Vamos indiciar a mula-alfa Luiz Carlos Prates?

É questão gravíssima mesmo. Acho que devemos pressionar para que este imbecil fascista do Prates ao menos sirva para alguma coisa. O diálogo é entre a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), Magno Malta (PR-ES) e Paulo Paim (PT-RS). Preconceito é crime, não?

Ou clique aqui.

Ou clique aqui.

Telma Scherer, o ciclista e as confusões da Feira do Livro

Na última sexta-feira, entre 18 e 20 horas, enquanto fazia a performance “Não alimente o escritor“, presa a uma casinha de cachorro, a escritora e performer Telma Scherer foi enxotada da Feira com alguma truculência. Com problemas financeiros reais, muito triste — como afirma com escarrada clareza no vídeo abaixo — e não sendo absolutamente doida varrida, Telma acabou vítima da Brigada Militar. Foi levada num camburão para um posto da instituição, sob a vaga acusação de perturbar a ordem e desobedecer a ordem pública, legal, etc.

Eu já sabia do fato, mas só dei-lhe a devida importância quando, segunda-feira, vi um ciclista ser expulso da Feira do Livro com agressividade bem maior do que a utilizada contra Telma Scherer. O menino estava atrapalhando mesmo, caminhando entre as barracas empurrando sua bicicleta e até justificava algumas reclamações de quem se chocava contra a bicicleta. Merecia, no máximo, uma advertência da autoridade, pois, imaginemos, ele estava com aquele capacete meio ridículo dos ciclistas e óculos escuros, talvez viesse de longe e com pouco dinheiro para comprar alguns pockets. Era caso para um tratamento indulgente e educado. Porém o que ocorreu é que ele foi literalmente abalroado por um brigadiano que veio de longe aos gritos de “Para o lado, para o lado”. Como o menino não reagiu imediatamente — custou a ser dar conta que a gritaria era com ele — , o homem seguiu gritando e empurrou o ciclista, que antes apenas olhava com interesse os livros com sua bicicleta. Foi uma cena feia.

Ora, nós estamos numa Feira do Livro. Há estátua de Drummond e Quintana, havia escritores dando palestras sobre ficção russa e um americano falava sobre Clarice Lispector. É um espaço cultural e, goste-se ou não, aprove-se ou não, o anônimo ciclista e a escritora deprimida (com razão, com razão) que resolveu expressar-se em praça pública, devem ser tratados com a gentileza e civilidade que o evento pressupõe. É incrível que após 56 anos anos de Feira não haja um protocolo entre a Câmara Riograndense do Livro e a Brigada Militar para que seus soldados não tratem o povo da Feira como se fossem gente  armada vendendo drogas, apesar de alguns títulos que vi. É incrível que após 56 anos ainda não foi criado um espaço de arte e diálogo a poucos metros de distância da programação oficial. É uma total falta de sensilidade.

Eu tenho críticas à Feira do livro — a oferta de livros muito rotineiros a tornam uma enorme, comum e nauseante livraria média; há nela cada vez mais um perfume de quermesse; há alunos de escolas fazendo passeios bobos sem aproveitar o MARGS, o Memorial, o Erico Verissimo, a Casa de Cultura e o Santander Cultural que estão ao lado — , mas sou grande apreciador das muitas palestras e dos balaios. Como experiente frequentador de um evento que este ano teve 1,7 milhão de pessoas e recorde de vendas (411 mil exemplares vendidos numa capital média como a nossa), afirmo com segurança que tanto Telma quando meu ciclista não atrapalham em absoluto e sim dão um colorido peculiar de protesto e casualidade que deveria ser uma das qualidades da Feira do Livro.

Acho que a Brigada Militar está mais acostumada ao MST que, sem cobertura maior da imprensa, deve receber ordens e detenções sem a menor explicação… Também sou de opinião que a Câmara faz um belo trabalho que deve ser melhorado e que não tem relação com os abusos da polícia da desgovernadora. E, bem, acho que nem preciso declarar minha solidariedade à bonita Telma nem ao anônimo ciclista, né? Só não sei se eles voltarão à Feira, se acham mesmo que ela serve para a promoção da leitura e que é um “espaço cultural”.

Ou clique aqui.

Quero ser interessante

Este é o melhor título que encontrei para a apresentação de hoje à noite da Orquesta Típica Fernández Fierro. É um grupo trovejante. O ritmo e a formação são para o tango, mas são cheios de riffs mais ou menos copiados de Stravinsky e Bartók, acrescidos de algumas citações de Piazzolla. O cantor é engraçadinho e, coitado, não canta nada. Tudo isso ao custo de R$ 40,00. A única coisa boa é que o show é curto, durando apenas uns 50 minutos. Aproximadamente R$ 1,00 por minuto de tortura.

A postura é a do rock n`roll, com muita gente séria, cabeluda e de óculos escuros. Muita pose já vista: um cantor de costas para a plateia, alguns rostos expressando sofrimento nos agressivos “corais de bandoneóns” e outros um ar descompromissado. A sonoridade, normalmente agradável nos grupos com esta formação, é toldada por alguma desafinação e bagunça.

Para ser interessante, há que fazer mais do que crivar a própria música de grifes. Olha, pode-se apenas tocar bem e a gente já fica feliz, mas não era o caso. No caso da OTFF, os caras escrevem péssima música e ainda erram. Difícil achar algo para elogiar.

Carioca, de Chico Buarque

Post publicado em 11 de maio de 2006.

(Antes do Chico, vamos responder à pergunta proposta no post anterior. Foi este cara.)

Sim, é um trabalho muito bem acabado e Chico agrega-se ao notável grupo de MPB da gravadora Biscoito Fino. Não há lugar melhor para ele. Mas não esperem obras-primas como as do passado. Nem é esta a intenção, creio eu. Ser dublê de escritor e compositor popular exige algumas limitações. Carioca é um trabalho clássico, agradável e bom, que só avança na inclusão de um pequeno rap na segunda melhor canção do CD, Ode aos Ratos, com melodia de Edu Lobo. De resto, é um Chico parecido com o de seu último trabalho. Um Chico que não vai tocar no rádio, mas que todas as pessoas interessadas em MPB conhecerão e assobiarão. Um CD de arranjos perfeitamente convencionais, mas com letras de qualidade superior, a gentileza habitual da casa.

Fico meio nervoso quando me deparo com um CD de apenas trinta e sete minutos de duração. Não dá vontade de comprar. Talvez acostumado com os de música erudita e jazz, acho pouco. E, na primeira audição, tomei um susto ao ouvir o dueto com Mônica Salmaso, pois sabia que aquela era a última canção do disco. Já? É demais exigir que Budapeste seja seguido por uma grande obra musical. Afinal, apesar do que dizem as mulheres, Chico é apenas um ser humano; talvez menor do que a imaginação de alguns deseja e certamente maior do que os poucos hostis querem.

O que me surpreende é a forma como os compositores de música popular envelhecem mal. Se Chico bipartiu sua carreira tornando-se um excelente escritor, sua música parece cada vez mais parida a fórceps. Em vez das composições ficarem mais fáceis e naturais, em vez da construção de uma linguagem e de um estilo, os compositores de música popular ficam, com o tempo, encalacrados. O estranho é que os compositores eruditos fazem o caminho contrário, indo paralelamente e na mesma direção do que seria uma vida ideal: sempre melhorando e evoluindo. Parece que a música popular acompanha o envelhecimento físico de seus protagonistas, enquanto que a erudita evolui plenamente com o tempo. Por quê? Talvez Tom Jobim seja daquelas exceções que sirvam – clichê dos clichês – para confirmar a regra.

(A Claudia chega por trás de mim e, em sua permanente campanha para me desacreditar junto a meus sete leitores, esclarece a questão. Diz ela que a música popular vive da emoção e a erudita da técnica. E que o fenômeno Tom Jobim é facilmente explicado por tratar-se de um autor de melodias e harmonias muito mais elaboradas do que as utilizadas pelo comum dos compositores. Claudinha complementa a questão dizendo que, com o tempo, a emoção se acomoda e a técnica se aprimora. Por que não a conheci antes? Fecho parênteses.)

Outro fato que me surpreende é a ordem das músicas. Será que é puro acaso a colocação das melhores músicas todas juntas? Ouvi o disco umas sete vezes e estou convicto que o melhor está entre as faixas de 1 a 5 e de 10 a 12, ou seja, as melhores ficam no começo e no final, para garantir uma boa primeira e última impressões. As faixas de 6 a 9 baixam o nível do trabalho e me causaram algum mau humor, com destaque para a tentativa desesperada do arranjador Luiz Cláudio Ramos de salvar a melodia de As Atrizes com uma instrumentação pesada e cinematográfica. Se isto lhe é permitido pelo tema da canção, resulta em algo difícil de se suportar sem estendermos a mão ao player em busca da próxima faixa. É difícil compreender a insistência dos arranjadores de música popular quando chamam a atenção para o que há de ruim num trabalho em vez de desviar nossa atenção com improvisos instrumentais e um contigente mais leve.

Perfeitas são as canções Outros Sonhos, Ode aos Ratos, Dura na Queda, Leve e a campeã Imagina, com a participação da grande Mônica Salmaso. A propósito, se alguém puder me explicar porque uma melodia tão etérea e sonhadora ganhou um final de touradas, faça-o.

Ou seja, o mundo não vai mudar, nem o Brasil. Guinga continuará sendo o meu número um de hoje e as rádios continuarão nos torturando com a música-tema do filme Closer, Blower´s Daughter (de Damien Rice), devidamente retorcida por Ana Carolina e “Seu” Jorge. Um desastre. Mais detalhes aqui. É isso aííííííííí…

As Canções de Carioca:

01. Subúrbio (Chico Buarque)
02. Outros Sonhos (Chico Buarque)
03. Ode aos Ratos (Edu Lobo / Chico Buarque)
04. Dura na Queda (Chico Buarque)
05. Porque Era Ela, Porque Era Eu (Chico Buarque)
06. As Atrizes (Chico Buarque)
07. Ela Faz Cinema (Chico Buarque)
08. Bolero Blues (Jorge Helder / Chico Buarque)
09. Renata Maria (Ivan Lins / Chico Buarque)
10. Leve (Carlinhos Vergueiro / Chico Buarque)
11. Sempre (Chico Buarque)
12. Imagina (Tom Jobim / Chico Buarque)

A Whiter Shade of Pale, com o Procol Harum

Há décadas que eu me divirto com esta música. Hoje a @aiaiai63 e o @inagaki estavam trocando tuitadas e rindo das roupas e do clipe do primeiro filme. Apesar da observação da época — conhecida de mim, que nasci em 1957 — , fico com o segundo filme.

A Whiter Shade of Pale é a canção de estreia dos ingleses do Procol Harum. O compacto foi lançado em 12 de maio de 1967 e chegou à primeira colocação dentre as músicas mais ouvidas na Inglaterra em 8 de junho de 1967, permanecendo lá por seis semanas. Sem muita promoção, atingiu a quinta posição nas paradas americanas.

São conhecidas mais de 900 gravações por outros artistas. A música foi incluída em inúmeras compilações de sucessos da década de 60 e foi usada em trilhas sonoras de muitos filmes, como The Big Chill, Purple Haze, Breaking the Waves, The Boat That Rocked e, com direção de Martin Scorsese, New York Stories. Outras versões da canção são utilizadas em outros filmes como, por exemplo, a de King Curtis em Withnail and I e a de Annie Lennox em The Net.

Os créditos de composição originais foram somente para Gary Brooker e Keith Reid. Em 30 de julho de 2009, Matthew Fisher ganhou, nos tribunais, direitos de co-autoria.

Enjoy!

Ou clique aqui.

Ou clique aqui.

A cantora que pensa, e mais

Não sou um cara muito atento à MPB e há poucos artistas que têm o poder de me mobilizar para ouvir seus trabalhos. Talvez sejam eles Hermeto Pascoal, Guinga, Mônica Salmaso e Chico Buarque. Posso então dizer que 2007 foi um grande ano: em 4 meses tivemos o último Guinga, Casa de Villa e agora chega esta perfeição de Mônica Salmaso, Noites de Gala, Samba na Rua.

Muita gente já fez trabalhos interpretando Chico Buarque, mas ninguém chegou a este nível. Em primeiro lugar, ao ver a relação de catorze canções, vemos que Mônica decidiu-se finalmente a enfrentar alguns riscos. Construção, música que originalmente fora insuperavelmente arranjada por Rogério Duprat para o próprio Chico, é o maior deles. Porém, se Mônica e o grupo Pau Brasil – que a acompanha em todas as faixas – não supera o original, a nova interpretação é muito boa e não deixa de lado as dissonâncias e as estranhezas que a canção exige.

Como é Mônica? Ora, é uma cantora de grande técnica e de um virtuosismo não voltado ao espetacular e sim à expressão. Tem voz belíssima, meio entubada, perfeita para as canções intimistas e inadequada às músicas “pra cima”. Sim, é um enorme elogio, mas vá ouvir o CD antes de reclamar que exagero.

Voltando ao CD. Nele há alguns achados como a desconhecida e malandríssima Logo eu e a pouco executada Você você que Chico escreveu para um neto que ainda não havia nascido e que recebe de Mônica Salmaso uma interpretação de indescritível carinho para com seu filho Theo, que se encontrava na sua barriga de sete meses à época da gravação. É arrepiante. Além das citadas, o resto do CD, sempre com o criativo acompanhamento do grupo Pau Brasil – pontuado de silêncios, acústico, presente mas sem pontificar e com um extraordinários violonista e pianista – tem seus melhores momentos em Morena dos Olhos D`Água, Ciranda da Bailarina (em extraordinário registro com bem humoradas marimbas), Partido Alto, Suburbano Coração e O Velho Francisco. Mas as outras não são nada esquecíveis.

Se você está atrás de milagres, esqueça Bento XVI e fique com Mônica Salmaso. Pode comprar hoje! Se não gostar, por favor, não me avise, pois eu ficarei muito desconfiado.

Posso contar uma história? Eu estava assistindo um show de Mônica Salmaso em Parati. Terminado o espetáculo – e foi mesmo um espetáculo -, resolvi comprar um CD dela que não tinha e entrei na fila de autógrafos. OK, eu sou um filha-da-puta e, nos cinco minutos em que fiquei na fila pensei em dizer algo muito marcante a ela, que é uma mulher comunicativa e simpaticíssima. Foram cinco minutos de considerável trabalho para meu limitado cérebro. Pensei ter encontrado a solução quando ecoei uma frase de Adoniran Barbosa que Mônica recém dividira de forma brilhante, conseguindo que sua tristeza e humor (que esqueci) ficasse longe do patético, permanecendo dentro do habitat poético que merecia. Resumi e decorei direitinho o que devia dizer e, quando entreguei-lhe o CD para a assinatura e depois de dizer meu nome, despejei meu discurso. O efeito foi monumental. Ela se levantou subitamente como se o botão de eject tivesse sido abruptamente acionado, deu a volta na mesa e lançou-se sobre mim num daqueles abraços em que a gente fica balançando como se fosse um João Bobo ou como um reencontro de velhos e íntimos amigos, separados há uma década.

— Ai, que felicidade ouvir isso. Aquele trecho é dificílimo, é o centro, o cerne da música e foi o maior trabalho entender como devia ser cantada. Fiquei anos tentando! Você é músico?

E ficamos conversando por alguns minutos, pouquíssimos para mim e longos para o resto da fila que ficou comentando quem era aquele cara que tinha alugado a Mônica… Depois lhe disse rindo que viera a Parati só para ouvi-la. Ela deu uma gargalhada:

– Ô gaúcho mentiroso. Você veio pra FLIP!

Claro, claro.

Oh, eu sei, sei que não deveria contar sem constrangimento uma história em que brilho tanto, mas, acreditem, eu ESTOU constrangido, mas é que me orgulha tanto, sabe…? 

Mas houve outro lançamento relevante. A cantora portuguesa Teresa Salgueiro, do Madredeus, reaparece muito bem, muito bem mesmo, em seu segundo trabalho solo. Ela canta 22 clássicos da MPB de todos os tempos e surpreende por várias razões. A primeira pelo fato de ela ter esquecido em algum lugar seu sotaque português. Sim, alguma coisa ficou – ninguém no Brasil canta “eu voU pra Maracangália, eu voU” – e às vezes o sotaque volta, mas, pô, o que conseguiu foi outro milagre. A segunda é que a voz de Teresa vestiu-se de profana ao abandonar inteiramente a impostação quase clássica exigida pelo grupo português, mostrando que ela pode e faz o que quer. Você imagina Teresa Salgueiro saracoteando, dançando? Bem, se imagina, deve ter uma vida interior muito tumultuada.

Aqui também temos um extraordinário grupo de músicos trabalhando em favor da música. Trata-se do Septeto de João Cristal (prazer em conhecer). O trabalho dos caras é genial. O CD de Teresa está vendendo muito na Europa, principalmente na Alemanha e entre os ibéricos. Gostaria de saber o que pensam os portugueses de sua cantora, agora com sotaque brasileiro. Penso em quando Elis Regina chegou ao Rio de Janeiro e, para horror de alguns gaúchos, começou a chiar…

Se você tiver grana para apenas um CD, compre o de Mônica. Mas se der parcelar no cartão, leve os dois. O Milton garante, apesar repelir quaisquer protestos.

A fé que atrasa o mundo

O escritor britânico Christopher Hitchens falou sobre o mal que as religiões causam à política internacional.

Por Gabriel Brust

Na noite em que lançou no Brasil seu mais novo livro, o polêmico escritor Christopher Hitchens despejou uma hora de críticas à fé religiosa em sua palestra no ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento. Para o britânico, que também participou de sessão de autógrafos de Deus Não é Grande – Como a Religião Envenena Tudo, decidir entre a razão e o divino é uma questão urgente.

Embora o debate seja antigo, para Hitchens o momento histórico e a conjuntura internacional — com regimes baseados em religião se multiplicando pelo mundo — exige que ele volte à pauta.

— Precisamos decidir se estamos aqui pelo resultado das leis da Biologia, ou segundo um plano divino, que não tem nada a ver com nossa vontade — afirmou o escritor.

Conhecido por criticar figuras incontestáveis no imaginário político internacional, como a Princesa Diana, Hitchens não tem dúvida sobre qual a decisão a ser tomada.

— A religião foi a tentativa primeira e mais primitiva de tentar descobrir o que é a verdade e o que é o bem. Ela surgiu numa época em que sabíamos muito pouco, na infância aterrorizada de nossa espécie — explicou o autor.

Implacável com a questão religiosa, o autor acabou deixando de lado o debate político, pelo qual ficou mais conhecido em livros como Amor, Pobreza e Guerra e Cartas a Um Jovem Contestador. Ontem, os argumentos de Hitchens foram todos contra a religião. Com o conhecimento de quem trabalhou muito tempo como correspondente internacional, traçou uma espécie de relatório da geopolítica religiosa. No Irã, uma teocracia. Nos Estados Unidos, cristãos influenciando o ensino. Na Rússia, a Igreja Ortodoxa pregando o ódio aos judeus.

O autor diz que o argumento de que a religião forneceu bases morais para o mundo é falso:

— A Bíblia diz que somos feitos de pó, que nascemos do pecado, mas que Deus nos ama. Isso é um truque sadomasoquista, que não se destina à saúde psíquica e moral.

Hitchens não obteve resposta ao lançar um desafio ao público:

— Desafio alguém a me mostrar uma ação moral feita por um crente que não possa ser repetida por um não-crente.

Para finalizar, esclareceu que não é um ateu, mas um antiateísta, alguém que não crê em Deus e também não acha que seria bom se ele existisse:

— Sou um antiateísta, me sinto melhor sabendo que não existe um déspota celeste que nega a nossa liberdade.

P.S.- A propósito, Gabriel, não seria antiteísta em vez de antiateísta?

Mstislav Rostropovich (1927-2007)

Eu o vi apenas uma vez, em Buenos Aires, no Colón. Tocou os dois concertos de Haydn, solando e regendo. Como bis, alguns movimentos das Suítes para Violoncelo Solo de Bach. Nada mal para quem só teve dinheiro para entrar na galeria mais alta do Colón, de onde podia ver sua reluzente careca tirando um som estupendo do instrumento — e era algo que parecia bater no nosso ouvido e, curiosamente, também no estômago. Mexia-se muito, mas parecia fazer o que fazia com extrema facilidade. Parecia uma brincadeira. Talvez as maiores obras para violoncelo do século XX tenham sido dedicadas e estreadas por Rostropovich. Os dois concertos de Shostakovich, a notável Sinfonia Concertante de Prokofiev — ambos professores seus no Conservatório de Moscou — e a Sonata de Britten foram escritas para ele. Penderecki também batizou um de seus “solos” para violoncelo com um lacônico Para Slava. Tímido, gentil, sério e inteligente, foi antes de tudo um enorme músico.

Era daquela classe de semideuses que hoje parece em vias de extinção e da qual faziam parte Rubinstein, Heifetz, Gilels, Richter e Richter, Oistrakh, Arrau, Carlos Kleiber, Karajan, Leonhardt (este vivo, e como!), Harnoncourt (idem!), Klemperer, Walter, Furtwangler e poucos outros. Com o tempo, surgiu o maestro Rostropovich. Um pouco entediado de tocar cello, queria expandir seu repertório, dizia com simplicidade. E é como regente que faz algumas das melhores gravações dos anos 90. Um belo dia de 1989, após a queda do muro e sem aviso prévio, esse cidadão, que dizia e sabia rir de si mesmo e do mundo, viaja a Berlim, caminha com seu cello até o muro, senta-se e dá um concerto para quem estivesse por ali (foto acima). As Suítes de Bach, claro. A explicação? “Fiz o que meu coração mandou. Era um ajuste de contas”. Abaixo, Slava por Salvador Dali.

Apesar de terem razão, ecologistas são chatos e preguiçosos

Geralmente as sacolas plásticas têm mais conteúdo do que os ambientalistas.

Ricardo Henriques, vulgo @calhau

Não sei o motivo pelo qual tanta gente chata se interessa por ecologia. É algo complicado. Conheço uns legais, mas afirmo que são minoria. Parece que certos temas são perseguidos por chatos. É algo a ser analisado e combatido, porque o meio ambiente… Não, eu não!

Eu talvez tenha feito a minha parte ao apoiar as decisões daqueles que projetaram nossa casa de forma um pouco diferente e original. Construímos com dificuldades ainda não totalmente pagas um pequeno edifício de dois apartamentos e terraço de uso comum. No primeiro andar ficamos nós, no de cima a família do irmão de minha mulher — que não mora mais lá — , e no térreo é a garagem e os quartos dos guris (Bernardo e Bárbara). Na verdade, quem concebeu as novidades mais econômicas e corretas do ponto de vista ecológico foi o irmão da Claudia, que é engenheiro — essa raça cheia de fantasia, principalmente a que de são objetivos. A construção foi lenta, mas as características que vou tentar descrever abaixo tiveram pouca influência na demora. O que influenciou mesmo foram “os recursos” e a necessidade de obter empréstimos em meio a obra.

O que há de diferente em nossa nova casa:

1. As paredes duplas.

Objetivo: manter o conforto térmico sem gastar carradas com ar condicionado.

Construir um prédio com operários brasileiros e com especificações diferentes das habituais é uma coisa para loucos. A nossa construção possui paredes duplas de tijolos maciços. Entre elas, fica o melhor isolante térmico, o ar. Mas os pedreiros demonstraram sempre uma insopitável vontade de preencher o ar entre elas com cimento… Ai, meu Jisuis, até todas as possibilidades de acesso ao vão serem fechadas, tivemos que conviver com a ameaça de ver o conforto térmico planejado ir pelos ares ou ser tapado por cimento. Não foi uma vez que um pedreiro começou a virar baldes de cimento naquele espaço inútil…

Resultado prático: Nulo. Quando esquenta, os habitantes (inclusive eu) abrem as janelas. Quando esfria, tudo é fechado. As paredes duplas são boicotadas pelos habitantes.

2. O telhado de grama.

Objetivo: o mesmo anterior.

Muito comum na Europa e principalmente nos países nórdicos, o telhado de grama fica sobre o terraço impermeabilizado, acrescido de uma geomembrana, utilizada também em lagos artificiais. A grama, assim como nós, precisa manter sua temperatura estável. Para sobreviver, utiliza sua umidade. Claro que, se tivermos um gramado sobre a casa, quem estiver em baixo receberá o ganho secundário de não ter uma potencial estufa em seu teto. Protegido desta forma e com muita fé na ciência — ou seja, com as quatro paredes laterais e o teto livre da canícula — , o irmão da Claudia não previu a colocação de nenhum ar condicionado, não fazendo nem os buracos nas paredes para recebê-los.. Nós, mais céticos, aprovamos as idéias, mas mantivemos nossos buracos… Afinal, nossos termostatos parecem ter sido regulados na Suécia; odiamos o calor excessivo. A curiosidade é que o banco financiador, o Banrisul, por pura ignorância, não aprova projetos com telhados de grama. Apesar de toda a documentação apresentada, eles morrem de medo de infiltrações na construção que lhes servirá de garantia em caso de não pagamento. Ou seja, cidadãos comuns como nós estamos mais avançados do que o estabelecido pelos “técnicos” do banco financiador.

Resultado: Nulo, enquanto não nos livrarmos do Banrisul.

3. Reaproveitamento da água.

Objetivo: óbvio.

A maior parte da água consumida em uma casa é aquela que finaliza nossos nros. 1 e 2 diários ou, sendo mais claro, vai para as privadas. A água das privadas de nosso prédio será aquela que já foi utilizada em nossos banhos, na lavagem de nossa louça, etc. Esta é mais uma idéia do irmão da Claudia – o qual até tem nome, chama-se Natal, uma tragédia que herdou. Ele é engenheiro mecânico e trabalha no DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos) de Porto Alegre, conhece estas coisas de hidráulica. Porém, toda vez que um técnico vai em nossa casa fazer algum reparo, pergunta:

— Isto foi projetado pelo professor Pardal?

Resultado: acho que funciona.

4. Sombreamento de áreas do pátio com trepadeiras e plantas frutíferas.

Objetivo: produzir sombra no verão e deixar passar o sol no inverno.

No pátio, temos maracujás e parreira e bergamoteira e alfazemas e trepadeiras e manjericão para o pesto. Com o tempo, descobri que os corretos ecologistas são bons de promessa, não de botar água nas plantas. Sobra sempre para mim que, menos ambientalista e mais político, nego-me a ter um DOI-CODI de plantas em casa. Extingui de vez a Central de Torturas, que só se mantém no terraço, a fim de que sirva de lição para a humanidade não provocar outros holocaustos. Quando começaram as mortes, fui obrigado a assumir toda a plantação — menos a do terraço. Os ecologistas me veem da janela e, por vezes, abanam ou puxam conversa. Só.

Resultado: há alguma felicidade entre as plantas, mas não é devida a quem planejou a coisa.

5. Composteiras e outras bichices.

Os ecologistas cansaram, outros ficaram com medo de ratos e outros animais ferozes. Nunca saíram dos planos.

O conto que não queria calar

No tempo em que as pessoas comentavam e, portanto, interagiam mais em blogs, os leitores resolveram encrencar com Para não falar de todas as mulheres. Disseram que o conto não tinha final… E três escreveram finais para minha história. Outros também fizeram o mesmo, como dá para deduzir pelos comentários. Eu mesmo escrevi um depois, mas rejeitei. Abaixo, o post com as continuações e sua interessante caixa de comentários.

Alguns de vocês leram Para não falar de todas essas mulheres que publiquei há mais ou menos 10 dias. Por iniciativa do Valter Ferraz, houve três continuações do conto, a dele, a da Adelaide Amorim e a da Lulu.

Isto nunca tinha me acontecido e fico entre o homenageado, o feliz e o desconcertado. Os personagens Luana e Juliano me vieram assim de surpresa, durante um almoço com minha filha. Não tenho grande intimidade com eles. Duas horas depois, enquanto esperava o final de sua aula de equitação, escrevi o conto – que é curtíssimo – em menos de uma hora. Uma semana depois, mesmo achando que o o conto estava completo, rascunhei uma continuação, mas não fiquei satisfeito. Abaixo, estão, em ordem alfabética, a continuação da Adelaide, e a do Valter. A da Lulu vem depois, pois continua a do Valter.

~. ~

Adelaide Amorim deu-lhe continuidade:

Para não falar de todas essas mulheres (continuação)

Luana saiu do restaurante Velho Quintino convencida de que Juliano não passava de um menino mimado, incapaz de perceber as coisas em suas devidas proporções – e, pior que tudo, sem o mínimo senso de humor. Onde já se viu, fazer beicinho por causa de um fora dado em plena hora de almoço num quilo comercial?! Não devia nem ter começado, que aquele não era o lugar adequado. O que é que ele estava pensando? Por quem a tomaria, afinal? Devia ter percebido logo que daquele jeito conseguiria no máximo seu desdém, e que talvez mesmo esse já fosse demais. Na verdade, gostaria de nem estar mais remoendo essa historinha insossa.

Houve quem disfarçadamente acompanhasse o diálogo dos dois, e a olhasse com uma censura velada no olhar. Percebeu isso durante o trajeto em frente ao bufê, enquanto faziam seus pratos. Danem-se os outros. Tinha sido honesta, isso ninguém podia discutir. Dissera a ele tudo que fizera por ouvir. Como dizia sua avó, quem diz o que quer, ouve o que não quer. Um cara que mal tinha começado a fazer barba, estreando o primeiro emprego, imaginar que ela lhe daria atenção, era demais. Não se tocava, o Juliano, francamente. Depois, seus planos de futuro estavam traçados, e não havia de ser por causa de um fedelho daqueles que iria desistir de seus projetos. Crescesse e aparecesse. Que é que um carinha daqueles podia oferecer a uma mulher igual a ela, apta a fazer a felicidade de um homem maduro, experiente e realizado?

Trabalhou o resto da tarde tomada de certo mau humor, como se o almoço não lhe tivesse caído muito bem. Uma dorzinha de cabeça persistente piorava ainda mais seu mal-estar. E mesmo sem se aperceber disso, a presença de Juliano a incomodava como um sapato apertado. Acabou esquecendo o assunto com o telefonema de um amigo jornalista, recém-chegado de uma cidade do interior, cheio de novidades interessantes para contar. Combinaram almoçar no dia seguinte e isso restabeleceu sua disposição habitual.

Às sete chegou a seu apartamento, carregando um sanduíche natural da lanchonete ao lado do trabalho, como fazia quase sempre. Cheia de fome, ligou a secretária para ouvir os recados, enquanto largava os sapatos na área de serviço, deixava a bolsa no cabide do quarto e tirava o relógio e os anéis para lavar as mãos.

Pois não é que a primeira mensagem vinha na voz do boboca do Juliano? Num primeiro impulso, não quis escutar o recado. Deixou a torneira da pia toda aberta, e o ruído da água se misturou com a voz na fita. Só fechou torneira quando o recado chegou ao fim, para ouvir as outras mensagens gravadas. Eram só duas, uma de sua mãe e outra de uma amiga com quem conversava quase todas as noites. Tinha esperado outro recado numa outra voz, mas não havia mais nada para ouvir. Sentou à frente do sanduíche e percebeu que havia perdido a fome.

Desapontada, voltou à sala e tornou a ligar a secretária. Dessa vez ouviu a voz contida de Juliano como se estivessem sentados lado a lado. “Desculpe aquela história lá no restaurante. Não queria chatear você. Você tinha razão. Acho que até devo agradecer pela reação, mesmo que no momento tenha me parecido brusca demais. Foi como uma sacudida, que me abriu os olhos para o mundo que, na minha idade, está cheio de possibilidades que eu, feito um bobo, iria jogar fora. Afinal, ganhei o dia e talvez tenha ganho a minha vida. Obrigado mesmo, valeu, Luana.

Mas não se leve tão a sério. Mesmo que consiga fisgar seu velho milionário, nada impede que a gente possa se divertir juntos. Ainda não estou na idade de assumir compromissos, mas sou um cara cheio de saúde, com uma queda por mulheres gostosinhas. Além disso, você sabe, às vezes a idade e as preocupações que o dinheiro traz prejudicam um pouco o desempenho de um homem nas horas mais críticas.

Pense nisso, querida. Conte comigo. Beijos.”

Desligou a secretária e o clique da tecla pareceu estalar dentro de sua cabeça. A dor tinha voltado, o apetite fora embora de vez e ela empurrou a almofada do sofá para longe. Palhaço, rosnou, irritada. Palhaço, repetiu com menos força. Cafajeste, disse, um pouco mais alto, e repetiu lentamente, escandindo as sílabas.

Da janela chegava um resto da claridade do verão, que ainda não tinha terminado.

~. ~

A do Valter Ferraz é totalmente diferente e começa citando o comentário que Cláudio Costa escreveu em meu blog:

Existem muitas ‘Luanas’ por aí, dessas que sonham com homens mais velhos. Têm explicações racionais – “os mais velhos tratam-nos melhor” – talvez para esconder motivos ocultos, desejos outros. Nem é necessário recorrer ao austríaco Sigmund para pensar nos conflitos edipianos de ‘luanas’ e ‘julianos’: ela, a menina, busca proteção, carinho e experiência; ele, meninão, carece de colo, compreensão e ternura. Sexo também, claro, pois Éros já habita em nós desde os cueiros. Troca, compartilhamento, doação? Nem pensar! São versões de uma novela antiga. Diria, por pura exibição: père-versions. Voltemos à mesa e brindemos: – Evoé!

O grupo saiu do restaurante na noite fria. Andavam apressados, conversavam animadamente. Menos Juliano. Ía pensando nas palavras de Luana. O quê exatamente ela esperava da vida, meu Deus do céu! pensou quase em voz alta. Há tempo sentia-se apaixonado pela garota. Vinha testando as possibilidades. Naquela noite, depois do vinho animara-se. E ela lhe parecia tão acessível. Enganara-se. Completamente. Ela não lhe deixou esperança alguma. Cortou em meio às palavras que ele começava a lhe dirigir. E sua alegria esfuziante como se nada mais tivesse importância, pelo ao menos a mesma importância que ele emprestava ao fato, achatava-o de encontro aos próprios sentimentos. Reduziam-no a um nada. Um boboca sonhador. À frente em meio ao grupo barulhento, Luana seguia sua vida. Completamente esquecida do quanto magoara e ferira os sentimentos do jovem Juliano. O que ele buscava exatamente nela? Bom, pensou: amor, carinho e companheirismo. Estava farto daquelas saídas alegres, descompromissadas, inúteis. E queria sexo, também. Mas não o sexo fácil que se consegue em qualquer esquina. Não aquele sexo que não resiste à segunda tentativa. Aquele em que a parceira diz não, querendo dizer venha, me come. Não aquele em que burocratica e insensivelmente as mãos vão caminhando, descobrindo, tateando e abrem caminho para o sexo penetrante, impessoal e competente. Um gozo, um boa noite e uma nota de cinquenta. Não, não era esse o sexo que queria. Era aquele de uma noite inteira de dedicação, sem pressa e sem objetivos a ser atendidos, em que o único compromisso é ser feliz, por quanto mais tempo for possível. E tinham as palavras carinhosas, a cabeça descansando no seu peito, o ressonar tranquilo da fêmea que satisfeita dormece. Era isso o que ele queria. O único sentimento bom que tinha e Luana desprezara. Ah! mulheres! Tinha muito o que aprender o jovem Juliano. Resolveu naquela noite ao virar a esquina e se despedir do grupo que tudo agora seria diferente. Muito diverso do que fora até alí. Na calçada do outro lado um saxofone toca um jazz. Invade-lhe a alma. Ele estanca, decide: vai entrar, beber e ouvir. Foi o que fez.

~. ~

E a Lulu – que casualmente chama-se Luana Chnaiderman de Almeida — segue assim:

Será que ele lhe era insuportável? Sim, era.

E que idéia, convidá-la para sair, daquele jeito, ali, na fila do buffet. Era melhor ser o mais direta possível nessas horas, porque senão os caras não entendem, e grudam. Deixar tudo claro de uma vez por todas, com simpatia: um cinema, ok; mais que isso, não, já aviso logo de cara que é para não criar expectativa. E a cara que ele fez? Cara de cão sem dono – pior, cão abandonado pelo dono, no meio da chuva, no dia de natal. Vai ficar com essa cara? Ele nem respondeu… dava logo para ver que ele queria uma História. De amor, sessão da tarde, pipoca, essas chatices de menino. Ah… mas como são tolos esses moleques. Imagina se ela ia se apaixonar por um menino como ele? Tenha dó! E além disso ele não tirava os olhos do decote dela, nunca, jamais. Parecia falar com o pingente que caía entre os seios, não com ela, Luana. Não fora para aquilo que ela tinha feito a cirurgia nos seios, não… queria coisas melhores, e haveria de ter. Havia prometido a si mesma: chega de sair com moleques. E respirava aliviada, queria grandes histórias, com Homens Interessantes.

Queria um homem mais velho, que lhe soubesse tocar, grisalho, as mãos calejadas, o coração calejado, que pagasse a conta e abrisse a porta do carro, lhe ensinasse sobre a vida e vinhos e tomasse as decisões. Que soubesse ouvir e falar, tivesse casa, dinheiro, carro. Que lhe contasse histórias de longe e de perto, de outros lugares, que soubesse línguas e fosse educado. Queria uma voz rouca, uma vida já construída, um porto seguro, um olhar cansado e sábio, vivido. Nada dessas besteirinhas apaixonadas de alguém que tem ainda cara de menino. Um Juliano… Nada de dedicação sem fim, de carinho, de ficar olhando enquanto ela dormisse. Queria uma certa indiferença e uma certa malícia, uma certa autoridade de homem mais velho. Sem essa de gente que fica sonhando acordada, olhando olhando, que perde a fala e mal sabe fazer um convite decente. Queria que lhe agarrassem, que lhe arrebatassem, que viessem e dissessem: vem, é por aqui. E a deixassem sem fôlego.

Melhor ser direta nessas horas. Falar logo de uma vez: só saio com homens mais velhos. E ele amuou que parecia que ia derreter por baixo da mesa. Havia até gente reparando, ela notou. E depois, sim, ela falara sem parar, porque o cão abandonado e sem dono era cada vez mais insuportável.

Pô, nunca teve um convite recusado na vida? Ele murchara, foi minguando, não conversava mais com ninguém, até olharam feio para ela. E ela tinha culpa? O olhar dele quase batia no chão, e ele nem quis sair depois com a turma. Ficou sozinho, ela reparou, e tinha como não reparar?

Lembrou do collie que tivera na infância, ele tinha uns olhos tristes assim. O collie morreu. E Luana foi ficando com mais raiva. Quanto maior a raiva, mais falava, jogava o cabelo para lá e para cá, como fazia quando ficava nervosa. A turma inteira conversando e o Juliano lá quieto, sorvendo as palavras… Não podia mais ver aquele menino, diria logo no dia seguinte: Juliano, não podemos nem ser amigos. Não aguento essa sua cara de bebê chorão. Não ia conseguir dormir. Não havia jeito. Decidiu ouvir um jazz, tomar um uísque, antes de voltar para casa. Sempre há homens interessantes e mais velhos, nesses buracos onde se ouve jazz.

~. ~

Minha continuação era diferente, talvez mais desesperada por eu ter fixado minha atenção em Juliano durante uma tarde terrível no escritório em que travalhavam… Um dia publico, tá?

~. ~

Comentários do blog anterior (primeiro está o comentário, depois o autor; tudo de trás para frente, OK?):

Milton, são 4:00hs da madruga, chove muito aqui na praia. Venho lá do Ery. O cara estraçalhou. Botou um Billy Joel na história. Aí fica difícil, homem. Comecei a brincadeira sem saber que iria dar nisso aqui. Nem poderia imaginar os caminhos que as palavras percorreriam. Ainda faltam alguns amigos a contar suas versões. Mas o que lí até agora me deixou num misto de alegria incontida, vontade de partilhar emoções, mostrar para amigos que não sabem o que é partilhar de um ambiente como esses. Fico muito grato a você por generosamente ter aceito que eu me apropriasse de tua criação, colocasse teus personagens em minha história. Acho que o resultado compensa todo o atrevimento e ousadia de minha parte. Convido a todos a lerem o que o Ery escreveu. Só um lembrete: cliquem no player lá embaixo e leiam o texto com a música ao fundo, imperdível. Parabéns, Ery. Abraço, Milton

valter ferraz Jun 28 2007

Milton, em princípio não me senti capaz. Mas ao aceitar, avistei um desafio muito bom por ser uma experiência inédita pra mim. Os participantes até agora deram mesmo um banho. Concluí minha “tentativa” como sendo uma continuação da sua idéia. Postei hoje. A brincadeira está ótima. E fico cada vez mais curioso pelo “seu final”. Abraço.

Ery Jun 27 2007

Olá Milton Estou surpresa, com tudo que está rendendo a idéia de continuar o seu conto. Já se pronunciam quase que tratados sobre uma questão que me parecia tão simples. Se duvidar, isso ainda vira um assunto de pesquisa científica…rs E sendo franca, a idéia que eu tive era que cada um dos convidados continuasse a estória de onde o anterior parou. Mas o pessoal decidiu dar várias continuações para o seu conto inicial. De qualquer forma, tá muito legal ler todo este pessoal que se propôs a participar da “brincadeira”. Mas por favor, depois das continuações dos amigos blogueiros, gostaria muito de ver a sua. Vou ficar na expectativa. Abraço Leila

Leila Larson Jun 27 2007

Interessante essa história com várias possibilidades. Prova que há várias maneiras de interpretar um discurso. A minha, em relação à Luana, é que ela simplesmente não quer ficar com o rapaz em questão. Se ele lhe agradasse, ela não ia vir a priori com essa história de gostar de homem mais velho. Pelo menos é o que parece. E aí, Sr. Milton? Quanto tempo! Apareça lá na Estante, estou com saudades suas! Beijão, Ana

Ana Lúcia Merege Jun 27 2007

Milton, publique a continuação!!!! 🙂

Serbão Jun 27 2007

Milton, não é por nada não mas é a melhor versão de tudo o que apareceu até agora. O Lord coloca Billie Holiday com My Old flame entremeando o texto, assim ele quebra as nossas pernas. Grandioso. Só isso. Acho que eu estava certo quando comecei esse trem aqui. E um parabéns para aLeila que foi quem teve a idéia. Abraço forte

valter ferraz Jun 27 2007

Milton, Conforme compromisso assumido com o amigo Valter, acabo de postar minha continuação lá no Lord. Abração

lord broken pottery Jun 27 2007

Geeenteee!! que engraçado que tá tudo isso aqui! 🙂 uma brincadeira é uma brincadeira é uma brincadeira. 🙂 só para constar, meu espírito ao entrar no jogo não foi interpretativo, nem literário, porque eu não sou escritora. No espírito de homenagem, ao Milton e ao Valter. Queria dizer isso. e dizer que está divertido, e que os comentários sobre a Luana e o Juliano estão ótimos. e a mim, essa Luana minha xará está dando uma certa aflição, confesso! 🙂 FC, que bonito que ficou seu texto! agora falta a SUA continuação, né Milton? beijinho, lulu.

lulu Jun 27 2007

Vou ver se aqui cabe… Amigos e Amantes As coisas são como são, acontecem porque isso faz parte. A arte é um separar de pequenas coisas, tratadas como se nelas se desse uma metamorfose. Procuremos deixar passar de crisálida a borboleta a história da Juliana, afinal bem simples. Ela é uma rapariga nova e independente, vê-se exactamente como a vêem: é uma presa que anda à caça das suas próprias experiências e já não tem grandes ilusões. Verem-na como presa desenvolveu nela um sentido subtil de ironia, como é inteligente brinca sem ofender nem aleijar e aproveita o que se aproveita. É sempre bom ter relações saudáveis. Acaba de receber uma mensagem no atendedor, a voz de Juliano. Juliano & Luana, se montassem uma empresa, até que não estaria mal, pensou, como quem quer rir, sorri. O amigo estava a dar a volta brilhantemente ao “fora” que lhe dera, era capaz de vir a ter sorte… Agora para a estória dum inventado narrador omnisciente, à procura de dar por concluída a conclusão de ter pegado numa continuação… Luana anda mesmo com um homem mais velho, é delicado e sensível mas não lhe abre a porta do carro nem lhe alimenta vícios, a não ser que o vício dela seja ele. Ela, sem romantismo, vê a história deles, não como uma estória, essa vou eu resumir e deixo-a inacabada: uma história de amor. Começada há dois anos num bar, ouvindo jazz. A música baixou num swing de harmonias e sensibilidades dum trio brilhante, ao lado dela estava ele. Poisou-lhe a mão numa mão que ela abandonara sobre o balcão, piscara-lhe um olho. Ao piscar do olhou retirou a mão que pegou no copo, beberam e continuaram até ao final da música a ouvir o gozo dum perfeita improvisação. Depois ele seduzira-a, nem tinha como contar, fora brilhante. Convidara-a a ir com ele, para lhe poder mostrar uma “colecção de poemas”. Fora e continuavam… amigos e amantes. Abraços.

FC Jun 26 2007

Milton, a Aninha postou um comentário aqui e ainda não apareceu. Dá prá dar uma olhada aí? abração

valter ferraz Jun 26 2007

Luana, que tem 24 anos, exagerou propositadamente ao falar de homens de 40 anos. Talvez ela pense nos 30 anos. Ela tem 24. Juliano tem 22 (uma criança !). Para Luana o sexo vem depois, não é entretenimento para já. Pretende um homem com experiência da vida, em que possa confiar, que case com ela, um homem que pareça apto a ser amigo de sua mulher pela vida fora. É verdade, Luana simpatiza com Juliano. Tem pena. Ele é demasiado novo. Afasta-o para lá. Quando já na rua os quatro seguem ainda juntos só ela fala. Vai excitada, lutando secretamente e mais uma vez vitoriosa, seguindo pela linha que traçou para si. Luana deseja ter o seu lar, e que nele os seus filhos tenham um bom pai, um homem que pela vida fora mostre ser hábil na luta contra as armadilhas da vida.

Fernando M-P Jun 26 2007

Milton, você plantou um pé de contos e ele está entrando na floração! Uma beleza. Todo mundo dando opinião, imaginando e criando novos caminhos. Parece o jardim do Borges, não? 😉 Beijos e parabéns pela boa mão…

adelaide Jun 26 2007

Além de bem escritos, os diferentes capítulos demonstram as possibilidades infinitas de variações sobre um mesmo tema: o tema da busca, da incompletude, do ilógico nas relações afetivas. Cada um de nós, quando menos espera, topa com aspectos desconhecidos dentre de si. Por isso os romances, as novelas, os contos, enfim “A PALAVRA” nos atravessa e desencadeia associações multifacetadas. A Luana, que parecia do Milton, não é mais dele: agora existem outras, fruto da imaginação de cada leitor/escritor… Isso é bonito, não? A propósito, publiquei hoje um texto de um mineiro: À procura da mulher bem resolvida.

Cláudio Costa Jun 26 2007

Penso de maneira semelhante ao Luciano Lazzari. Espero que a Luana páre com essa bobagem demodê de submestimar os mais jovens e descubra que bom mesmo é crescer junto com alguém da mesma idade. Meninas que buscam por homens mais velhos tendem a ser inseguras de si. Ela rejeita o Juliano porque vê nele a própria insegurança, mas ele, ao menos, teve a coragem de convidá-la pra sair, ainda que de um jeito desastrado.

LucianA Jun 26 2007

Engraçado. Não era uma tese e não tenho uma posição definida anti ou pro Luana, nem pensei em minha opinião. Registrei o fato ficcional e fui embora. A mim, não interessam os motivos de Luana, nem os inventei… Talvez esteja apaixonada por outro homem, mais velho ou não; talvez goste de mulheres e use de subterfúgios; talvez apenas ache Juliano um chato; talvez ele seja muito feio ou talvez ela tenha lhe dito a verdade e só goste de caras maduros… O que sei? Será que gosto tanto de Tchekhov que aprendi a desaparecer sem julgar ninguém? Francamente, não tenho opinião sobre a história, ela é apenas um flagrante que acho muito expressivo. Será que devo mesmo mostrar a continuidade que escrevi ou deixo assim? Agora *num* sei mesmo!

Milton Ribeiro Jun 26 2007

Ficaram bem boas. Agora vamos ao pai da criança!

Eduardo.P.L Jun 26 2007

Mirto: Há alguns dias, tenho acompanhado essa movimentação, fui inclusive convidada por um dos participantes a quem dei minha sincera opinião. Mas, como todos sabem email é coisa confidencial. e essa confidencialidade só pode ser quebrada se for uma questão de… digamos, honra ou morte:-)as you know. Mando – ou talvez não seja necessário, pois ela está nas entrelinhas deste comment – minha opinião, fraquíssima e desprovida de valor, pois não tenho cacife nem autoridade para tanto. Mas, de qualquer forma, quero dizer ao querido Claudio Costa que fez uma leitura de forma lacaniana (isso é um perigo, pois Lacan é importante demais) que não vi na resposta de Luana nenhuma, mas nem sequer sombra de *père_version*. Nem do atrativo En nom du père?-))) hohoho. Sabe, gente, e Claudio também, (aliás não estou dizendo nenhuma novidade devem todos saber disso), de repente quando uma mulher diz *não* a um homem é simplesmente um *NÃO* , um dado cultural: todos nós temos o direito de dizer *NÃO*. Se o narrador escreveu que ela apontou a causa de sua negativa: a preferência por homens mais velhos, isso tanto pode ser ou não, também um dado cultural, dar uma ‘aliviada’ a quem leva o nosso *não*. Porque, Claudio, meu querido Doktor Claudio a quem muito admiro, pras cabeças pensantes , nem sempre um *não* oculta outras razões que não a de ser simplesmente… um não. É ou não é? C’est pas vrai? Tal como o autor, o Milton, que é autor dse excelentes textos, contos, e até quase-romances ou seja matéria ficional, eu me sinto algo, um ninquinho assim desconcertada.;-0) Fazer o que? Um beijo a todos e espero que o Milton continue a produzir os bons textos que cria. E dou parabéns a quem aceitou o repto e escreveu..sobre um *não* que a moça tinha todo o direito dizer. Vai que o Juliano, ou Luciano, enfim o HOMEM, tivese er…halitose? Na verdade, ou melhor na ficção, o narrador trata é do efeito desse *não*. Esse pra mim é o *xis* da questão: o que se faz para lidar com um *NÃO* e se iso for da parte de uma mulher, então…:-) mas em todo caso, é como o ser humano (todos nós) lida com o não-poder. Quando esbarra com a fronteira da vontade do outro. Repito, em minha fraquíssima e pobre, paupérrima opinião. Beijo, portanto, para todos do *sequitur* – para o autor do original e outro muito especial para o querido, repito, Dr. Claudio Costa:-) Meg P.S Agora que é sempre legal, não deixar passar uma oportunidade *lúdica*. ah isso é. Mais beijos

Meg (Sub Rosa) Jun 26 2007

Olha, a história principal eu tinha lido a uns dias e tinha achado muito interessante, o problema pra mim são as continuações. Gostei apenas a do Valter. As mulheres foram muito rudes com o rapaz. Não entenderam nem quiseram entender sua situação, assim também como eu não quero entender a situação da Luana. Por que alguém mais velho? Pra dar segurança, dinheiro, estrutura, experência, cultura? Uma pergunta. Ela procura um parceiro pra usurpar os prazeres do corpo e da alma ou um pai? Porque pra mim quem me da dinheiro, experiência, cultura, segurança é meu pai, a menos que fosse orfão e sofresse de todas essas carências não iria procurar por isso. Acho que essa de procurar um tiozinho da sukita não está com nada, ela tem mais e que fica com o garotão, curtir um motel, aproveitarem as férias juntos, quem sabe casar, sofrer a pressão pra adquirirem uma casa e construirem uma família, e ambos crescerem juntos. Assim funciona a ordem natural das coisas, ou ela vai querer um sujeito que quando ela tiver seus 40 anos ele vai estar com 60 (trocando suas fraudas quem sabe) o filho vai achar que se trata do avô e não de um pai, vai crescer em meio a toda liberdade que quiser (sem a proteção do pai), sem ser protegido das adversidades do mundo, quem sabe esse filho(a) vai ser uma Luana no futuro, pois vai carecer muito de um pai, ou quem sabe vai ser um delinquente. Acho que Luana não é a mulher que mereça um Juliano, e ele devesse seguir adiante e entender que o mundo está cheio de pessoas com lesões psíquicas e que mais cedo ou mais tarde ele iria encontrar alguém que se encaixasse em seu perfil. E como diz o ditado: “Enquanto não encontra a pessoa certa, se divirta com as erradas”; É assim que vivi ate agora quando finalmente encontrei a minha pessoa certa. Abraço Milton

Luciano Lazzari Jun 26 2007

Eu já tinha lido todos. Tô querendo saber o que aconteceu depois que os dois entraram no bar. Ao som do jazz. Minha imaginação tá coçando, alguém escreva a continuação aí, please. Abraço. Janaína.

Janaína Jun 26 2007

Milton, acho que ficou muito legal agora ainda mais, com todos na sequência. Quem ler vai ter uma idéia geral, sem quebra. Agora, desconcertado? Fica não, tio. Só quis te homenagear pois o teu conto mexeu comigo. Acho que ainda vem coisa boa por aí. Peço licença para colar pois o pessoal estava pedindo a sequência toda para os novos posts. Posso? Abraço forte, tchê!

valter ferraz Jun 26 2007

Eu sou um gênio, vocês não — quis dizer Jabor

Obs.: Vale a pena ler, é muito cômico. Aqui, minha opinião sobre a obra-prima jaboriana.

Patrulhas ideológicas e patrulhas pop

Por Arnaldo Jabor

Meu filme A Suprema Felicidade está sendo aplaudido em cinemas cheios. Pensei: “Oba! O filme é legal; estão gostando!” Uma espectadora me escreveu: “Saí do cinema lotado de pessoas que aplaudiam. Parecia que uma seca tinha acabado. Os que se falavam depois do filme, brindavam com olhos úmidos e a alma encharcada na alegria da dor comum a todos, serenamente revelada.”

Fiquei feliz com o email, mas logo vi que estava errado… Descobri que sou um mero “mané” que se ilude. São outros os que sabem a verdade. Os críticos da Folha e da Vejinha decretaram que o filme não merece nem uma análise; apenas frases de pichação, breves xingamentos. Eles são taxativos e cruéis como ativos militantes de novas patrulhas “contemporâneas”: “Ele não é mais cineasta” ou “a narração é que estraga…” ou ainda “muitos temas, sem foco” e ainda “acaba de repente”. Só isso?

É. O filme tem críticas ótimas com bonequinho batendo palma no O Globo e quatro estrelas no Estadão, mas, na minha trêmula insegurança, só penso nos quatro que trataram o filme como um objeto descartável, um lixo ridículo. E mais: criticam-me mais que o filme. Por que essa raiva? Por quê? Será que eles estão certos? Será que as 180 mil pessoas que já assistiram ao filme em 13 dias, e que fazem a renda crescer no cinema com um boca a boca fervoroso, são um bando de idiotas?

Resolvi entender isso. Pensei, pensei, não só pela vaidade ferida, claro, mas também para denunciar a estupidez de cadernos culturais que viraram meros releases de produtos de massa. Cresce no País uma cultura da incultura, a profundidade do superficial, a rapidez do julgamento, num mundo feito de fugazes emails, celulares tocando, filmes com imagens que não podem ter mais de quatro segundos, porrada, corrida, sem saída, até sem “roteiro”, essa coisa antiga do tempo em que os homens (e não robôs e transformers) se relacionavam.

Está fora de moda um filme para ser visto, refletido, com choro, risos, vida… Cinema agora é para manipular os espectadores, que são o videogame da indústria. O desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano dentro de nossas cabeças. A ação na tela é incessante, o conflito é permanente, de modo a impedir o espectador de ver seus conflitos internos.

Acontece, patrulheiros pop, que A Suprema Felicidade foi feito justamente contra essa tendência – quero que os espectadores se sintam dentro do filme e não que sejam levados por porradas, som dolby e homens explodindo.

Eu sei que vocês foram modificados geneticamente por décadas de videoclipes, eu compreendo que vocês achem o Michel Gondry o novo Goddard e que o flash-back foi inventado pelo Tarantino. Imagino vosso tremor na hora da entrevista de emprego, com o diretor do jornal perguntando: “Conhece literatura, política, antropologia?” “Não, senhor…” “OK… Secretário, bota ele na crítica de cinema…”

Há em vocês uma esperteza ambiciosa por trás de tanta brevidade implacável – é duro passar a vida botando bolinha preta no Piranha. O cara precisa criar eventos que o promovam.

Eis que, de repente, aquele sujeito que fala na TV, escreve em 20 jornais, fala no rádio há 15 anos, resolveu fazer seu nono filme.

Vocês gritam: “Vamos quebrar a espinha dele!”

Compreendo que isso dá prestígio; é um upgrading. O sujeito entra na redação de testa alta e lábio trêmulo: “Esculachei a besta do Jabor..!” E é olhado com cálida admiração.

Ato de violência. Aí, percebi que não apenas a patrulha pop pautou seus críticos. Lembrei da devastadora crítica de Eduardo Escorel na revista piauí – (não confundir com Lauro Escorel, o grande artista que fotografou o filme). Lembro mesmo que corri à piauí com a esperança de aprender teoria com o velho autor de remotos filmes, como a história sinistra de um esquartejador e a adaptação dialética do Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado. Dele eu esperava opiniões cultas, conspícuas frases sobre Bergman, Fellini. Eu esperava encontrar André Bazin e dei de cara com Andrei Zhdanov, o supremo censor de Joseph Stalin (olhem no Google, meninos…)

Mas, mesmo assim, esquartejado, tentei entendê-lo. E tive a revelação, vi a luz!

Eduardo tinha uma missão política, senhores, iluminista mesmo: ele quis salvar o público das mensagens reacionárias que devo ter embutido no filme. Por isso, ele correu a Alphaville, para ver o filme quentinho, ainda no laboratório. Ele correu antes para avisar o povo: “Não vá!… Fuja do demônio neoliberal que fez um filme de época sem mostrar Getúlio ou a luta de classes.”

Ele deve ter zelosamente pensado: “Vou pautar também os jovens tenentes das novas “patrulhas pop”, porque eu sou egresso das velhas patrulhas ideológicas descobertas por Cacá Diegues e tenho esta missão.”

E conseguiu; parabéns, doce Zhdanov com seu lento sorriso superior. Foi um alívio. A sociedade estava salva.

Mesmo assim eu ainda entendo o homem. Sei que grandes frustrações na vida se compensam por elusivas fantasias de grandeza. Sei que a onipotência não realizada, o narcisismo que parou no meio provocam ódio e entendo que ele tenha buscado, digamos, “profissionalizar” seu rancor. Assim, ele descolou esse “bico” para aliviar sua dor interna. Deve ter pensado: “Boa ideia… serei implacável contra todos que ousam fazer filmes corrompidos pelo sucesso e pelo público enganado.”

Confesso que admiro sua integridade de não poupar nem amigos nem parentes.

Mas, aí… esbarrei com a frase: “Jabor sempre pareceu mais um “diletante” que um cineasta profissional.” Aí, não. Depois de ter trabalhado 30 anos em cinema, fazendo nove filmes, ouvir isso não dá. “Diletante” é você, cara, que fez dois ou três filmes medíocres que sumiram da história de nosso cinema.

E, no final, outro insulto, quando ele diz que, vendo esse filme, ele não tem mais dúvidas de quem sou eu…

Respondo: Se você pudesse saber quem eu sou, você não seria o que é.

E mais, ridículo censor do trabalho alheio: “A dignidade severa é o último refúgio dos fracassados.” É só.

As dez mentiras mais usadas pelas mulheres

A página panamenha do Terra nos mostra uma “pesquisa” mas não diz onde, nem quando, nem quem foi pesquisado. Provavelmente criada dentro da redação do site, a “pesquisa” tem jeito de Revista Contigo, mas me diverte. Os comentários do ponto de vista feminino são da redação e os itálicos, meus.

1. Você é tão bom de cama.

Não só é uma questão de fazer o outro se sentir bem e massagear seu ego, mas uma forma de esconder que muitas vezes não nos sentimos satisfeitas e acreditamos que seja por nossa culpa. Essa mentira se confirma com o alto índice de mulheres que fingem seus orgasmos, o que demonstra a pouca comunicação que existe sobre esse assunto.

Já ouvi esta. Não acreditei, mas ao mesmo tempo surpreendi-me pensando em como é baixa minha auto-estima. Prova de que gostaria de ter acreditado… ou de que acreditei, claro.

2. Que simpática a sua ex.

Mesmo que nos consuma de ódio cada vez que encontramos com ela, ou quando ela está perto do nosso namorado, não podemos demonstrar insegurança e cair matando em críticas. Pretendemos ser uma boa parceira e isso inclui tolerância. E além disso, é melhor estar próxima dos inimigos para poder ter o controle.

Essa eu nunca ouvi. Até porque, considerando-se minha ex, seria uma mentira por demais descarada. Sobre a penúltima ouvi: “como é bonita”. E era verdade.

3. O problema sou eu, não você.

Parece mais uma mentira masculina do que feminina? Ainda que seja, a verdade é que as mulheres costumam dizer essa frase mais vezes do que os homens, já que possuem muito mais conflitos internos com relação à certeza dos sentimentos, sendo assim, diante de qualquer dúvida, acabam se escondendo por meio dessa mentira. É uma forma simples e reservada de sair de um problema.

Sim, sim, claro que ouvi. Mas – contrariamente ao que redação escreve – é uma frase que pede uma conversa e, toda a vez que esta evoluiu, grande parte da culpa acabou caindo no meu colo.

4. Que delícia a comida que você fez.

Ainda que seja o prato mais desagradável que você já tenha provado na sua vida, não existe a possibilidade de dizer que não gostou, já que essa é a única forma para que a nossa batalha para que ele nos ajude na cozinha não seja perdida. Diante de alguma crítica, ele jamais voltaria a se meter no nosso terreno. Melhor engolir, tomar água e fingir.

Acho que não ouvi como mentira. Só faço churrasco e acho que os elogios e críticas sempre foram sinceros.

5. Não está acontecendo nada.

Quantas vezes não usamos esta frase para evitar que ele perceba como estamos furiosas? Milhares. E só fazermos isso para não entrarmos em conflito ou quem sabe para que ele não se dê conta de que o que nos incomoda é algo que eles consideram grandes bobagens. O problema é que em algum momento explodimos e mais do que deveríamos.

Ouvi várias vezes. Porém, costumeiramente esta frase é dita de forma histérica ou mesmo gritada. Não é uma mentira, portanto; é uma ironia ou deboche.

6. Saia com seus amigos, não tem problema.

Ciumenta eu? Não, confio 100% em você. Mesmo que a gente morra de ciúmes e que seja impossível não pensar que entre homens seu namorado pode fazer mais de uma besteira, não podemos permitir que ele ou os amigos dele nos vejam como a “bruxa”. É fundamental que, acima de tudo, os amigos dele nos vejam como uma aliada. Dessa forma, teremos a aprovação deles e isso evitará que o incentivem a trair-nos com outra mulher.

Ouvi, mas acho que não foi pelos motivos acima. Costumava sair com os amigos para jogar futebol…

7. Tem um cara no meu trabalho que me paquera.

É óbvio que “esse homem” não existe, mas claro que ele não precisa saber disso. Esta é uma mentira clássica e que contamos nos mínimos detalhes para deixar claro que na vida não há nada 100% seguro e que ele deve estar constantemente nos conquistando, caso contrário podemos mudar para o outro lado.

E quando existe? No meu caso, há uns vinte anos, pude constatar inclusive por escrito. Depois de ficar indignado, reagi como o descrito acima e mais: numa festa com a presença do desgraçado, troquei muitos abraços com minha mulher, dei-lhe muitos beijos, nos acariciamos, fizemos brindes particulares… O outro lado sumiu. Ou será fui enganado e tudo era tudo mentira – até o bilhete?

8. Tenho que fazer tantas coisas, a gente se vê outro dia.

É inevitável, existem momentos em que queremos ficar sozinhas, caminhar, olhar as vitrines ou simplesmente não fazer nada. E não é que não queremos estar com ele nunca mais, só que há momentos em que preferimos a nossa própria companhia. É uma mentira ingênua para evitar que ele fique imaginando coisas.

Ouvi e acreditei.

9. Não, não fiz nada. Você acha que estou diferente?

Quer coisa melhor do que ele pensar que somos lindas e maravilhosas por natureza? Mesmo que tenhamos passado a tarde toda no salão de beleza, ido a um spa ou feito uma maquiagem diferente, mas natural, queremos que ele nos veja e se dê conta de como somos charmosas sem fazer o menor esforço. Além disso, sejamos honestas: por acaso eles se dão conta quando fazemos algo? Não, só nos vêem de modo diferente.

A frase que já ouvi era recriminatória, direta e verdadeira: “Você não notou nada de diferente em mim?!?!”

10. Não estou a fim de fazer sexo. Estou cansada.

Uma resposta que para eles é catastrófica, sobretudo quando vão direto para casa com a intenção de passar um bom momento junto da sua parceira. Há duas razões cruciais para esta mentira: uma, é que queremos fazê-lo esperar e aumentar ainda mais a sua excitação ou estamos com raiva dele por alguma coisa que aconteceu há pouco tempo e queremos castigá-lo.

Um clássico. Já ouvi, mas faz tempo. Nos últimos tempos, sou eu quem às vezes diz… E não é mentira, penso.

-=-=-=-=-

Gostei dos comentários:

Ombundas: Este blog já foi melhor.

Eu: É verdade, já vimos melhores dias.

Flavio Prada: Eu acho que voce inventou a pesquisa sobre mentiras e inventou que a mesma foi inventada, pra que a gente pensasse que era algo inventado, mas nem tanto quanto é na verdade. Verdade?

Eu: Eu nunca minto, Flavio.

Fernando: Milton : Vê-se bem como para você, como para qualquer outro homem, é importante deglutir e ejacular. Mas adivinho que Milton Ribeiro não se resume nisso. Lembro-me do dia em que imitou, bastante bem, Mauro Castro (do TAXITRAMAS – está aqui nos seus links). Por isso eu, fazendo das tripas coração, continuo a visitar este seu blogue, na esperança de cá o encontrar em dias bons. Na esperança de o ver dar saída ao seu “talent de bien faire”.

Nina -Fenômenos: hahahahaha quer dizer entao que vc le Contigo??? Conta a historia direito, Milton. e “ja vimos dias melhores” foi demais!!! uhuahauhauah e nos achando q vc ia correr do tema “mulherzinha” do desafio fenomenal! bjs

Sandra: Fala baixinho, só para mim: aprendeu agora a notar quando ela corta meio centímetro do cabelo??? hahahahahahaha Beijos

Eduardo Lunardelli: O post esta ótimo, mas essa sua resposta ao comentário: já vimos dias melhores, superou todas!!! Hahaha. Muito bom! É isso aí, e vale para homens e mulheres…

Viva: Milton, melhor que a “pesquisa” (com cara de Revista Nova) foram as suas respostas. Adorei!

Moacy: De fato, como disse Viva, as respostas estão ótimas. Um abraço.

O retrato maior do preconceito e da estupidez

Tenho a sorte de jamais ter passado fome. Não tenho preconceito contra quem já passou. Tenho a sorte de não conhecer o idiota dono deste carro. Não sou de opinião que o bolsa-família tenha sido tão decisivo, mas, se foi, tenho que respeitar quem votou com o estômago. Inclusive paranaenses e catarinenses. O incrível é que este imbecil faz dois gols contra: expõe seu preconceito e faz um elogio involuntário ao governo. Patético.

A foto foi tirada em Toledo/PR.

Os dias 30 e 31 de julho de 2007 foram …

… muito estranhos. No dia 30 morreu Ingmar Bergman e, no dia seguinte, Michelangelo Antonioni. Fiquei meio perdido.

Ingmar Bergman (1918-2007)

Após produtiva existência, faleceu hoje pela manhã o maior diretor e autor de cinema de todos os tempos, Ingmar Bergman. O anúncio foi feito pelo Real Teatro Dramático da Suécia. Ele morreu em sua casa, em Faro. Pior notícia é difícil.

Nascido a 14 de Julho de 1918 em Uppsala, a norte de Estocolmo, Ingmar Bergman realizou ao longo da sua extensa carreira mais de 40 filmes, entre os quais se destacam Mônica e o Desejo (1951), “O Sétimo Selo” (1956), “Morangos Silvestres” (1957), “O Rosto” (1958), “Persona” (1966), “Gritos e Sussurros” (1972), “Sonata do Outono” (1978), “Fanny e Alexander” (1982) e “Sarabanda” (2003), além do esplêndido roteiro de “Infiel” (2000), de Liv Ullmann.

O cinema de Bergman vai muito além da simples diversão ou deleite, ele desperta reflexões sobre a vida, suas representações e o próprio homem. Eram os atores quem faziam os filmes de Bergman, eram eles quem davam vida a seus filmes e poderíamos dizer que eram suas feições a razão de seus filmes.

Além da sua obra cinematográfica, Bergman foi durante toda a vida um homem de teatro, tendo encenado numerosas peças, nomeadamente as do seu ídolo de juventude, August Strindberg. Foi no entanto o cinema o seu meio de expressão de eleição. “Fazer filmes é para mim um instinto, uma necessidade como comer, beber ou amar”, declarou em 1945.

Cineasta das mulheres, como alguns o consideravam, proporcionará os melhores papéis a atrizes como Maj Britt Nilsson, Harriet Andersson, Bibi Andersson, Ingrid Thulin, Eva Dahlbeck, Ulla Jacobsson e Liv Ullmann. Teve casos amorosos com várias das suas atrizes, casou-se cinco vezes e teve nove filhos.

<em>Que o cinema seja o meio que me expresso é absolutamente natural. Fiz-me compreender numa língua que passava ao lado da palavra de que carecia, da música que não sabia tocar, da pintura que me deixava indiferente. Subitamente tive a possibilidade de me corresponder com o mundo numa linguagem que literalmente fala da alma para a alma, em termos que, quase de maneira voluptuosa, escapam ao controle do intelecto.</em>

Filmografia principal:

2003 – Sarabanda
1986 – Documentário sobre Fanny and Alexander
1984 – Depois do ensaio
1982 – Fanny e Alexander
1980 – Da vida das marionetes
1978 – Sonata do outono
1977 – O ovo da serpente
1976 – Face a face
1974 – A flauta mágica
1973 – Cenas de um casamento
1972 – Gritos e sussurros
1971 – A hora do amor
1969 – O rito
1969 – A paixão de Ana
1968 – Vergonha
1968 – A hora do lobo
1966 – Persona (Quando duas mulheres pecam)
1964 – Para não falar de todas essas mulheres
1963 – O silêncio
1962 – Luz de inverno
1961 – Através de um espelho
1959 – A fonte da donzela
1958 – O rosto
1957 – Morangos silvestres
1956 – O sétimo selo
1955 – Sorrisos de uma noite de amor
1955 – Sonhos de mulheres
1953 – Noites de circo
1952 – Mônica e o desejo
1952 – Quando as mulheres esperam
1949 – Prisão
1948 – Música na noite
1946 – Chove em nosso amor
1945 – Crise

Michelangelo Antonioni (1912-2007)

Este blog não tem o menor interesse em especializar-se em obituários, mas o que podemos fazer se, nesta semana absurda, morrem Bergman e Antonioni, o último citado há três dias por seu Blow-up e por Vanessa Redgrave na minha rubrica (como os portugueses a chamam) Porque hoje é sábado? Mas deixemos para falar em A Noite e no ocaso do grande cinema em outro dia.

Posts de 30 e 31 de julho de 2007 em meu antigo blog…

O reinventor do cinema

Por Fernando Monteiro

O mais importante cineasta vivo completará 80 anos no dia 3 de dezembro. Coincidência ou não, três semanas antes a Academia de Ciência e Artes do Cinema vai lhe entregar um Oscar honorário – pelo conjunto da obra – como se isso fizesse diferença para Jean-Luc Godard.

NÃO faz. Até porque nada é menos parecido com Godard do que a famosa estatueta dourada, uma figura andrógina concebida para representar a glória na indústria cinematográfica americana (e talvez por isso segurando, contritamente, uma espécie de espada encaixada entre as longas pernas).

Ao Jean-Luc já ancião será conferida uma homenagem antes recusada ao cineasta ao longo da carreira de meio século e, até agora, 85 títulos que contaram com a solene indiferença da mesma Academia. Só agora ela resolveu conceder-lhe um Oscar “especial” que chega tarde às mãos do diretor nunca galardoado, antes, ao menos com aquele prêmio colher-de-chá conferido aos melhores filmes estrangeiros – um troféu considerado importante por nós, mas não por eles. O homenzinho na pose de sentinela transida, para os americanos é relevante somente quando premia roteiristas, músicos, atores, atrizes, diretores e produtores integrados ao sistema hollywodiano.

Na contramão disso, Godard sempre representou – e ainda representa – um cinema radicalmente criativo e rebelde. Quem queira saber mais sobre a modernidade da sua obra, é só conferir as 944 páginas de GODard (assim mesmo, na capa), livro do historiador e jornalista Antoine de Baecque lançado na França em março deste ano.

Nem com essa empreitada do sério Baecque, se animou o Godard convidado para colaborar com a alentada biografia: “Pra que diabo servirá saber sobre detalhes da minha vida?” – logo de saída ele perguntou ao compatriota e admirador interessado até no café da manhã de uma lenda viva.

Agora, lá vem o Oscar chatear com seus cenários de luxo e acomodação, num contexto que é o emblema maior do Negócio, no cinema. O “caneco” americano celebra isso, madrugada adentro, numa festa de brilho brega, com passarela de celebridades e tradutores simultâneos tropeçando nas piadas sem graça de emocionados agraciados pulando do auditório com cara de surpresa. Seja como for, o diretor de “Acossado” sequer confirmou que estará presente, na entrega – prévia – dos prêmios especiais de 2010.

O DISSIDENTE QUE VIROU UM CLÁSSICO

Jean-Luc Godard nunca morreu de amores pelo cinema made in USA, mas, justiça seja feita, ele também não compareceu ao Festival de Cannes deste ano. Foi esperado até o último momento, quando afinal avisou que resolvera cancelar a viagem à Riviera, a fim de apresentar a mais recente produção (“Film Socialisme”) com a inconfundível assinatura JLG nos créditos – que incluem a cantora Patti Smith, o filósofo Alain Badiou e o historiador palestino Elias Sanber.

Se houver explicação para as recusas do cineasta, será a de que o homem está cada vez mais parecido consigo mesmo e, portanto, menos disposto a suportar as “futilidades” de festivais, holofotes da mídia, prêmios e entrevistas coletivas que fazem a delícia dos Woody Allen da vida.

Godard sempre foi mortalmente sério, desde seus tempos (cancelados, também) daquele cigarro de desprezo no canto da boca, óculos escuros e os olhos novos para imagens de desacordo vinte e quatro quadros por segundo.

Não resisto à tentação de fazer um paralelo desse Godard irredutível com um cineasta brasileiríssimo. Aviso aos navegantes [da obviedade]: não se trata de Glauber Rocha. O nome que vou trazer para perto de Jean-Luc é o do também revolucionário Mário Peixoto, realizador de um único e fundamental título: Limite, de 1930.

Ele foi o nosso Godard avant-la-lettre, e Jean-Luc é, no cinema de hoje, o único diretor que, a exemplo de Mário, continua interessado no cinema-cinematográfico (tautologia necessária), ou seja, na imagem pura, no discurso não “verbal” de tomadas que revelam o real para além do “naturalismo” vagabundo no qual se refestela grande parte dos filmes burros deste momento agônico quer do cinema clássico (a la John Ford e David Lean), quer do cinema das almas formalmente inconformistas, na tradição de Eisenstein, Peixoto, Welles e Godard.

É isso mesmo: um carioca, solitário, forma no quarteto básico do Cinema – com o “C” maiúsculo da contemporaneidade que não filma para o passado.

Usando-se do paradoxo dos signos verbais, o mais próximo de uma sinopse godardiana seriam os versos da polonesa Wislawa Szymborska (prêmio Nobel de 1996): “Quando pronuncio a palavra Futuro/a primeira sílaba já pertence ao passado./ Quando pronuncio a palavra Silêncio,/destruo-o. /Quando pronuncio a palavra Nada, /crio algo que não cabe em nenhum não-ser.”

Essa brevíssima metafísica corresponde, em parte, àquela dos filmes menos palavrosos do Jean-Luc que fez de tudo para reinventar a sétima arte: filmes literários e anti-policiais, crônicas parisienses desesperadas e ensaios de política, visões escatológicas, dramas cubistas, anotações e epifanias – jamais parecida uma com a outra – porque Godard sabe que o cinema é uma arte que, estranhamente, envelhece com a velhice das décadas, das culturas e da história a que ninguém mais está presente depois do ex-anônimo Abraham Zapruder filmando, em 8 milímetros, o assassinato de um presidente.

Isso aconteceu quando Godard caminhava para o zênite da “Nouvelle Vague”, a escola francesa de cinema da qual se tornaria a cabeça mais inquieta (enquanto o recém-falecido Claude Chabrol era a mente mais convencionalmente gaulesa, desculpem os chabrolianos que nunca aceitaram bem a superioridade dos Godard e dos Rivette). Ora, Jean-Luc foi, quase sozinho, a nova vaga em essência, longe da noite americana e outros disfarces à Truffaut. Ele impregnou o seu cinema da marca do reflexo do tempo que passa à nossa frente, caótico e inacabado como são todos os tempos.

VELHOS TEMPOS, BELOS DIAS

No auge da “Nouvelle”, mal havia o intervalo necessário para entender a nova visão godardiana nas coxas – entretanto, bem-feita – e lá vinha mais uma instigação lítero-visual dos seus cadernos de Dziga-Vértov da ficção cinematográfica em modo de discurso já diferente. Como descrever o que era aguardar, ansiosamente, o novo Godard?

Basta dizer, talvez, que era como esperar uma mensagem codificada invertendo tudo que fosse fácil de apreender nas salas de poltronas acolchoadas do pensamento, e que suas “películas” (ainda se usa a palavra?) de Kino-verité podiam ser Alfa e Ômega, e rolar de trás para diante nos projetores, de acordo com o ajuste irônico do autor de Je vous Salue, Marie: “Sim, todo filme tem que ter princípio, meio e fim, embora não necessariamente nessa ordem”.

Isso – esse novo modo de contar uma história na tela – viria a ser apropriado até pelos cineastas mais idiotas da indústria, nas imitações baratas que surgiriam, depois, macaqueadas das reinvenções de Godard. Mais, muito mais do que metade da linguagem do cinema de hoje, saiu das liberdades que esse cineasta tomou com a linguagem, até como possível reflexo de ser oriundo da família Monod, de protestantes severos.

O irrequieto artista surgido deles fez “história imediata”, ao filmar com uma necessidade de urgência tal que não hesitava sequer em furtar dentro de casa. Na época da estréia atrás das câmeras (Operátion Béton, curta-metragem, 1954), para choque dos seus sisudos parentes, o jovem Jean-Luc roubou um livro da biblioteca do avô – obra rara, com o autógrafo de Paul Valéry – para suplementar as despesas da produção.

Esses Monod franco-suiços bem-pensantes dos quais Godard provém, tornam-se bem mais aceitáveis, entretanto, do que a modernosa ligeireza dos monos, dos macaquinhos que passaram a praticar a diluição-da-diluição dos filmes que essa lenda cinematográfica involuntariamente articulou para um futuro de “déjà vu” estético e calculadoras exponenciais de lucros, quer sejam do mais novo Almodóvar atropelado pela vulgaridade do Tarantino mais recente, ou sejam do cinema falso-brilhante de Martin Scorcese e outros menos votados (formando a multidão de esquecíveis quase de imediato à consagração de um único dia na “Quinzena dos Realizadores”, na corda bamba da montanha russa mimetizada desse senhor que, nos anos de 1960, reinventou a arte das imagens: Monsieur Jean-Luc Godard).

O cineasta mal copiado é, na verdade, pináculo, vertigem e ascese – enquanto o resto vai de pós-modernismo tatibitate até chegar à cinematografia pedestre dos Spielbergs interessados em entretenimento rasteiro de maneira a fazer fortuna rápida com a sintaxe libertada pelo mestre.

Por que Godard estaria interessado na “homenagem” de uma estatueta sem valor? (Sem valor, vírgula: o Oscar serve para fazer dinheiro, mas não com os filmes alternativos da rica marginalidade do seu cinema).

Onde ele iria enfiá-lo? A pergunta é, acreditem, sem malícia – livrando o seu da reta e prevendo que o homenageado vá sair pela tangente daquela cerimônia de americanos “jecas” no Afeganistão de verdadeiros caipiras que já elevaram a mediocridade de um Forrest Gump à morada da sexta felicidade de seis estatuetas e quase setecentos milhões de dólares de receita.

Estou tentando louvar um velho renovador com o melhor do seu veneno: a paráfrase de um texto o mais próximo possível do cinema maravilhosamente perto das primeiras visões dos Lumière, quando a imagem era novidade e invenção mecânicas, a estimular a mente de proto-espectadores ainda bebês em matéria de “sétima arte”.

O cinema voltou a engatinhar? “A indústria recupera tudo”? Quem disse isso? Gilles Deleuze? Glauber? Godard? Branchú?…

Não importa: a dúvida sobre essa frase a indústria (zás!) já a recuperou, junto com a camiseta de Che Guevara que o mercado gosta de usar debaixo do smoking alugado para a noite do Oscar.

Alguém imagina Godard enfiado numa roupa de cerimônia, subindo ao palco pelo tapete cor vermelho-sangue do Iraque que vai recomeçar a render mais filmes de soldados desajustados de volta para a América sem qualquer inocência (restante daquela que havia na Idade de Ouro de um John Ford)?…

Eu, pelo menos, não consigo ver o diretor revolucionário no cul-de-sac de uma roupa apertada, avisando a todo mundo – na platéia expectante – que, no seu rigor, esqueceu de vestir a cueca, e, em seguida, agradecendo comportadamente aos pais, aos mestres, aos bedéis, às ex-namoradas, aos guardadores de carros e à antiga (in)sanidade dos tempos em que ir ao cinema era viver a vida novamente intensificada de um jeito que nada tem a ver com a arte sete vezes pasteurizada na telinha do celular…

Viva Godard. Os que vão ter saudade do futuro te saúdam!, rapaz de oitenta anos, imortalmente jovem na atração fatal de filmes ainda em plena desobediência política, artística, global – o escambau.

Dmitri Shostakovich (VI)

Ponho-me, de repente,
a rabiscar num pedaço de papel,
ouço zumbidos, apitos, coisas que não me espantam,
depois torturo os ouvidos de todo mundo;
em seguida, faço que seja publicado
e esquecido para todo sempre…

Poema escrito de brincadeira (ou não) por Shostakovich

Sigo minha série com um capítulo curto. Iniciamos aqui, continuamos ali e ainda aqui, acolá e alhures.


Quarteto Nº 9, Op. 117 (1964),
Quarteto Nº 10, Op. 118 (1964) e
Quarteto Nº 11, Op. 122 (1966)

Os quartetos de números 9, 10 e 11 são semelhantes em estrutura e espírito. São os três muito bons e têm em comum o fato de manterem por todo o tempo a alternância entre movimentos rápidos e lentos, sendo tais contrastes ampliados pelo fato de o nono e o décimo primeiro serem compostos por movimentos executados sem interrupções. O décimo ainda separa os primeiros movimentos, porém o Alegretto final surge de dentro de um Adágio. A postura de fazer com que surjam movimentos antagônicos um de dentro do outro é uma particularidade que torna estes quartetos ainda mais interessantes, sendo que o décimo primeiro é um inusitado quarteto de 17 minutos com sete movimentos; isto é, Shostakovich brinca com a apresentação de temas que fazem surgir de si outros muito diversos em estilo, como se o compositor estivesse sofrendo de uma incontrolável superfetação (*). É, no mínimo, desafiador ao ouvinte. Melodicamente são muito ricos, e exploram com insistência incomum os ostinatos, os quais são sempre no máximo belíssimos e no mínimo curiosos. Merecem inteiramente o lugar que modernamente obtiveram no repertório dos quartetos de cordas. É curioso como é fácil confundi-los. Estou ouvindo-os enquanto escrevo e noto quando o CD passa de um para outro, pois têm personalidades muito próprias, mas nunca sei se o que estou ouvindo é o nono ou o décimo. Certamente é uma limitação minha! Já no décimo primeiro, o paroxismo da criação de melodias chega a tal ponto, seus ostinatos são tão alucinados, que é mais fácil reconhecê-lo.

Aliás, o décimo primeiro apresenta aqueles finais tranquilos que constituíram-se uma das assinaturas do Shostakovich final. Esqueçam o gran finale. Sem fazer grande pesquisa, sei que os finais quietos, na grandiosos, podem ser encontrados na 13ª, 14ª e 15ª sinfonias, neste quarteto e no sensacional Concerto para Violoncelo que será comentado a seguir.

(*) Palavra pouco utilizada, não? Significa a concepção que ocorre quando, no mesmo útero, já há um feto em desenvolvimento.

Concerto para Violoncelo e Orquestra Nº 2, Op. 126 (1966)

Uma obra-prima, produto da estreita colaboração entre Shostakovich e Rostropovich, a quem o concerto é dedicado. A tradição do discurso musical está aqui rompida, dando lugar a convenções próprias que são “aprendidas” pelo ouvinte no transcorrer da música. Não há nada de confessional ou declamatório neste concerto. Há arrebatadores efeitos sonoros que são logo propositadamente abandonados. A intenção é a de ser música absoluta e lúdica, mostrando-nos temas que se repetem e separam momentos convencionalmente sublimes ou decididamente burlescos. Nada mais burlesco do que a breve cadenza em que o violoncelo é interrompido pelo bombo, nada mais tradicional do que o tema que se repete por todo o terceiro movimento e que explode numa dança selvagem, acabando com o violoncelo num tema engraçadíssimo — como se fosse um baixo acústico — , para depois sustentar interminavelmente uma nota enquanto a percussão faz algo que nós, brasileiros, poderíamos chamar de batucada. Esta dança faz parte de uma longa preparação para um gran finale que novamente não chega a acontecer. Um concerto espantoso, original, capaz de fazer qualquer melômano feliz ao ver sua grande catedral clássica virada de ponta cabeça e, ainda assim, bonita.

Concerto para Violino e Orquestra Nº 2, Op. 129 (1967)

Este concerto costuma receber poucos elogios por sua qualidade musical e grandes adjetivos vagos: profunda reflexão lírica…, elegante…, pleno de momentos tocantes…, mágico…, poético… Parece que os comentaristas deste concerto contraíram aquele vírus, tão comum nos enólogos, que os faz encontrar o siroco ou o cheiro do útero materno dentro de cálices de vinho. Para mim, há apenas um problema neste concerto: não vejo grandes méritos nele. Acho-o chato e anacrônico. Paciência e adiante!