Francisco Marshall sobre "A Flauta Mágica" de Peter Brook (copiado de seu Facebook):

Eu queria ter um blog como o do Milton Ribeiro para postar minha crítica da versão de Peter Brook para A Flauta Mágica de Mozart e Schikaneder. Como não tenho, vou cortar em fatias e publicar aqui mesmo. Thanks, Zulken, thanks, readers.

E eu, Milton, li e conversei sobre isso na sexta-feira [23] e depois esqueci…

— Eu nem deveria criticar, pois ganhei o ingresso do dileto amigo e genial dramaturgo e empreendedor Luciano Alabarse. Liguei no último minuto e ele me cedeu o último ingresso. “Tem sempre um VIP desgarrado!”, disse ele a um desgarrado muito grato, algo chato e pouco vip.

Milton Ribeiro interrompe no Facebook  — Olha, se quiseres postar no blog do Milton Ribeiro, posso falar com ele.

— Não, lá é lugar de sínteses e ironias sacrossantas, não me atrevo. Deixa eu escrever!

Milton Ribeiro desiste temporariamente — OK, OK, adiante!

— A montagem apresenta-se como “versão de Peter Brook”, ou livre adaptação. Na verdade, é uma versão pocket, com a orquestra reduzida ao piano e com o corte de várias partes.

— Misteriosamente, somem partes belíssimas, o que é compreensível em versão pocket, mas aparece uma inclusão arbitrária. Mesmo que bonita, a fantasia em ré menor está sobrando na economia musical. Sobram músicas na própria flauta, não precisa ir à prateleira.

— Aliás, não tem flauta em momento algum, só piano e mimos.

— Figurinos e cenografia seguem o facílimo e baratésimo esquema minimalista. Pés descalços e túnicas, nada de cenários, apenas umas hastes e um carrinho, que são movimentados de modo simples. Iluminotécnica enxuta, monocromática.

— O pianista é excelente, os cantores ótimos, as performances musicais convencem, animam, são muito bonitas e boas, tecnicamente.

— A acústica do Bourbon é uma catástrofe. Quem projetou aquilo desdenhou mediocremente a grande ciência acústica desenvolvida pelos gregos e fez cacaca. Nós fazemos com a democracia e a filosofia gregas, tá na média. Moral, os músicos cantam para as filas 1 a 3. Os outros pensam que ouvem, sonham, imaginam…

— Peter Brook, um cineasta importante, poderia considerar o que Ingmar Bergman fez ao abordar a Flauta Mágica. Não o fez, logo não cabe a comparação.

— A obra original, de Mozart e Schikaneder, transborda humor e imaginação. Foi composta para um teatro popular, onde todo o tipo de efeito cenográfico e dramatúrgico era aproveitado. A Flauta Mágica é sobeja em possibilidades dramatúrgicas, toda elas desdenhadas por Brook, que joga um manto minimalista arbitrário sobre esta obra prima. Este manto minimalista não é nem “contemporâneo” como linguagem, nem tem a ver com a obra. A que vem, então? Vem para economizar?

— Ao final, todos saem com a alma leve, felizes. Este é o milagre de Mozart. Uma música com tal grau de pureza, com tal poder de comunicação, que resiste a tudo, até mesmo a esta violação narcisista e pobre. Valeu, Mozart e Schikaneder, eternamente!

— O público pôs-se a aplaudir de pé imediatamente. O poder do ícone!

— Eu fui na quarta-feira, 21/09/2011.

Milton Ribeiro, o chato, retorna — Cara, eu vou juntar e roubar esse txt. Fui assitir a uma peça lastimável que foi APLAUDIDÍSSIMA. Estou em estado de choque a uma semana. O ícone era Marco Nanini.

— É, eu li tua crítica. Junta mesmo. Resistência ecológica.

10 comments / Add your comment below

  1. Pocket por pocket, sou mais a História do Soldado, de Stravinsky, concebida para a austeridade de tempos de conflito mundial.

    Faz tempo, né Luciano ? Primeiro aa Álvaro Moreira e depois no São Pedro. Bem merece nova encenação.

  2. Sobre a alclamação da mediocridade: o público (o que é isto ?) é quase sempre totalmente indiferente, quando não francamente hostil, aos mais sublimes inovadores de sua época. É disso que trata, na maioria das vezes, a história da arte.

    É por isso que não há nada como a distância histórica. A mediocridade não é privilégio contemporâneo. Só que mediocres do passado, dentre eles tantos hábeis artífices, repousam em paz sob o manto do esquecimento. Pensava nisso hoje ao “zapear” a Rádio da Universidade – o que nunca raramente faço por prazer estético, mas quase sempre por interesse antropológico: o que faria uma criatura musicalmente educada em pleno juízo preferir ouvir, com tanta boa música para escolher, preferir ouvir um capriho brilhante de Mendelssohn para piano e orquestra ou variações de virtuosidade de Paganini para flauta e harpa ?

  3. Assisti à montagem aqui em Sampa, duas ou três semanas atrás, no primeiro dia de apresentação. Pois o público paulistano ovacionou insandecimente a peça – eram gritos, suspiros, urros, todo mundo em pé (levantaram-se de imediato aqui também). Aliás, os aplausos foram tantos e por tão longo tempo que os atores e pianista voltaram quatro vezes para o palco, para agradecer.
    Fiquei sem entender o porquê de tanta euforia. Ah sim!, era o Peter Brooks, né?

  4. À flauta mágica do Francisco Marshall…

    GEOGRAFIA
    by Ramiro Conceição

    O amor tem uma geografia em que
    o enamorado às vezes é o sublime;
    mas em muitas a lágrima desce amarga
    sob o medo do escuro, sobre um muro
    de um beco, que esconde um segredo:
    na vida e na morte, a entrada é a saída.

  5. MILTON, SOCORRO!!!!

    Só consigo comentar em seu blog. No blog do Charlles, da Rachel, por exemplo, após digitar o comentário, quando da escolha do perfil… simplesmente meu comentário desaparece, mas uma mensagem em vermelho diz:

    não deixar a caixa de comentário em branco.

    Repito a operação… e tudo se repete … E o mais doido é que isso está acontecendo em vários computadores…

    Você tem ideia do que é isso?

  6. Li uma outra crítica dessa montagem que dizia algo que faz todo o sentido: na Europa, onde deve haver montagens da Flauta Mágica todo ano, esta versão minimalista aparece como uma novidade bem interessante.
    Enquanto aqui no Brasil, com bem menos montagens de óperas de Mozart, fica um pouco sem sentido ver uma releitura de uma obra que muita gente não viu (ou só viu décadas atrás) no palco.

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