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  1. Noite de autógrafos

    Olhava para todos que entravam na livraria, ele ali, sentado numa cadeira estofada velha, posto atrás de uma mesa, tendo à sua direita dezenas de exemplares de seu último livro, cujo lançamento se dava naquela noite, mas parece que não, ou pela divulgação ruim, ou pelo desinteresse dos leitores pelo volume, ou ainda pelo próprio e quase anônimo autor.
    Pagara pela edição, pequena, enviara algumas cartas, convencera alguns amigos a comparecer, contava com algumas presenças, mas as poucas que vieram foram rapidamente embora, sob um constrangimento às vezes desalmado, ora piedoso, mas o comentário mais regular era “Será que ele não desistirá nunca?”
    Seu segundo romance, depois de um primeiro volume de poemas e outro de contos. Alguns elogios, principalmente aos contos, alguns do volume, não todos. O primeiro romance não teve êxito, ele mesmo reconheceu. Mas apostava tudo nesse segundo, escrito com vagar, revisto dezenas de vezes, corrigido, reduzido ao mínimo, escrita seca, com um mínimo indispensável de adjetivos, trama complexa, densa. Um amigo escreve um prefácio super elogioso, e o investimento desta vez valeria a pena.
    Assim pensava antes dessa noite. Depois de algumas vendas, mais ninguém. Pudera, não servia-se nem cafezinho neste lançamento! Pela livraria circulam pouquíssimas pessoas. Entre elas, percebe um sujeito pequeno, pele um pouco morena, cabelos encaracolados vastos, castanhos com fios brancos, óculos redondos sobre sobrancelhas grossas entre um nariz algo grande e caído sobre os lábios murchos. Parecia um estudante daqueles eternos, que freqüentam os bancos escolares à fuga das responsabilidades da vida adulta. Teria vindo para o lançamento e encontrava-se perdido, sem entender que o escritor era ele, tão óbvio, sentado atrás de uma mesa antiquada, repleta de volumes novos, ainda cheirando a tinta?
    Um tipo esquisito. Fuçava um livro e outro, lendo, lendo… Sorriu e pronunciou alto o nome “Carver!” quando se deparou com o volume recém-lançado. Malditos norte-americanos! Escrevem qualquer coisinha e vendem aos milhares, milhões! E o que são afinal Fritzgerald, Hemingway, Faulkner? Bah, evocadores da barbárie! Voltou a olhar o cara, mas ele não estava no mesmo lugar. Reencontrou-o, mas sem qualquer livro na mão. Prestou atenção: sob as vestes largas, havia coisa ali. Tomara que seja pego, o salafrário. Ladrãozinho de meia tigela, e ainda por cima com um péssimo gosto.
    Cansou de esperar. Pegou um volume dos seus, sobre a mesa, e o pôs entre as páginas do jornal do dia, que carregava consigo por conter um aviso do lançamento. Uma pequena nota. Foi andando devagar, tentando representar o papel de um freqüentador qualquer da livraria. Terá o ordinário notado na sua presença anterior à mesa? Sabe-se lá. Mas chegou perto dele, sorrindo com simpatia mas mantendo um ar de conspirador. O outro também sorriu para ele, mas com um ríctus de dor. Sofrerá alguma doença? Estará de ressaca? Será que ele não comeu hoje? Chama-o com um olhar, e o outro se aproxima com naturalidade, enquanto ele age da forma mais suspeita possível. Quando estão bem juntos, o escritor passa para o outro o jornal e, dentro dele, um exemplar de seu livro.
    – Vai, leva. É novo. Lançado hoje. Coisa boa.
    Com a maior pachorra do mundo, o outro saca o livro do meio do jornal, folheia, lê o prefácio em poucos segundos, fazendo uma vista d’olhos, devolve o volume para o escritor e guarda consigo o exemplar do diário.
    – Me gusta robar libros, fala com extrema simpatia o leitor, certamente lotado de exemplares surripiados sob suas roupas (deve ter livro até na bunda, pensou o escritor).
    – Me encanta se alguien se arriesgar a robar un libro mio, respondeu o escritor.
    Mais uma vez o outro sorriu, e se foi. Cara esquisito, nem brasileiro é. Desgraçado. Prefere o idiota do Carver, o idiota do…, o idiota do…, inventivava, ficando possesso, quando percebeu que não estava mais com o próprio livro na mão. Grandessíssimo filho de uma puta, pensou consigo mesmo, mas percebeu que não, falara a frase, e bem alto. Continuou então no mesmo tom, sorrindo às escâncaras. Grandessíssimo filho de uma puta, grande cara! Que ao menos o desgraçado leia o que me roubou – foi com essa frase que terminou sua explicação ao dono da livraria sobre a razão daquele sonoro escândalo. Lágrimas nos olhos de tanto rir, não sei.
    Aos amigos, tudo.

  2. Olá, Milton!! Quanto tempo!!

    Quem te fala é uma companheira de guilda: a Guilda dos Ladrões de Livros, se bem que no meu caso foram álbuns do Asterix. E, claro, há quase trinta anos. Hoje não faço mais, nem faria, mas gosto de ouvir as histórias de outros salafrários juvenis como era eu!

    E por falar em livros fui à Bienal, pela última vez enquanto ela permanecer no Riocentro. A não ser que eu vá como autora… Mas por enquanto isso ainda permancece uma utopia. Só por enquanto.

    Beijo carinhoso,

    Saudades!

  3. PROESIA
    by Ramiro Conceição

    O verdadeiro ato de escrever, antes de tudo, é doação!… É um costurar de botões à efêmera camisa da cultura humana. Sim, o verdadeiro ato de escrever é um florescer quando do terrível tempo da morte insana. Portanto, é um ato de corrupção aos bons costumes que admitem a submissão! O ato de escrever é um MAL contra um BEM que nos levou à perdição do nosso querido Mundo. Logo, o AMOR de escrever é um vômito!… Mas nunca foi, é ou será uma loucura…

    Caros Amigos, por favor, conversem – realmente, mas não ideologicamente!- com um louco… Certamente, inocentemente, ele, com toda a sua ÉTICA, lhes ensinará que a loucura é uma doença que mata! Sim, um louco, verdadeiro, abomina a loucura! Pois sabe do preço real da entrada – e da cruel estrada da solidão – deste nosso circo cínico.

    Idolatramos o ato de criação porque nosso cotidiano é por demais medíocre. O verdadeiro criador é aquele que sempre diz não!!! ao medo imposto; que quer sempre ser mais do que as favas contadas e planejadas destas Companhias globalizadas; o criador verdadeiro sempre está quase só – não por sua vontade – mas pelo isolamento sempre imposto pelo rebanho!!:

    MÉÉÉÉÉÉÉÉ… aos senhores-de-escravos!… MÉÉÉÉÉ…. ao que menos compreendemos, por nossa ignorância colossal!… MÉÉÉÉÉ… às escrituras que se dizem de Deus, mas que foram deturpadas por escrevinhadores prostituídos pelo poder do então… constituído.

    Mais que músicos, escultores, cientistas, políticos, empresários, operários, necessitamos urgentemente de escritores!, pois eles são os inventores verdadeiros das novas palavras que serão cantadas em novas músicas; e concretizadas em novas esculturas; e decifradas em novas leis a fiar o novo trabalho humano da nova HISTÓRIA nossa: ainda analfabeta!

    Viva o escritor que perdoou o ladrão que roubou o seu livro recém-lançado, pois possuía a doação da ESPERANÇA de que pelos menos aquele leria e se tornaria um senhor do que o escritor roubou sinceramente… do seu tempo morto!

    Viva o escritor em lágrimas para os seus Amigos!
    Viva a LITERATURA que virou ― PROSIA!

  4. Pô,meu.Exposição de talentos literários. Garçon,me sirva o mesmo que provocou a ressaca no Nunes. Muito bom o conto, as descrições são afiadas e o final com uma estranha música atonal. (lembrou-me uma cena semelhante no divertido livro doa Martin Amis, “A Informação”.)

    Ramiro, que bom que ty estás aparecendo de novo e sempre por aqui!

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