Noruega faz o melhor comercial das Olimpíadas no Rio de Janeiro

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Entre centenas de campanhas publicitárias sobre os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, foi a Noruega que criou o comercial mais brasileiro. A peça mostra um Rio de Janeiro mais “realista” e é uma campanha da marca esportiva XXL Sport & Villmark. Tudo se passa em uma favela e mostra a história de um garoto que persegue um misterioso homem para devolver a carteira que ele deixou cair. Ao mesmo tempo, o próprio garoto é perseguido por policiais que acreditam que o acessório tenha sido roubado por ele.

Vejam abaixo.

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  1. Um dos contos mais impactantes para mim do Julio Cortázar, que nem chega a ser um conto mas uma diatribe narrativa, é o que começa o livro “Nicarágua tão violentamente doce”. Nele, Cortázar sai pela terra do título tirando fotografias das crianças sorridentes, dos policiais fardados prontificados, das barracas vistosas das feiras, das nicaraguenses jovens com véus coloridos, das mães nicaraguenses com seus filhos de colo, das estátuas ufanistas das praças, reativamente prontificado a se fazer de adido cultural para quem os oficias da pátria mostram o quem tem que se exposto no cartão postal pelo estrangeiro. Quando Cortázar volta a seu quarto de hotel, com o cansaço agradecido do viajante, esperando que chegue pela porta a sua namorada ou mulher, não me lembro, só me lembro da frase “que me oferecerá o delicioso sal dos teus seios”, ele bebe um scotch para relaxar e se senta para conferir o que sua polaroid flagrou. Em vez de tudo o que ele julgou ter apreendido com a mira da câmera, ele vê emplastrado na celuloide fotos de crianças mortas assassinadas, com o grito de pânico congelado no rosto, os coturnos dos policiais enfiados na guela de pobres camponeses de rostos desfigurados, praças em que qualquer presença humana foi excisada e sobrou barracas destruídas da violenta evasão, rostos de desespere das mães de quem foram lhe arrancados os filhos para nunca mais. Quando a mulher por quem espera o escritor chega, encontra um Cortázar encolhido no chão e com o rosto transfigurado pelo choro.

    Esse comercial me lembrou desse conto genial, que pode parecer pedante nas minha analfabetas palavras, mas é um soco no estômago e uma das melhores páginas do argentino. Um menino branco, diga-se por sinal; policiais halterofilistas modelos (que colar de dentes magníficos o policial negro tem, ao sorrir desarmado pela sacralidade em slow motion ao reconhecer o jogador); uma favela eufemizada que lembra uma vila grega idílica, em que a ascensão social é tão fácil e aprazível quanto uma queda de asa delta para a qual até o mar se mostra protetor; e a praia e as mulheres hospitaleiras, uma obra, afinal de contas, legitimamente autoral, disso não podemos negar, visto que noruegueses são seus autores e norueguês ficou o Rio de Janeiro, sem mais morticínios, sem mais praias depredadas pelas indústrias poluentes de um país em que a lei é ditada pelos abutres, e para eles faz acontecer beneficamente, um país que a polícia jamais sairia em uma perseguição cinematográfica despendendo um número tão grande de efetivos, um tiro bastaria, ou dois na simulação posterior de que havia uma arma nas mãos do garoto morto. E a salvação, ah, a salvação, sempre do milionário iletrado com ficha na polícia por isenção de cidadania que usa a bola como graal hipnótico para a qual se dirige os olhares de todos os abandonados: o Ronaldinho Gaúcho, ganhador da medalha Machado de Assis.

    1. Brilhante comentário!

      No Facebook, alguns revoltaram-se contra o comercial. Enfim… Reclamavam da camaradagem da polícia.

      Eu interpretei a coisa de modo totalmente diferente. (1) Se a polícia desse logo um tiro no menino — o que costuma fazer — não haveria comercial. (2) O policial só para quando vê Ronaldinho. A reconciliação só é possível quando interfere o cara famoso, gênero de autoridade, que protege o menino. Nem diria que houve reconciliação.

      Enfim, sei lá. Achei a coisa muito bem bolada, dentro dos limites estreitos de um comercial.

      1. O comercial é sim muito bonito, sem ironia. Porém já atingimos uma posição no campo do sarcasmo automático de percebermos as coisas desse país que o torna uma desmoralização reversa. Quis dizer que o povo é honesto (o menino devolvendo a carteira), que a polícia é pacificadora (a polícia desarmada! É tão louco que é vedado à graça), que as mulheres são recatadas (na praia não dá nenhuma ênfase ao biquíni), que os ídolos do futebol são altruístas sociais abnegados e avessos à fanfarronice (um Ronaldinho transitando em sua lambretinha, com as mãos estendidas protegendo o menino_ símbolo óbvio do Cristo Redentor_, sem nunca ter participado de festas homéricas de fazer tremer os caixilhos das janelas do vizinhos, e demais proezas penais de maior ou menor grau). É tanto elogio a nós que chega a ser um insulto, como aquele alguém que quer vender um fusca maquiado toscamente afirmando ser uma Ferrari. Um comercial lindo e incentivador ao choro emocionado como os de Bancos, funerárias e seguradoras.

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