A Bamboletras recomenda três livros muito diferentes entre si

A Bamboletras recomenda três livros muito diferentes entre si

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Um romance de uma autora popular e muito boa, um ensaio sociológico e psicanalítico sobre como as pessoas desprotegidas são as mais acusadas de violência e de como mudar esta situação e a bela despedida de Sérgio Sant`Anna são as dicas da Bamboletras desta semana. Confiram abaixo.

Boa semana e boas leituras!

Corre para garantir seu exemplar aqui na Bamboletras!
📝 Faz teu pedido na Bambô:
📍 De segunda à sábado, das 10h às 19h. Domingos, das 14h às 19h.
🚴🏾 Pede tua tele: (51) 99255 6885 ou 3221 8764.
🖥 Confere o nosso site: bamboletras.com.br
📱 Ou nos contate pelas nossas redes sociais, no Insta ou no Facebook!

.oOo.

Belo mundo, onde você está, de Sally Rooney (Cia. das Letras, 336 páginas, R$ 54,90)

A excelente Sally Rooney, autora de Pessoas Normais, escreve sobre amizade, amor e dúvida em seu terceiro romance. Alice conhece Felix pelo Tinder. Ela é romancista, ele trabalha num armazém nos subúrbios de uma pequena cidade costeira da Irlanda. No primeiro encontro, enquanto os dois tentam impressionar um ao outro, algo mais aparece. Enquanto isso, em Dublin, Eileen está tentando superar o término de seu último relacionamento enquanto precisa lidar com a falta da melhor amiga, Alice, que se mudou para o litoral. Ela acaba voltando a flertar com Simon, um homem mais velho que acompanha sua vida há tempos. Alice, Felix, Eileen e Simon ainda são jovens, mas sentem a pressão do passar dos anos. Eles se desejam, se iludem, se amam e se separam. Preocupam-se com sexo, com amizade, com os rumos do planeta e com o próprio futuro. E conseguirão encontrar uma forma de viver mais uma vez em um belo mundo?

.oOo.

A Força da Não Violência, de Judith Butler (Boitempo,  168 páginas, R$ 49,00)

Em A força da não violência, Judith Butler percorre discussões da filosofia, da ciência política e da psicanálise para reavaliar o que chamamos de violência e não violência e o modo como essas duas expressões se tornam intercambiáveis quando colocadas a serviço, por exemplo, de uma perspectiva individualista das relações sociais. A obra, lançada originalmente em 2020, mostra como a ética da não violência deve estar conectada a uma luta política mais ampla pela igualdade social. A autora rastreia como a violência é, com frequência, atribuída àqueles que são mais expostos a seus efeitos letais. Para Butler, a condição-limite da manifestação da violência se revela quando certas vidas, uma vez perdidas, não são dignas de luto… Expondo os discursos por meio dos quais a desvalorização e a destruição da vida operam, Butler propõe a compreensão da não violência a partir da condição básica da interdependência entre os seres humanos e identifica a não violência como uma prática de resistência à destruição.

.oOo.

A Dama de Branco, de Sérgio Sant`Anna (Cia. das Letras, 192 páginas, R$ 59,90)

Este livro marca a despedida de Sérgio Sant`Anna, uma referência incontornável para gerações de escritores e leitores. No Rio de Janeiro do início da quarentena, o narrador passou a observar uma vizinha que saía de madrugada para dar uma volta no estacionamento a céu aberto. Embora ela não soubesse que estava sendo acompanhada, uma estranha cumplicidade se estabeleceu entre os dois, e sua presença simbolizava a promessa de um encontro arrebatador, ao mesmo tempo em que representava a morte pairando ao redor. Assombroso e revelador, A dama de branco foi o último texto publicado por Sérgio Sant’Anna, que faleceu em 2020 de coronavírus. Além da narrativa que dá título ao livro, o volume é composto por outros dezesseis contos — que tratam da solidão, da memória, do desejo e da própria escrita — e uma novela, que estava em vias de ser terminada. A Dama de Branco atesta que a prosa de Sérgio Sant`Anna manteve-se vigorosa e afiada até os últimos dias.

Sérgio Sant`Anna (1941-2020)

Sérgio Sant’Anna (1941-2020)

Sérgio Sant’Anna (1941-2020)

Eu era leitor de Sérgio Andrade Sant’Anna, depois tomei-me amigo dele no Facebook — dialogamos alegre e gentilmente algumas vezes, falamos de seus livros e de como ele era fisicamente muito parecido com outro grande amigo meu — e sua morte me afeta muito. Foi-se um grande escritor, vítima do coronavírus. João Gilberto, Srta. Simpson, Simulacros, Manfredo Rangel e A Tragédia Brasileira são livros que guardo no ventrículo esquerdo, que é onde o coração bate mais forte. Dias atrás, ele escreveu sobre a grande escuridão. Ele tinha receio que ela estivesse chegando. Puxa vida, Sérgio, não precisava ter acertado, né? Homem íntegro, combateu a ditadura militar e tinha todas as ironias do mundo para nossa atual tragédia.

Foi -se e é mais uma tristeza a marcar esses dias.

Flagrantes Flip 2004 III – Palestras, mesas

Antes de fazer algumas anotações sobre as palestras que assisti, faço registro de um telefonema recebido sexta-feira à tarde, 5 dias após o término da FLIP. Do outro lado estava Augusto Sales. Ele foi o organizador, junto com Mariana Ruiz, da Oficina Literária Veredas de Literatura, ministrada por Milton Hatoum. Para meu espanto, Sales começou a falar sobre a FLIP da mesma forma como eu começaria. Disse-me que ainda estava sem chão, que ainda não tinha conseguido voltar inteiramente ao Rio de Janeiro para trabalhar e seguir a vida. É a mesma impressão que tenho. Ao chegar em Porto Alegre, não fui trabalhar segunda-feira passada (ele chegou a seu escritório às 16h) e tudo o que fiz depois foi toldado pela certeza de que era meio sem graça. O que tinha graça havia ficara em Parati.

Gostaria de ter assistido mais palestras na FLIP. Infelizmente, a venda de ingressos foi uma confusão. Havia pouca coisa disponível para compra antecipada na Internet, mas muitos convidados do Unibanco não se interessavam por nada daquilo e quase sempre conseguíamos entrar comprando ingressos na última hora.

Não vou fazer uma avaliação das diversas mesas, apenas anotarei algumas afirmativas que tiveram valor pessoal, que disseram algo a mim. Tais anotações têm valor somente dentro deste âmbito, o pessoal. A maior decepção da FLIP foi a palestra de Margaret Atwood. Com voz monocórdica, de matemática uniformidade, ela conseguiu pôr toda aquela excitação para dormir. Para piorar as coisas, insistia em contar piadas de escritores. As piadas até que eram boas, mas trata-se de péssima piadista. Uma piada é formada por piada + piadista. Quando falta um dos dois… Fiquei de tal forma mal-humorado que, lá pela metade, demiti-me da palestra e fiquei pensando na vida. Havia muito em que pensar, havia a excelente Oficina com Milton Hatoum e, naquele mesmo dia tínhamos assistido à melhor das mesas… mas poucos estiveram lá. Falo sobre Luiz Vilela e Sérgio Sant`Anna. Nenhum deles tem vocação para showman, apenas têm muito a dizer e o fazem com graça. A partir de agora, vou citar desorganizadamente algumas declarações de memória. Espero não alterá-las muito.

Milton Hatoum (citando Borges): A pintura está no espaço; a literatura, no tempo.

Vilela: Todos nós que escrevemos hoje, um dia fomos leitores; isto é, fomos influenciados por um ou outro ou muitos escritores. Mas há uma coisa fundamental: a influência não cria nada – nem que o cara copie! -, apenas desperta coisas dentro de nós.

Vilela: Há regras para escrever um conto? Parece que Henry James deixou um monte de regrinhas prontas. Respeito James, porém mando suas regras à puta que o pariu. Preciso de liberdade.

Sant`Anna: Olha, gosto muito do Machado de Assis, mas de vez em quando ele é um saco! Leio Machado e penso “lá vem ele com aquela ironia” e ele vem mesmo. É um mestre, mas às vezes é um saco.

Mediador da mesa do Vilela e do Sant`Anna (um cara ótimo, esqueci seu nome): Atenção, jornalistas. A manchete da FLIP de amanhã é SÉRGIO SANT`ANNA DIZ QUE MACHADO É UM SACO. Risadas.

Hatoum: Um romancista precisa de concentração e muita dedicação para escrever. No Brasil é complicado, todo mundo tem que ralar muito para ganhar a vida. O melhor para um romancista é receber uma bolsa na Suíça. Funciona assim: você vai para a Suíça, comete um grave delito e vai preso. Então recebe de graça uma prisão com todo o conforto e escreve seu romance. O que acham?

Sant`Anna: Acho incrível quando a Bravo declara mortas as vanguardas. Será que isto dá Ibope? Guimarães Rosa, homenageado desta FLIP, tão imitado e lido, era retaguarda?

Miguel de Sousa Tavares: Começou sua exposição declamando uma poesia de sua mãe, a imensa Sophia de Mello Breyner Andresen, morta havia 8 dias, e deixou todos encantado com sua argumentação defendendo o romance histórico e contando casos e piadas. Foi o campeão individual da FLIP. Quando fui pegar-lhe um autógrafo, chamei-o de MST. Ele riu e disse que tinha um xerox ampliado de uma capa da Folha de São Paulo que dizia, em letras garrafais: “MST invade Brasília”.

Chico Buarque: Os escritores gostam de dizer que não lêem seus contemporâneos e que seus preferidos são Flaubert, Dostoiévski e Kafka. Todos dizem isto, só muda a ordem dos nomes.

Atwood: É desumano ter de divulgar seu próprio livro quando de um lançamento mundial. A gente pára de escrever. Você não deveria fazer isto comigo, Liz Calder. A editora Liz estava ali ao lado, como mediadora.

Vilela: Recebo um monte de livros de novos escritores. Na maioria das vezes, só leio o primeiro parágrafo. Por exemplo, se o cara começa assim: “O astro-rei escondeu-se por detrás da montanha…”, faço o seguinte: confiro se não é uma paródia e, se não é, desisto na hora. Quase todos os livros não me dão nenhum trabalho.

Vilela: Os leitores acham que, para a gente escrever, basta sentar e a coisa vai saindo. Nada disto, isto só nos acontece no banheiro.

Sant`Anna: O Vilela lê seus textos sentado, deitado e em pé. Diz ele que a perspectiva da leitura depende muito da postura adotada… Vilela confirmou tudo depois.

Flagrantes Flip 2004 I – A noite em que Mônica Salmaso me beijou

Porque a Camila Pavanelli escreveu esta maravilha, revisei e ressuscitei esta historinha escrita há cinco anos às pressas no Aeroporto de Guarulhos, antes do embarque de volta para Porto Alegre.

Poderia iniciar estes flashes pelo jantar perfeito que a Stella nos ofereceu assim que chegamos à São Paulo. Ou seria melhor começar pela noite em que chamei Chico Buarque de “bobão” (*) ? Ou talvez por algumas das palestras? Não, prefiro começar pelo beijo que ganhei de Mônica Salmaso.

Mas antes quero saudar a FLIP. Foi uma longa sessão de oxigenação, gentileza e bom humor. Havia eletricidade no ar. As palestras de Sérgio Sant`Anna + Luiz Vilela, a de Miguel Sousa Tavares (conhecido em Portugal por MST), a Oficina com Milton Hatoum e a palestra de Chico + Paul Auster foram esplêndidas. Conheci pessoalmente muitos blogueiros. Porém, perdi a chance de conhecer meu querido amigo Guiu Lamenha, cujo blog acabou em setembro. Falamo-nos ao telefone e nosso encontro deu errado por culpa minha.

Bom, vamos ao beijo de que tanto me orgulho. Descobrimos que Mônica Salmaso faria um recital com Paulo Bellinati na noite de quinta-feira, às 23h. O local seria o pequeno Paraty Café. Depois de um rápido jantar, fomos para lá. O local estava lotado, cheio, cheíssimo. Havia apenas duas mesas livres; uma para o grupo de Caetano Veloso, outra para o de Arnaldo Antunes. Não havia o que fazer. Porém, na porta estava o tradicional aglomerado de chorões suplicando ao porteiro:

— Não tem um lugarzinho? Nada? Nenhum? Fico em qualquer canto…
— Não! Agora só entrarão convidados da FLIP.

Dei umas voltas por ali com a Claudia, enquanto a Stella desistia e ia às compras. Estávamos quase conformados quando vi que o grupo de suplicantes da porta era encabeçado agora por 3 belas moças. Era nossa chance. Obviamente, aquelas entrariam depois de seduzirem o porteiro — ele já estava todo risonho… — e, quando elas entrassem, eu daria um jeito de entrar junto. Peguei a Claudia pela mão e fomos passando entre as pessoas até a porta. Estava num dilema, pois minha intenção era a de entabular conversação com uma das três moças, a mais bonita, a da frente, mas estava junto com a Claudia, que pode tornar-se ciumenta. Acho que ela entendeu meu plano e comecei a conversar com a desconhecida. A conversação com ela era tão fácil quanto observá-la e, pela forma com que o porteiro já estava seduzido por seus lábios vermelhos e carnudos, era iminente nosso ingresso. Ela suplicava para entrar. Entramos os cinco juntos, enquanto as moças davam abaninhos para o terrível e incorruptível Cérbero (que nos dizia todo feliz para ficarmos bem quietinhos em pé no balcão…).

Lá dentro, pedi para a Claudia falar com um carioca que tinha — não sei como — dois lugares livres em sua mesa. Ela se vingaria de mim e obteria importante ganho secundário. Ela começou dizendo que tínhamos vindo de longe, de Porto Alegre, aquele papo. Ele, outro risonho, perguntou para que time ela torcia e ela lhe respondeu que era gremista. Ele replicou bestamente dizendo que “detestava” colorados… Então ela, de forma muito temerária, declarou que seu marido era colorado e me apresentou ao homem. Ele deu uma risada dando-me os parabéns pela goleada que seu Botafogo tinha imposto ao meu Inter e nos cedeu o lugar. É claro que ficamos todos amigos. A cariocada é sensacional — todo mundo ali era amigo e o que todo mundo queria era a Mônica! Já instalado, telefonei para a Stella.

— Stella, eu e a Claudia estamos aqui dentro.
— Como é que é? Me esperem que eu já vou entrar!

Três minutos depois, sinto alguém tocando meu ombro. Era a Stella e, atrás dela, toda uma cambada. Com sua autoridade natural de psicanalista “holandesa e voadora” que tudo sabe, com seus 1,80m de altura, tinha dito ao porteiro:

— Estamos com o grupo de Milton Ribeiro. Ele nos está aguardando aí dentro.
— Estejam à vontade, senhoras. Entrem, por favor.

Disse-me ela que havia muitos Famosos Alguéns na cidade e que, afinal, eu era o famoso blogueiro Milton Ribeiro!

O recital começou. Meu Deus, toda a malandragem utilizada ganhou um sentido consistente. Que cantora, como ela cresce no palco, como fica bonita, que intérprete! Sem dúvida, é a maior cantora brasileira. Ficamos hipnotizados pela hora e meia daquele recital perfeito. Soubemos depois que servirá de base para um CD da Biscoito Fino.

Após o bis, resolvi comprar o único CD da Mônica que não possuía. Fiquei na fila de autógrafos e, quando chegou minha vez, achei muito longos os segundos ao pé da deusa. Fiquei angustiado, ela não parava de escrever a dedicatória no CD. Então, comecei a falar sobre os contrastes de sua maravilhosa interpretação de “Véspera de Natal” de Adoniran Barbosa, sobre o show, sobre determinada frase que começava pateticamente feliz e terminava pesadamente triste e como ela conseguira nos passar isso, etc. Na verdade, não lembro bem o que disse sobre a música de Adoniran (só lembro que estava inspirado, meus 7 leitores, muito inspirado), mas sei que ela parou, levantou os olhos lentamente para mim, abriu um sorrisão que quase me fez dobrar os joelhos e se dependurou no meu pescoço, dizendo “Você notou? Que lindinho que você é!”. Só depois do beijo estalado na bochecha e de muita conversa é que a musa acabou a dedicatória. Até agora estou nas nuvens.

(*) Esclarecimento Importante: Sábado, em Parati, nós jantamos numa mesa ao lado daquela em que estava Chico Buarque e seus amigos. Eu o chamei de “bobão” em resposta a uma observação feita em voz altíssima por sua filha. Só que minha resposta foi dada em voz baixíssima, só para nossa mesa. Quem sou eu para ofender Chico, mesmo que de brincadeira? No próximo post conto esta história de cabo a rabo, certo?