Amor por duas mulheres

Tenho / tinha em minhas mãos todos os ingredientes para estar vivendo uma das quadras mais podres de minha vida, mas, se fosse reclamar, seriam lágrimas de crocodilo, pois sou beneficiário do amor de duas mulheres. Só posso pensar que, se for mesmo uma pessoa boa e grata, quando olhar para trás, pensando nesta época de separação, vou me lembrar mais delas, de minhas duas mulheres, do que de qualquer outro.

Prova de que o recente calor provocou brotações em Porto Alegre, ambas mudaram recentemente seu status no Facebook para “Em um relacionamento sério com…”. Uma é minha filha; a outra não sei bem o que será, mas bem a quero e bem sei o que desejo que seja. Uma é mais pequena; a outra não chega a ser grande. Uma me dá conselhos com certa rispidez; a outra é cheia de modos. Uma me provoca a tapas; a outra o faz mudando subitamente de assunto, deixando pelo caminho vagas frases com mil reticências. Estou acostumado com o espanto de ver a primeira delas repentinamente a meu lado desde há duas décadas; a outra vai e volta e, por mais que me esforce, sou obrigado a pensar que chegou pelo ar. Uma me defende de forma indignada; a outra pede que eu cultive a tranquilidade. Uma corrige meus escritos; a outra diz ouvi-los. Uma tem um piano cheio de cupins; a outra morre de saudades do seu. Uma gosta dos filmes pesados; a outra, dos leves. Uma costuma me soquear de brincadeira; a outra … Bem, uma diz palavrões — Por que seremos mais castos / Que o nosso avô português?, perguntava Drummond — ; o que escandalizaria a outra — se esta os ouvisse. Uma é brasileira de Porto Alegre; a outra, bielorrussa de Mogilev. Porém, nas poucas vezes em que se encontraram, uma elogiou a outra; no que foi retribuída (e sou a solitária testemunha disso).

E eu nisso tudo? Olha, eu trato de, cuidadosamente, receber um pouco da vida de cada uma delas e devolver tudo na forma de boas memórias. Acho que é isso que devo fazer..

A quase um mês da primavera, flores já colorem Porto Alegre
A quase um mês da primavera, flores já colorem Porto Alegre

14 comments / Add your comment below

    1. Li e reli a anunciação… Não deu outra… Efetivamente o bicho tá amando: “A OUTRA, BIELORRUSSA DE MOGILEV”. É, não tem jeito: o espécime tá espetado por uma eslava…

      Sr. Milton Ribeiro, diante de tal diagnóstico resta-lhe apenas o ritual sagrado da tradição:

      vestir-se com suas pilchas: botas, bombachas de origem turca; as camisas de cores sóbrias; e o lenço com o nó dos enamorados…; não esquecer da pala, para aquecer, também, o seu amor…; e… que a guaiaca não carregue qualquer arma, mas rascunhos e resumos literários que você tanto amou…; não esqueças do colete que, em cada bolso, sempre conterá presentes às duas prendas tuas…

      É, meu amigo, falo de cátedra, já amei uma eslava… Vê no que deu:
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      LUA DO SOL
      by Ramiro Conceição
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      O poeta entrou na casa
      e amou sua alma:
      um olhar duma camponesa russa,
      um ipê amarelo – entre girassóis.

      O poeta abriu-lhe os poros,
      e dentro do solitário colo
      dormiu nu – jeito de menino,
      traços de mulher,
      pois o poeta e mulher e homem!:
      um coração de terra com pedaços de pão
      onde no cair da tarde os pássaros vêm
      e vão…

      Por longo tempo,
      a alma da casa ferida
      não se atemorizou
      com a escuridão
      do poço da vida,
      pois possuiu um moço
      com a lua do sol de Orfeu.

          1. ALÉM DE NÓS
            by Ramiro Conceição
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            Digno… é o ser humano
            que viu  de si  o amor
            nascer… E que, por isso,
            amou e compreendeu que outros
            muitos também viram que outros
            muitos nasceram… depois de si.

  1. Dizem que as russas são loucas. Só dizem, não sei quantos tem conhecimento de causa. Eu mesmo tenho um pouco e digo: eles estão certos. Mas sempre há um bilhete premiado por aí, de repente a bielorussa em questão tem ascendência… espanhola ou portuguesa.

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