Ah, bom

Eu e Bárbara. Falo eu.

— Babi, tu está em ano de vestibular e tenho uma péssima notícia pra ti: acabou a infância. Acho melhor tu estudar mais. Tu vai ao colégio de manhã, ao cursinho à tarde e, à noite, quando chega, pode e deve te dar uma folga para conversar com amigos, olhar o Facebook, o YouTube, jantar, tomar banho, essas coisas, mas depois tem que voltar aos livros porque teu desempenho está abaixo do normal e a gente se preocupa, principalmente pelo fato de tu não admitir ir para outra universidade que não seja a UFRGS. OK, concordamos contigo, a UFRGS é melhor, acho até legal tu não te inscrever na PUC nem nas outras, mas o problema é este: te aconselho a chegar ao final do ano tranquila no colégio e no vestibular. Para que tu use o tempo para as revisões e não para o desespero final lá no verão… Olha aqui. Tu estás me ouvindo?

— Claro, pai. Só acho que tu precisa respeitar minha fase de transição.

Ah, bom.

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  1. Assim como ela, só tentei na Federal. Não por achar a melhor e sim por ter consciência de que não teria como pagar qualquer outra.

    Não se preocupe em pressionar a Bárbara porque ela se pressionará sozinha. Será um ano inteiro falando em vestibular, ouvindo vestibular, lendo vestibular, comendo vestibular, respirando vestibular. O que me lembra – fase horrível essa.

    1. É um ano terrível mesmo. Lembro do quanto estudava e da encheção de saco no colégio. Estava voltado para outra coisa e os caras programando trabalhos em grupo…

    2. Antes desse papo, caí na asneira de dizer calmamente para a Babi que era um ano importante, que no 3º ano os compromissos cresciam e a infância de fato acabava, que dali para a frente não voltava a ser como antes… Daí a criaturinha veio com a “fase de transição”, não é um gênio a minha enteada? Que machiavellica!

  2. Ainda bem que praticamente acabou aquela época em que se eu falasse ao meu pai: – Só acho que tu precisa respeitar minha fase de transição, ele pegaria o rabo-de-tatu e diria: – Olha aqui a tua transição!..

      1. Bateram nos mais velhos, depois a violência foi aperfeiçoada por palavras e símbolos (o rabo-de-tatu e outros). Tá cheio de exemplos na classe média porto alegrense, tu deve ter ouvido relatos de amigos, vizinhos etc.

    1. no meu caso era rebenque…
      A minha trasição se deu na oitava séria…. na época do vestibular peguei o carro escondi e, advinhem…

  3. Devia ter respondido para tua filha que transição se dá a todo momento ou, para melhor especificar, todo dia, quando termina, para outro, quando nasce, e que você, é claro, também está em fase de transição, de pai amoroso para pai raivoso, e que ela não cante a musiquinha do Legião Urbana, “Química”:

    Chegou a nova leva de aprendizes
    Chegou a vez do nosso ritual
    E se você quiser entrar na tribo
    Aqui no nosso Belsen tropical
    Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão
    Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão
    Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão
    Você tem que passar no vestibular
    Você tem que passar no vestibular
    Você tem que passar no vestibular
    Você tem que passar no vestibular

  4. Eu era super-responsável, com 16 anos trabalhava, cursava direito na Federal e tinha todas as certezas do mundo. A transição, implacável, veio dois anos depois. Descobri que não queria nada com o Direito, queria fazer História, Teatro, ser escritor, deixar o cabelo crescer, arruar. Só arruar. Grande Bárbara: a transição vem. Não tem jeito!

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