Flagrantes Flip 2004 III – Palestras, mesas

Antes de fazer algumas anotações sobre as palestras que assisti, faço registro de um telefonema recebido sexta-feira à tarde, 5 dias após o término da FLIP. Do outro lado estava Augusto Sales. Ele foi o organizador, junto com Mariana Ruiz, da Oficina Literária Veredas de Literatura, ministrada por Milton Hatoum. Para meu espanto, Sales começou a falar sobre a FLIP da mesma forma como eu começaria. Disse-me que ainda estava sem chão, que ainda não tinha conseguido voltar inteiramente ao Rio de Janeiro para trabalhar e seguir a vida. É a mesma impressão que tenho. Ao chegar em Porto Alegre, não fui trabalhar segunda-feira passada (ele chegou a seu escritório às 16h) e tudo o que fiz depois foi toldado pela certeza de que era meio sem graça. O que tinha graça havia ficara em Parati.

Gostaria de ter assistido mais palestras na FLIP. Infelizmente, a venda de ingressos foi uma confusão. Havia pouca coisa disponível para compra antecipada na Internet, mas muitos convidados do Unibanco não se interessavam por nada daquilo e quase sempre conseguíamos entrar comprando ingressos na última hora.

Não vou fazer uma avaliação das diversas mesas, apenas anotarei algumas afirmativas que tiveram valor pessoal, que disseram algo a mim. Tais anotações têm valor somente dentro deste âmbito, o pessoal. A maior decepção da FLIP foi a palestra de Margaret Atwood. Com voz monocórdica, de matemática uniformidade, ela conseguiu pôr toda aquela excitação para dormir. Para piorar as coisas, insistia em contar piadas de escritores. As piadas até que eram boas, mas trata-se de péssima piadista. Uma piada é formada por piada + piadista. Quando falta um dos dois… Fiquei de tal forma mal-humorado que, lá pela metade, demiti-me da palestra e fiquei pensando na vida. Havia muito em que pensar, havia a excelente Oficina com Milton Hatoum e, naquele mesmo dia tínhamos assistido à melhor das mesas… mas poucos estiveram lá. Falo sobre Luiz Vilela e Sérgio Sant`Anna. Nenhum deles tem vocação para showman, apenas têm muito a dizer e o fazem com graça. A partir de agora, vou citar desorganizadamente algumas declarações de memória. Espero não alterá-las muito.

Milton Hatoum (citando Borges): A pintura está no espaço; a literatura, no tempo.

Vilela: Todos nós que escrevemos hoje, um dia fomos leitores; isto é, fomos influenciados por um ou outro ou muitos escritores. Mas há uma coisa fundamental: a influência não cria nada – nem que o cara copie! -, apenas desperta coisas dentro de nós.

Vilela: Há regras para escrever um conto? Parece que Henry James deixou um monte de regrinhas prontas. Respeito James, porém mando suas regras à puta que o pariu. Preciso de liberdade.

Sant`Anna: Olha, gosto muito do Machado de Assis, mas de vez em quando ele é um saco! Leio Machado e penso “lá vem ele com aquela ironia” e ele vem mesmo. É um mestre, mas às vezes é um saco.

Mediador da mesa do Vilela e do Sant`Anna (um cara ótimo, esqueci seu nome): Atenção, jornalistas. A manchete da FLIP de amanhã é SÉRGIO SANT`ANNA DIZ QUE MACHADO É UM SACO. Risadas.

Hatoum: Um romancista precisa de concentração e muita dedicação para escrever. No Brasil é complicado, todo mundo tem que ralar muito para ganhar a vida. O melhor para um romancista é receber uma bolsa na Suíça. Funciona assim: você vai para a Suíça, comete um grave delito e vai preso. Então recebe de graça uma prisão com todo o conforto e escreve seu romance. O que acham?

Sant`Anna: Acho incrível quando a Bravo declara mortas as vanguardas. Será que isto dá Ibope? Guimarães Rosa, homenageado desta FLIP, tão imitado e lido, era retaguarda?

Miguel de Sousa Tavares: Começou sua exposição declamando uma poesia de sua mãe, a imensa Sophia de Mello Breyner Andresen, morta havia 8 dias, e deixou todos encantado com sua argumentação defendendo o romance histórico e contando casos e piadas. Foi o campeão individual da FLIP. Quando fui pegar-lhe um autógrafo, chamei-o de MST. Ele riu e disse que tinha um xerox ampliado de uma capa da Folha de São Paulo que dizia, em letras garrafais: “MST invade Brasília”.

Chico Buarque: Os escritores gostam de dizer que não lêem seus contemporâneos e que seus preferidos são Flaubert, Dostoiévski e Kafka. Todos dizem isto, só muda a ordem dos nomes.

Atwood: É desumano ter de divulgar seu próprio livro quando de um lançamento mundial. A gente pára de escrever. Você não deveria fazer isto comigo, Liz Calder. A editora Liz estava ali ao lado, como mediadora.

Vilela: Recebo um monte de livros de novos escritores. Na maioria das vezes, só leio o primeiro parágrafo. Por exemplo, se o cara começa assim: “O astro-rei escondeu-se por detrás da montanha…”, faço o seguinte: confiro se não é uma paródia e, se não é, desisto na hora. Quase todos os livros não me dão nenhum trabalho.

Vilela: Os leitores acham que, para a gente escrever, basta sentar e a coisa vai saindo. Nada disto, isto só nos acontece no banheiro.

Sant`Anna: O Vilela lê seus textos sentado, deitado e em pé. Diz ele que a perspectiva da leitura depende muito da postura adotada… Vilela confirmou tudo depois.

8 comments / Add your comment below

  1. Gostei muito das maximas, principalmente daquela do Vilela sobre a influencia entre escritores. E achei a do Chico superficial. E, Milton, quando sera’ a proxima FLIP? Eu estou com uns planos de visitar o Novo Mundo e seria otimo se ambas as datas coincidissem. Abracos!

  2. O MST pode ser muito simpático e coisa e tal, mas seu livro Rio de Flores é muito, mas muito ruim; Equador, por seu turno, é só razoável, e parece que MST gastou nesse volume todo seu limitado talento literário. Sérgio Sant’anna? Não costumo me dedicar à leitura de escritores piores que eu, e assim o considero: e olha que para considerá-lo assim o cara tem que ser muito, mas muito ruim mesmo.

    Conversas entre escritores me fizeram lembrar o cara do Viralatas, que não suporta mais os excelsos autores em seus imaginários Olimpos. Cada um costuma achar que é a salvação do mundo, e não passam de famosos “quem?”, a escrever banalidades. Esse problema aflige alguns dos quase conhecidos que, como eu (nada conhecido), começam a querer ditar regras para a leitura disso ou daquilo, para escrever e para falar, além de, de vez em quando, colocar na alça de mira um medalhão e começar a chamá-lo de merdalhão. Coisa antiga, de superar os mestres (herança, sobretudo, das universidades medievais); mas, antigamente, havia um campo mais vasto, dada a carência de conceitos científicos e enormes possibilidades de renovação estética, considerando a clausura representada pela arte retórica em voga. Hoje, para tirar leite de pedra, caímos na obscuridade de textos algo esotéricos, principalmente os de matriz francesa, em 98% dos casos insuportáveis. Tenho saudades, entre os teóricos, da clareza de um Ian Watt, com sua argumentação bem humorada, leve e precisa. E minhas maiores influências literárias são, nesta ordem: Kafka, Dostoiévski e Flaubert…

    1. Não li nenhum dos dois do MST, Marcos.

      Olha, eu gosto do Sérgio Sant`Anna. Posso te dizer que faz muitos anos que não o leio, mas há uns 15 anos atrás considerava-o um importante autor.

      Retiraria Flaubert de minhas influências, manteria os dois restantes e acrescentaria… quem?

      1. “Influências” foi uma blague com a bobagem do Chico, bobão blasé… Pensei que você responderia no mesmo tom: as suas seriam Dostoiévski, Flaubert e Kafka… Existem milhares de bons livros, centenas de ótimos autores, o melhor é nem falar disso. O Sant’anna, penso eu, é um daqueles autores que foram importantes num momento de refluxo (pós-ditadura, pós-literatura engajada, denuncista), e depois foram reavaliados menos pela época e mais pelo que realmente produziram e produzem, em vista a, digamos, eternidade literária. E ele ficou na descarga. Talvez uma releitura traga más surpresas a ti. Diferente do Milton Hatoum, cujos livros transpiram um amor legítimo pelas gentes e literaturas; as bases conceituais dele são grandes, mas não o paralisaram, como a muitos fez, hoje restritos à teoria porque incapazes, munidos do conhecimento de tantos truquinhos literários, criar literatura nova com seus novos truques…

        1. Sim, Hatoum é indiscutível. Só precisaria de alguém para fazer os capítulos finais. Ele quase destrói o que vem antes — que é sempre excelente.

          Acho que gostaria de ler teu livro, Marcos. Deixas?

  3. Dentro e fora do contexto…
    Milton, o Isaac nasceu (07.02.2009 às 9:15): 4,089kg e 52cm. Um tourinho…
    Acabamos de chegar da maternidade: a Ângela está dormindo; o Isaac sonhando no berço…; e eu, uma lesma, a agradecer a Deus, no silêncio…

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