Flagrantes FLIP 2004 II – A noite que chamei Chico Buarque de bobão

Na última noite em que estaríamos na FLIP, sábado, marcamos um jantar no restaurante mais fino de Parati. Assim, faríamos uma despedida formal e provisória do grupo multiestadual, tendo como ganho secundário a chance de nos vingar de todas as refeições “mais ou menos” que fizemos na cidade.

Cheguei sozinho ao restaurante Porto. Todo mundo — incluindo meus amigos — parecia estar buscando encontros, autógrafos ou simplesmente olhar para Chico Buarque ou Paul Auster. Dois dias antes, a Claudia havia reservado uma mesa para 8 pessoas numa discreta saleta do restaurante. Posso jurar-lhes que ela falou o seguinte: marcando um jantar no melhor restaurante, no último dia e na sala mais escondida, tínhamos boas chances de cruzar com algum dos notáveis da FLIP… Assim que sentei, os donos do estabelecimento vieram falar comigo. Pensei que eles fossem comentaristas do meu blog, tal era a recepção que estava recebendo. Parecia um rei. Depois de alguns minutos, descobri o motivo real.

— Reservamos a mesa ao lado para o Chico Buarque. Talvez o Paul Auster também venha. O Chico pediu que sua presença aqui não fosse divulgada; gosta de tranqüilidade e já está a caminho.
— Sem problemas, só acho que ele vai demorar. Deve estar autografando Budapeste para uma fila que vai até o morro lá atrás.
— Não, ele não vai autografar livros hoje, está quase chegando.

Prometi formalmente que não deixaria nossas mulheres saltarem sobre ele; saltaria sozinho. A Claudia e a Stella chegaram e avisei-lhes que estaríamos na presença do semideus. Minutos depois, entra Chico Buarque acompanhado de sua filha (Sílvia?) e de amigos. Quando alguém se juntava a nós, era curioso apontar para a mesa ao lado e observar a cara de pasmo da criatura. O sangue errava de veia e se perdia, só podia. A mesma ficava balbuciando que estava atrás de um autógrafo e ele… aqui… Às vezes eu olhava rapidamente para a mesa ao lado e ficava pensando no que aquele homem já produzira e em como eu o admirava. Voltava a olhar para a frente e sentia falta de minha irmã — como ela adoraria estar naquele jantar! — e de gente como a Mônica do Crônicas e a Andréa do Literatus, que escreveram maravilhas sobre os 60 anos do músico e escritor. Veio-me também à lembrança uma frase bem prosaica de uma amiga, ouvida há muitos anos: “Meu Deus, se eu visse o Chico Buarque na rua, ele não ia nem ver de onde eu vim”. Achei graça.

O vinho que bebemos era positivamente espantoso – um Merlot argentino da Argento, penso eu – e isto fez com que ficássemos alegres, muito alegres. Bebemos muito. Calma, não aconteceu nada demais, apenas começamos a nos divertir, a contar casos e a rir muito alto. Acho que o ambiente, o vinho, a companhia aqui e ao lado, a FLIP, os livros sobre a mesa, Parati e a proximidade da despedida (provisória, repito) deixou-nos muito apressados para falar e felizes, felizes. Algo semelhante acontecia na mesa de Chico e, repentinamente, a conversa deles nos interessou.

Chico começou a elogiar Débora Secco. Em meio a gritos de seus amigos — todos falavam ao mesmo tempo — disse que ela era linda, maravilhosa, gostosa e tesuda. Onde esconder sua enorme euforia com a atriz? Os homens de sua mesa concordavam e teciam outros elogios, alguns de gênero merecidamente hardcore, enquanto as mulheres olhavam sorridentes esperando pacientemente aquela lamentável crise passar. Porém, havia uma exceção. Sua filha não parecia nada satisfeita com o que afirmava papai e, após muxoxos outros, disse no volume máximo:

– Pai, acho que você saiu direto da Idade do Lobo para a Idade do Bobo.

Todos riram, lá e aqui. Chico jogava o corpo para trás, descontrolado. E então aconteceu a piada. Ela não tem nada de engraçado, ainda mais por escrito. É uma piada de oportunidade, de bêbado, daquelas que quebram a expectativa e o leve nervosismo de estar… bem, com Chico Buarque. Enquanto ríamos do que dissera a filha, eu apontei indiferente o polegar para a mesa deles, voltei-me e disse reservadamente para nosso grupo:

– Bobão!

O curto veredito teve efeito excepcional. Foi uma explosão interminável de gargalhadas. Ainda vejo os rostos contorcidos da Eugênia, da Stella, da Laura, da Sue e da Ivone. E Chico, bobão que é, ficou olhando para nós, querendo adivinhar o motivo para tanta alegria. Era ele mesmo. Um companheiro de trabalho que acaba de ler este texto e é o melhor piadista que conheço, afirma que a piada é até engraçadinha, mas que pode tornar-se irresistível sob o efeito do vinho e da pseudo-irreverência diante da raríssima companhia de um gênio. Chico, meu guri, desculpe, a partir de agora você é nosso bobão.


Toda a vulgaridade de Débora Secco. Te perdoo por te traíres, Chico Bobão.

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  1. Cara! Que belo texto! FLip!Flip!
    O tal do Chico vai ficar com inveja
    (espero então que ele faça uma música e não um livro)
    Quer dizer que o bobão tá comendo a moça agora, é?
    Sensacional.
    abç

  2. Débora Secco? Durante a FLIP desfilam dezenas de mulheres muito mais bonitas… Uma noite, jantando no Banana da Terra com a família, sentou-se, bem à minha frente, cruzando as pernas sob um vestido curto e vaporoso, uma mulher linda, tipo mignon, de refinado recheio que, aguardando vagar uma mesa, sacou do seu livro (tentei descobrir título e autor à distância de 6 metros, mas não conseguir: letras pequenas na capa!) e lia, ciente de seu charme absoluto, sabendo que o intensificava com seus gestos leves e as pernas a dançar para a esquerda, para a direita… Eu ali, abobalhado, e Rachel me pergunta o que há; respondo da maneira mais honesta possível: “Como posso jantar se o conteúdo do prato ganhou rival que dá de goleada?”. Ela olhou para a mulher, concordou, enquanto eu, digamos, sonhava, sonhava… Rachel não se importou: dali saímos e, dois dias depois, estávamos no Rio de Janeiro. Nunca mais vi a tal. E Rachel fechou a tampa: “Que pena, não é? Estamos indo embora e você não teve uma única chance de rever a bonitinha, né?”. Assassinato não resolveria.

  3. Ai ai, nao sei se sou eu o problematico mas so’ de pensar que para comer a fulana eu teria que conversar com ela por pelo menos 5 minutos ja’ me deixa maluco. E eu concordo absolutamente com o Milton acima quanto a personificacao do vulgar.

    Mas agora quem tem que se explicar e’ voce, Milton. Que historia e’ essa de achar que os comentaristas do blog iriam te tratar como um rei? hahaha

    1. Em 2004, havia uma indústria do elogios nos blogs. Eu ia no teu e te elogiava, tu ia no meu e retribuía. Era uma espécie de suruba de elogios.

      Eu achava cômico pois, se quisesse elogios a meus textos, bastava ir no blog dos outros elogiar.

      Aí escrevi um post chamado “A Indústria do Elogio”. Todos concordaram comigo… e seguiram fazendo a mesma coisa.

      Hoje, a coisa mudou. Ainda bem.

      1. Que coisa! Isso me lembra a cena dos meninos no cinema de “A ma’ educacao”, de Almodovar.

        Bem, acho que isto devia ser lamentavel. Penso que as pessoas deveriam visitar os blogs por sincero interesse, como eu faco aqui e acola’. Eu fico imaginando fulano, meio de saco cheio, tendo que visitar os 73 blogs dos seus amigos toda manha para deixar algum elogio, para entao receber 73 comentarios de volta. Muito bom que a coisa mudou.

        1. Guga, acho que mudou mesmo!

          Ninguém mais aparece por aqui dizendo: “Que barato seu blog, adorei o post. Me visite.” Isso era comum em 2003-2004.

      2. Sobre a “Indústria do Elogio”: Imagina se euzinho, por exemplo, entro diariamente no seu blog só para te sacanear, dizer que seus textos são horríveis, sua perspectiva torta, etc… Penso o seguinte: se frequentamos um blog é porque consideramos a maioria dos textos palatáveis, o que é diferente, por exemplo, de um jornal, quando acabamos lendo um monte de coisas detestáveis, como a coluna do Olavo de Carvalho…

        Mas convoco todos os frequentadores destes à próxima FLIP onde, à espreita do Milton à saída de qualquer restaurante, para alvejá-lo com um chuva de textos podres!

  4. Olha, eu já vi uma entrevista da Débora Secco concedida à Marília Gabriela e (embora esta sinopse me assustara inicialmente) acabei achando a moça legal.
    E ela é gremista (dos mais inocentes…).
    Mas, falando a sério, acho que ainda somos tentados a pôr o Chico num extremo e a Débora no outro. Ambos devem ser mais humanos do que aparentam.
    E, visualmente falando (porque fisicamente nunca a vi ao vivo), ela tem um corpo que me faz concordar com o Prestes. E o corpo já é muito útil (embora não suficiente) para muitas coisas.
    Quanto à piada, o mote da coisa, dá p/ imaginar sim.
    Grando abraço, Milton.

    1. Ah, siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmm, diria que um corpo serve para muitas coisas de nosso interesse.

      Já vi que errei em botar a foto da Debby. Vou acabar me dando mal…

  5. Milton,

    não consigo ADORAR o Chico como parece que todos vocês adoram, pela simples razão de ter sido colega dele no colégio interno de Cataguazes, MG. Foi meu caloro, e colaborou num jornalzinho mimiografado que publicávamos no colégio. Era um poeta e o melhor texto era o dele. Isso não posso negar! Seu apelido era Bananal , dado por um bahiano da comissão de trote, que na falta de um apelido melhor, para aquele cara, super timido, de olhos verdes! Um banana! O apelido pegou, e ele inteligente que é, assumiu, e assinava a coluna que chamou: “Quitandinha do Bananal”. Tudo isso que estou contando aqui nunca li em suas biografias, e percebo que esses dois anos que passou em Cataguazes não o são de grata memória!E como o Caetano disse, de perto ninguém é normal. Posso entender que a filha tenha razão, “de lobo a bobão!”

    Abçs

    PS- Gostei de saber dos elogios aos post de anos atrás!!! Tem gente fazendo ainda hoje!

    1. Pô, Eduardo, esta deve ser uma informação preciosa para os biógrafos de Chico. Olha que vai ter gente batendo na tua porta de gravador em punho! Bananal…

      Olha, quanto aos elogios: eu sei de gente que só elogia e, quando não gosta, cala. Ou de gente que procura algo de bom a elogiar. OK. Sem problemas. São pessoas educadas, delicadas, etc.

      O problema que vejo são os que NEM LEEM e elogiam. É claro que não vou dar comprovações disso, mas tenho aos montes.

      O cara, por exemplo, vem aqui e diz:

      “Concordo contigo. Chico Buarque é um metido e um baita bobalhão. Também o detesto. Mas teu blog é demais. Tu és um baita escritor, Nossa!”.

      Autodenunciou-se, certo? Nem deu-se ao trabalho de ler.

  6. Ri comigo mesmo, imaginando a cena, até repeti em voz alta, procurando um tom blasé: “bobão!”. Quanto à Secco, oscilo: já a achei mais gostosinha, mas nessa fase anoréxica não me atrai.
    Dos “anzóis” de elogios quero distância.
    Em tempo: tô doidim pra ir na FLiP.

  7. Pois olha Milton, eu nem precisaria beber muito para chamar o Chico de bobão! Aliás o chamaria de outras coisas também… nem um pouco elogiosas, bem entendido!

  8. Pois olha Milton, eu nem precisaria beber muito para chamar o Chico de bobão! Aliás o chamaria de outras coisas também… nem um pouco elogiosas, bem entendido! De banana, fique certo, depois que eu aprendi com o Eduardo!

  9. Meus sinceros, honestos e invejosos parabéns às damas presentes que não se lançaram aos pés do Bobão (ops, do Chico) a declarar: “eu quero ficar no teu corpo feito tatuagem….” nem sei se teria tamanho autocontrole…
    Bah, FLIP… só Parati já é uma atração… parati +livros+livros+Chico…. aff, que coisa!
    Sorte e saúde pra todos!

  10. É o lado humano, meio-infantil e carente que faz achar o máximo chamar uma pessoa pública de bobão…se fosse um cara totalmente desconhecido seria algo para publicar ??? Esse misto de carinho + inveja + projeção + autopromoção usando o outro como catapulta…é meio-bobinho ou totalmente bobão ???
    Conhecí as 1as músicas do Chico em Petrópolis, cantadas por suas irmãs, ele era um brilhante desconhecido. Sempre esperei algo assim.
    Sua timidez atávica é altamente conhecida. O resto acho meio-degradante . E só seu.
    Por que não deixar o público…privado ???

  11. Quanto a Cataguases, aparece no Chico textos, Pasquim- 1975. Ele disse ter estudado lá e ter colaborado com o jornalzinho…
    So sorry…..

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