Tuítes no blog

O caso do romance Ulysses X Paulo  Coelho: ontem li uma monumental besteira escrita por uma articulista num veículo de esquerda. É chocante a dificuldade que as pessoas têm de simplesmente admitir que foi uma bem urdida — mais uma — jogada de marketing.

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Sugiro aos querelantes que leiam um e outro. Parece-me tão simples.

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Detesto ir a dentistas. Vou hoje fazer uma revisão. Ainda bem que não sinto dores e tudo acabará em limpeza, como tem sido nos últimos cinco anos.

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Ontem, comprei o Amsterdam do McEwan. O Charlles Campos nem imagina, mas o fiz por insistência dele.

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O Inter contratou Rafael Moura quase na data do retorno de Leandro Damião. É uma diretoria muito bem humorada.

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Acho que o Inter pode continuar mandando seus jogos no Beira-Rio, mas não o Gre-Nal. Isto é, não jogos com duas torcidas.

O marinheiro e a enfermeira se reencontram 67 anos depois

É uma imagem clássica. No dia 14 de agosto de 1945, o Japão anunciou sua rendição, certamente em pânico após as bombas jogadas sobre Hiroxima e Nagasaki. Era o final da II Guerra Mundial e havia festa no Times Square de Nova Iorque. É a imagem do final da guerra: um marinheiro dando um beijo apaixonado em uma enfermeira. 67 anos depois, sem nunca ter repetido a cena, George Mendonsa e Greta Zimmer Friedman, ambos de 89 anos, se reuniram no local do famoso beijo.

“Era o momento. Você volta do Pacífico, e fica sabendo que a guerra terminou”, disse Mendonsa. Ele conta que tinha um encontro marcado com outra mulher chamada Rita Petry — sua esposa até hoje — no Radio City Music Hall, quando a notícia da rendição japonesa foi anunciada. Ele encontrou Rita e eles foram para um bar, beberam alguma coisa e, no caminho, Mendonsa viu uma mulher com uniforme de enfermeira. Então, deixou Rita a ver navios e correu para agarrá-la. “Era a emoção pelo final da guerra, somada ao álcool. Quando eu vi a enfermeira, saí correndo, abracei-a e a beijei.”

Greta disse: “Eu não o vi se aproximando; antes que eu percebesse, estava em seus braços”.

O que não se faz para tirar uma casquinha, né? Esse momento de alegria, oportunismo e paixão foi capturado pelo fotógrafo Alfred Eisenstaedt, da Life. Rita Mendonsa pode ser vista sorrindo ao lado do ombro do marinheiro na clássica foto. Ela diz que não se importou com o beijo que seu namorado deu na desconhecida. Dá para notar que se trata de um ser humano altamente evoluído.

A enfermeira e o marinheiro hoje, aos 89 anos
O conquistador e sua esposa Rita: deixada subitamente por ele naquele 14 de agosto de 1945

As tantas marés de Edu Lobo

Por Eric Nepomuceno | Para o Valor, do Rio

Tudo o que diz respeito a Edu Lobo tem sempre pelo menos três marcas vigorosas: qualidade, discrição e rigor. Assim ele se transformou, desde os primeiros trabalhos, num referencial entre os compositores de sua geração. Assim conquistou o respeito de seus pares. E assim está sendo essa etapa de suas apresentações Brasil afora, que começaram há dois anos com o lançamento de seu disco “Tantas Marés”. Até agora, na sequência de shows realizados sem grande alarde, mas com público robusto, ele passou por Belém e Porto Alegre, Recife e Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte, Maceió e Salvador, além, claro, do Rio. Em algumas dessas cidades (Rio, São Paulo, Recife) precisou voltar mais de uma vez com o mesmo show. Há uma polpuda lista de espera, e os chamados vão sendo atendidos aos poucos.

Além da temporada que nasceu com “Tantas Marés”, vem mais Edu Lobo por aí. Há dois discos previstos para o ano que vem: o relançamento de “Corrupião” e o lançamento de um disco novo, gravado na Holanda em 2011. Outra novidade é que ele, sempre avesso ao que chama de “vida de cantor”, está gostando imensamente do palco. E mais: se a vida inteira preferiu enfrentar a plateia em locais menores, de pouco público e ambiente mais intimista, passou a sentir-se à vontade em espaços grandes, como o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, com mais de 1.600 lugares e bilheteria esgotada.

Ele concorda e reconhece: “O que mudou é que hoje faço os shows com alegria, com um prazer enorme. O fato de não tocar violão nos shows me aproxima bem mais dos meus músicos e também do público. Tocando violão, me preocupo com o que estou fazendo, deixo os músicos em segundo plano. É que o violão protege, mas também afasta. Agora já não tenho as preocupações de antes, sumiu aquele frio na barriga na hora de entrar no palco. Entendo você usar o verbo ‘enfrentar’ o público. Mas esse verbo foi demitido, espero que para sempre. Sinto que já não enfrento o público: agora, encontro”.

O resultado é um intérprete maduro e seguro, dono de um repertório de canções extremamente elaboradas e refinadas que são sucessos impregnados na memória coletiva, transmitidos gerações afora. Muitas das canções, que nunca foram propriamente sucesso de vendas, são entoadas em coro por milhares de pessoas que souberam guardá-las. Essa permanência de uma obra é o que justifica o título de clássico. E Edu Lobo é autor de vários clássicos.

Nessa espécie de reencontro com o público, além de “Tantas Marés”, Edu relançou, há alguns meses, “Meia-Noite”, que estava fora de catálogo. Para ele, não existe intervalo algum entre seus discos individuais (“Corrupião” é de 1993, “Meia-Noite”, de 1995, “Tantas Marés”, de 2010) e o que chama de “discos de projeto” (“O Grande Circo Místico” é de 1983, “Dança da Meia-Lua” e “O Corsário do Rei” são de 1985, e “Álbum de Teatro”, que é de 1997, reuniu temas criados para montagens teatrais; “Cambaio”, de 2002, foi escrito por ele e Chico Buarque para uma peça de João Falcão).

“Sempre digo que os discos de projeto são tão meus quanto qualquer um dos individuais. Nesses discos eu trabalho com os orquestradores, passo ideias, acompanho todas as gravações, acabo cantando algumas canções. E o fato de não ser o único cantor do disco não me incomoda. Afinal, e também já disse isso muitas vezes, sou fundamentalmente um compositor. Trabalhar em projetos é, para mim, tão importante como fazer um disco só meu”, diz.

“Meia-Noite” é um desses discos só dele. Relançado pela gravadora Biscoito Fino, passou, nessa reedição, por uma mudança. “Pra Dizer Adeus”, gravada por Edu e Dori Caymmi na edição original, foi posta de lado. Com letra de Torquato Neto, “Pra Dizer Adeus”, conta Edu, “é uma música que foi gravada por meio mundo, Sarah Vaughan inclusive, e não achei que tivesse muito sentido mantê-la. Em seu lugar, preferi a gravação que Dori fez do ‘Choro Bandido’, com letra do Chico Buarque”. Com seu rigoroso sentido de exigência, diz que agora “Meia-Noite” ficou do jeito que gostaria que ficasse. Entre as canções estão clássicos como “Beatriz” e “Meia-Noite” (com Chico Buarque), “Candeias” (letra do próprio Edu) e “Canto Triste” (com Vinícius de Moraes).

E para seguir na toada de novidades, Edu está terminando as mixagens do disco, ainda sem nome, gravado na Holanda, durante sua apresentação com a Metropole Orkestra de Amsterdã, uma das bandas de jazz mais reverenciadas da Europa. Ser convidado para se apresentar com ela é sinal de prestígio indiscutível. Já se apresentaram com a Metropole Dizzie Gillespie, Ella Fitzgerald, Bill Evans e Sarah Vaughan, entre outros. Do Brasil, Ivan Lins e Wagner Tiso. Para essa missão, Edu convocou o pianista e orquestrador Gilson Peranzzetta e o saxofonista Mauro Senise.

Sua maior preocupação era como a orquestra se daria com a alma marcadamente brasileira, em especial no aspecto rítmico, de algumas de suas canções. Já nos ensaios, essa preocupação desapareceu. A integração entre os músicos europeus, os arranjos de Peranzzetta, os sopros de Senise e as canções foi total.

O resultado é uma cuidadosa releitura, cheia de vigor, de parte substancial de sua obra. De “Vento Bravo” a “Casa Forte”, de “Zanzibar” a “A História de Lily Braun”, “Frevo Diabo” e outras canções escritas com Chico Buarque, o “disco holandês” surpreende até quem conhece de perto o trabalho de Edu.

Tudo isso – apresentações no Brasil, relançamento de discos, álbum novo – não significa exatamente uma retomada. Afinal, só se retoma algo que foi interrompido. E ele não abandonou nem interrompeu nada. O que Edu Lobo tem feito, ao longo dos anos, é ficar quieto no seu canto, trabalhando com seu rigor e exigência extrema e volta e meia deixar chegar ao público uma obra que, com justa razão, fez e faz dele motivo de respeito e reverência de seus colegas de ofício. E fez dele um dos autores mais presentes na memória de todos nós.

The cold song, de Purcell, com Le Concert Spirituel e ?

Let, let me, let me freeze again to death

Apesar do contéudo, esta é uma das frases que mais gosto. É da maravilhosa e tiritante ária do Rei Arthur de meu querido Henry Purcell. Já ouvi versões mais geladas, onde tanto o cantor quando as cordas batiam mais os dentes…

Aqui, os caras dançam… Sei lá.

http://youtu.be/NIIwct9QNi4

Férias ateias

Por Hélio Schwartsman

Nestas férias, levei as crianças para passar uma temporada num acampamento ateu nos EUA. Durante duas semanas eu, minha mulher e os dois garotos fizemos programas familiares na região de Washington DC, fustigada por um calor senegalês. Eram 40 graus à sombra. Na semana seguinte, enquanto eu e Josiane gozávamos um idílio romântico, os gêmeos Ian e David, agora com dez anos, eram iniciados nos evangelhos de Dawkins, brincando com outras crianças enquanto recebiam lições de ciência e ceticismo. Era um daqueles acampamentos de filme, em que os meninos dormiam em cabanas de madeira bem primitivas no meio de uma floresta e derretiam marshmellow na fogueira.

Minha ideia inicial não era a de doutrinar os garotos, que já são por constituição dois bons ateuzinhos. Pretendia apenas promover uma viagem em família e aproveitar para reciclar-lhes o inglês, aprendido no período em que moramos em Michigan, internando-os num “summer camp”. Mas, durante minhas buscas na internet por um lugar adequado, sempre topava com descrições que frisavam os “valores cristãos” ali ensinados. Aos poucos, aquilo foi me deixando irritado. Os garotos já aprendem mais valores cristãos do que eu desejaria na escola católica em que estudam em São Paulo (não tenho nada contra religiosos desde que promovam um bom ensino). Eu queria apenas um acampamento de verão que fosse divertido. Assim, num momento de exasperação, joguei no Google “atheist summer camp” e, para minha surpresa, apareceu o Camp Quest, no qual logo os matriculei.

Trata-se, na verdade, de uma rede com acampamentos em vários Estados dos EUA e no Reino Unido. Eles até tentam, sem muito esforço, negar a pecha de ateus, preferindo termos como “secular” e “freetought” (pensamento livre), mas o caráter da instituição fica claro no nome com que batizaram a barraca em que Ian e David ficaram: “Magic of Reality”, título do último livro de Richard Dawkins, em que ele explica ciência e prega ateísmo para crianças.

Os garotos adoraram. Ressentiram-se um pouco de não ter conseguido jogar futebol como pretendiam, mas divertiram-se a valer, aprenderam os rudimentos do pensamento crítico e atualizaram seu inglês. Ian, que tem um talento especial para idiomas, chegou arrastando um sotaque levemente sulista, já que a maioria dos “campers” vinha da Virgínia, de Maryland e da Carolina do Norte.

Essa pequena mágica, a mudança de acento, esconde uma espécie de segredo de polichinelo da psicologia, algo que está bem na nossa cara, mas que nos recusamos a ver: pais importam muito menos para a formação dos filhos do que estamos dispostos a admitir. Quem primeiro lançou essa tese foi Judith Harris em “The Nurture Assumption – Why Children Turn Out the Way They Do” (a hipótese da criação – por que crianças se tornam o que se tornam), lançado em meio a muita polêmica em 1998. Esse foi um dos bons livros que li nas férias.

Harris sustenta que a socialização dos jovens não se dá através dos pais, como nossa cultura prega, mas por meio de seus pares, isto é, de outras crianças da mesma faixa etária e sexo. Um dos muitos argumentos que ela usa para apoiar sua teoria é o fato de que filhos de imigrantes não terminam falando com a pronúncia dos pais, mas sim com a dos jovens com os quais convivem. Pode parecer até meio banal, mas a conexão linguística é especialmente interessante para o debate hereditariedade X educação porque ela é uma das poucas características que não embaralha fatores genéticos e ambientais. Com efeito, o idioma que falamos e a forma como o fazemos não são determinados pelos genes, mas só pelo meio em que vivemos. E, nesse meio, a força dos pares claramente prevalece sobre a dos pais. Harris se pergunta se esse mesmo esquema não valeria para outras características, ainda que entremeadas com condicionantes genéticas, como personalidade, religiosidade, propensão a vícios, a cometer crimes etc.

E ela acredita que sim. Para a pesquisadora, a influência dos pares supera a dos pais em quase tudo. É apenas por uma herança cultural relativamente recente, que valoriza sobremaneira a criação, que imaginamos o contrário. É verdade que existe toda uma biblioteca de pesquisas supostamente científicas que aponta para os efeitos paternos, mas Harris afirma que esses estudos sofrem de graves falhas metodológicas. Eles continuam a ser produzidos porque dizem o que queremos ouvir.

Boa parte das conclusões a que Harris chegou tem como base os estudos de gêmeos e adotados, que permitem não apenas discriminar efeitos genéticos de ambientais como também distinguir, nesta segunda categoria, o que seria o ambiente reprodutível (aquilo que passa para todos os que são criados no mesmo lar, escola etc.) do ambiente único (aquilo que faz parte da história exclusiva de cada indivíduo). E a somatória desses trabalhos aponta de forma mais ou menos clara que o ambiente reprodutível, onde os efeitos gerados pela criação se incluiriam, tem muito pouca força no longo prazo.

Um caso eloquente é o do comportamento criminoso. Um estudo dinamarquês que mantinha registros dos pais biológicos e dos adotivos e acompanhava o desenvolvimento das crianças, inclusive as condenações penais que receberiam como adolescentes e adultos, mostrou que 15% dos filhos de pais sem problemas judiciais criados por delinquentes acabaram tornando-se criminosos. Já entre os descendentes de gente honesta criados por pais adotivos também honestos, a taxa de desencaminhados foi de 14%, uma diferença irrisória.

A história muda um pouco para os filhos de criminosos criados por pais honestos. Aqui, a delinquência atingiu 20%, um bom indício de que a genética influi na sanha infracional. Na ponta final temos os filhos de criminosos educados por criminosos. A taxa de desviados nessa categoria foi de 25%. Esse seria um sinal de que a criação, afinal, faz diferença, ainda que apenas para o mal. Mas o resultado deve ser relativizado à luz de um outro dado. Nas cidades pequenas, o efeito do pai adotivo criminoso simplesmente desaparecia, o que se explica se pensarmos menos em termos de pais e mais da vizinhança em que a criança cresceu. De novo, são os pares que importam mais.

Para Harris, essa sensibilidade extrema do ser humano a seus iguais faz sentido do ponto de vista da evolução. No ambiente darwiniano em que nossa espécie passou a maior parte do tempo, tornar-se órfão ainda em tenra idade era, senão a regra, ao menos uma possibilidade bastante concreta. A melhor chance de um jovem sobreviver nessas condições era ser capaz de aprender e socializar-se com o grupo, não com os genitores.

A hipótese encontra amparo no fato de que crianças que são criadas em condições razoáveis de vínculos, vá lá, amorosos, por um dos pais ou um substituto pelo menos até os quatro anos acabam se tornando adultos funcionais mesmo que, dos 4 aos 18, passem por um festival de horrores em orfanatos ou nas ruas. Já quando traumas e abusos vêm antes dos quatro anos, o mais provável é que a criança se torne um adulto problemático, mesmo que, depois da idade crítica, seja tratada a pão de ló. Na Idade da Pedra em que o homem foi forjado, perder os pais antes dos quatro e não encontrar nenhum substituto equivalia a uma sentença de morte.

Para Harris, o efeito dos pares sobre o indivíduo é inafastável. Mesmo que a criança seja rejeitada pelos colegas num bullying maciço e não tenha nenhum amigo, ainda será ao grupo de semelhantes que ela irá se comparar e do qual tirará suas referências e inferirá as regras sob as quais o mundo funciona. É nesse processo de comparações e busca de inserção social que ela consolidará as características de sua personalidade, em boa medida genéticas.

O que o ambiente moderno fez, sustenta a pesquisadora, é criar uma multiplicidade de nichos por causa das grandes aglomerações em que vivemos. Entre caçadores-coletores, as crianças são “criadas” pelo grupo de jovens que reúne tipicamente meninos e meninas de várias idades. Hoje em dia, com escolas de centenas de alunos, o garoto(a) socializa-se apenas com coleguinhas do mesmo sexo e idade. O resultado é a exacerbação das características. Meninas se tornam hiperfemininas e meninos, hiperativos. O mau aluno encontra outros maus alunos, que constituirão um grupo onde rejeitar a escola é percebido como uma característica positiva. O mesmo vale para a violência e o uso de drogas. Na outra ponta, podem surgir subculturas que valorizem a leitura, a utilização de computadores e outras “nerdices”.

O livro de Harris é muito bom. Mesmo que não compremos todas as suas conclusões pelo valor de face, é difícil rejeitar todas as evidências que ela oferece e seguir acreditando piamente no mito da boa criação. E reconhecer que o papel dos pais não era bem aquilo que imaginávamos não significa que os genitores sejam inúteis ou impotentes.

Para começar, cada um deles fornece 50% da matéria-prima, que são os genes. A melhor maneira de ajudar o futuro de seu rebento é encontrar um bom(a) parceiro(a) para gerá-lo. Depois disso, é preciso mantê-lo vivo pelas próximas duas décadas e recebendo quantidades adequadas de nutrientes e informações. A fase até os quatro anos de vida é especialmente sensível. Se você não cometer abusos nem submetê-lo a maus-tratos nessa janela, o mais provável é que ele se torne um adulto funcional.

Há ainda outras maneiras de influir. É bem verdade que você pode pouco contra os pares, mas, como adulto, tem o poder de determinar a área em que a família vai viver o que, em boa medida, determina os colegas e amigos que ele terá à sua disposição. Se o seu filho está nas piores companhias, em vias de tornar-se um marginal, você pode mudar-se para uma cidade menor, onde não será tão fácil encontrar um grupo de “bad boys”. Não é garantia de dar certo, mas é uma chance.

Outra coisa que pais podem fazer é transmitir hábitos e práticas que não são escrutinados pelo grupo e, portanto, tendem a manter-se incontestados. É nessa categoria que entram coisas como cozinhar ou tocar piano. É difícil uma criança ser ridicularizada por algo que não entra nas conversas do grupo e, portanto, ninguém sabe que ela faz. Se a prática não é condenada, pode ser conservada.

De resto, o importante, como já coloquei num outro texto em que comentava aspectos da criação, é aproveitar a jornada. Mesmo que o poder dos pais de imprimir características duradouras aos filhos seja pequeno, o de gerar momentos prazerosos que se consolidarão em memórias carregadas por toda a vida é quase ilimitado. E, como sabe todo ateu, a capacidade de deixar lembranças é a única forma de transcendência cientificamente comprovada.

Na página 550 de Ulysses

Mais uma anotação da terceira tradução e leitura de Ulysses, a MELHOR, sem dúvida.

E então mudamos de capítulo e, como ocorre sempre em Ulysses, muda o escritor. Entra um que parece viver em pleno esplendor kitsch:

O entardecer estival começara a envolver o mundo em seu misterioso abraço. Longe no Oeste o sol se punha e o último reluzir do dia fugaz brilhava ainda encantador sobre mar e areia, o altivo promontório do nosso querido Howth, vigilante como sempre sobre as águas da baía, as pedras cobertas de algas da praia de Sandymount e, com não menos importância, sobre a tranquila igreja de onde brotava por vezes no silêncio do ar em tornoa voz das preces  a ela que em sua pura radiância é um farol para o coração do homem, fustigado pelas tormentas, Maria, estrela do mar.

As três amiguinhas estavam sentadas nas pedras, aproveitando o espetáculo do crepúsculo e…

Joyce é um baita gozador. Logo depois vem a famosa cena de masturbação de Bloom sob o olhar e a provocação de Gerty MacDowell, uma das três amiguinhas. Não, não cabe num tuíte, Paulo Coelho. E este livro é demais e é muito, mas muito divertido.

... o altivo promontório do nosso querido Howth, vigilante como sempre sobre as águas da baía...
Olhando a foto anterior, o Howth parece ser uma ilha. Não é.

Há afirmativas que eu não discuto…

“Se incomoda demais com as críticas”? Paulo Coelho é achincalhado, vilipendiado, ridicularizado todo santo dia, em todos os veículos de mídia brasileiros, há duas décadas. Jamais, por exemplo, processou ninguém — coisa que uma escritora gaúcha fez com o blogueiro Milton Ribeiro por causa de UMA resenha crítica. O Mago nunca passou nem perto de ameaçar agredir ninguém, coisa que escritor iniciante muito menos criticado já andou fazendo por aí. Considerando a pancadaria que ele recebe todo dia, e em comparação com o mundo literário que eu observo, o Mago é super tranquilo com críticas.

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A mulher que era o general da casa, de Paulo Moreira Leite

Capa do livro da Arquipélago

A mulher que era o general da casa (Arquipélago, 223 páginas), do jornalista Paulo Moreira Leite, é um relevante painel criado a partir de várias histórias de pessoas que participaram — com a coragem e as armas que dispunham — da resistência civil à ditadura militar brasileira (1964-1985). São oito extraordinárias reportagens sobre resistentes brasileiros e uma sobre o embaixador Lincoln Gordon, que fazia o exato contrário. Quase todas as reportagens foram ampliadas de originais publicados em jornais e revistas. A linguagem de Leite é a jornalística, porém seus textos são envolventes e os retratos resultantes são mais do que verossímeis, eles emocionam, traçando minuciosos e doloridos desenhos que tornam o livro nada esquecível.

O livro inicia com uma apresentação absolutamente entusiasmante de aproximadamente 15 páginas. Nela, o autor, nascido em 1952, explica sua relação pessoal com a ditadura, e como ela alterou sua vida desde a adolescência. Na minha opinião, o livro cai quando entram a reportagem-título a respeito de Therezinha Zerbini e seu marido general, seguida pela de Jaime Wright. É difícil explicar o que me afastou delas. Talvez tenha sido a inesperada entrada da linguagem jornalística após uma apresentação tão pessoal, talvez tenha achado os personagens por demais carolas para meu gosto e tenha ficado desconfiado do que teria que ler depois, mas as três que vieram depois — focalizando o severo Florestan Fernandes, o bibliófilo José Mindlin e “comunista de direita” Armênio Guedes — recuperaram a impressão inicial. São soberbas, assim como a grandiosa reconstrução da personalidade do rabino Henry Sobel, sem recuar frente aos rumorosos e lamentáveis episódios de roubo. A reportagem sobre o pioneiro Washington Novaes é excelente. O mosaico formado por todos os textos recebe um balde de podridão quando chega a vez de Lincoln Gordon, o homem que seguiu negando o que fez, mesmo em face a documentos.

Todos os personagens foram entrevistados mais de uma vez pelo autor nos últimos 40 anos. As biografias, as perspectivas e algumas opiniões mudam e o autor pontua tais fatos. Não pensem que Moreira Leite teve o mau gosto de escrever em algum lugar do livro um libelo pelo esclarecimento e punição dos crimes cometidos pelos agentes de Estado contra cidadãos que teoricamente deveria proteger. Não precisa, porque A mulher que era o general da casa é inequivocamente a favor do esclarecimento. Está implícito a partir das histórias e conflitos narrados. A colocação da reportagem sobre Gordon na última parte do livro e a leitura de suas mentiras, repetidas pela sua sorridente e prestigiada figura mesmo frente a documentos liberados pelo governo dos EUA, é algo de deixar qualquer leitor perplexo. Foi assim que acabei o livro. Perplexo. E alguns, como Florestan, Wright e próprio Gordon, já morreram. O que estão esperando?

Recomendo muito a leitura.

'Antes do Passado': a dor e a injustiça do silêncio

À primeira vista, a lápide acima pode parecer a de alguém que comprou seu próprio jazigo para não incomodar os familiares com trâmites burocráticos e faz questão de avisar aos passantes sobre a propriedade do túmulo. Acontece muito em comunidades italianas no interior. É caso para orgulho e uma demonstração do altruísmo do futuro morto. Mas o início da frase – “Esta sepultura aguarda o corpo de” – causa no leitor uma sensação de estranheza ou de humor mórbido. O poema de Lila Ripoll complica ainda mais a compreensão, pois põe em dúvida a ocorrência de mortes – no plural e no passado. Porém, todas as nossas impressões se alteram e adquirem seriedade quando sabemos que Cilon Cunha Brum foi uma vítima da ditadura militar brasileira, que é um de nossos desaparecidos e que quem fez a laje tem realmente esperança de que esta, um dia, possa enfim receber seu morto. É o mínimo que um cidadão esperaria de qualquer sociedade.

A edição da Arquipélago

A foto é de um cemitério de São Sepé (RS) e é mais um detalhe documental do excelente livro Antes do Passado, de Liniane Haag Brum (Arquipélago, 271 páginas), uma raridade na literatura memorialística com foco na ditadura militar brasileira. Em primeiro lugar, por ser excepcionalmente bem escrito e também pelo tom correto adotado pela autora: os fatos e as situações falam tanto por si, todos os detalhes são tão perturbadores que qualquer intervenção de discursos ou de posições políticas viria a prejudicar aquilo que já fica claro pela via da humanidade. E Liniane não avalia nada, apenas relata de forma literária.

Cilon Cunha Brum é tio e padrinho da autora. A única vez que estiveram juntos foi no batizado de Liniane. Cilon, já clandestino em 9 de junho de 1971, foi chamado pelo padre. Saiu detrás de uma coluna, participou rapidamente da cerimônia e voltou a seu posto. Ele era um alto e magro militante do PC do B. Seu apelido era Comprido e todos diziam ser um sujeito solidário, simpático e brincalhão. Gostava também de crianças. No Araguaia é lembrado por seus poços artesianos, pela doutrinação e por sua relação com as crianças, é claro. Perto do final da Guerrilha, entregou-se. A questão do desaparecimento tornou-se um tabu familiar. Ninguém falava a respeito, apesar do pai da autora ter sempre procurado o irmão. Desde 2002, Liniane Brum, que é jornalista da TV Cultura de São Paulo, organizava e saía com uma equipe de reportagem a procura do que houvesse para descobrir. Porém, em 2009, a revista Veja publicou a terrível novidade: Cilon tinha sido morto a mando do então major Sebastião Curió no Araguaia e seu corpo ficara insepulto. Só então Cilon voltou a ser comentado em família. As circunstâncias da morte – Cilon era um prisioneiro fraco, vítima da malária que circulava livremente pela Fazenda Consolação tomada pelo Exército (para onde poderia fugir no estado em que se encontrava?) – revelam assassina necessidade de vingança e, fundamentalmente, desprezo. Segundo testemunhos, ele e dois companheiros foram executados e deixados no local, sob galhos de árvores. As mesmas testemunhas revelam que só foram enterrados depois que o dono da fazenda reclamou do cheiro.

Cilon Brum com seus pais, Lino e Eloah (Lóia)

A delicada da prosa de Liniane não recua dos detalhes e há artifícios que potencializam o que há de estarrecedor em Antes do Passado. Liniane usa um formato que aos poucos se revela muito eficiente. Ela joga as informações que colhe – fragmentos e mais fragmentos – na forma de crônicas e depois organiza-as na forma de cartas endereçadas à Vó Lóia, mãe de Cilon, falecida em 1989. Tal recurso funciona sob mais de uma perspectiva: ela não apenas “reorganiza o leitor” como dá uma demonstração do que pode ser dito sem chocar muito. É como se Liniane estivesse limpando o sangue da história a fim de reapresentá-la para suas tias. O efeito é devastador, principalmente quando a autora passa a se desculpar dizendo algo como “Olha, Vó, a senhora não vai gostar do que acabo de saber, mas vou ter que contar”. É o ponto onde a autora não consegue mais lavar o sangue.

Outro grande momento é quando a escritora irrita-se durante o retorno para São Paulo de uma de suas viagens ao Araguaia. Ela se encontra com um moço galante que, ao saber de onde ela viera, apresenta-se com sobrinho de um militar que era o braço direito de Figueiredo no SNI. Seu tio acabara de morrer e ele fora ao enterro para “cumprir tabela”. A situação simétrica, mas inteiramente injusta, deixa Liniane furiosa.

O relato de Liniane também demonstra o quanto a “Guerra” afetou a região do Araguaia e como as pessoas foram usadas e torturadas para auxiliar os militares. Até hoje muitos os temem. Quando são descobertas ossadas, eles, os militares, reaparecem. A população tem medo das entrevistas; afinal, há boatos de que os parentes dos guerrilheiros mortos preparam-se para voltar à região a fim de perpetrar uma vingança pelo colaboracionismo de alguns…

O livro de Brum é um poderoso documento pessoal da história recente do Brasil e torna-se mais potente pelo que possui de mérito literário. O Sul21 conversou rapidamente com Liniane Haag Brum.

A autora Liniane Haag Brum | Foto: Marcelo Min

Sul21- Há uma tentativa do MPF de abrir um processo contra o Major Sebastião Curió, como tu vês isso?

Brum – É claro que eu acho que é pertinente este gênero de ação. Afinal, há depoimentos e evidências que levam a crer que houve torturas e execuções. Não é um assunto que diga respeito apenas aos familiares. Nós podemos ser o elo de comunicação com os acontecimentos, mas o assunto é da nação. Como digo no livro, há duas fontes que teriam estado presentes na morte do Cilon, ambas vão mais ou menos pelo mesmo caminho. Não creio que seja função minha averiguar o que houve no Araguaia. O que fiz foi uma contribuição, na expressão e no formato que posso dar, para aproximar as pessoas da história numa abordagem literária.

Sul21- Na semana passada, houve manifestações contrárias às comemorações do Clube Militar pelo Golpe de 1964. De certa forma, o assunto da ditadura voltou à tona com força inesperada.

Brum – É verdade. Se a gente tentar ver o que está acontecendo com certo distanciamento – o que é difícil porque estamos imersos no agora – , veremos um momento muito peculiar. Peço desculpas pelo lugar-comum, mas parece que os jovens querem ir à frente passando a limpo uma série de coisas tal como fizeram os países vizinhos. O Clube Militar tem todo o direito de fazer suas comemorações e, a sociedade, tem o direito de reverberar o fato. Há, também, eventos no Memorial da Resistência aqui em São Paulo. Assim como fazem os militares, são chamados palestrantes que fazem exposições. O problema não são os eventos em si, o problema é que, se um vai ficar apenas apedrejando o outro, não se vai avançar. Eu acho que seria ótimo se fosse revogada a Lei de Anistia ou o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA no caso Araguaia. O Supremo Tribunal Federal julgará na próxima quinta-feira, dia 12 de abril, a ação da OAB sobre o cumprimento desta sentença. Vale pressão. Acho bom também ser lembrado que a tortura é crime imprescritível.

Sul21 – O livro relata casos de pessoas do Araguaia que ainda têm medo de falar  sobre o início dos anos 70. Como é isso?

Brum – Meu livro não é puramente jornalístico, nem puramente histórico, é a história versus a minha subjetividade, o que não significa dizer que a informação fique desqualificada. O medo das pessoas é um fato indiscutível. É claro que alterei a linguagem para pôr no livro, mas há um medo real. A população participou involuntariamente daquilo que chamam de “guerra”, foram convocados à força. Então, quando chega uma mulher fazendo perguntas, eles se retraem. A população também foi torturada pelos militares atrás de informações que os levassem aos grupos guerrilheiros. Há medo até hoje.

Sul21 – Existe, em São Sepé, o pensamento de que Cilon era um perigoso assaltante de bancos e que recebeu o que lhe era devido?

Brum – Na época, não havia um entendimento global do que acontecia e não somente em São Sepé. O tom era mais ou menos assim: “Se o filho do Lino foi morto, imagina o que não terá feito!?”. Isto está no livro para mostrar a época que se vivia. Apesar de que há ainda gente que pensa assim.

Sul21 – Durante o livro, tu estás quase sempre acompanhada de uma equipe de filmagem, há planos para um filme?

Brum – Antes de ser um livro, Antes do Passado, foi um filme… Em 2002, eu planejei um documentário. Na verdade, não tinha muita compreensão do que estava fazendo. Afinal, eu sempre trabalhei com cinema e áudio-visual — hoje em dia, sou editora de TV. Eu pensava em realizar um documentário sobre a Guerrilha, tendo por foco o tio Cilon. Era uma má compreensão das coisas… Comecei a colher e gravar entrevistas. Enquanto isso, estudava literatura, planejei outros livros e, quando foi confirmada a morte do tio Cilon em 2009, resolvi que era um livro. Mas é claro que eu tenho um material imenso gravado e tenho que avaliar o que fazer com ele, apesar de que o livro me satisfaz. O que eu desejava dizer está ali.

Sul21 – E como tu encontraste o tom para o livro, como tu resolveste estruturá-lo numa série de crônicas?

Brum – Eu cheguei nesta forma não brigando com os fatos. Eu tinha só pedaços, não tinha nada inteiro. Primeiro eu resolvi que seria literatura, não apenas um documento ou uma narrativa. Decidi também pela primeira pessoa do singular porque eu seria o elo que tentaria costurar as pontas. E seria a história de uma busca. A forma da crônica me pareceu a melhor para dar mais vida, para fazer com as matérias aderissem melhor ao todo. Retirei muitos trechos de minhas memórias de infância, que não interessavam diretamente e que pretendo usar futuramente numa ficção.

Sul21 – A temperatura emocional do livro sobe muito nas cartas para a Vó Lóia…

Brum – Isso surgiu depois, não estava no projeto inicial. Veio no processo de escrita. Permitiu que eu pudesse falar mais intimamente da família. Achei que aquilo aproximava o tio e a situação famíliar das pessoas. Minha escrita funcionava com muita naturalidade quando eu me dirigia a ela. E era um modo de colocar mais informações para o leitor.

A mãe Eloah (Lóia), Cilon e Elza Barberena

Fadiga dos metais

Ontem, o programa da Ospa era bem bom, —

Brenno Blauth: 3 Movimentos para Quinteto de Sopros e Cordas (Estreia)
João Guilherme Ripper: Concerto a Cinco (homenagem ao Quinteto Villa-Lobos pelos 50 anos)
Dmitri Shostakovich: Sinfonia nº 5

Regente: Victor Hugo Toro
Solista: Quinteto Villa-Lobos

— mas é muito claro quando o regente não agrada à orquestra por estilo pessoal ou incompetência. Creio que não preciso falar com nenhum músico para afirmar tal fato. As encantadoras obras de Brenno Blauth e João Guilherme Ripper foram levadas brilhantemente pelo Villa-Lobos e pela Ospa, apesar da confusão ocorrida no início do concerto, quando os violoncelos ou os contrabaixos simplesmente não entraram e tudo teve que ser recomeçado. Fato inédito: o maestro Toro olhou para a direita e viu apenas o pano vermelho. Estávamos com um ou dois segundos de música, então a coisa passou batido, principalmente se considerarmos que a obra de Blauth, que ficara anos perdida entre os papéis de sua mulher, era de excelente qualidade e compensou o contratempo. A música recomeçou, mas ficou aquele fiasquinho na conta.

A primeira parte do concerto, onde foram tocadas as obras de Blauth e Ripper, foi a melhor. Os extraordinários solistas do Quinteto Villa-Lobos arrebentaram, só não precisavam ter tocado com tanto descuido o bis com a Ária da Bachiana Brasileira Nº 5. O bis é um momento de alegria. O público o exige num elogio aos solistas e o solista retribui a homenagem reafirmando sua categoria. Não é um momento para crivar de erros uma peça conhecida, ainda mais num arranjo assim assim.

A conhecidíssima Quinta de Shostakovich foi interpretada mais na concepção heroica de Bernstein do que na contida de Mravinsky, mas a orquestra não parecia tão entusiasmada  quanto Toro, que chegava a pular no pódio com sua batuta daquela forma que Fabiana Murer não fez com sua vara. As cordas da orquestra estiveram muito bem, assim como flautas e oboés — com destaque novamente para os impecáveis Artur Elias e Viktória Tatour — , mas os metais estiveram desfalcados e mals, muito mals. Apenas para usar uma expressão comum, diria que tinha gato (mais provavelmente uma gata) na tuba e filhotinhos pelos outros instrumentos.

Apesar da excelente primeira parte, ficou aquela impressão de que o concerto poderia ter sido muito melhor.

P.S. — Ah, esqueci: sentei lá em cima no Dante Barone. Num local onde a acústica era efetivamente péssima. Fiquei sonhando com a construção e desejando o bom andamento das licitações da Sala Sinfônica.

Paulo Coelho: Ulysses, de James Joyce, é "prejudicial" para a literatura (bem que eu desconfiava)

Não posso dizer que lamentei esta matéria. Ao contrário. Por admirar Jorge Luis Borges, Paul Rabbit já escreveu livros com os títulos de O Aleph e O Zahir. Acho que ele jamais escreverá sua versão de Ulysses. Que bom!

Traduzido livremente por mim, do The Guardian

Escritor brasileiro descarta clássico modernista sobre um dia da vida de Leopold Bloom. Chama-o de “puro estilo”

Paulo Coelho põe no lixo o Ulysses, de James Joyce. "Não há nada lá".

Ulysses, de James Joyce, tem vencido enquetes e mais enquetes como o maior romance do século 20, mas, segundo Paulo Coelho, o livro é “uma idiotice”.

Antes, porém, falou de si ao jornal brasileiro Folha de S. Paulo. Coelho disse que o motivo de sua popularidade é o de ser “um escritor moderno, apesar do que dizem os críticos”. Isto não significa que seus livros sejam experimentais, acrescentou — sim, “eu sou moderno porque faço o difícil parecer fácil e então eu consigo me comunicar com o mundo inteiro”.

Os escritores se dão mal, de acordo com Coelho, quando se concentram na forma e não  no conteúdo. “Hoje em dia escritores querem impressionar outros escritores”, ele disse ao jornal. “Um dos livros que causaram maior dano foi Ulysses de James Joyce, que é puro estilo. Não há nada lá. Desmontado, Ulysses é uma idiotice”.

Os livros e romances espirituais de Coelho — cujo último, Manuscrito encontrado em Accra, passa-se na Jerusalém de 1099, prestes a ser atacada por cruzados — já venderam mais de 115 milhões de cópias em mais de 160 países. Ulysses, o romance modernista de Joyce, com 265.000 palavras sobre um dia na vida de Leopold Bloom em Dublin, foi publicado pela primeira vez com uma tiragem de 1.000 exemplares em 1922. Essas primeiras edições pode ser adquiridas hoje ao valor de R$ 320 mil e a existência do livro é comemorada todos os anos e em todo mundo no dia em 16 de Junho, data em que Bloom vagou por Dublin.

Embora Ulysses frequentemente encabece listas de melhores livros, não é raro que o critiquem. Coelho não é o primeiro a criticar obra-prima de Joyce. Roddy Doyle disse em 2004 que duvidava que as pessoas que os colocavam no topo tivessem sido realmente tocadas por ele.

P.S. — Este post só foi possível porque a Caminhante Diurno — que é também a Caminhando por fora — me indicou a matéria no The Guardian.

P.P.S. — Idelber Avelar escreve para mim no twitter, prenhe de razão: há um probleminha de tradução: “stripped down, Ulysses is a twit”. É um TUÏTE, não uma ‘idiotice’. Abraços.

Mudança de fase

Já passei da fase de defender meu time sob quaisquer circunstâncias. Quando um árbitro beneficia o Inter, digo sem qualquer problema ou sofrimento. Ontem, houve um jogo aqui no Olímpico onde o Bahia foi roubadíssimo em favor do Grêmio.  À exceção de um, foram lances claríssimos. Não creio em pagamento de árbitro, mas em azar e predisposição. O sergipano Lima e Silva e seus auxiliares tiveram azar de ocorrerem vários lances duvidosos que fizeram com que aparecesse claramente sua predisposição a não se incomodar com a torcida local. O gol da virada do Bahia foi legal. O gol da vitória do Grêmio foi MUITO ilegal e na cara do auxiliar que vigia a linha de gol. O sujeito estava há 5 metros de distância e voltado para o lance. Quando pensei que o cara ia falar com juiz a fim de anular o gol, ele apenas avisou ao perdido sergipano que ele tinha dado dois cartões para Mancini e, portanto, deveria expulsar o jogador do Bahia. Foi uma decisão correta. O único lance realmente duvidoso foi se Kleber estaria ou não impedido no primeiro gol do Grêmio. Porque o pênalti posterior foi claro.

Ou seja, houve uma cirurgia no Olímpico e estou esperando a visita do sergipano ao Beira-Rio para poder dizer que beneficiaram o Inter.

Não brinca com a gente, Gurgel

Trabalhei toda a sexta-feira nas matérias culturais do Sul21, mas, sábado, logo notei que a leitura da acusação fora uma decepcionante. Ela ficou clara quando li as manchetes dos jornais no último sábado. A manchete de um jornal aqui de Porto Alegre foi “Dirceu era chefe do mensalão, diz Gurgel”. A intromissão daquele “diz Gurgel” revela a verdade: não houve novidades, provas, nada. O desencanto da manchete foi aquele de quando a gente pega o jornal sem saber o resultado do jogo e fica sabendo de forma súbita a respeito de nossa derrota. O que disse o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi apenas a palavra do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel. A leitura foi quente, mas, quando passada no coador, o que sobra é que Gurgel considera possível a culpa de Dirceu. A Globo News não se referiu ao trecho em que Gurgel afirma com todas as letras “não ter provas” contra seus principais réus. O que mais me surpreendeu a forma: o fato do homem ter colocado recortes de revistas e jornais e de que seu discurso ter sido um resumão da Veja. Quem acredita hoje na revista mais comprometida com um partido no país?

A questão do carro-forte usado para transportar valores que seriam pagos a parlamentares em troca de apoio, foi um exemplo cômico do vazio das acusações. OK, usaram um carro-forte, mas vamos lá: quem alugou, quem dirigiu o carro, por onde ele andou, que contas movimentou, etc.? Nenhuma comprovaçãozinha? E quando as datas de saques não batem com as das principais votações? Ora, neste caso o Gurgel disse houve “rompimento de acordos pré-estabelecidos entre os mensaleiros”. OK, e dava pra explicar os detalhes do rompimento? Não. E a tentativa de condenar Dirceu usando como provas depoimentos de réus do inquérito que se tornaram inimigos políticos de Dirceu é mais uma confissão da fraqueza de argumentos.

Concordo com o que escreveu o Sérgio Amadeu nos 140 caracteres do twitter: “O PT caiu na crença de que a elite brasileira é coerente. Se os tucanos fazem esquemas de arrecadação, ele também poderia fazer. Isso foi o mensalão”. E isso foi o que pensei desde o primeiro dia. Também sem provas.

A Ospa e a inação como método

Não sei como é para vocês, caros amigos da OSPA, mas a mim, que sou um pouco inquieta, o que mais irrita em tudo o que debatemos neste grupo (fim da escola, nenhuma sensibilização de públicos, escassos concertos para a juventude, inexistentes palestras pré-concerto, etc.) é ver a enorme falta de flexibilidade e criatividade para se empreender qualquer ação que seja diversa aquela prevista no papel. Isto vai desde formalizar e ter este grupo reconhecido e integrado à orquestra até atuar pequenas idéias como publicar previamente no grupo a música dos concertos para preparar o público interessado para a audição e parabenizar os ospianos pelos aniversários. “Mas estas são bagatelas!”, vocês dirão.

Posso até desconhecer todos os mecanismos, necessidades técnicas e outros meandros do métier… Ok, sei bem que não sou perfeita e não sei tudo! Mas, pela vivência em associações e trabalhos de voluntariado sei que muitas coisas podem ser feitas com um pouco mais de boa vontade.

Me angustia o foco unidirecional e restritivo, voltado quase exclusivamente para a construção do teatro, que parece aniquilar a possibilidade de qualquer outra ação. Obviamente, ninguém quer a OSPA e seus integrantes trabalhando em condições adversas e em locais impróprios mas, tenho certeza, haverá espaço ocioso em outras estruturas do estado e do município (CCMQ, Gasômetro, etc) que poderiam ser usados para atividades. Eu, inclusive, acredito que a atual administração seja muito enxuta e não consiga dar conta de tudo mas então, porque não usar as ofertas voluntárias de ajuda? Centralização de poder e de fazer não está com nada!!!Imagino que palestras, concertos didáticos com grupos menores e até pequenos cursos poderiam ser ministrados deste modo. Pode até ser que eu esteja errada mas a sensação que tenho é que estamos desprezando as excelências da OSPA e perdendo grandes oportunidades. Sem formação de público e sensibilização quem vai frequentar o novo teatro???

Sobre absolutamente nada (ou Irritações em casa)

Tolstói dizia que o que mais irrita o ser humano é a mudança de planos causada por surpresas desagradáveis. O russo era dado à declarações bombásticas e devia falar como se fosse a Bíblia, tal o número de afirmativas de tom indiscutível que externava em seus escritos. Se os sites que divulgam citações lessem Tolstói, estariam cheios de frases do autor. A mim, o que mais irrita são as surpresas desagradáveis que envolvem desencaixes financeiros, fato que está perfeitamente dentro do conceito acima e de quem  é financeiramente contido — sucedâneo para pão-duro — mas é obrigado a gastar muito mensalmente.

Pois anteontem, nós montamos uma espécie de estúdio na casinha (edícula) de trás de nossa casa para minha filha estudar tranquila, no silêncio. Só que chovia lá fora e descobrimos uma enorme goteira no corredor que liga a sala da casinha a seu único quarto. Mas quando falo em enorme goteira, quero dizer que quase chovia dentro da casa, sobre o parquê. Para completar, a casa, onde há pouco mais de ano morava minha mãe, que é agradável e que usamos habitualmente para receber pessoas, tinha virado um depósito de portas e colchões, fato que certamente deixaria Tolstói furioso, louco para atirar Guerra e Paz na cabeça do primeiro ser humano que visse pela frente.

A edicula com suas telhas malditas

Instalando boa dose de esquizofrenia no cérebro, fingimos ser normal a presença de colchões e portas, assim como da chuva estragando o parquê, e transferimos as excrescências para o quarto da edícula. A sala ficou uma beleza para estudar. Compramos quadro-negro, flip-chart, canetas, papel, além de um pequeno farnel de guloseimas.

Com a chuva, voltou o velho problema da Vicentina, nossa cadela burra. Há anos de forma unilateral, ela tomou a decisão de que não pode tomar chuva. Então, quando chove, ela fica na garagem, onde passa a fazer suas necessidades. Claro que isto é irritante, mas a gente está adaptado. Só que hoje pela manhã, notei que algo no cérebro da Vicentina — que foi adotada por nós e que deve ter sofrido graves problemas alimentares durante a mais tenra infância — fez com que ela permanecesse cagando na garagem mesmo em noite estrelada e sol nascente radiante. Lembrei de Tolstói novamente ao concluir que não conseguiria sair de casa sem retirar os cocôs. Quase perdi o ônibus.

Obviamente, estava louco para dar uns tapas na Vicentina, mas não costumo fazer isso e ela não entenderia, pois nenhum cão, nem os mais inteligentes, ligariam uma surra ao fato de ter posto um cocô horas antes. Ela apenas ficaria com medo de mim. Mas por que a Juno aprende tudo e a Vicentina nada? Qual é o grau de cognição daquela cusca? Bom, hoje à tarde vai o cara lá arrumar o telhado. Quando liguei para ele, parecia saudoso de nós. Há quanto tempo, seu Milton! É muito boa pessoa, muito engraçado, competente, simpático e gremista. Poderia nos visitar sem cobrar, né?

Juno e sua companheira preta a burra