Vista chinesa, de Tatiana Salem Levy

Em 2014, antes de uma reunião de trabalho, a arquiteta Júlia, responsável por uma das obras da Olimpíadas de 2016, foi correr até a Vista Chinesa, que é um mirante em estilo chinês localizado no bairro do Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro. O mirante está localizado na Floresta da Tijuca. Os seis quilômetros que ela percorreria em 40 min foram interrompidos por um homem armado que a levou para a floresta a fim de cometer um estupro.

Trata-se de um romance, pois o texto de Tatiana Salem Levy utiliza-se do variado instrumental romanesco, mas Vista Chinesa narra um caso verdadeiro. É óbvio que não é uma leitura fácil, mas também não é a bigorna que poderia ser. Não pensem que a autora desvia-se dos detalhes do estupro. Não, ela descreve claramente a violência sofrida e suas consequências. Descreve os sentimentos da abusada em todo o seu horror, mesmo durante a agressão. Porém, em capítulos curtos e habilmente escritos, desorganiza o tempo cronológico, mostrando a vida de Júlia antes e depois do estupro, a ruptura, o que era a vida antes e o que será depois, assim como o doloroso processo de reconhecimento do estuprador.

É um livro corajoso, resultado de entrevistas feitas pela autora com “Júlia”, cujo nome real aparece no final do livro. As vítimas de estupro — compreensivelmente — não gostam de falar nem de lembrar do fato. Aliás, as pessoas também não amam ouvir a respeito. A forma encontrada por Levy foi a de escrever seu livro como se fosse uma carta de Júlia para seus dois filhos, nascidos após o crime. O formato é engenhoso, porque permite um tom muito sutil, ao mesmo tempo brando e extraordinariamente franco, o que deixa o romance ainda mais impactante.

Recomendo fortemente.

Tatiana Salem Levy

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