou o Tiago passa para o lado da orquestra ou a orquestra passará por cima dele. Afinal, é a nossa sobrevivência”, diz o presidente Wilthon.

Hoje, a orquestra tem três reivindicações principais: a construção do teatro, o quadro funcional da orquestra – principalmente na área administrativa porque, se não há nem cadeiras ou estantes adequadas, existe um problema administrativo com pessoas pouco qualificadas no exercício de determinadas funções –, e a questão salarial. “Desde 1995, nós estamos defasados em 76,5 % só em relação do IGP-M. Todas as orquestras públicas do resto do país enfrentam problemas, mas nossa defasagem salarial em relação a elas é de aproximadamente 70%. A orquestra não pede nenhum aumento, apenas a reposição do que foi perdido nestes 17 anos.

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OSPA, Yamandu e Música Brasileira

O compositor e pianista Dimitri Cervo

A gente aqui é muito chique. Como o titular do espaço resolver ver a peça Deus da Carnificina — uma de suas preferências absolutas — terceirizamos a resenha do Concerto da Ospa de ontem  à noite com alguém que conhece muito mais. Não se acostumem, eu voltarei! Sim, o texto a seguir é de Dimitri Cervo, convidado por nós para escrever acerca de um concerto que, pelo visto (ou lido), foi ótimo. Agradeço ao Dimitri por ter concordado tão pronta e simpaticamente com nossa proposta. Aproveito também para me desculpar pela ligação que o tirou da cama, fato que só fui descobrir após lê-lo. Ah, a Ospa apresentará o mesmo programa de ontem na segunda-feira que vem, só que no Teatro Solis, em Montevidéu. Eu não disse que estamos chiques hoje? Com vocês, Dimitri Cervo:

Chego às 20h15 para o concerto da OSPA de ontem à noite, fila no pórtico da Assembléia Legislativa, ingressos esgotados. Após certa apreensão, pelas 20h30 as cerca de 70 pessoas que ficaram de fora são gentilmente convidadas a se acomodar “onde for possível.” Todos entram satisfeitos, com o aquele espírito de imagina-perder-esse-concerto-tchê! Olho ao redor, Assembléia Legislativa lotada, público animado e diversificado, alguns até com mate em punho e ainda consigo sentar bem no meio da sala, enquanto que a maioria se acomoda nas escadas laterais.

O concerto começa, música sublime de Carlos Gomes pairando no ar, José Maria Florêncio consegue extrair o máximo dessa obra prima: Alvorada, de Carlos Gomes. Logo entra Yamandu Costa, violão na mão, jeito “amandueiro”, um pouco levado, de alpargatas e bombacha. Ele é o solista da Fantasia Popular, obra sua em parceria com Paulo Aragão, que teve sua gênese em 2008 e desde então tem sido apresentada no Brasil e no exterior. Os três movimentos fluem maravilhosamente. No final, Yamandu, muito aplaudido, volta para um bis, com a excelente Bachbaridade, uma síntese musical e fonética e do espírito irreverente desse grande artista.  Muito ovacionado, coloca o violão acima de sua cabeça, ofertando-o a platéia, simbolizando um “me coloco a serviço desse instrumento e da música”. Grandiosidade e humildade em um mesmo ser.

Falando com Aragão, soube que o processo criativo dessa obra representa o amadurecimento de uma relação artística de mais de uma década.  Yamandu lhe passou em gravação inúmeras ideias musicais, e aos poucos elas foram sendo anotadas e modeladas em conjunto por esses dois vizinhos em Botafogo, tomando a forma final nessa excelente obra em três movimentos, em que a expressividade e virtuosidade do violão brasileiro de Yamandu são tão bem balanceadas com os recursos orquestrais.

Na segunda parte José Maria Florêncio voltou a demonstrar porque é um dos maestros brasileiros mais conceituados no mundo. Sua singular e precisa concepção da Bachianas Brasileiras nº 4, de Heitor Villa-Lobos e da contagiante Suíte Sinfônica nº 2 – Pernambucana, de César Guerra-Peixe fecharam a noite em grande estilo

Após o concerto, ainda tive a honra de partilhar do jantar com Yamandu, Paulo, Florêncio, Tiago Flores e Elisa Cunha. Depois, a grande e boa armadilha do Yamandu, “vamos em algum lugar para uma saideira”. Foi um privilegio trocar ideias com Yamandu, Florêncio e Aragão madrugada adentro, as riquezas que brotaram desse encontro jamais poderá ser reproduzida em palavras. Para resumir, a saideira só terminou na hora de Yamandu ter que ir para o aeroporto, para outro compromisso sinfônico, agora com a Sinfônica Brasileira. E eu que esperava poder dormir um pouco mais hoje, fui despertado com o Milton Ribeiro ao fone. Já que ele não pode ir ao concerto me pediu essa resenha. Fiz o que pude, mas para capturar algo do essencial que aconteceu em música no concerto, e no palavreio do pós-concerto, só um escritor escrevendo um livro, ou um compositor criando música.

Dimitri Cervo — www.dimitricervo.com

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De Walter Schinke, spalla dos contrabaixos da OSPA

Caro Milton e demais colegas e amigos.

Assim como eu, creio que a grande maioria dos colegas da OSPA não têm absolutamente nada contra críticas aos nossos concertos, nossa programação e até ao nosso desempenho nos concertos. O que eu particularmente gostaria de ver e sentir por parte de nosso público fiel e amante da orquestra é um engajamento maior no sentido de apoiar nossas inúmeras demandas frente aos nossos dirigentes.

Mandem suas críticas e idéias diretamente aos nossos Diretores, Secretários, Presidentes das Fundações e imprensa. Entupam os e-mails deles com seus comentários, sugestões e críticas. Façam que eles se sintam realmente pressionados pelas pessoas que afinal sustentam nosso existir, nosso público! Quem sabe assim teremos mais apoio real para nossas demandas e dessa forma teremos sim uma OSPA muito melhor futuramente! Nos ajudem, esse engajamento de toda sociedade à nosso favor É MUITO IMPORTANTE!!! Uma grande orquestra começa pelo amor e interesse dos cidadãos que clamam e merecem uma qualidade excelente da mesma. Os governantes devem fazer a sua parte, dando todas as condições para que esse trabalho atinja o nível desejado. A maior pressão deve ser feita em cima de nossos governantes que simplesmente não priorizam a cultura nesse estado (o estado do RS tem o de menor orçamento pra cultura do Brasil). Somos sempre a última opção na lista de prioridades, infelizmente.

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Carta aberta ao maestro Tiago Flores

Prezado maestro e demais visitantes.

Na última sexta-feira, publiquei um post bastante curto, quase uma anotação, onde reclamava da programação da OSPA para 2012. Quem acompanha este blog sabe que meus reparos ao repertório vêm de anos e que vou aos concertos da OSPA por amor à música — mesmo que repetida ad nauseaum — e à própria orquestra, a qual assisto desde a memorável noite em que, acompanhado de meu pai, ouvi o maestro Komlós reger a Sétima Sinfonia de Beethoven. Tinha por volta de sete anos de idade e pensei que não poderia haver música mais bela do que aquele segundo movimento. Lembro de ter ficado tão excitado que não conseguia parar quieto nos dançáveis terceiro e quarto movimentos. Naquela noite, algum circuito de meu cérebro foi ligado e eu me tornei um melômano, sim, um melômano fanático capaz de ouvir mais de oito horas de música por dia, de administrar um blog que tem mais de 3000 CDs comentados de forma sucinta, de entrevistar o Secretário de Cultura em seus primeiros dias a fim de lembrá-lo de seu passado como ex-ospista numa tentativa patética de auxiliar com meus pobres argumentos a construção da sede da orquestra e de dar palpites sobre muita coisa, sobretudo a respeito de andamentos de sinfonias…

Meu pequeno texto, se pode ser assim chamado, era uma crítica ao repertório, jamais aos músicos, apesar de que vários deles o tomaram como uma crítica pessoal. Crasso engano. Conheço quase tudo a respeito da orquestra e sei que eles são heróis ensaiando nas piores condições. Visitei a sala de ensaios e torturas da orquestra. Fui apresentado aos anteparos de acrílico que separam os músicos da surdez. Mesmo assim, mesmo sob tais condições e mesmo com o local de concertos estando longe do ideal, o resultado artístico insiste em ser consistente e bom, prova de que as falhas devem ser procuradas em outros fatores.

Dizer que o repertório é monótono é espelhar a realidade. É muita música do período clássico e principalmente dos ROMÂNTICOS do século XIX. Há fixações irritantes e incompreensíveis sobre determinados compositores. Mahler é raro, Bruckner nem se fala, o século XX participa mui discretamente em seus anos iniciais. Este ano, a Ospa mais parece um museu dedicado aos russos da metade do século XX e a Rachmaninov, que viveu depois mas que parece ser de 80 anos antes. Sim, há exceções, mas estas são poucas, muito poucas. Como se não bastassem não há grande disposição em divulgar compositores vivos ou a música brasileira. O desconhecimento e desrespeito à música nacional é tanto que, no dia 17 de novembro de 2009, quando se comemorava (ou se lamentava) o cinquentenário de morte de Villa-Lobos, o programa da OSPA foi:

Novembro, 17, 2009  — 20:30 — 15º Concerto Série Oficial 
Festival Mendelssohn – 200 anos de nascimento
Obras:
Trumpet Ouverture em Dó Maior op.101
Concerto nº 2,em ré menor,op.40,para Violino e Cordas
Sinfonia nº3, op. 56, em lá menor _ “Escocesa”

Solista:Marcio Cecconello
Regente: Karl Martin      
Local:Salão de Atos da UFRGS 

Detalhe: Mendelssohn nasceu em 3 de fevereiro de 1809, não em 17 de novembro, data de Villa-Lobos. Este gênero de descuido ocorreu em 2009, mas poderia repetir-se hoje, tal é o equívoco de orientação de uma orquestra cuja curadoria parece estar sob descuido da restrita Fundação Cultural Pablo Komlós. A orquestra parece não dar importância a seu publico. Vejamos, por exemplo, a OSESP: ela conta não apenas com o apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado da Cultura, e de  patrocinadores privados — até aqui está tudo igual à OSPA — , mas também de um público fiel de 11.353 assinantes para sustentar um projeto que engloba orquestra (109 músicos), coro (60 cantores), coros juvenil e infantil, uma editora de partituras de autores brasileiros, projetos educativos (que atenderam 77 mil crianças e adolescentes em 2010), mediateca (aberta para consulta pública), ciclos de aulas e palestras, e website com podcasts gratuitos, sem falar em mais de 30 CDs lançados. Eles estão em São Paulo, um centro muito maior, porém que deveria nos servir como exemplo. Ah, tenho certeza de que os assinantes são ouvidos. Daqui, eles foram corridos.

Intermezzo: criamos uma Associação de Amigos da OSPA no Facebook. Curta e faça a revolução conosco!

A caixa-preta da Ospa merece ser aberta. A direção artística deve CONSIDERAR o público cada vez mais diminuto em vez de ficar apenas ouvindo e desconsiderando sugestões. Sei que há músicos na orquestra que desconsideram o público como leigo, pensando que apenas músicos possam opinar, mas eu, por exemplo, um mero melômano, tenho sugestões até para os concertos populares.

E muito, muito mais para os chamados “Oficiais”. Vocês, músicos, nem imaginam quanta coisa eu e o público conhecemos. Agora, vamos à conversa que tive hoje à tarde no Facebook. Vejam a vontade que algumas pessoas demonstram de discutir todas as questões de forma civilizada. Elena Romanov, violinista da Ospa, iniciou a conversa sem maiores intenções e a coisa explodiu..

Elena Romanov ao meu amigo Milton Ribeiro.
Estou tentando fantasiar que um jornalista criticou, por exemplo, um filme em seu blog e veio uma longa discussão virtual entre ele e o elenco com desculpas, explicações, ameaças e xingamentos. Ou que criticou um livro e o escritor veio para brigar e “se defender ”online”. Que falta de classe! Gente, isso é simplesmente surreal… cada um tem o direito de criticar as coisas e ter uma opinião. Relaxem!

Claudia De Ávila Antonini Cara Elena Romanov, é que no Brasil não existe crítica, este é que é o problema. Não sei se ainda é um reflexo da ditadura, mas o costume é só elogiar ou ficar quieto, discordar jamais.

Elena Romanov Pior que já percebi isso. Continuo não entendendo porque no caso da programação da orquestra sinfônica não pode haver crítica e no caso do livro/filme pode.

Claudia De Ávila Antonini Mas Elena, na minha opinião há pouquíssima crítica também a livros/filmes. A maioria das críticas que temos, na verdade, fala só do que já está demonstrado ser inevitável criticar, ou seja, algo que já está muito exposto e comentado pela opinião coletiva e que o “não criticar” seria em si uma “omissão vergonhosa” para o crítico.

Francisco Marshall Quem quiser brigar tem que apanhar pra aprender a se comportar! Ora…

Claudia De Ávila Antonini O que temos com isso é a ausência de um pensamento crítico em geral. Todos os que escrevem, atuam, tocam são elogiados. Não vês que há sempre aplausos de pé no final dos concertos? Eu adoro a orquestra, sou a maior fã mas esta unanimidade me soa muito mal. Não seria esta uma atitude reservada para os dias “especiais”?

Claudia De Ávila Antonini Mas meu caro Francisco Marshall, o Milton adora a possibilidade de discutir o assunto, não está nem um pouco triste com os ânimos quentes.

Ricardo Branco Nos falta um pouco a Kritik , no sentido alemão do termo. Emitimos a opinião pessoal e ela pode ser questionada mas não discutida. Neste caso, criticar é uma adesão e não um desabono ao autor.

Elena Romanov Eu, assim como Augusto Maurer, achei as observações do Milton bastante amigáveis, não sei se é porque tenho outra mentalidade…

Claudia De Ávila Antonini É óbvio que foram amigáveis! Ele ama a OSPA, e eu também.

Claudia De Ávila Antonini Aliás, completando, a gente se preocupa, discute, se informa. Até quando das audiências públicas para a sede no Shopping Total estavamos em todas.

Milton Ribeiro Vi só agora teu post Elena Romanov. É verdade. Eu ia responder hoje ao Tiago Flores e a outras pessoas, mas vieram outros assuntos. É claro que nada tenho contra a instituição, critico apenas o repertório repetitivo e conservador. Agora, eu falo  disto aqui e recebo um contra-ataque lá longe, em outro assunto. Isto me coloca numa falsa posição de ataque à OSPA. Ridículo.

Philip Gastal Mayer Opiniões são opiniões, não há o certo e o errado, há a minha impressão e a sua impressão. A coisa começa a ficar perigosa quando a impressão de uma maioria toma ares de “certo”. Sempre defenderei a crítica, ela é a “oposição” necessária para polir e tornar o objeto ainda mais virtuoso.

Francisco Marshall Não podemos viver sem a OSPA, nem ela sem nós, o público, especialmente o público apreciador e culto. Muitos músicos e dirigentes acham, equivocadamente, que a OSPA existe para eles. Errado. Ela existe para a música, para a história da música (passado, presente e futuro) e para as comunidades de profissionais e de ouvintes que podem e querem preservar e se nutrir do patrimônio musical, viciados em arte como nós dessa lista.

Francisco Marshall Os músicos que amam a música, como Elena Romanov e Augusto Maurer, leem as opiniões com o merecido desprendimento não porque são nossos amigos, mas porque amam a música como nós, ou mais.

Francisco Marshall Acho que o Tiago Flores respondeu educadamente, e tentou esclarecer.

Milton Ribeiro Sem dúvida. Mas os músicos me mandam cópias de e-mails trocados e tem gente que me encara como um hooligan.

Francisco Marshall Mas lembro que deixei de pagar o carnê de sócio da OSPA, com pesar, cansado das numerosas repetições de Sherezade, que é uma linda música, mas conservadora pra caramba. Aliás, ainda existe carnê da OSPA?

Francisco Marshall Há que se buscar um equilíbrio entre tradição e vanguarda, o universal e o local. Se tudo for feito com altíssima qualidade, o valor será indisputável sempre.

Milton Ribeiro Como disse alguém, é uma orquestra sem amigos… E que conversa pouco com seu público.

Elena Romanov ‎Francisco Marshall, a minha lógica é a seguinte: o Milton tem muitos seguidores. Talvez alguns deles consideram que a música clássica foi para extinção antes dos dinossauros. “Mas este cara é legal, valoriza as coisas bonitas, tem um humor brilhante… quem sabe, se ele GOSTOU de alguns programas, eu vou também?”
Eu pagaria por uma propaganda dessas =)

Francisco Marshall Eu e Marcos Abreu sempre deploramos esta perda do sentido comunitário da OSPA, que foi um erro de gestão catastróffco.

Philip Gastal Mayer Perfeito Elena Romanov!

Francisco Marshall Eu acho que os seguidores do Milton Ribeiro, eu incluso. acreditamos apenas que os dinossauros foram extintos, talvez até mesmo por não terem música clássica!

Marcos Abreu Acho que o Francisco Marshall se refere aos “amigos”. Sempre falo e volto a repetir, acho que a OSPA precisa de uma Associação de amigos reais, participantes, atuantes, contribuintes. Todas as orquestras são assim. Afinal, fidelização de clientes é o “trend” do momento. Vejamos que ela tem 1418 curtindo a página, mais 5000 no perfil, 6418 pessoas que curtiram, marcaram, sei lá qual a idéia, mas aposto que menos de 5% sabem do que se trata ou frequentam os concertos. Além do que, nada contribuem além de um click no facebook.

Augusto Maurer Fico feliz por ter ateado fogo a esta auspiciosa e bem frequentada discussão. A parte sobre a burrice de toda unanimidade logo me fez lembrar de

Augusto Maurer ‎Milton Ribeiro: o que esperas para promover isto a post? (o face ainda acarretará a extinção dos blogs) / Francisco Marshall: onde posso ler os esclarecimentos prestados pelo Tiago.

Claudia De Ávila Antonini Apoio totalmente o Marcos Abreu, me deu até vontade de criar uma página “Eu quero ser amiga(a) da OSPA” para reunir interessados e peticionar ao governador, secretário de cultura, presidente e direitores da OSPA para que volte a haver este instrumento democrático de participação do público.

Francisco Marshall Lembro que no debate sobre o horrendo projeto arquitetônico da nova sala, no Caderno de Cultura ZH, respondendo a Maturino Luz, o presidente da FOSPA, Ivo Nesralla, afirmou, entre outras coisas, que a FOSPA é uma autarquia que não devia satisfações à opinião pública. Sintoma claro do que aqui comentamos. Quando e como foi sucateada a Associação de Amigos da OSPA?

Milton Ribeiro Penso que a OSPA mereça melhores cuidados de seus gestores. A criação de uma Associação de Amigos é fundamental por dois motivos: (1) a fidelização e (2) o feedback. Não entendo uma instituição que não dialogue e sei que a OSPA tem entre seus membros verdadeiros apologistas do não-diálogo. Conheço muita gente que teria contribuições a dar. E, sobre o mau repertório, estou cada vez mais tranquilo. Tenho recebido vários e-mails de músicos da OSPA me apoiando. Recebi inclusive um pequeno estudo de repetições de programação, inclusive lembrando o grande dia em que Villa-Lobos completava uma data redonda e foi programado um Festival Mendelssohn. O problema é que eles não querem se identificar. Vá entender!

Francisco Marshall Hehehehe, está em um texto postado em um link do Milton Ribeiro que conta com o teu “curtir”, caro Augusto Maurer:

Francisco Marshall Quantas vezes a OSPA executou a linda fantasia coral de Beethoven com Ney Fialkow?

Francisco Marshall ‎Augusto Maurer, isso foi o que defendi naquele artigo, lembras?

Milton Ribeiro Outra coisa que todas a maioria das orquestras do mundo fazem é música de câmara, normalmente programadas para logo após o intervalo com, obviamente, um efetivo menor de músicos. No caso da OSPA, haveria um ganho secundário: aliviaria um pouco os os músicos dos ensurdecedores ensaios no cais do porto, além de abrir caminho para um repertório imenso e de qualidade. E nem vou falar na valorização dos músicos envolvidos.

Francisco Marshall Eu ofereci o StudioClio ao Dr. Nesralla para agendas de música de câmara, ele gostou da ideia, mas nunca fomos em frente. Independentemente disso, músicos da OSPA formam a elite concertante na agenda de música de câmara do StudioClio. Nós poderíamos realizar também notas de concerto, previamente, ampliando a divulgação, a compreensão e a mobilização para cada concerto. Uma AAOSPA cuidaria disso com uma mão nas costas.

Milton Ribeiro ‎Augusto Maurer, mostra esses argumentos todos para o Tiago Flores. Até para tirar meu estigma de INIMIGO DA INSTITUIÇÃO.

Francisco Marshall Não há esse estigma, Milton Ribeiro, tenho certeza. Aliás, no teu post no Sul21 foi só uma musicista que se manifestou exasperada, estatisticamente irrelevante.

Francisco Marshall Bueno, fratres, com tudo isso, acho que a revolução se aproxima! Tomada pelas letras e ideias!

Milton Ribeiro Vou transformar em post hoje à noite, se tiver tempo. Não vou querer perder esta discussão

Augusto Maurer Ansioso por compartilhar, Milton Ribeiro, com a ressalva de que NÃO FUI EU ! Pois adoro riscar fósforos em tanques de gasolina.

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