cinecittà

Por Eduardo Mello (*)

paira sempre sagrada saia

tremulam
no centro storico de roma
as bandeiras italiana
europeia
as saias
do mundo todo

a rotina da chegada ao novo posto, à nova vida: caixa postal e área de trabalho, idioma, identidade, amigos. apresentar-se ao embaixador e iniciar a burocracia da instalação, procurar apartamento e pensar em fixar mais uma vez, ancora una volta, os quadros e memórias na parede. recuerdo do curso diplomacia no clube de cultura, a principal dúvida de uma colega sobre a carreira diplomática: como fica a mobília?!

já não podemos morar onde bem entendemos, no azalai de bissau ou numa colina de santiago, mas onde a logística escolar permitir. começam as aulas das gurias, os aniversários, mães e pais de coleguinhas, os primeiros amigos quem nos dá são elas

endereço provisório via savoia 3, piano terra. a poucas quadras da porta pia, de michelangelo, na muralha aureliana que circunda as sete colinas de roma desde 275 anno domini. ali os bersaglieri furaram o bloqueio, abriram a breccia que selou a vitória sobre os estados papais e a unificação italiana, em 20 de setembro de 1870

35 anos depois, ali mesmo, na noite de 20 de setembro de 1905, a primeira grande projeção de um filme na cidade, la presa di roma (‘a tomada de roma’), de alberini. a céu aberto, a contar o episódio culminante do risorgimento, in loco. dez minutos de duração, um longa-metragem para os padrões da época

olhar forasteiro, sguardo di turista. andar à noite tranquilamente, um pouco como brasília, não muito como porto alegre. restaurantes em toda parte, ir de bus ou tram pro colégio, cine, cines de bairro, em poucos metros quadrados o histórico savoy, o europa, o mignon, com casais idosos saindo de braços dados passada meia-noite

não há alarme, guarita, snipers. nem eclusas e clausuras. eclusas. têm origem na segurança dos castelos medievais e na atualidade são usadas na segurança privada. eclusas: sistema de controle constituído por dois acessos e um espaço confinado

não há, mas a professora de natação das gurias não entende por que estamos aqui. ‘saíram daquele país lindo pra vir pra cá? trabalho? por quê?’ falou de emprego, custo de vida, meritocracia, no mesmo tom que o cabeleireiro, também branco, ele mora na praia e vem de trem. ao menos há trem, tentei ponderar

meses depois, show da built to spill no largo venue, região tipo cidade baixa. a banda de abertura é suíça, o vocalista pergunta como está a vida em roma. ante os resmungos da plateia, o cara diz ‘é, i know, zurique também é uma merda’

na via salaria, perto da via savoia, um africano aborda quem saca dinheiro no caixa eletrônico da calçada, depois dança em frente ao espelho de uma loja, aparentemente em transe. a uma quadra da piazza navona, entre as bandeiras e as saias, mulheres portam um cartaz, we came from syria and . na quadra seguinte, na esquina do descolado restobar friends, um africano negro puro me aborda desesperado, vim da líbia e estou com fome, please help please help me

won’t you please, please help meee? help! canta lommucia na garupa da bici a caminho da escola, em meio ao parque da villa borghese. ela se diz triste ‘porque dois dos beatles já morreram’. ontem mesmo viu um cidadão revirando um contêiner de lixo e retirando um pé de tênis sem cadarço

olha, mamãe!
que legal!
aquele moço
encontrou o sapato
que ele tinha perdido!

Foto: arquivo pessoal do autor

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(*) Eduardo Brigidi de Mello, diplomata, publicou ‘Brisas de Bissau’ (2015). O texto representa tão-somente a percepção do autor.

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