O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman

O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman

Ia escrever hoje sobre obra-prima de Bergman, que revimos neste fim de semana. Mas este artigo me pareceu tão explicativo que resolvi apenas copiá-lo. Até porque não gostaria de perdê-lo. As fotos foram colocadas por mim. (MR)

Por Cibele Carvalho Quinelo

O Diretor

Ernest Ingmar Bergman nasceu em Uppsala, na Suécia, em 1918. Filho de um pastor luterano, teve uma infância rígida, marcada por castigos psicológicos e corporais, temas freqüentes em seus trabalhos.

Começou a fazer e dirigir teatro ainda adolescente. Tornou-se famoso como roteirista na Suécia, escrevia para os maiores cineastas da época, e, com Sorrisos de Uma Noite de Amor fez seu nome como diretor de cinema, mas foi com O Sétimo Selo que ganhou fama internacional.

Foi o principal responsável pela recuperação, para o cinema sueco, do prestígio que este perdera na década de 20, com a partida de importantes cineastas para Hollywood.

Fez um total de 54 filmes, 39 peças para o radio e 126 produções teatrais, onde seus temas principais eram Deus, a Morte, a vida, o amor, a solidão, o universo feminino e a incomunicabilidade entre casais, tema onde foi pioneiro no cinema. Tornou-se autor completo de seus filmes e renovou a linguagem cinematográfica. Seus primeiros filmes trazem com frequência influências do naturalismo e do romantismo do cinema francês dos anos 30. Alguns chegaram a ser repelidos por causa do erotismo e expressionismo.

Bergman batendo um papo com a morte
Bergman batendo um papo com a morte

É muito conhecido por seu domínio do métier, por seu conhecimento técnico de câmera, luzes, processos de montagem, criação de personagens e qualidade de celuloide e som. Sempre trabalhava com a mesma equipe técnica e atores.

Ganhou Oscar com os filmes A Fonte da Donzela e Fanny e Alexander.

Da peça ao filme

Bergman dava aulas na Escola de Teatro de Malmö, em 1955. Procurava uma peça para encenar para alguns jovens. Acreditava que essa era a melhor maneira de ensinar. Nada encontrou e então resolveu escrever ele mesmo, dando o titulo de Uma pintura em madeira.

Era um exercício simples e consistia num certo numero de monólogos, menos uma parte. Um dos alunos se preparava para o setor de comédia musical, tinha uma aparência muito boa e ótima voz quando cantava, mas quando falava era uma catástrofe, ficando com o papel de mudo, e ele era o cavaleiro.

Trabalhou bastante com seus alunos e montou a peça. Ocorreu-lhe um dia que deveria fazer um filme da peça e tudo aconteceu naturalmente. Estava hospitalizado no Karolinska, em Estocolmo, o estomago não estava muito bom, e escreveu o roteiro, passando o script para o Svensk Film Industri, que não foi aceito, e só quando veio o sucesso Sorrisos de uma noite de amor (filme que recebeu um premio importante no festival de Cannes) que Ingmar obteve permissão para filmá-lo.

Bergman disse em uma entrevista “Foi baratíssimo e muito simples”, mas na biografia critica de Peter Cowie, a origem de O Sétimo Selo é tratada de modo a aparecer um pouco menos simples. Cowie fornece mais pormenores do que Bergman sugere, diz, que a peça original é um ato para dez estudantes, entre eles Gunnar Bjornstrand, e foi levada a cena pelo próprio Bergman em 1955. Mas a encenação que arrebatou a critica ocorreu em setembro do mesmo ano quando um outro elenco, que contava com a presença de Bibi Anderson dessa vez, representou no Teatro Dramático Real de Estocolmo, sob a direção de Bengt Ekerot (ator e diretor renomado que interpretou a Morte em O Sétimo Selo).

Apenas alguns elementos foram aproveitados no roteiro final do filme: o medo da peste, a queima da feiticeira, a Dança da Morte. Mas a partida de xadrez entre a Morte e o Cavaleiro não havia, e, nem existia o artístico-bufanesco “santo casal” Jof e Mia com seu bebê. Somente Jons, o Escudeiro, não sofreu mudanças.

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Bergman retornou a Suécia, reescreveu o roteiro e reuniu a equipe. Deram-lhe trinta e cinco dias e um orçamento apertado. Foram gastos cerca de 150 mil dólares e o diretor manteve-se dentro do cronograma e do orçamento. O filme foi feito em 1956 e estreou na Suécia em fevereiro de 1957.

Contexto Histórico

O século XIV, que é a época diegética de O Sétimo Selo, assinala o apogeu da crise do sistema feudal, representada pelo trinômio “guerra, peste e fome”, que juntamente com a morte, compõem simbolicamente os “quatro cavaleiros do apocalipse” no final da Idade Média.

Inicialmente, a decadência do feudalismo resulta de problemas estruturais, quando no século XI, a elevada densidade demográfica na Europa, determinou a necessidade de crescimento na produção de alimentos, levando os senhores feudais aumentarem a exploração sobre os servos, que iniciaram uma série de revoltas e fugas, agravando a crise já existente.

As cruzadas entre os séculos XI e XIII representaram um outro revés para o sistema feudal, já que os seus objetivos mais imediatos não foram alcançados: Jerusalém não foi reconquistada pelos cristãos, o cristianismo não foi reunificado, e a crise feudal não foi sequer minimizada, já que a reabertura do mar Mediterrâneo promoveu o Renascimento Comercial e Urbano, que já contextualizam o “pré-capitalismo”, na passagem da Idade Média para a Moderna.

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O trinômio “guerra, peste e fome”, que marcou o século XIV, afetou tanto o feudalismo decadente, como o capitalismo nascente. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra devastou grande parte da Europa ocidental, enquanto que a “peste negra” eliminou cerca de 1/3 da população européia. A destruição dos campos, assolando plantações e rebanhos, trouxe a fome e a morte.

Nesse contexto de transição do feudalismo para o capitalismo, além do desenvolvimento do comércio monetário, notamos transformações sociais, com a projeção da burguesia, políticas com a formação das monarquias nacionais, culturais com o antropocentrismo e racionalismo renascentistas, e até religiosas com a Reforma Protestante e a Contra Reforma.

O filme toca imaginativamente nesse mundo antigo, saturado de feiticeiras, cavalos, fome, peste e fé, depositando confiança em nossa imaginação.

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O filme

Foi o décimo filme que Bergman dirigiu e é uma de suas poucas tramas não-realistas. O roteiro original se lê como peça de teatro e poderia, com alguns retoques, ser montada como tal. Não se encontra nenhum Plano Geral, Zoom ou Pan, nada de Exterior Dia Floresta; nem Interior Dia Taverna; é como uma peça, com relativamente poucas rubricas. Podemos encontrar muitas influências culturais tanto no filme como no próprio roteiro: o quadro dos dois acrobatas de Picasso; A Saga dos Folkung e O Caminho de Damasco de Strindberg; os afrescos religiosos que Bergman viu na Igreja de Haskeborga.

Houve apenas três dias de locação nas filmagens: a sequência de abertura e as tomadas na encosta do morro. As condições atmosféricas, a locação e a luz eram perfeitas e não foi preciso repetir as tomadas. Foi um filme cheio de improvisações, a maior parte filmado nos estúdios, em Rasunda (Suécia). Bergman conta que em uma sequência na floresta, olhando com muita atenção podemos ver as janelas envidraçadas de um bloco de apartamentos, e a torrente na floresta era o transbordamento de um cano solto que ameaçava inundar o local.

A velocidade do andamento das cenas , como uma cena passa para a outra dizendo tudo o que precisa e encarando grandes e pequenas questões com a mesma seriedade, buscando o óbvio, fazem parte do mundo bergmaniano. A clareza dos diálogos, a maneira teatral como são utilizados, também fazem parte desse mundo.

O filme, assim como toda a obra do diretor no seu início, é considerado neo-expressionista. Os cenários são muito rústicos e simples, a maquiagem é impressionante, e muitas vezes os atores aparecem machucados, ou com dentes podres, desprovidos de qualquer regra de higiene atuais, o que dá mais realismo ao filme.

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O Sétimo Selo foi dedicado a Bibi Andersson e ela, assim como Max Von Sydon, Erland Josephson, Ingrid Thulin, Liv Ullman, Harriet Anderson e Gunnar Bjosrnstrand, que começaram com ele no teatro, se tornaram para sempre “atores bergmanianos” e seguiram carreiras internacionais.

O título é uma referência ao capitulo oito do livro das revelações. A história é simples. Um Cavaleiro e seu Escudeiro voltam das Cruzadas. O país está assolado pela peste. Eles se encontram com a Morte e o Cavaleiro faz um trato com ela: enquanto conseguir contê-la numa partida de xadrez, sua vida será poupada. Na viagem pela terra natal, encontram artistas, fanáticos, ladrões, patifes, mas por toda parte a presença da Morte, empenhada em ganhar o jogo por meios lícitos e ilícitos. No fim, todos, menos os artistas, são arrebanhados por ela. Intelectualmente a trama do filme é entretecida com dois: o da busca, pelo Cavaleiro já desesperado, de alguma prova, alguma confirmação de sua fé, e o da atitude do Escudeiro, para quem não existe nada, para além do corpo em carne e osso, senão o vazio.

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O filme articulou perguntas que não se atrevia fazer: quais eram os sinais verdadeiros de que existia um Deus? Onde estava o testemunho coerente de qualquer benevolência divina? Qual era o propósito da oração? A dúvida do Cavaleiro, sua determinação de se apegar aos exercícios exteriores da crença quando o credo interior estava esmigalhado coincidia com a situação de muitos. Mostrou com uma visão simples e totalmente moderna para a época, o relacionamento de Deus com o Homem.

A natureza religiosa da obra de Bergman se manifesta de imediato no filme. Em uma entrevista declarou que utilizava seus filmes para encarar seus temores pessoais, disse ele: “Tenho medo da maior parte das coisas dessa vida” e “Depois daquele filme ainda penso na morte, mas não é mais uma obsessão”, e em O Sétimo Selo ele enfrentou o seu medo da morte. A Morte está presente todo o tempo, e cada um reage de maneira diferente a ela. Deus e a Morte são os grandes pilares do filme, e em grau menor, mas essencial, mostra seus sentimentos sobre o Amor e a Arte.

A tela destinava-se ao divertimento, quem estivesse em busca da verdadeira substância do pensamento abria um livro. Bergman botou isso de pernas para o ar nesse filme, mostrando um cinema não somente para a diversão, mas também para a reflexão.

As pessoas são geralmente muito sérias acerca do que o diretor considera serem questões sérias: Amor, Morte, Religião, Arte. Sua resoluta preocupação com assuntos sérios, mesmo em suas poucas comédias, o distingue e talvez explique porque em certo sentido ele saiu de moda. Ele insiste em enfrentar o todo da vida com seriedade, aborda o total da existência e o que está acima dela, junto com sua religiosidade, transformando-o num estrangeiro de um mundo pós-moderno e em maior parte descrente.

O senso de humor aparece, às vezes sutil e às vezes mais ostensivo como quando a Morte serra árvore para levar o artista, é a cena mais engraçada do filme. Finamente bem humorado – sobre desafios, negociações e as eternas dúvidas e curiosidades em torno de questões metafísicas que atormentaram, atormentam e atormentarão o ser humano. Acredito que Bergman está presente no filme na angústia do cavaleiro que vê sua vida destituída de sentido, e também no ateísmo de seu fiel amigo Escudeiro.

more Ingmar Bergman, Seventh Seal and 1,000,000 more pictures at www.morethings.com/pictures
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O encontro com a Morte

A cena de abertura dá o tom: antes de qualquer imagem a música Dies Irae começa solene. A tela se ilumina, uma nuvem esbranquiçada que se não estivesse ali deixaria tudo cinza e turbulento. O coro interrompe no corte: uma dramática reelaboração da música de Dies Irae. Uma ave aparece pairando quase imóvel no céu, e o pink noise (silêncio), que é muito usado nos filmes de Bergman, dá ainda mais suspense. Outro corte mostra uma praia pedregosa e uma voz calma e suave lê um trecho do apocalipse, ouve-se o barulho das ondas batendo nas pedras.

O Cavaleiro descansa sobre as pedras e um plano mais fechado nos leva para mais perto da ação: tem um tabuleiro de xadrez ao seu lado, e ele segura uma espada na mão. O Escudeiro também dorme e seu amigo abre os olhos e observa o céu.

O dia está nascendo e Antonius se levanta para lavar o rosto. Logo após ajoelha sobre as pedras e faz uma oração, num intenso plano americano, mas seus lábios não se mexem, talvez não saiba mais rezar. Ele vai até o tabuleiro de xadrez, onde as peças já estão montadas, o silêncio traz uma figura parecida com um monge, um fantasma. O Cavaleiro arruma uma sacola e vê aquela figura. Começam a dialogar (uso de planos gerais): “Quem é você?”, “Eu sou a morte”.

E a morte aparece como um homem, uma presença. Segundo Bergman “Essa é a fascinação do palco e do cinema. Se você pega uma cadeira perfeitamente normal e diz “Eis a cadeira mais cara, fantástica e maravilhosa já feita em todo o mundo”, se você diz isso, todos acreditam. Se o Cavaleiro diz “Você é a Morte”, você acredita nisso” .

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Em outro plano a Morte abre seu manto a fim de levar o Cavaleiro, sua pele é muita branca e a “música medieval” impulsiona a ação.

Após o trato sentam-se para jogar xadrez. Antonius parece estar muito calmo diante da tão aterrorizante Morte. Há até um pouco de ironia quando as peças negras são sorteadas para serem jogadas pela morte, que diz para o Cavaleiro, “Bem apropriado não acha?”.

A imagem se dissolve e vemos Antonius numa igreja, olhando uma imagem de Jesus Cristo. Seu rosto, e o talento naturalmente, mas a seriedade e a capacidade também de serenidade desse ator valorizam o filme. É um rosto pensante, a procura de um entendimento da vida, uma indagação antiga, às vezes banal que nos convence. Seus momentos de extrema emoção são quando geralmente ele se vê só, salvo, talvez, por Deus.

As sombras aparecem muito, há muito contraste de claro e escuro e os closes nos personagens são muito usados. Bergman usava muito o close-up porque acreditava que eles mostravam muito da personalidade dos personagens. O sino da igreja toca sem parar, a imagem de Cristo aparece novamente, mas não é uma imagem comum, parece deformada e sofredora.

O Cavaleiro revela sua fé, sua busca. As imagens que estão por perto dele são difíceis de identificar por causa da sombra. Ele confessa esperar o conhecimento da vida, e nós vemos, entre as grades do confessionário que a Morte é quem o ouve. Ela não quer ser reconhecida e nos mostra suas más intenções. O sino cessa e eles continuam a falar de Deus e agora da Morte. Antonius está nervoso, revela sua estratégia para vencer a Morte e mostra todo seu desespero e sua surpresa ao ver que ela o enganou. Um primeiro plano mostra a expressão de seus rostos. As sombras e a escuridão tomam conta de quase toda a tela, e vemos apenas o vulto dos personagens e as grades do confessionário. A Morte vai embora, e ele observa sua mão, o sangue que pulsa nela. Antonius Block se apresenta para os espectadores junto com sua fé, coragem e satisfação, talvez até orgulho de jogar xadrez com a Morte.

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Os flagelantes

A cena com os flagelantes é maravilhosa. Começa com a apresentação dos artistas, numa inocente maneira de divertir o público do vilarejo. Eles dançam, cantam, brincam, tocam instrumentos quando a música entra, dando um clima de terror a cena. É um contraste ver a alegria dos artistas seguidas de tanta dor, culpa, desespero e fé dos torturadores: “Eles acreditam que a peste é um castigo de Deus por eles serem pecadores”.

Os olhos de Jof e Mia se enchem de espanto, assim como a de todas as pessoas que vêem a procissão. A música é apavorante.

Eles passam por uma porteira carregando Imagens e Cruzes. Pessoas deficientes, muito magras e idosas impressionam. Estão vestidos como monges, com roupas esfarrapadas, se ouve os gritos e o barulho dos chicotes. Os closes aparecem freqüentemente mostrando o espanto das pessoas que vêem os flagelantes passar.

Essa cena foi feita em um só dia, os extras foram feitos em clinicas geriátricas da cidade.

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A dança da Morte

Após todos serem arrebanhados pela Morte, o plano que segue é o de Mia, olhando para o céu com seu filho Mickael e Jof ao seu lado, dentro da carroça. Ela acorda o marido e se vêem a salvo. O céu está claro e a cena é a mais iluminada do filme. Eles parecem felizes, os pássaros cantam e, saindo da barraca, jof observa a montanha. Sua expressão é de espanto ao ver todos eles, o ferreiro e lisa, o Cavaleiro, Raval, Jons e Skat, na mais famosa cena do filme, a Dança da Morte. A imagem do ator se difundi com a da dança. “Dançam rumo a escuridão e a chuva cai nos seus rostos”, “No céu tempestuoso”, diz Jof. A trilha impressiona.

“Você e suas fantasias” diz Mia sorrindo, acredita que tudo não passa da imaginação de Jof. Eles vão embora por uma trilha da encosta, os pássaros voltam a cantar e a música agora transmite paz e alegria.

Essa cena foi feita com muita improvisação, tão em cima da hora que um dos atores (o ferreiro) precisou de um dublê. As condições do tempo eram perfeitas e Bergman não precisou repetir a tomada.

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120 anos do catalão Joan Miró, o mestre da simplicidade e alegria

120 anos do catalão Joan Miró, o mestre da simplicidade e alegria
Joan Miró (1893-1983)

Publicado em 20 de abril de 2013 no Sul21.

Joan Miró nasceu há 120 anos, no dia 20 de abril de 1893, na cidade de Barcelona. Este catalão costuma ser classificado entre os surrealistas, mas sua simplicidade e alegria parecem alheias àquela escola. Na verdade, Miró foi influenciado por várias correntes. Os cubistas, os dadaístas e os abstracionistas podem ser facilmente identificados em seus trabalhos.

Apesar da insistência de seus pais, Miró não completou os estudos. Após chegar ao esgotamento nervoso no escritório onde trabalhava quando jovem, seus pais aprovaram que entrasse numa escola de arte em Barcelona. Tinha 19 anos. De 1912 a 1914, estudou com Francisco Galí, que o apresentou às escolas de arte moderna de Paris, transmitindo-lhe sua paixão pelos afrescos de influência bizantina das igrejas da Catalunha e o introduzindo-o à fantástica arquitetura de Antonio Gaudí.

Entre os anos de 1915 a 1919, Miró trabalhou em Montroig, próximo a Barcelona, e em Maiorca, onde pintou paisagens, retratos e nus. Depois, passou a alternar Paris e Montroig. De 1925 a 1928, influenciado pelo dadaísmo, pelo surrealismo e principalmente por Paul Klee, pintou cenas oníricas e paisagens imaginárias.

No fim da sua vida, Miró simplificou sua pintura, reduzindo-a a pontos, linhas e passando a usar basicamente o branco e o preto.

Na década de 1930, fez cenários para balés, e seus quadros passaram a ser expostos regularmente em galerias francesas e americanas. As tapeçarias que realizou em 1934 despertaram seu interesse pela arte monumental e mural. Estava em Paris em meados da década, quando explodiu a guerra civil espanhola, cujos horrores influenciaram sua produção artística desse período.

Apesar da alta qualidade de sua obra, Miró é bastante desigual. Algumas obras revelam grande espontaneidade, enquanto em outras se percebe extremo cuidado, e esse contraste também aparece em suas esculturas. Às vezes, o artista procurava mostrar a realidade de uma forma simplificada, quase infantil, simbólica, sem a complexidade e o mistério do surrealismo; outras vezes tomava caminho inverso.

Miró foi célebre em vida. Expôs seus trabalhos, inclusive as ilustrações feitas para livros, em vários países. Parece haver consenso de que sua mais importante obra é “Números e constelações em Amor com uma Mulher”.

Em 1954, ganhou o prêmio de gravura da Bienal de Veneza e, quatro anos mais tarde, o mural que realizou para o edifício da UNESCO em Paris ganhou o Prêmio Internacional da Fundação Guggenheim. Em 1963, o Museu Nacional de Arte Moderna de Paris realizou uma exposição de toda a sua obra. Joan Miró morreu em Palma de Maiorca, Espanha, em 25 de dezembro de 1983.

Abaixo, algumas de suas principais obras:

Com informações do site http://www.arteducacao.pro.br/

Números e constelações em amor com uma mulher (1941)
Maternidade (1924)
O voo da libélula sobre o sol (1968)

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A lâmpada ainda acesa de Erico Verissimo

Erico Verissimo: fluidez e musicalidade | Foto: Leonid Streliaev

Publicado no Sul21 no último sábado. Copio aqui só para “me colecionar” mesmo.

Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.

ERICO VERISSIMO, Solo de Clarineta, Vol. 1

Difícil distanciar-se de Erico Verissimo. A casa de meus pais tinha todos os livros que ele publicara e os novos eram aguardados com expectativa. Minha mãe é cruzaltense como Erico e o conhecia pessoalmente. Não sei se é mito ou não, mas ouvi dizer que algumas vezes Erico trouxera, de Cruz Alta para Porto Alegre, algumas encomendas enviadas pela família para minha mãe no Colégio Americano, onde era interna. O correio funcionava mal e um portador era sempre bem-vindo. Erico nasceu há 106 anos, em 17 de dezembro de 1905; minha mãe, 22 anos depois, em 1927. Durante o período em que estava morando no colégio, Erico já tinha certamente publicado Clarissa (1933) e Olhai os Lírios do Campo (1938) e devia estar às voltas com O Resto é Silêncio (1943). Diretor da revista do Globo e autor respeitado e traduzido, era uma pequena celebridade.

Por insistência de meus pais, os primeiros livros que li por inteiro foram As Aventuras de Tibicuera (1937), Robinson Crusoe, de Defoe, e o relato das Viagens de Marco Polo. Os três tinham capas duras, poucas figuras, e circularam bastante tempo em meu quarto antes que eu aceitasse a iniciação. Quando pensava naquele monte de letrinhas, achava que dariam um trabalho enorme, mas lembro de ter lido Tibicuera muito, muito rapidamente, sentindo pela primeira vez a fluidez e a facilidade de leitura dos textos de Erico. Nesta época, já estavam em nossa biblioteca os cinco volumes de O Tempo e o Vento, pois originalmente O Continente (1949) era um só volume, assim como O Retrato (1951). Apenas as mais de 1000 páginas de O Arquipélago (1962) foram divididas diretamente em 3 livros.

Opinião ouvida e respeitada nos tempos da ditadura | Foto: Leonid Streliaev

Foi no colégio, durante a ditadura militar, que me fizeram ler O Continente. Foi obra de uma professora que claramente se opunha ao golpe e que logo sumiu do Colégio Júlio de Castilhos. Fiquei feliz ao voltar àquele autor que era uma espécie de reserva moral numa época em que os escritores era pessoas respeitadas e opinavam sobre tudo. Mesmos os militares tinham respeito por Erico. Lamentavelmente para os golpistas, Erico – que nunca foi exatamente um homem de esquerda – não apenas apoiava o MDB como tinha atacado o regime através de seu livro mais escrachado, Incidente em Antares (1971). O romance deixou ainda mais firme a posição de Erico como uma espécie de magistrado e consciência do estado e do país. Quando faleceu, em 1975, a outrora respeitada revista Veja estampou “A Morte de um Brasileiro Consciente” em matéria de capa.

A popularidade de Erico, assim como a de Jorge Amado, eram realidades para as quais é impossível fazer uma analogia atual. Paulo Coelho é muito ruim e ainda místico; Chico Buarque é uma estrela internacional que circula tanto na música quanto na literatura. Talvez a analogia mais próxima seja Milton Hatoum — bom escritor, homem discreto e sem arroubos de estrelismo num tempo em que tais características não levam ninguém à celebridade. Pois Erico era famoso através de sedutores livros, fáceis de ler, “grudentos” mesmo. O estranho é que ele não parecia apreciar esta qualidade, qualificando vários de seus livros como “cronísticos” em palestras e conversas com amigos. A impressão que ficava naqueles que ouviam Erico era (1) a de que ele invejava e considerava-se incapaz de um trabalho de linguagem como o que faziam Guimarães Rosa ou Clarice Lispector e (2) a de uma profunda e sincera modéstia.

Erico na época das visitas ao Departamento de Ordem Pública e Social

Obra

Desempregado, Erico mudou-se para Porto Alegre em dezembro de 1930. Mafalda, sua noiva, permaneceu em Cruz Alta enquanto ele era contratado como secretário de redação da Revista do Globo. Em 1931, casou-se com Mafalda Volpe e os dois passaram a morar em Porto Alegre. Para arredondar o orçamento, Erico começou a traduzir do inglês. Certamente, sua tradução mais lida foi a que fez para Contraponto (Point Counter Point), de Aldous Huxley. Em 1932, publicou sua obra de estreia, Fantoches, um livro bastante ruim e que logo sumiu das prateleiras devido a um incêndio no local ondem estavam armazenados os exemplares para distribuição.

O primeiro romance, Clarissa, foi publicado no ano seguinte. Não vendeu muito, mas após a consagração de Erico, tornou-se leitura obrigatória para adolescentes nos anos 60 e 70. Caminhos Cruzados, publicado em 1935, levou-o a ser chamado pelo Departamento de Ordem Pública e Social. Os policiais queriam saber sua orientação política, eufemismo para descobrir se o jovem autor era comunista. Em 1936, Erico publicou dois romances que continuavam Clarissa: Música ao Longe, pelo qual ganhou o Prêmio Machado de Assis, e Um Lugar ao Sol. Eram livros aceitáveis, preparações para Olhai os Lírios do Campo, obra de grande sucesso no Brasil e que foi traduzida para várias línguas, permitindo a Erico deixar o dia-a-dia da Revista do Globo para tornar-se conselheiro da Editora Globo.

Erico Verissimo no pátio de sua casa com seu gato preto | Foto Leonid Streliaev

Em 1941, Érico Veríssimo permaneceu três meses nos Estados Unidos a fim de proferir conferências financiadas pelo Departamento de Estado do governo Roosevelt. Na volta escreveu o bom O resto é silêncio, cujo ponto de partida é o suicídio de uma mulher que se atira de um edifício. Como já ocorrera com Caminhos Cruzados, o livro recebeu críticas da Igreja Católica em razão da sem-cerimônia com que tratava temas espinhosos e “indecentes”. Depois, mudou-se para os EUA por dois anos, a convite da Universidade de Berkeley. Lá, deu aulas de literatura brasileira. Há dois livros sobre estes períodos americanos: Gato preto em campo de neve (1941) e A volta do gato preto (1947).

Sua melhor obra é o imenso painel chamado O Tempo e o Vento, que começou em 1947. O plano inicial não era o de escrever uma trilogia, mas apenas um longo romance que abarcasse duzentos anos da história do Rio Grande do Sul (de 1745 a 1945). O primeiro volume, O Continente – o mais lido e importante livro de Erico — , saiu em 1949. Bibiana e Ana Terra, Licurgo e o Rodrigo Cambará são personagens que tornaram-se símbolos do Rio Grande do Sul para quem lê o romance inicial da trilogia. Não obstante a continuação, O Continente pode ser lido e compreendido separadamente. Dois anos depois, é publicado o segundo volume de O Tempo e o Vento, O Retrato. Não é um mau livro, mas bastante inferior ao primeiro volume, fato que o escritor admitiu com sua franqueza habitual. O livro perde-se em intermináveis páginas de discussões políticas bastante datadas.

Erico tinha o costume de criticar acidamente sua própria obra

Entre 1953 e 1956, Erico volta aos Estados Unidos para assumir a direção do Departamento de Assuntos Culturais da OEA, em Washington. Lá, tenta escrever a última parte de O Tempo e o Vento, mas o romance não lhe sai. De volta ao Brasil, apesar da saúde atrapalhar, ataca novamente O Arquipélago. O trabalho, imenso, avançou lentamente. Em 1961, após muito desconforto, Erico sofre o primeiro enfarto, mas no ano seguinte finalmente entrega O Arquipélago para publicação. É mais um romance a ser criticado pelo próprio autor, desta vez injustamente. O porte do romance — mais de 1000 páginas, como já dissemos — impediram uma vendagem estrondosa e hoje trechos dele são picotados em partes menores para publicação, caso do extraordinário capítulo O Diário de Sílvia, pura música, relançado separadamente há alguns anos, como se fosse uma novela.

De 1965 a 1971, são publicados três romances muito lidos. O Senhor Embaixador – cujo tema é a influência americana sobre as revoluções latino-americanas e a corrupção e instabilidade do continente – , O Prisioneiro – curioso livro sobre o sudeste asiático, muito antiamericano – e o popularíssimo Incidente em Antares – onde Erico enveredou pelo fantástico a fim de atacar os militares brasileiros.

O escritor faleceu em 1975, após o segundo enfarto | Foto: Leonid Streliaev

Em 1973, publicou o primeiro volume de Solo de Clarineta, sua autobiografia. Ali, ficou claro o que se intuía: a profunda relação que Erico tinha com a música, principalmente com a de Brahms e Bartók em contraposição ao jazz ouvido pelo filho Luís Fernando. O título do livro refere-se ao Quinteto para Clarinete e Cordas, Op. 115, de Brahms. Um segundo enfarto impede a publicação completa do segundo volume de sua autobiografia. No ano seguinte, Flávio Loureiro Chaves realiza a organização dos papéis de Erico e é publicado o insatisfatório Solo de Clarineta II.

A falta de Erico Verissimo

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda – como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

(Carlos Drummond de Andrade, poema escrito logo após a morte de Erico Verissimo)

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Shostakovich – Vida, Música, Tempo (de Lauro Machado Coelho)

Foi uma surpresa descobrir a existência deste calhamaço de 502 páginas, uma biografia do enorme compositor russo-soviético Dmitri Shostakovich (1906-1975). O que não foi absolutamente surpreendente é o fato da biografia ter sido escrita por Lauro Machado Coelho, autor de alentadas obras sobre ópera que têm preenchido o deserto de publicações do gênero com alguns bem-equipados oásis.

Este livro sobre Shostakovich é imprescidível a quem se interessa pelo autor. O volume de informações é inacreditável e fiquei de tal forma envolvido pelo livro que seria quase uma injustiça criticar o trabalho de Lauro, porém, em meio a tanta novidade, consegui vislumbrar o guichê de reclamações e pretendo fazer uso dele. O texto é muitas vezes descuidado. Tenho a impressão de que Lauro necessitava finalizá-lo no ano de 2006 – ano dos cem anos de nascimento de Shosta – e deixou passar alguns parágrafos que são quase anotações esparsas. Pressa, certamente. A editora poderia tê-lo alertado. Deve haver leitores profissionais na Prespectiva, não? Outro fato é que o autor claramente arrepende-se de ter sido tão anticomunista durante o texto e escreve um inteligente e equilibrado último capítulo – talvez o melhor do livro – chamado “O Caso Shostakovich”. É um curioso e necessário recuo. Afinal, Shostakovich utilizou o mais abstrato dos meios para dar o depoimento mais realista da história da música sobre sua contemporaneidade e há controvérsias por todo lado. Shostakovich não nos legou testemunhos confiáveis. Há momentos de descontrole e outros em que já vemos o LMC do último capítulo. Ou seja, carece de revisão.

Agora, só um louco ousaria criticar o que realmente importa: a detalhada cronologia, a notável descrição das obras, a palavra de um indiscutível conhecedor, as valiosas opiniões de um excelente ouvinte. Também elogio a diagramação do livro, que nos deixa duas boas colunas para que façamos anotações e possamos discutir com o autor e suas fontes… Coisa que adoro fazer.

Vocês sabiam que L&PM lançou em pocket a tradução de Lauro Machado Coelho dos poemas de Anna Akhmátova – Poesia: 1912-1964? Pois é, é bom lê-los.

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