Atrás do balcão da Bamboletras (XXV)

17h30 de um dia complicado, com falta de luz e problemas na bicicleta de nosso querido entregador, correria e pressa com a loja às escuras, enfim, uma típica sexta-feira 14.

Então, entra um segurança na livraria. Todo de preto, vestido com roupa de quem pode enfrentar a polícia de Lukashenko ou o Choque, proteção de plástico nos joelhos, jaqueta estilo militar, mais ou menos o tipo de pessoa de que não se espera numa livraria.

Pergunto o que ele deseja:

— Eu quero ver se vocês têm algum livro de Hermann Hesse.

Eu lhe digo os que nós temos, enquanto ele pede para dar uma olhada nos outros livros. Puxo papo e ele me diz que não lia antes, mas que com o trabalho de agora — neste momento ele fez uma reverência-referência a seu uniforme –, ele tem tempo para ler.

— Sabe, eu quero ler alguns livros de escritores bem diferentes para encontrar aquilo que gosto. Acabei Crime e Castigo e agora quero conhecer esse tal de Hesse.

Falo pra ele que li tudo de Hesse durante aos anos 70, que ele é jovem e talvez não saiba que ele foi moda entre os alternativos daqueles anos.

Ele me pergunta se Hesse é muito diferente de Dostoiévski e eu faço um gesto para indicar o abismo entre os dois. Falo um pouco sobre os livros e peço para que ele me perdoe alguma inexatidão — afinal, são livros que li há mais 40 anos.

Ele escolhe levar Knulp, Demian e Sidarta.

— Recebi hoje e acho melhor botar a cabeça pra funcionar.

O resultado é que o cara justificou todo o meu dia. Talvez seja alguém que, com a crise, ocupe um cargo muito inferior do que sua qualificação, mas agora vou rejeitar as considerações sociológicas e achar que ajudei a pô-lo para pensar.

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