Confissões de um homem sem caráter

Por Franciel Cruz
(espalhando coisas boas a meu respeito)
(ver última frase do quarto parágrafo)

Com seu inconfundível timbre que passeia entre o mar da Bahia e as montanhas dos Gerais, a mineira Jussara Silveira, talvez a melhor e mais baiana cantora da atualidade, fez a fundamental profissão de fé no Bolero Maria Sampaio. Ouçam: “Amigos são parentes que pude escolher”. Porém, um amigo sacana metido a erudito (esta raça de gente ruim) garante-me que os autores da referida canção, Almiro Oliveira e J. Veloso, se inspiraram na seguinte assertiva do francês Deschamps: les amis — ces parents que l’on se fait soi-même, que, numa tradução malamanhada, seria algo como “Amigos são familiares que cada um escolhe sozinho”.

Foda-se a erudição! Nada entendo de francofilia, direitos autorais e pouco me importa quem vai receber os royalties. O fato é que, há coisa de dois anos, eu escolhi uma nova família: o Impedimento. Foi amizade e admiração à primeira lida. A cada texto era como se a gente já se conhecesse desde sempre. E mais grave: contrariando toda e qualquer lógica, fui acolhido com uma generosidade assombrosa. E quando digo acolhimento não me restrinjo ao sentido figurativo, de dar guarida aos meus desajeitados rabiscos. Nécaras.

Um exemplo? Recebam.

No início de setembro do ano passado, comuniquei a estes meus novos parentes que iria descer a ribanceira rumo a Porto Alegre para orientar o Esporte Clube Vitória na peleja contra o Grêmio. Ato contínuo, Milton Ribeiro, a quem eu não conhecia nem de vista, de nariz ou de chapéu (chupa, Machado de Assis!) abriu as portas de sua casa, oferecendo-me uma excelente estadia, regada a bons papos e rangos de alta qualidade – não necessariamente nesta ordem. E tudo isso sem pedir nada em troca, antes que os hereges comecem a propagar maledicências. Afinal, até onde eu sei, Milton é gaúcho, mas não pratica.

Pois bem.

Tentando retribuir tamanha gentileza, como se existisse alguma forma de retribuição, fiz algo que contraria minha religião. Entreguei a um torcedor de outro time o bem mais precioso dos 18 continentes: uma camisa do Vitória. E ele vestiu o manto Rubro-Negro com orgulho – e fiquei puto. Por quê? Ora. Mesmo tendo sido eu o autor do presente, não conseguia conceber alguém que não torce para o meu Leão envergando a indumentária sagrada.

Aliás, este meu xiitismo leva-me sempre a indelicadezas.

Na antevéspera da final da Copa do Brasil entre Vitória x Santos, por exemplo, estava perdido na noite suja paulistana bebendo com Izabel Marcilio. Lá pra tantas, ela fala sobre suas duas paixões: O Corinthians e o Bahia. Sob o efeito de diversas canjebrinas e do incurável fanatismo, sentenciei. “Quem torce para mais de um time não tem caráter”. A menina Bel, que também possui uma generosa alma impedimentística, relevou.

Quero dizer, relevou, vírgula, pois mulher é bicho vingativo.

No início desta semana, ao ver que eu despejei no Terra Magazine minhas dores e orgulhos inúteis de glórias idem, ela partiu para o fulminante contra-ataque. “Chegando no Terra? Massa, Franciel. Quando tiver mais chegado, pergunte a Bob Fernandes (editor da disgrama) se ele é Baêa ou Santos, que isso de torcer pra dois times, que eu saiba, é coisa de mau caráter”.

Engoli em silêncio, pois não gosto de contrariar mulher.

Quarta, inclusive, a minha Patroa telefonou para esta gloriosa repartição convocando-me para ver um show de um cara com nome jogador francês: Tiganá Santana, exatamente às 20h. Eu quase disse não, mas pensei em meu espinhaço e recorri a Marisa Monte: “Claro, meu bem. O que é que a gente não faz por amor?”.

E fui. Porém, o ponteiro do relógio acelerava e o desinfeliz não parava de cantar. Eu nada ouvia porque minhas vastas emoções e pensamentos imperfeitos estavam voltadas para a partida entre Inter x Chivas. Exatamente às 21h23, o francezinho sai do palco. A plateia pede bis e eu peço uma guilhotinha. Vontade da zorra de enforcar todos aqueles hereges.

Vendo meu desespero, ela pergunta: “O que é que tá acontecendo?” Eu digo: “Nada. É que hoje tem a decisão da Libertadores e estou preocupado com meus amigos gaúchos”. E ela, de bate-pronto: “Não sabia que angústia era contagiante”.

Nem eu. Chego em casa esbaforido e vejo que a porra do time colorado foi contaminado pelo meu nervosismo. Ninguém acerta zorra de nada. Ninguém, vírgula, um viado mexicano manda uma bola no ângulo. 1 x 0. Penso logo nos pênaltis. Afinal, já haviam me ensinado que “No futebol da arquibancada, prova de caráter é ser pessimista”.

Começa o 2º tempo e Rafael Sobis continua enojando meu baba. E quando ele perde uma bola boba na lateral, não resisto e grito para todo o norte e nordeste de Amaralina: “CELSO ROTH, FILHO DA PUTA, bote Alecsandro, carajo, este conhece de futebol, pois já jogou no Vitória. Não quero nem saber se o matador está machucado”. Nem termino o xingamento e Sobis manda a criança para o barbante.

Então, chego à úncia conclusão possíevel naquele momento: sabe tudo este Roth, não foi à toa que começou a carreira treinando o Brioso Rubro-Negro.  O quê? Vai trocar Sobis por Damião? Este Roth não toma jeito. Continua o mesmo sacana que um dia botou Petkovic no banco para colocar Alex Mineiro.  No entanto, Leandro Damião, honrando o sobrenome de nordestino, sai numa correria desabalada como se fora um fugitivo da seca e só para na terra prometida: 2 x 1.

Ninguém dorme mais no pacato nordeste de Amaralina. Nem meu filho, que há poucos dias me propiciara ETERNAS EMOÇÕES, suporta minha algazarra quase solitária e larga a seguinte: Meu pai, você é um alienado.  Nem ligo. Afinal, desprovido de qualquer resquício de caráter, estava comemorando meu primeiro título Internacional.

Essa homilia é dedicada a Teixeirinha.

Originalmente escrito para o Impedimento.

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