É voltado para Porto Alegre e muitos que vêm aqui são de fora, mas o que acharam? É um roteiro cultural de fim-de-semana.
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Sobre Lars Von Trier: uma posição tola, a do crítico e várias inteligentes
A tola:
O tom de Lars Von Trier
Se alguém ainda tinha dúvida sobre a misoginia e a arrogância de Lars Von Trier, nesta semana em Cannes ele tratou de dirimir todas. Afora ser deselegante com Kirsten Dunst, mais uma atriz que entra para o rol das que humilhou em sets e filmes, e exibir uma tatuagem com palavrão nos dedos, ele disse ter simpatia por Hitler. Como todo covarde, depois pediu desculpas dizendo que falou em tom de brincadeira. Mesmo que fosse verdade, a declaração não vale nem como provocação. Mas foi dita com o tom que lhe é peculiar, e o pôs ao lado do estilista John Galliano como um exemplo de que os preconceitos de raça e gênero continuam vivos.
A jornalística:
Quando conversei com Lars em Mougins, ele contou que sua sensação era a de derrapar na curva e perder o controle do carro — `Não dava mais para parar`, disse — , confesso que me lembrei de Joseph Conrad e Albert Camus. Lord Jim, consciente de que sua covardia no falso naufrágio do Patna seria sua danação eterna; Mersault, ouvindo aqueles tiros ressoarem na eternidade. Estou tendo, talvez, um surto poético, ou literário. Mas o que me doi é que o filme, `Melancholia`, tão belo, talvez nunca venha a ser devidamente apreciado por isso. Tergiverso. Daqui a pouco, tenho minha entrevista com Catherine Deneuve. Vou dar uma volta na Croisette, carpe diem, antes de recomeçar a correria.
E as razoáveis e inteligentes:
Porque hoje é sábado, Sandra Milo
A memória de todos guarda que a eterna mulher de Federico Fellini foi Giulietta Masina.
É, mas houve Sandra Mila, a atriz de 8½ e de Julieta dos Espíritos.
“La nostra storia duro’ 17 anni, voleva sposarmi” ou
“Nossa história durou 17 anos, ele queria casar comigo”.
“Ho detto no alle nozze ma ho amato il suo corpo simbolo di sfrenata vitalita” ou
“”Eu disse não para o casamento mas amei seu corpo, símbolo de uma vitalidade desenfreada”.
Em março de 2000, numa festa em homenagem ao diretor,
Sandra Milo repentinamente congelou os presentes ao contar a novidade,
que logo depois foi confirmada por vários amigos, porque de novidade tinha pouco.
De qualquer maneira, o encontro com Fellini foi crucial para a Sandra atriz.
I due capolavori, nas duas obra-primas, Sandrocchia (como era carinhosamente chamada
por Federico) fazia desinibidas e debochadas mulheres fatais e livres, que incorporavam o imaginário
erótico do diretor, que preferia criar esposas mais moderadas, dentro da mentalidade da classe média.
Mas que filha-da-puta sacana e esperto era esse Fellini!
"Não adianta ir da Classe D para a C apenas para comprar uma geladeira", diz diretora de Economia da Cultura
Obs.: Essa entrevista foi feita por mim para o Sul21, mas como o assunto é cultura — um dos assuntos mais frequentes neste eclético blog — , deixo-a também aqui para meu 7 fiéis leitores.

Denise Viana Pereira é a Diretora de Economia da Cultura da Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul. Trabalha, pois, com o Secretário Luiz Antônio de Assis Brasil numa das secretarias mais pobres e de maior visibilidade do governo, vendo apenas 0,07% do orçamento estadual e sendo visitada por boa parte dos artistas e produtores do Rio Grande do Sul. Denise é formada em Comunicação Social pela Ufrgs, é especialista em Teoria de Jornalismo e em Economia da Cultura. De 1999 a 2001, integrou a equipe do Instituto Estadual de Música da Secretaria de Estado da Cultura do RS. Nos anos de 2003 e 2004, foi Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e integrou a Representação Regional Sul do Ministério da Cultura entre 2006 e dezembro de 2010.
Em sua entrevista ao Sul21, Denise Viana Pereira fala sobre a nova lei que substitui a antiga LIC e sobre os planos nada modestos da Cultura do estado.
Sul21: Nos últimos dias, foram aprovados R$ 3,6 milhões em autorizações para captação de patrocínios via LIC. Associada a esta notícia, há a nova legislação de apoio e fomento à cultura, aprovada em dezembro de 2011.
Denise Viana Pereira: Sim, a LIC – Lei de Incentivo à Cultura – foi sancionada em 1996 e começou a funcionar em 1997, indo até agosto de 2010. Após esta data, ela foi suspensa até 7 de dezembro quando foi regulamentada a nova lei de fomento e apoio à Cultura, que se chama Pró-Cultura.
Sul21: A LIC não existe mais?
DVP: Não existe mais. Ela só permanece para os projetos que ainda estão em tramitação. Os novos processos não ingressam mais via LIC, mas sob o Pró-Cultura. O Pró-Cultura tem no seu bojo dois mecanismos: um mecanismo é o Fundo de Apoio à Cultura, grande conquista que nós aprovamos em 2001 na Assembleia Legislativa e que nunca tinha sido regulamentada, e um mecanismo de compensação fiscal semelhante à antiga LIC. O Pró-Cultura, então, engloba o fomento direto – pelo Fundo – e a compensação fiscal.
Sul21: Como funciona?
DVP: Na lei antiga, a empresa poderia se compensar de 75% do total do projeto descontando o valor de seu ICMS. Na nova lei, o desconto é de 100%. Porém, regra geral, para todo o projeto, o patrocinador fica obrigado a um depósito de 10% no Fundo de Apoio à Cultura, à exceção de projetos para Patrimônio Cultural e Construção de equipamentos culturais, para os quais o depósito é de 5%. Então, há a compensação, a isenção, mas há o incentivo propriamente dito, o qual é depositado no Fundo.
Sul21: Há um teto de isenção fiscal determinado pelo estado?
DVP: Sim, e este é muito baixo. O teto de isenção fiscal é de 28 milhões. Então, 10% são 2,8 milhões. É pouco para o Fundo. No ano passado, foi enviado um projeto de lei que prevê um aumento deste valor para R$ 35 milhões. A lei permite que este teto possa chegar ao máximo de 0,5% da receita líquida do estado. Trata-se de um valor variável, que hoje deve bater nos R$ 70 milhões.
Sul21: Resumidamente, poderia descrever o processo de aprovação do Pró-Cultura com a compensação fiscal?
DVP: O processo é (1) o proponente cadastra-se no site, (2) validação por parte da SEDAC, o que hoje demora 7 dias; (3) então, o proponente tem 15 dias para trazer documentos; (4) de posse dos documentos, fazemos a análise técnica detalhada onde normalmente questionamos coisas que não ficaram claras e então (5) o projeto é enviado para o Conselho Estadual de Cultura, que tem 60 dias para analisar. Após a aprovação, esta é publicada no Diário Oficial do Estado e o autor do projeto recebe uma carta que autoriza a captação, ou seja, o patrocínio por parte das empresas. O prazo mínimo total para a aprovação de um projeto é de 90 dias, por lei. Na prática, sabemos que este tempo não ocorre antes de 4 meses. O que desejamos é chegar cada vez mais próximos dos 90 dias. Estamos em contato com o Conselho para que eles analisem a possibilidade de diminuição de seus prazos. Tudo é muito moroso e há uma comparação inevitável: a Lei Federal é muito mais ágil. Não faz sentido. Temos que nos apropriar do sistema federal.
Sul21: Como é que o novo governo encontrou a SEDAC?
DVP: O secretário Assis Brasil sempre diz que não adianta a gente ficar olhando para o passado. O que a gente quer é que nossa marca seja o diálogo. Queremos manter as portas abertas e até retiramos algumas divisórias que haviam em nossa estrutura física… Queremos receber todos, ouvir todos os que nos procuram. Todos são atendidos. Acabamos inteiramente com certo tom policialesco da SEDAC. Nós éramos vistos pelos produtores culturais, de antemão, como oponentes, quando na verdade ambos são proponentes. Claramente, havia grande distância entre os produtores e o sistema de fomento e financiamento da cultura no estado. Nós queremos o oposto.
Sul21: Quais são objetivos factíveis dos quatro anos da gestão?
DVP: O primeiro objetivo é o de fazer a Casa de Cultura Mario Quintana funcionar a pleno. Resolvendo desde a obra de fixação da fachada até recheá-la de programação. O segundo é o de construir o Teatro da OSPA. Os outros estão associados ao plano de recuperação do orçamento da cultura do estado, que nos tirará deste “quase nada” de recursos que temos hoje. Hoje, temos 0,07% do orçamento do estado. Nossa intenção é a de chegar, ao final dos quatro anos do governo Tarso, a 1,5%. Queremos 0,5% no segundo ano de gestão, 0,75% no terceiro, 1% no quarto e 1,5% para a próxima gestão.
Sul21: Há outros?
DVP: Temos também projetos ligados à utilização do Fundo de Apoio à Cultura. Pretendemos criar editais a fim de selecionar projetos de Casas de Cultura, teatros, cinemas ou bibliotecas para o interior do estado. Queremos equipamentos culturais para o interior. Nós selecionaremos os projetos; desta forma, não seriam equipamentos de propriedade do estado. Nós apoiaremos projetos que permitam aos municípios se equiparem. Imaginamos valores de até R$ 500 mil. Muitas vezes há prédios que poderiam se transformar num teatro ou numa biblioteca. Nossa intenção é participar da reutilização destes espaços para fins culturais.
Sul21: Não há quase mais cinemas no interior.
DVP: Bem, neste sentido nós trabalhamos com a ideia dos cineclubes. Nosso plano de governo inclui a criação de 100 Cines mais Cultura ao longo dos quatro anos de gestão e envolve a criação de 500 Pontos de Cultura lato sensu. Nos Pontos de Cultura, o governo aporta recursos para iniciativas que já existem, dando apoio aos chamados Pontos de Cinema (cineclubes), aos Pontos de Brincar (brinquedotecas), aos Pontos de Leitura (pequenas bibliotecas) e aos Pontos de Memória (museus comunitários ou ações de memória). Estas são ações que o MinC desenvolve. Este ano, deveremos receber R$ 10 milhões para começarmos.
Sul21: E a OSPA? Sem sede, ensaiando no cais do porto, convivendo com falta de músicos, concursos… E o novo Teatro que não sai do papel?
DVP: Hoje temos boas perspectivas. O secretário Assis Brasil é um ex-membro da orquestra e está bastante compromissado com a OSPA. Foi elaborada uma emenda parlamentar de R$ 20 milhões para a construção – o custo do teatro é de R$ 32 milhões. Em um de seus primeiros pronunciamentos, a presidente Dilma Rousseff falou em necessidades de contenção e suspendeu todas as emendas. Algumas destas foram extintas, mas a da OSPA não. O governador Tarso já enviou correspondência para a Ministra da Cultura e para a Comissão de Educação e Cultura do Congresso. Há toda uma mobilização estadual pela manutenção da emenda parlamentar de R$ 20 milhões. Isto garantiria 2/3 da obra. De outra parte, o MinC, em reunião aqui conosco, com a presença do secretário Assis Brasil, comprometeu-se em colocar mais R$ 7,5 milhões ou R$ 10 milhões – dependendo da emenda deste ano – , à razão de 2,5 milhões por ano. Se a emenda de R$ 20 milhões entrar este ano, eles não repassariam a primeira parcela de R$ 2,5 milhões, ficando o primeiro pagamento para 2012. Em resumo, repito, temos boas perspectivas.
Sul21: Houve uma discussão sobre possíveis mudanças no projeto do Teatro a fim de que ele pudesse receber óperas. Propôs-se a criação de um fosso para a orquestra…
DVP: Falando de uma forma rasa, o secretário compreende as críticas – o IAB igualmente não está de acordo com a parte externa do projeto e há esta discussão sobre óperas – , mas sua ideia é a de que o Teatro da OSPA é uma sala sinfônica e não outra coisa. E mesmo que haja discussões — penso que sempre haverá — não podemos atrasar mais 20 anos uma construção que nos faz falta há décadas. Então, temos um projeto pronto, pago, e achamos que ele não deve mais ser alterado. Estamos em outra fase e, se retrocedermos a uma anterior, quando teremos o Teatro?
Sul21: Fomento é política cultural? E a distribuição, divulgação e venda?
DVP: De modo algum fomento é política cultural. O mecanismo de financiamento e fomento não pode ser nossa única atividade; isto é apenas um instrumento. É muito insuficiente e concentra a pouca verba disponível nas capitais e nos artistas conhecidos. Para isso é que agora temos o Fundo de Apoio à Cultura, temos que fortalecê-lo para poder diversificar o tipo de projeto a ser apoiado. Por outro lado, temos que nos preocupar não apenas com os projetos, mas com a criação de hábitos de consumo de toda produção cultural. Temos que apoiar a distribuição, o consumo e a formação de plateias. É um problema igual ou maior do que o de produção, que é o que a LIC fazia exclusivamente. As leis de incentivo fomentam a produção, mas não fomentam a distribuição, elas concorrem muito pouco para a absorção daquilo que criam. Veja o caso do blog da Maria Bethânia: Jorge Furtado foi brilhante ao dizer que se tivessem pedido três vezes o mesmo valor para um filme que ninguém fosse assistir, não iam reclamar de nada, mas como é um blog e há um preconceito com o meio virtual – criado pela grande mídia – ninguém diz que Bethânia estará divulgando uma porção de poetas que ficariam de outro modo inacessíveis. Sou totalmente favorável ao blog dela. Grande parte desta discussão é sufocada pelo desconhecimento que as pessoas têm do contexto da produção e das necessidades culturais.
Sul21: Teu cargo é o de Diretora de Economia da Cultura. O que significa exatamente?
DVP: Como tu disseste, não adianta a gente apenas fomentar a produção. O olhar da economia sobre a cultura nos dá uma noção de que existe uma cadeia produtiva inteira, que vai até o público.
Sul21: Normalmente os artistas não pensam na parte comercial…
DVP: Sim, há que pensar na divulgação, nas vendas, na infraestrutura. Mas o pensamento não pode também ser apenas mercantilista, pois há dois valores envolvidos: o valor econômico do produto cultural e o valor simbólico, que vai transformar a pessoa que assistirá uma orquestra pela primeira vez, que vai fazê-la pensar em coisas sobre as quais jamais tinha antes refletido. É preciso pensar na sustentabilidade da produção.
Sul21: Sim, o espectador sai melhor, mais rico de um filme, peça ou espetáculo, mas como medir a importância desta experiência, deste conhecimento?
DVP: Nós estamos num momento maravilhoso, porque o governador é sensível à cultura. Ele é completamente consciente deste valor simbólico e da importância de termos cidadãos capazes de serem reflexivos e críticos, em contraposição a cidadãos que vêm da classe D para a C apenas para comprar uma geladeira ou uma batedeira e continuar se matando na esquina ou atropelando ciclistas. Se a gente quer mexer na sociedade, temos que necessariamente passar por sua culturalização. E temos a nossa favor a tecnologia, que dá acesso a bens culturais com maior facilidade do que no passado. Antigamente, a montagem de um cineclube era coisa para heróis, hoje tu colocas um DVD debaixo do braço e sai mostrando os filmes. Hoje já temos óperas sendo apresentadas ao vivo em cinemas. O mundo é outro, temos que utilizá-lo.
Sul21: É difícil convencer alguém disso ou a arte ainda funciona do modo como Louis Armstrong definia o jazz: “If you gotta ask, you`ll never know”?
DVP: Sim, é difícil. Mas nós não devemos nos conformar com este corolário do “eu sei a importância que tem e se tu não sabes, nunca vais saber”. Desta forma, tu não convences o outro, tu não dás acesso à cultura. Imagina um professor dizendo ao aluno: “Tu nunca vais entender, meu filho!”. O ser humano muda, avança. Essa é a nossa missão fundamental.
Sul21: Pois é, estamos chegando à educação, não?
DVP: E chegamos… Por exemplo, o trabalhador da área da cultura ganha três vezes mais do que a média da indústria. Há um dado estarrecedor: na Bahia, 54% dos empregados ou são analfabetos ou tem primeiro grau incompleto. No setor cultural, este índice de analfabetismo cai para 34%. Não há estatística análoga para o RS, mas tenho certeza de que no RS o índice de 34% deve ser de gente que tem o terceiro grau incompleto e no entanto… O Acre, a Bahia e Pernambuco estão muito à frente do RS na área cultural. Há muito tempo eles trabalham com conceitos modernos e estão inseridos naquilo que o MinC criou em 2007: o Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura, que trabalha com todos esses conceitos de cadeia produtiva que expus.
Sul21:Para terminar, para que serve a SEDAC e a que veio?
DVP: A pergunta deve ser respondida fugindo das respostas que passam perto de expressões como “alimento da alma”, etc. A cultura deve ter as três dimensões que o MinC defende: o valor simbólico, o valor econômico e o valor de cidadania, de promotor de direitos. Esse é o nosso norte.
Sul21: Desejamos boa sorte.
DVP: Muito obrigado.
Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami
Escrever poucas linhas sobre Cópia Fiel é muito mais complicado do que dedicar-lhe uma tese. Posso começar tergiversando, apesar de dizer uma verdade: é um filme que provoca reações apaixonadas, para o positivo e o negativo. Um sujeito, certamente um menino, crítico de cinema na internet, disse que o filme era chato porque as discussões de relacionamento são chatas. Sim, sei, ele deverá ter futuros. É uma opinião das mais primárias, mas demonstra o cerne de certo ódio ao filme. Porém, dizer que este belíssimo Cópia Fiel, de personagens que mudam de cena para cena, de imagens deslumbranres e atuações impecáveis, de roteiro moderno e até virtuosístico, dizer que o filme é apenas uma DR é uma redução muito emburrecedora.
Com pouquíssimos spoilers, certo? Não pretendo estragar o prazer de ninguém: durante uma visita à Toscana para lançar seu novo livro sobre história da arte e a importância das cópias nas artes plásticas, o ensaísta inglês James (William Shimmel) é acompanhado por Elle (Juliette Binoche), uma franco-italiana proprietária de galeria de arte. Ela o leva em um passeio de carro para conhecer a região e o dois começam uma discussão — entre o irônico e o azedo — sobre os conceitos do livro. Sem que pareça crível, tudo começa a mudar depois da antológica cena com a dona de um café. Ela, cheia de experiência, admira e elogia a dupla com alguma sabedoria de vida. Então, os dois passam a se comportar como um experiente, velho e cansado casal, transformação que já vinha ocorrendo discretamente e que se completa no café. Aquilo que vimos antes era uma cópia? Ou aqui a temos? A má relação entre Elle e seu filho não é outra cópia fiel desta que nos será apresentada? Quantas cópias, quantos vezes repetimos nossos padrões de relacionamento? E o que tem isto a ver com o filtro interior através do qual analisamos um quadro ou uma realidade? A cena do café, onde até o idioma serve para separar, é central no roteiro de Kiarostami.
Neste filme desalentador, muitas dúvidas universais e humanas nos ocorrem. Como obra cinematográfica, o que me arrebata é o fato de que Kiarostami toca fundo na humanidade dos personagens e dos casais sem a menor afetação. Evitando inteiramente uma fácil abordagem pernóstica e “inteligente”, o iraniano nos leva por um tema universal de forma discreta e firme, mostrando-nos as camadas de realidade que há, umas sob as outras como um quadro repintado ou retocado. Binoche cumpre novamente uma atuação perfeita e os prêmios de Cannes e outros de melhor atriz por este filme são merecidos. A surpresa é a bela atuação de seu partner, William Shimell, que não é bem um ator e sim um conhecido barítono que, nos intervalos das fimagens com Binoche, viajava para contracenar com Anna Netrebko em Cosi fan tutte, de Mozart, já na pele do solteirão Don Alfonso. Ah, se a minha inveja fosse mortal, esse Shimell cairia morto agora.
Serviço: vi Cópia Fiel no fim-de-semana, em pré-estreia no Guion, claro.
~o~
Então, resumindo minha inveja:
Este William Shimell,
contracenava com Juliette Binoche

e, nos intervalos, cantava com Anna Netrebko.
Na boa, vai tomar no cu, Shimell.
Às vezes penso o mesmo
Vou ler este livro, imagina se não. O tema do pai que aceita tirar o filho da escola para educá-lo vendo filmes é maravilhoso. O post abaixo, com foto, título e tudo, foi retirado daqui. (Acho que a blogosfera portuguesa é melhor que a nossa, a amplitude de assuntos é maior. Fazer o quê?)
Hoje em dia, quando vou ao cinema, estou sempre a prestar atenção a tantas coisas, ao marido que fala com a mulher umas filas mais à frente, a alguém que acaba as pipocas e atira o balde para o corredor. Estou atento à montagem, aos maus diálogos e aos maus actores; às vezes, vejo uma cena com muitos figurantes e dou por mim a pensar: serão actores de verdade, estarão a gostar de ser figurantes ou tristes por não estar na ribalta?
Por exemplo, aparece uma rapariga no centro de comunicações no início de ‘007 – Agente Secreto’. Tem uma ou duas falas, mas nunca mais volta a aparecer no ecrã. Pergunto-me o que terá acontecido a todas aquelas pessoas que aparecem nas cenas de multidões, nas cenas de festas: o que é que acabaram por fazer na vida? Terão desistido de representar e escolhido outra profissão qualquer?
Todas estas coisas perturbam a maneira como vejo um filme; antigamente, podiam disparar uma pistola ao meu lado que não me teriam desconcentrado das imagens que se desenrolavam no ecrã à minha frente. Por isso revejo filmes antigos – não apenas para os ver novamente, mas também na esperança de voltar a sentir o mesmo que da primeira vez.
David Gilmour, no livro “O Clube do Cinema” (Pergaminho, 2011)
O único filme em que aparece Erik Satie
Raridade total. Um curtíssitimo filme de René Clair de 1924 em que Erik Satie (1866-1925) aparece. Satie, para quem não o reconhece, é o homem de terno e chapéu-coco.
httpv://www.youtube.com/watch?v=G5P03pbThNQ&feature=player_embedded
Ou clique aqui para ver.
Maria Schneider (1952-2011)
Uma pena morrer tão cedo. Maria Schneider, que morreu hoje aos 58 anos, estava há muito tempo doente. Suas fotos demonstravam. Era muito boa atriz, não obstante ter ficado famosa apenas pelo que representava como sex symbol dos anos 70. Seus trabalhos em duas obras-primas — O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, e O Passageiro, Profissão: Repórter, de Michelangelo Antonioni — , não são nada esquecíveis. Fico autenticamente triste.
R.I.P., Maria.
Abaixo, a extraordinária e misteriosa cena final do filme de Antonioni.
httpv://www.youtube.com/watch?v=pvbqy8FZq8Y&feature=related
Inverno da Alma, de Debra Granik
Muito mais impactante, completo e denso do que o muito duvidoso Buitiful é este Inverno da Alma (Winter`s Bone) que traz de quebra um extraordinário e desconhecido elenco, capitaneado por uma menina de apenas 20 anos capaz de uma atuação dilacerante: Jennifer Lawrence.
A comparação com Biutiful se justifica por um filme também sobre a pobreza e, pior, sobre a miséria humana. Mas aqui não temos “visões kardecistas” post mortem do fraco roteiro de Iñárritu. O filme se passa nas montanhas geladas de Missouri e o plot não pode ser mais simples. Ree Dolly (Jennnifer Lawrence) vive com uma mãe doida varrida e dois irmãos pequenos numa casa na mais absoluta zona rural. O pai da família, ao ser preso por produzir drogas, tinha empenhado a casa para pagar a fiança. Se Ree não conseguir encontrá-lo ou se não provar que está morto, deixará a si e à família sem teto. Ao deixar sua personagem perdida entre parentes e gangsteres do comércio de drogas, Debra Granik realiza um grande filme, que já venceu os Festivais de Berlim, Sundance e Seattle. Vale a pena.
httpv://www.youtube.com/watch?v=ndElnzionNM&feature=player_embedded#
Clique aqui para ver o trailer.
A Fita Branca, de Michael Haneke, foi o melhor filme de 2010
OK, eu abandonei a lista de filmes que mantenho no blog. Esqueci dela, assim como esqueci de declarar o melhor filme do ano passado, em minha humilde opinião. Claro, o mundo não mudará se eu não declinar minha lista, mas eu costumo encher o saco dele todos os anos.
Não foi um ano tão fraco quanto os anteriores. A Fita Branca, de Michael Haneke, foi DISPARADO o melhor filme de 2010. Outros bons filmes foram o argentino O Segredo dos seus Olhos, de Juan José Campanella, o italiano Vincere, de Marco Bellocchio — fui convencido por amigos de que se tratava de um bom filme, apesar de não aprovar seu estilo tonitruante — , O Escritor Fantasma, de Roman Polanski, Tudo pode dar certo, de Woody Allen e O que resta do tempo, de Elia Suleiman.
Os dois maiores filmes recentes sobre o amor?
Sabe-se que as grandes obras costumam girar sobre três temas básicos: o amor, a morte e deus. O cinema adora o amor, até porque é mais leve do que fazer filmes sobre o silêncio de deus e poucos além de Bergman sabem falar da morte. Porém, os dois filmes que escolhi também falam sobre a morte.
As Pontes de Madison é narrado através das cartas de uma mãe recém falecida, Francesca Johnson (Meryl Streep), e esta fala sobre outra morte, a do fotógrafo da National Geographic Robert Kincaid (Clint Eastwood). Em Encontros e Desencontros — incrível tradução de Lost in Translation — fica tão clara a diferença de idade entre os personagens de Scarlett Johansson e Bill Murray, que só podemos pensar: ela é muito jovem e tem a vida pela frente, ele tem muito menos tempo. Bem, de qualquer modo, a morte está em quase toda manifestação humana.
Lost in Translation (2003) é o segundo filme de Sofia Coppola. Bill Murray faz um ator de meia-idade que se encontra em Tóquio para uma campanha publicitária. É casado e desanimado, inclusive com seu casamento. Ele se sente oprimido com a rotina sem sentido de sua vida. No hotel, onde está hospedado sozinho, conhece Charlotte (Scarlett Johansson), uma jovem recém casada que aguarda o marido que está trabalhando por alguns dias noutras cidades do Japão. Há nele enorme entusiasmo profissional, mas quase nenhum por sua jovem mulher que é deixada a esperar. Ambos estão desconectados de seus parceiros e, juntos, começam a repartir horas que não passam enquanto se estabelece uma relação de compreensão mútua. O caso não vai adiante neste excepcional roteiro da própria diretora, filha de Francis Ford Coppola, autor de outro clássico deste cinema de momentos apenas respirados, A Conversação (1974).
Já As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, 1995) tem origem num livro bastante fraco de Robert James Waller. Eu o li. Alfred Hitchcock já ensinava que não se deveria pegar obras-primas literárias para passá-las ao cinema. Ao natural, dizia o gordo, as obras mas fracas são as que mais se prestam à conversão, talvez porque seja mais simples criar significados onde não há e é inviável imitar ou alterar o significado de obras densas. A história é simplíssima. Conta a história de Francesca (Meryl Streep) uma mulher casada que se envolve com um fotógrafo da revista National Geographic que, numa tarde indolente, chega a Madison, em Iowa, a fim de registrar imagens das famosas pontes cobertas. O marido e filhos de Francesca, que vive num sitio, estão ausentes devido a algum evento rural, como uma exposição de animais. A história é contada em flashbacks. Após a morte de Francesca, seus filhos descobrem um manuscrito que revela esta passagem de sua vida.
São obras de climas com vários pontos em comum, apesar de se passarem em ambientes diversos. A ação de Pontes de Madison ocorre no campo, em Madison County, para onde se dirigiu o fotógrafo Robert Kincaid (Clint Eastwood). Lost in Translation se passa no Japão, num hotel no centro da metrópole. E aqui cessam as grandes diferenças do quarteto ou quinteto: dois homens são fotógrafos, profissão que já pressupõe despojamento e viagens. Três são casados — só Kincaid-Eastwood não é — e três parecem estar decididamente à deriva pelo mundo — só Francesca-Streep está firmemente em casa. Porém, todos eles, casados ou bandoleiros, estão sentimentalmente à deriva e parecem encontrar amor ou o consolo em apenas um encontro efêmero.
Em verdade, sob o amor, há o tema da insatisfação. Nem o bobinho marido workaholic de Scarlett no filme de Sofia Coppola parece feliz. Estão todos insatisfeitos; se Francesca, Robert e Bob Harris (Bill Murray) passaram e passarão suas vidas neste estado, a Charlotte de Johansson fica paralisada no meio da rua, enquanto Brian Ferry canta More than this, there is nothing.
Dirty Harry Potter
Algumas mulheres – tão jovens e lindas – fazem com que eu me sinta assim…
Robert Wise (1914-2005)
Publicado em setembro de 2005
Foi uma enorme honra receber hoje um e-mail do escritor Fernando Monteiro, acompanhado da seguinte mensagem: “Escrevi o texto abaixo especialmente para teu blog (se vosmicê generosamente quiser divulgá-lo).” Imagina se não! Além de publicar em primeira mão um artigo do Monteiro em meu blog, ele ainda vem bem ao encontro disto aqui.
Um cineasta americano acaba de falecer, em Los Angeles. Robert Wise, que parecia já ter morrido — há cinco, dez anos? — “disse adeus ao mundo” (na linguagem-clichê dos jornais), ontem, aos 91 anos.
A notícia vem em fôrma burocrática, e alguns textos destacam, desenxabidamente, que “Wise foi amigo de Orson Welles”. (E daí? Não entendi.) Robert Wise assinou a montagem de Cidadão Kane e, sem seu trabalho, o mais célebre filme de Welles seria outra coisa, bem menor (detalhe: em muitas ocasiões, ele esteve manipulando o material sozinho, sem a presença do diretor ainda dormindo ou dedicado a alguma outra tarefa, dentre as dezenas que Orson tocava, ao mesmo tempo, como um chinês rolando vinte pratos, simultaneamente, com uma varinha). Enquanto Wise se encontrava sempre enfurnado na sala da moviola, desde cedo, criando lá a sintaxe perfeita para as cenas do Kane, genialmente fotografadas por Greg Tolland seguindo o muito inspirado roteiro de Herman Mankiewicz etc. Bem, o filme revolucionário (de quem?) ficou para trás, incrustrado para sempre na história das revoluções da linguagem do cinema, e Robert Wise seguiu criando, na condição de diretor, filmes seminais como The Set-up (“Punhos de Campeão”), westerns psicológicos como “Honra a um homem mau” (1955), musicais da grandeza artística de “Amor, Sublime Amor”, e mais 36 filmes perfilando quase todos os gêneros praticados na Hollywood da idade de ouro hoje soterrada.
Esse diretor americano foi — como o inglês David Lean — uma espécie de “Mister Cinema”, para quem nada do que dizia respeito a filmes lhe era estranho. Os jornais brasileiros não parecem saber disso, e apelam até para lembrar o dispensável A noviça rebelde, por ele produzido e dirigido quase no final da carreira (e como se o musical com Julie Andrews pudesse ser um cartão de apresentação do diretor do realmente belo O canhoneiro do Yang-Tse)…
Morreu um grande cineasta. Um autor de notável modéstia e encanto pessoal, que sabia dirigir atores como ninguém. Desapareceu um mestre do cinema que não recebe, mesmo na morte, nenhum dos elogios espargidos sobre a cabeça do rasteiro imitador Spielberg et caterva. Coisas do nosso tempo de incultura gritante, grosseria triunfante e burrice espetacular.
FERNANDO MONTEIRO
Um descansado post de feriado
Publicado em 26 de maio de 2005
Me passam esta corrente sobre cinema. OK, lá vão minhas respostas:
1. Qual o último filme que viste no cinema?
A Queda – Os Últimos Dias de Hitler, de Oliver Hirschbiegel.
2. Qual a tua sessão preferida?
A das 8 da noite, seguida de um bom jantar.
3. Qual o primeiro filme que te fascinou?
O Rosto, de Ingmar Bergman.
4. Para que filme gostarias de te ver transportado(a)?
Para qualquer filme onde eu fizesse par romântico com Juliette Binoche. Escolheria aquele onde houvesse mais cenas de amor… A Insustentável Leveza do Ser, provavelmente. A seu lado, receberia de bom grado a visita dos tanques soviéticos.
5. E já agora, qual a personagem de filme que terias gostado de conhecer um dia?
Damiel, de Asas do Desejo, filme de Wim Wenders. Revisei uma imensa lista de mais ou menos 1400 filmes que mantenho e avalio há uns 15 anos – já escrevi sobre esta esquisitice… – e, casualmente, escolhi um personagem vivido no cinema por Bruno Ganz, o mesmo ator que faz o papel de Hitler no primeiro filme citado neste post.
6. E que actor(actriz), realizador(a), argumentista ou produtor(a) gostarias de convidar para jantar?
Convidaria Juliette Binoche, ora. Além de lindíssima, ela é simpática, inteligente, sensível e uma surpreendente piadista, qualidades que costuma demonstrar de sobra em suas entrevistas. É perfeita! O cardápio e o local não interessam.
7. A quem vou passar isto?
Não vou intimar ninguém. É feriado. Repasso a quem queira responder.
Festa no Apê e outro tópicos menos eruditos
Publicado em 15 de fevereiro de 2005
FESTA NO APÊ: Sábado, enquanto respondia e-mails e comentava no blog da Meg, cantava “Festa no Apê” em altos brados. Dificilmente haverá quem mais depreze música ruim do que eu, só que a coisa colou na minha cabeça e sou uma natureza canora. Para me auxiliar – tenho certeza -, a Claudia ameaçou separar-se de mim imediatamente. Atiraria minhas coisas pela janela. Não deu certo. Depois, mais razoável, pôs a Pequena Missa Solene de Rossini em um volume ensurdecedor para qualquer vivente sem lesões auditivas. Isto fez passar a crise. Na semana passada, li esta frase em um e-mail: “Bons tempos aqueles em que uma festa no apê só incomodava os vizinhos“. Nada mais verdadeiro.
A ORAÇÃO DO ATEU: De sexta para sábado, tive um sonho em que via e ouvia um padre falar mais ou menos assim: Ó Pai, que estás nos céus, colocado lá por nossa fraqueza, medo, culpa e imaginação, feito a nossa imagem e portador de nossos defeitos, olhai por nós, pobres pecadores que não usamos teu nome para nada e que vivemos pelo mundo como cães sem dono. Permita que os cães com dono não nos mordam e que a bondade e desespero enviada por eles a ti, retornem na forma de grandes chuvas de bençãos e não como tens feito ultimamente. Que a beleza de tua figura, formada em cada poro e célula por nosso afeto a nós mesmos e nosso horror ao vazio, possa espalhar-se pelo mundo e transformar-se em vales onde jorrarão o leite e mel (*) necessários a nutrir teu povo… (Aqui acordei conjeturando se isto não daria um post…)
(*) “Vales onde jorram o leite e o mel…”. Da letra de Chico Buarque em Sobre Todas as Coisas, lembram?
O FRACASSO DA LITERATURA: Além de Perto Demais (Closer) – analisado espetacularmente pela Meg e respondido com argúcia ainda maior por mim (*) enquanto cantava Festa no Apê para a Claudia; bem, dizia eu que, além de Perto Demais, você deveria ver urgentemente Menina de Ouro (Million Dollar Baby), de Clint Eastwood. Acho uma pena isto, mas o cinema – e não a literatura – tornou-se nosso maior background cultural comum. Então, a gente tem que correr logo aos bons filmes para não ficar fora das discussões! Vê-se um filme em duas horas, lê-se um livro em alguns dias. As apresentações dos filmes nos cinemas são efêmeras, o livro espera na cabeceira ou na estante até a hora em que você decida-se a lê-lo. É mais difícil, pois, sincronizar leituras, enquanto os filmes são assistidos por muita gente numa mesma época. Discutamos filmes, então.
Observação: Tópico escrito com o auxílio etílico de Jussara Mussi e Ricardo Branco.
(*) Brincadeirinha, Meg. Sabes que só repeti o que disseste.
GÊNIOS ABSOLUTOS: Em minha opinião, William Shakespeare foi o maior gênio do século XVII; no século XVIII, elejo tranqüilamente Johann Sebastian Bach como o maior de todos os homens; já no século XIX, deixaria a láurea (fifty-fifty) nas mãos de Karl Marx e Charles Darwin e, no vizinho século XX, daria o prêmio a Sigmund Freud. Para o século XXI, tenho um candidato por ora imbatível: Hugo de León, técnico do Grêmio. Só um gênio imortal consegue fazer aquele grupo de cabeças-de-bagre jogar. Insuperável!
FIASCO: Se o Inter continuar jogando deste jeito, dedicar-me-ei ao hipismo ou ao golfe. Alguém aí conhece as regras do badminton? Ou seria badmilton?
Pequena Maratona Cinematográfica
Publicado em 17 de janeiro de 2005
Ontem, fiz uma maratona cinematográfica parecida com as que faz Guiu Lamenha. Às 22h, vi Antes do Pôr-do-sol, de Richard Linklater, e, às 24h, Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci. Curiosamente, estes filmes comunicam-se e dialogam. Se em Antes do Pôr-do-sol temos um casal lamentando sua juventude e talvez corrigindo-a, em Os Sonhadores temos três jovens convivendo e amando dentro do turbilhão de maio de 1968. Em comum há a juventude, o fato de ambos terem sido filmados em Paris, o bom humor e a descoberta de filmes instigantes e bons, muito bons. Os extraordinários diálogos do primeiro receberam bela resposta na liberdade e ousadia de Bertolucci. Gostei demais dos dois e a prova viva disto é que minha bunda não ficou quadrada após as 4 horas. Saí do Arteplex alegre, animado, querendo conversar.
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Meu início de dezembro foi muito ruim. Aconteceram coisas que nem lhes conto. Neste contexto, fiz um pequeno comentário no blog do Fabrício Carpinejar em que discordava jocosamente da utilização que ele dera à obra-prima de Vermeer “Moça com Brinco de Pérola” ou, como se dizia antigamente, “Moça com Turbante”. Como Fabrício não costuma responder à comentários em seu blog – não teria tempo para mais nada se o fizesse! -, fiquei surpreso ao encontrar esta resposta em meu e-mail. Como a tristeza iguala tudo, não a valorizei muito na época. Hoje, bem melhor, orgulho-me dela. Deveria pô-la num quadro.
oi meu amigo
cordial divergência sempre faz bem, até as que não são cordiais (risos)
eu sempre leio teu blog. é uma das casas que passo no início de meu dia.
Faraco, Monteiro e Backes são grandes amigos. afinidade é escolha.
abraços do teu
Fabrício
Esse negócio do grande poeta me visitar todo dia deve ser exagero ou loucura, mas só o fato de vir aqui de vez em quando me deixa inflado e feliz a mais não poder, ainda mais quando demonstra certo conhecimento das sandices que escrevo. Faraco é, evidentemente, Sergio Faraco, enquanto Monteiro é Fernando Monteiro e Backes é Marcelo Backes. Sou amigo dos dois últimos; Faraco é daquelas pessoas com as quais só converso durante a Feira do Livro, sempre ciceroneado pelo Backes. Nem imagina o meu nome. Mas eu e Fabrício somos admiradores dos três… e da Moça de Vermeer, que volta a meu blog. Não canso dela.
Post em Três Partes
Publicado em 6 de setembro de 2004
A MORTANDADE DA RÚSSIA E O SORRISO DE BUSH. Não consigo entender os objetivos de algumas ações terroristas. Os chechenos e árabes da ação de Beslan esperavam outro final que não o que obtiveram? Pediam a retirada das tropas russas da Chechênia, mas qual chefe de estado os atenderia naquelas circunstâncias? Nenhum, menos ainda Putin. Então, o objetivo seria o de chamar a atenção do mundo? Concordo que a presença do Terceiro Mundo no Primeiro é a de mímicos que aparecem às vezes na televisão sob a voz de um locutor. A ação de Beslan conseguiu que tiros e gritos também aparecessem, mas, desta vez, penso que o beneficiário principal da ação estava na Casa Branca, cujo ocupante tem a santa intenção de “deixar o mundo melhor e mais seguro…”.
O final da tragédia foi casual: uma bomba presa com fita adesiva despencou do teto do ginásio e explodiu. Como conseqüência, um grupo de crianças – assustadas e vendo uma chance de sobrevivência na confusão – tentou fugir e os terroristas reagiram alvejando-as pelas costas. Do outro lado, estava o exército russo sem entender o que estava ocorrendo. Na dúvida… Conseguimos uma tragédia, mais uma, esta com 335 mortos, linchamentos e a intolerância internacional a pessoas das quais nem sabemos bem o ideário. Ou seja, os rebeldes chechenos permanecem mímicos. Já Bush não. Posso imaginar seu dedo em riste avisando-nos dos perigos do terrorismo internacional e oferecendo sua republicana solidariedade ao povo russo. E tudo isto em meio a uma convenção. É muita burrice junta. Nunca vi um anti-americanismo tão camarada, parece até encomenda.
Curiosamente, o Pravda informa que uma facção dos rebeldes queria matar os reféns e cometer suicídio, enquanto que outra não sabia disto e pretendia seguir até a vitória final. Imagino um diálogo entre as partes:
– Te avisaram a que nossa missão era suicida?
– Não, tô sabendo agora.
Como disse meu cunhado, as oposições radicais nunca se entendem.
Também estou no time da Chalotte, do Bomba Inteligente. Trato de ser profilático e deixo um aviso para meus 7 leitores: se um dia me fizerem refém, procurem deixar os russos de fora, tá? Lembram daquela invasão do teatro (170 mortos)?
OLGA, O FILME (MAIS UM ATAQUE DO PRESENTE CONTRA O RESTANTE DO TEMPO – Obrigado, Kluge). Detestei Olga, a minissérie, ops, o filme. Na verdade, não consigo imaginar como poderiam piorá-lo. O tom grandiloqüente, ultra-romântico, a tentativa lograda do diretor – nem quero saber quem é – de refazer Casablanca, os dialógos fracos que esculhambam o excelente livro de Fernando Morais, e a cena em que Olga conhece, digamos, a Coluna Prestes…, tudo é de matar de rir. Notem, sobre minha última referência: Prestes era um virgem de 37 anos. É, pois, bastante estranho que ele tome repentinamente ares de Tarcísio Meira para erguer sua Coluna e atacar a fortaleza judaico-alemã. Este é um detalhe que fala muito mal do roteirista e diretor, eles fugiram de uma das cenas mais difíceis do filme, uma cena que certamente lhes deixaria muito perto do patético, pois, hoje, é muito estranho alguém permanecer casto até aquela idade.
(Lembro do grande John Fowles descrevendo a primeira relação sexual de Charles Smithson no livro The French Lieutenant`s Woman, que diferença!)
Quem conheceu um pouquino o velho Prestes não o reconhece naquele personagem choramingas. Prestes costumava exibir sorriso e ironia perpétuos, era inteligente e bem falante, sem a postura lacrimosa e sentimentalóide do filme – nem quando o assunto era Olga. Em suma, trata-se de um filme tão piegas e mentiroso quanto as novelas da Globo.
Ah! A música deste filme inaugura um novo gênero: a do realismo socialista sexy. O coro feminino é um espanto!
MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA. Visualmente, é um dos filmes mais esplêndidos que conheci. Todas as principais obras de Vermeer estão espalhadas em cenas do filme, assim como que por acaso. É uma belíssima e merecida homenagem ao grande holandês dos pequeninos quadros. Porém…, o diretor musical tenta estragar tudo e quase consegue. Nossa história do século XVI é pontuada aqui e ali por uma música que ficaria melhor em Batman ou Homem Aranha. Que mancada! Os holandeses tinham uma música riquíssima naquela época. Os registros de música antiga daquele período que possuo são espetaculares. Acho que a equipe que fez um filme não precisaria de um musicólogo para acertar na música, bastaria um bom melômano para fazer a correção e então poderíamos rever o filme com som.
Obs.: Neste post não consegui cumprir minhas promessas de não entrar na pantanosa área política e nem de criticar acerbamente filmes brasileiros. Mas foi demais, não pude impedir.
Revendo Laranja Mecânica
Neste final de semana, minha filha pediu para conhecer o filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), de Stanley Kubrick. Esta é uma das delícias da paternidade — pode rever coisas acompanhado daquele olhar juvenil que perdemos. Ela adorou o filme. A curiosidade é que neste tempo de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e de tentar mudar as políticas de enfrentamento ao tráfico e ao crime, o filme está mais atual do que nunca, apesar do seu visual estranho e dos escritores do futuro usarem máquinas de escrever…
Não vou descrever o filme, pois acho que todos os que passam por aqui sabem de tudo: da violência estilizada, da prisão, do tratamento Ludovico e da primeira e segunda curas.
A Claudia fez uma rápida pesquisa sobre as circunstâncias em que foi filmada aquela maravilha e demos boas risadas com sua leitura. As filmagens foram o que esperávamos. Copio abaixo, de forma algo editada, algumas observações deliciosas da Wikipedia:
Stanley Kubrick e o objeto de arte futurista que será fatal para a mulher dos gatos
- Durante a cena em que Alex (Malcolm McDowell) é submetido ao tratamento Ludovico, o ator arranhou a córnea e ficou temporariamente cego. Revendo as cenas não é de surpreender. O cara recebe garras de metal para manter os olhos abertos.
- O médico que acompanha Alex durante o tratamento no filme era realmente médico e estava lá por motivos de segurança para o protagonista.
- Malcolm também teve costelas quebradas durante a filmagem da cena de humilhação após o tratamento.
- Malcolm quase se afogou de verdade devido a uma falha no equipamento que o ajudaria a respirar, na cena em que os seus ex-“droogies” — naquele momento já no cargo de policiais — o encontram e o submetem a uma tortura em uma banheira.
- Stanley Kubrick propositalmente cometeu alguns erros de continuidade em Laranja Mecânica. Os pratos em cima das mesa trocam de posição e o nível de vinho nas garrafas muda em diversas tomadas, com a intenção de causar desorientação ao espectador.
- O filme foi retirado de cartaz no Reino Unido a mando de Stanley Kubrick. Irritado com as críticas recebidas, de que Laranja Mecânica seria muito violento, Kubrick declarou que o filme apenas seria exibido lá após sua morte, ocorrida em 1999.
- A linguagem utilizada por Alex, chamada de nadsat, foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias.
- A cobra foi colocada nas filmagens após o diretor Stanley Kubrick descobrir que Malcolm McDowell tinha medo delas.
- A música de Beethoven que perpassa todo o filme foi executada no revolucionário “sintetizador” de Walter Carlos. Depois, famoso, o moço mudou de sexo, rebatizando-se como Wendy Carlos.
- No livro, o sobrenome de Alex não é revelado em momento algum. Comenta-se que DeLarge seja uma referência a um momento no livro em que Alex chama a si mesmo de “Alexander the Large”.
- O orçamento total do filme foi de apenas US$ 2 milhões.
- Stanley Kubrick certa vez declarou que, se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito Laranja Mecânica.
- A canção Singing in the Rain, cantada por Alex durante a cena em que ele e seus colegas violentam uma mulher na frente de seu marido, só está no filme porque esta era a única música que Malcolm McDowell sabia cantar por inteiro.
- O filme foi proibido no Brasil na época do lançamento, mas liberado depois de alguns anos com a condição de que a genitália da mulher na cena de estupro fosse encoberta por meio de manchas pretas sobrepostas à cena. Quem assistiu ao filme naquela época pôde perceber que tais “manchas pretas” nem sempre acompanhavam a vagina com os pêlos pubianos. Isso sem contar que a censura era de 18 anos. Tais acontecimentos no Brasil serviram para a que a oposição ao governo militar ridicularizasse a censura.
- Durante a Copa do Mundo de 1974, disputada na Alemanha Ocidental, graças ao seu futebol envolvente, revolucionário e taticamente perfeito, a Seleção Holandesa de Futebol foi batizada pelos jornalistas europeus de Laranja Mecânica. A “Laranja” faz referência também ao vistoso equipamento utilizado por essa lendária seleção de futebol, comandada por Johan Cruijff e Rinus Michels.
- Na cena em que Alex está em uma loja de discos, pode-se notar que um dos discos que está na prateleira da loja, na fileira central, é o da trilha sonora do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, além do Magical Mystery Tour dos Beatles e Atom Heart Mother do Pink Floyd.
- A banda Sepultura lançou, no início de 2009, o álbum A-lex, inspirado inteiramente no livro. Inclusive todos os títulos das músicas têm relação com a obra de Anthony Burgess.
Escrito no dia seguinte ao do aniversário de Jean-Luc Godard, para o blog de Milton Ribeiro:
Por Fernando Monteiro
Anna Karina o tempo todo em cena, quase sempre em PP, aqui nessa sequência de abruptos luscos-fuscos de “Alphaville” (1965):
Ou clique aqui.
PS: Quando era jovem e impaciente (e burro), eu detestei. Hoje, adoro. E gostaria de voltar a ver filmes assim solenes e comovidos e nervosos, em preto-e-branco, e não essas porras de agora, filmadas em rodas gigantes descarrilhadas que os americanos débeis mentais trouxeram para o cinema como uma praga (e todo mundo da geração de Coppola / Scorcese tem culpa, de algum modo, sem esquecer o cretino do diluidor Spielberg, e aquelas manhas murmuradas por Woody Allen como se Bergman fosse um “exu” que ele incorporasse falando, falando, falando, o desgraçado, o tempo todo).
“Cinema não é gente falando”, dizia — acertadamente — um cineasta que me inspira certa desconfiança, por vezes, mas que estava frequentemente com a razão, quando reclamava dos colegas ianques: o gordo Hitchcock.





















