Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): XV – Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Em sua crônica de hoje no Sul21, o escritor Ernani Ssó voltou a falar sobre um de seus assuntos preferidos: o humor ou a falta de. Eu acho curioso que um dos livros mais engraçados já escritos — Viagens de Gulliver (1726, revisado em 1735) — tenha sido sequestrado pela literatura infantil como se dela fizesse exclusivamente parte. Nada contra as crianças, mas este livro de Swift não foi de modo nenhum apenas dedicada a elas. Assim como também não foi a Modesta Proposta, onde o autor explica com clareza exemplar como a Irlanda poderia livrar-se da fome… O que ocorre com Gulliver é curioso. Por exemplo, o personagem principal vai a uma terra onde só há intelectuais e o nome do país é Laputa, singela homenagem àqueles que estão sempre prontos a vender sua pena e ideias a quem lhes pagar melhor… Acho que nem todas as crianças conhecem tal característica, tão nossa.

A narrativa inicia com o naufrágio do navio onde Gulliver estava. Após o naufrágio, ele é arrastado para uma ilha chamada Lilliput. Os habitantes da ilha, que eram extremamente pequenos, estavam constantemente em guerra por futilidades. Foi através dos lilliputianos que Swift demonstrou a realidade inglesa e francesa da época. Na segunda parte, Gulliver conhece Brobdingnag. Em contraposição a Liliput, é uma terra de Gigantes e lá Gulliver percebe a enorme dimensão da mediocridade da sociedade inglesa. A terceira parte, na ilha flutuante de Laputa, é uma feroz crítica ao pensamento cientifico que não traz benefícios para a humanidade e aos intelectuais. Na última viagem, Gulliver encontra os Houyhnhm, uma raça de cavalos que possuía rara inteligência e bom senso, representando os ideais iluministas da razão. Os Houyhnhm temiam que alguém dos Yahoo, a raça imperfeita de “humanos”, movidas por instintos primitivos, se tornasse culta.

Swift foi o mais pessimista dos humoristas e um dos mais brilhantes deles. Foi sistematicamente trucidado por críticas a cada lançamento obra. Os críticos encararam seus trabalhos como resultantes de um misantropo, como se fossem parte da vingança de um homem amargurado e frustrado em suas ambições poéticas, políticas e eclesiásticas.

O fato de ser entendido pelas crianças — certamente de outro modo — apenas o engrandece. Agora, a forma como superou as adaptações e os abusos cometidos há quase 300 anos, chegando até nós, isso eu não imagino como possa ser explicado. A última tentativa foi um filme de Hollywood que vou te contar…

6 comments / Add your comment below

  1. Eu tenho essa edição e outra, melhor, em tradução da Clarice Lispector. Ainda não conferi a edição da Penguin-Companhia, mas logo chego lá. É incrível como muita gente engole o veneno se ele vem na embalagem do fantástico ou do humor. Pior. Tem gente que morre feliz e não se dá conta de que morreu.

  2. Conheci na sexta-feira uma senhora que certamente veio de Laputa; é doutoranda em filosofia e adora esgrimir conceitos para servir de álibi às perversões do poder; como todo nietzscheano que conheço, ela se “distingüe” (isto é, não se distingüe nada) por três virtudes essenciais: a vaidade, o orgulho e o egoísmo. Laputa. Quem mais fez um tour por lá?

    1. Bá, conheço INÚMEROS que vieram de lá ou que fizeram estágios na ilha flutuante. Mas não devo citá-los. Estou em fase de fugir de confusões.

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