Sátántangó, de László Krasznahorkai

Dizer que este livro é inquietante é uma grande delicadeza. Obviamente brilhante, este livro conta uma história muito triste, às vezes monstruosa. Como disse um crítico húngaro, “a grandeza do livro é palpável, mas as pessoas parecem não saber o que fazer com ela”. Eu não soube. O livro, que é de 1985, recebeu o Man Booker International quando foi traduzido para o inglês em 2015. É um clássico moderno cuja versão para o cinema, dirigida pelo excelente Béla Tarr, tem 7h30 de duração. Mas o livro não é longo, tem 227 páginas. É que o diretor quis que o filme tivesse a mesma duração de uma leitura do livro. Olha, acho que levei mais de 7h, apesar da ótima tradução, direto do húngaro, feita por Paulo Schiller

São 12 capítulos, ou danças, numeradas de 1 a 6 e de 6 até 1. O climax do livro está nos capítulos de número 6. Cada um deles tem apenas um enorme parágrafo que é formado por longas e belas frases. Krasznahorkai disse ironicamente o seguinte quando questionado sobre suas frases: “Todo mundo sabe que o ponto não pertence aos seres humanos, o ponto pertence aos deuses. Os deuses ficarão com o último ponto.” Talvez Sátántangó trate das reações das pessoas às promessas de esperança e salvação: “Não estou interessado em acreditar em algo, mas em compreender as pessoas que acreditam.” Hum, é um caminho.

Como disse, o livro é não é longo, em muitos momentos é chega a ser estimulante, mas que projeta não permite que se ria dele, como fazemos com Kafka ou Bernhard (ao menos eu rio algumas vezes com estes autores). É que aqui são criadas alegorias que logo depois são destruídas. Pobres de nós.

Lama, lama, muita chuva e lama. E pobreza. Na primeira metade, a ação centra-se no retorno de Irimiás, um homem que pode ser ou não ser um profeta, ou é o diabo, ou apenas um vigarista, a uma aldeia húngara apodrecida e encharcada. A aldeia parece ser um assentamento abandonado, onde toda a esperança foi perdida e todos os prédios estão caindo. É habitado por um elenco de camponeses desesperados tentando enganar uns aos outros com seu pouco dinheiro, enquanto cobiçam a esposa ou o marido do próximo, além de um médico minuciosa e perpetuamente bêbado que observa obsessivamente os vizinhos, também há mulheres tentando vender-se, uma menina deficiente que tenta matar seu gato e um adolescente malandro. No final do primeiro capítulo, eles descobrem que Irimiás, que pensavam que estava morto, está a caminho da propriedade, com seu amigo Petrina. Os moradores locais se reúnem no bar e caído e sujo para esperá-lo, onde bebem, discutem, brigam e dançam grotescamente ao som de um acordeão, enquanto se provocam sexualmente, por assim dizer. Quando chega, Irimiás parece um chefe de marionetes.

Irimiás e Petrina chegam e depois não conto mais. Pode-se falar no fim da era soviética, mas, por favor, é muito mais do isso. Na verdade, a única alegoria que permanece é a da falta de sentido da vida e da impossível salvação. Tudo muito Beckett e Kafka, com temperos de Bernhard. Tudo parece extremamente verossímil e a reação do leitor só pode ser a de horror a um mundo sem sentido. Krasznahorkai deleita-se com descrições pouco ortodoxas; nenhum objeto é insignificante demais para seu olhar preocupado. Isso causa estranheza porque se alguém descreve um punhal ele acabará sendo usado. Aqui não… Sim, há um cuidadoso e elegante trabalho de linguagem em Sátántangó.

No entanto, como disse, é um romance obviamente brilhante. Krasznahorkai nos convence de tudo. Até mesmo os desenvolvimentos mais estranhos da história dão-nos a impressão de realidade e são lindamente integrados na estrutura do romance, semelhante a uma suíte de danças. A epígrafe, retirada de O Castelo, de Kafka, diz muito: “Nesse caso eu o evito esperando por ele”.  Aliás, o Satantango é repleto de imagens religiosas ao estilo Tarkóvski e de sugestões de revelação, desde os sinos de Futaki no primeiro capítulo — que talvez signifiquem a “ressurreição” de Irimiás, que nunca foi batizado. “A imaginação nunca para de funcionar, mas não estamos nem um pouco mais próximos da verdade”, comenta Irimias. E depois: “É uma batalha, Petrina. E nós sempre nos afundamos. Quando achamos que estamos nos libertando, apenas ajeitamos os cadeados. Está tudo arranjado”.

As ambiguidades do livro tornam quase impossível qualquer leitura concreta de Sátántangó. Somos colocados no mesmo confuso estado de espírito dos personagens, aquele que faz a gente perder a coisa ao esperar por ela.

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P.S. — Acabo de ver uma entrevista de Krasznahorkai no YouTube. De fala mansa, é um sujeito simpático que fala ao mesmo tempo que sorri, não é nada apocalíptico, e diz que não desejava ser escritor.

László Krasznahorkai (1954). Fonte: YouTube

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