A Barata, de Ian McEwan

No final do ano passado, A Barata foi o livro da hora na Inglaterra. Ou foi o livro do desespero de McEwan com uma irreflexão coletiva, o Brexit. Claro que a pandemia deixou o livro na poeira. Ou não. Na cena mais inacreditável da novela (102 páginas), o primeiro-ministro inglês, a ex-barata Jim Sams, ouve sua análoga alemã (Angela Merkel?) perguntar:

— Por que o senhor está fazendo isso? Por que, com que objetivo está despedaçando sua nação? Por que está impondo essas exigências a seus melhores amigos e fingindo que são seus inimigos? Por quê?

E a resposta, meio constrangida, é:

— Porque sim.

A Barata começa como um inverso de A Metamorfose, começa com uma barata que se vê transformada em homem. Este é Jim Sams, barata que encarna no primeiro-ministro britânico. Depois de adaptar-se ao novo corpo, Jim leva a sério seu papel e sai-se muito bem na luta para implementar uma política econômica baseada em uma ideia ridícula, o “reversalismo”. Essa coisa faz com que o fluxo de dinheiro seja invertido. Por exemplo, o reversalismo faz com que as pessoas paguem para trabalhar e ganhem dinheiro ao consumir. Isso entusiasma as massas mais tolas. Jim sabe que é puro populismo e que é ruim para todos, mas trata de levar em frente a ideia, para felicidade do presidente dos EUA, um cara grosso que ama o Twitter.

O livro fala de populismo, linchamentos pela imprensa, anseios nativistas, amor a si mesmo e à terra e sangue, ignorância às mudanças climáticas, etc.

A ideia é boa e muito calcada na realidade, o que talvez torne o livro datado. Mas não o chamaria de panfletário em razão da alta qualidade da prosa de McEwan.

Bom mesmo é o posfácio, onde McEwan deixa claro seu horror e sobra pra todo mundo, até para o Brasil. É lá que está a chave para o entendimento da novela: está no parágrafo que começa assim: “O populismo, desconhecendo sua própria ignorância…”.

Que coincidência, né?

McEwan: preocupado com o Brexit

Deixe uma resposta