O cliente entra na Bamboletras, pede ‘Torto Arado’. Eu ouço ‘Touro Tarado’.
Depois de rápida perplexidade, dou-me conta e respondo:
— Claro, temos. O livro acaba de ganhar o Jabuti, né? Como não teríamos?
O Jonas Fernando Pohlmann é um querido cliente da Bamboletras que mora em Moçambique.
Quando vem ao Brasil, além de visitar nossa livraria, traz pra gente uma lembrancinha. Bem, até hoje só trouxe lembrançonas!
No ano passado, ele nos presenteou com Balada de Amor ao Vento, ótimo livro de Paulina Chiziane ainda não lançado no Brasil.
E ontem ele nos trouxe O Mapeador de Ausências, de Mia Couto, ainda não publicado entre nós.
Com um detalhe, o livro veio autografado por Mia.
Fundada há 25 anos, a Livraria Bamboletras é um dos principais redutos culturais de Porto Alegre.
Localizada na Cidade Baixa, no Centro Comercial Nova Olaria da Lima e Silva, ela começou atendendo o público infantil, por isso o divertido nome de Bamboletras. Posteriormente, atendendo a pedidos dos pais, o leque de opções se expandiu e passamos a receber obras de literatura para adultos, poesia, filosofia, política, psicologia, teatro, música, etc.
Sempre com acervo atualizado, de alta qualidade e autonomia de escolhas, a pequena Bamboletras passou os últimos meses se reinventando. Antes da pandemia, o foco era o atendimento presencial, o conhecimento sobre cada livro, a boa sugestão, a conversa no balcão e a negociação gentil, mas, durante o fechamento das lojas, como sobreviver com a impossibilidade de ser visitada pelos clientes? Sem os clientes presentes, o atendimento seguiu pelo telefone e outros meios virtuais. As entregas passaram a ser feitas por ciclistas, motoboys ou correio. Com agilidade.
Também o gênero dos livros procurados mudou. Paradoxalmente, numa época em que finalmente havia tempo para ler, ocorreram poucos lançamentos. Porém, a Bamboletras descobriu que os leitores queriam finalmente ler aqueles clássicos que foram deixados para trás pela falta de tempo do antigo normal. Foi uma pandemia de calhamaços, de ler o grande romance russo ainda não lido, de fazer musculação com livros pesados (em Kg) e de, ops, livros de receitas… Porque as pessoas estavam fazendo suas refeições em casa e deviam estar cansadas da repetição dos mesmos pratos.
Então foi a pandemia de Dostoiévski, Melville, Clarice, Hilda, Ferrante, Bela Gil e Rita Lobo. A Bamboletras passou a fazer parte de uma cadeia que contava com editores para publicar os livros, distribuidoras para enviá-los e as bikes e o serviço postal para levá-los aos clientes. E o ponto forte, o atendimento, continuou nos meios virtuais. Hoje, na reabertura, dá gosto de ver os clientes que entram na livraria e ficam extasiados em razão da longa ausência.
A comunidade de leitores e livros é do que a Bamboletras precisava antes, é a comunidade que a está mantendo nos tempos difíceis e é a comunidade com quem a livraria gostará de estar quando tudo isso acabar.
Hoje, orgulhosa, a Livraria Bamboletras inicia uma parceria com o Matinal / Parêntese / Roger Lerina. Afinal, temos grandes afinidades. Ele também dá grande atenção à cultura e, deste modo, também faz parte da comunidade que queremos ver crescer, mesmo que em tempos hostis: a dos amantes da arte e da cultura, a dos leitores e livros.
17h30 de um dia complicado, com falta de luz e problemas na bicicleta de nosso querido entregador, correria e pressa com a loja às escuras, enfim, uma típica sexta-feira 14.
Então, entra um segurança na livraria. Todo de preto, vestido com roupa de quem pode enfrentar a polícia de Lukashenko ou o Choque, proteção de plástico nos joelhos, jaqueta estilo militar, mais ou menos o tipo de pessoa de que não se espera numa livraria.
Pergunto o que ele deseja:
— Eu quero ver se vocês têm algum livro de Hermann Hesse.
Eu lhe digo os que nós temos, enquanto ele pede para dar uma olhada nos outros livros. Puxo papo e ele me diz que não lia antes, mas que com o trabalho de agora — neste momento ele fez uma reverência-referência a seu uniforme –, ele tem tempo para ler.
— Sabe, eu quero ler alguns livros de escritores bem diferentes para encontrar aquilo que gosto. Acabei Crime e Castigo e agora quero conhecer esse tal de Hesse.
Falo pra ele que li tudo de Hesse durante aos anos 70, que ele é jovem e talvez não saiba que ele foi moda entre os alternativos daqueles anos.
Ele me pergunta se Hesse é muito diferente de Dostoiévski e eu faço um gesto para indicar o abismo entre os dois. Falo um pouco sobre os livros e peço para que ele me perdoe alguma inexatidão — afinal, são livros que li há mais 40 anos.
Ele escolhe levar Knulp, Demian e Sidarta.
— Recebi hoje e acho melhor botar a cabeça pra funcionar.
O resultado é que o cara justificou todo o meu dia. Talvez seja alguém que, com a crise, ocupe um cargo muito inferior do que sua qualificação, mas agora vou rejeitar as considerações sociológicas e achar que ajudei a pô-lo para pensar.
São 13 dias de março, mais os 30 de abril, os 31 de maio, sem esquecer os 27 deste mês. Já são 101 dias em que a Livraria Bamboletras começou o súbito e necessário aprendizado de trabalhar sem balcão, quase só na telentrega. Não reduzimos a equipe — importante ponto –, mas as tarefas se alteraram radicalmente, com mais da metade do pessoal trabalhando de casa. Trabalhando muito e sob tensão. A loja permanece bonita, só que pouca gente a vê, o que a gente faz é desejar que o telefone toque, que o Whats apite, que o Messenger se apresente. E passa a buscar os livros, nosso glorioso produto.
As pessoas não esquecem da Bamboletras. Ou às vezes esquecem, mas voltam sempre. E vêm com pedidos às vezes muito complicados — quero um livro que li na infância e que esqueci o nome, era um infantil de capa rosa que e era a história de uma menina chamada Soraia… Na retaguarda, é um pedir livro sem fim para as distribuidoras. Tem os fornecedores legais e outros nem tanto assim. Há o que estão sempre disponíveis como nós e os que apenas abrem uma vez por semana (em um turno). Há o fornecedor que aceita esperar um pouco (obrigado!), o que pede que façamos uma proposta de parcelamento (obrigado, obrigado!) e o durão. Há que ver o saldo bancário para não deixá-lo crescer para baixo. Há os clientes legais que até adiantam uma graninha e recriam o velho esquema do caderninho, há os que ficam perplexos quando ouvem que um livro pode demorar ou é impossível e os que ficam encantados quando ele chega logo ou tem na loja. Há a indignação com a lentidão do Correio — o que podemos fazer? –, há os que não gostam de não poder entrar na livraria e os que amam ver seu livro chegar de bike e que depois nos escrevem (obrigado!).
(Teve gente que entrou durante o relaxamento e que gritou ‘Como é bom estar numa Livraria!’)
E há que, fundamental e criteriosamente, cuidar da saúde e se esconder da COISA.
Até aqui foi um filme de terror, mas estamos na luta. Ontem, vi o colega ao lado desmontar seu bar. Hoje, ao chegar na livraria, vi outro — um enorme caminhão de mudança esconde sua fachada na meio da Lima e Silva. É sábado — teoricamente um dia de relaxar — e já estou apavorado antes das 10h. Sim, há muita gente na pior.
Entrei na livraria repetindo para mim mesmo que nosso dia não vai chegar. E dale trabalhar.
Carlos André Moreira é jornalista (e dos muito bons) com passagens por Jornal do Comércio e Zero Hora. Mestre em Literatura Portuguesa pela UFRGS, é também escritor e tradutor. Escreve no blog https://medium.com/@carlozandre.
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Franciel Cruz é escritor, jornalista, especialista em ingresia e fã da Bamboletras. E declarou antes de discursar:
A gloriosa Livraria Bamboletras, em Porto Alegre, tá completando 25 anos de labuta e o incauto do Milton Ribeiro , provavelmente entorpecido de cloroquina, me solicitou um depoimento sobre. Taí o que você não queria, mas compre livros lá. É fundamental nestes tempos temerários.
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🌾 É chamado de shopping, mas jeito melhor de dizer é rua interior. Existem pátios internos e quem os frequenta sabe a importância de seus silêncios, pausas e convívios. Mais do que um pátio interno, a rua interna Olaria potencializa solidões boas e seu oposto complementar, bons encontros.
📖 Ali existe uma livraria que oferece a pausas e encontros uma seleção ao mesmo tempo seleta e amplamente diversificada de livros, discos e objetos de arte. Como é possível reunir seleção e diversidade no mesmo espaço similar, em tamanho, a uma sala de estar aconchegante? Um dos segredos é fazer de livros, discos e artes também a decoração do ambiente? Com certeza, mas muito longe de ser apenas isso e não me arriscarei a falar de maestrias que desconheço. Dessas maestrias de outros, usufruo, isso é diferente do que saber explicar segredos. É preciso ter alma de livreiro com um jeito especial de ser – Lu Vilella, Milton Ribeiro – para reunir tanto numa só equação.
📢 Grandes livrarias em shoppings também reúnem mundos num só lugar e também se apresentam como redutos dentro do Mundo de pouco apreço a autonomias de solidões boas e bons encontros, mas o seu jeito especial tem densidade rarefeita na comparação com a Bamboletras. Por quê? Posso pensar em várias respostas interligadas, mas já escrevi minha melhor resposta: dessas maestrias de outros, usufruo, isso é diferente do que saber explicar segredos. É preciso ter alma de livreiro com um jeito especial de ser.
🌼 Com Lu Vilella e as pessoas que a acompanhavam, com Milton Ribeiro e as pessoas que o acompanham, na Bamboletras, quem antes estava e quem agora está “atrás” do balcão circula entre livros e artes bem além do sentido físico. Pessoas que SABEM o que estão fazendo, GOSTAM do que estão fazendo, a livraria é SUA, e não apenas no sentido banal da propriedade.
🍁 Aí está, numa rua interior, outros sentidos para propriedade e outras palavras terminadas com esse mesmo sufixo, como liberdade e outras tantas que viram chavão e farelo sem as pausas e encontros para pensar e viver de outro jeito.
Nelson Rego é escritor de ficção e professor do Departamento de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS.
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Robson de Freitas Pereira é psicanalista, membro da APPOA e cliente da Bamboletras. Publicou, entre outros: O divã e a tela – cinema e psicanálise (Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2011) e Sargento Pimenta forever (Porto Alegre: Libretos, 2007).
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Laura Backes é artista, educadora e cliente da Bamboletras. Transita por diferentes terrenos das artes, particularmente focada na experimentação vocal. Foi professora de corpo e voz na UFRGS e na Ufpel, e hoje dá aulas de voz e movimento para o Grupo Experimental de Dança da prefeitura, assim como na oficina Dança, Educação Somática e Criação, que acontece no Centro Cultural da UFRGS.
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Cláudia Beylouni Santos tem formação em Ciências Jurídicas e Sociais, é especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional, e é estudante de Filosofia e Letras Clássicas.
Também é mãe da Sophia (nada mais justo, a Sophia foi a porta de entrada para a Bambô) e cliente da Bamboletras. É vorazmente curiosa pelo mundo, pela natureza, pelas gentes, cresceu devorando a vida através dos livros, da música e das artes em geral, até poder ir tocá-la de perto com os próprios olhos em jornadas tomando chá de manteiga de yak com nômades Khampa no Tibet; atravessando o mar de Drake como trainee de tripulação em um veleiro para chegar à península Antarctica; trocando abraços com ‘novos velhos amigos’ em tribos tradicionais etíopes; recebendo bênçãos em cerimônia privada na própria casa de uma Kumari – a deusa viva – durante as celebrações à Durga no vale de Kathmandu e muitas outras delícias mais…
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Éder Silveira é Doutor em História pela UFRGS, Professor da UFCSPA e cliente da Bamboletras. É autor de Oswald – Ponta de Lança e Outros Ensaios e Tupi or not Tupi: Nação e Nacionalidade em José de Alencar e Oswald de Andrade.
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minha admiração pela bamboletras vem desde a primeira vez que eu a encontrei, quando era criança. uma tampinha amante dos livros e das livrarias, achava um lugar meio encantado, sabe? pequeno e cheio de surpresas. eu e a bambô seguimos na vida uma da outra desde então: minha prima daciara cantou na bambô quando eu era adolescente. que legal, né? cantar numa livraria! quando trabalhei como garçonete em um bar na cidade baixa, tentava ir mais cedinho pro bairro – sou moradora do bom fim – para dar um pulinho na bamboletras. comprei alguns livros do caio fernando abreu por lá que ainda conservo, com muito carinho, na minha biblioteca. ano passado, ao receber uma grana a mais, encomendei dois livros enormes do meu amor reinaldo moraes com o milton. chegaram rapidinho e foram lidos rapidinho, também. essa semana, juntinho desse aniversário tão especial, também rolou um cascalho inesperado e logo pedi ao milton para me mandar alguns livros do marçal aquino. e não posso deixar de mencionar que, honra suprema, algumas cópias do meu primeiro livro ficaram em 2019 por lá autografadas a pedido do livreiro. muito chique!
vida longa a bamboletras, ao meu querido amigo milton e a todas as livraria de porta de rua do mundo.
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