Últimos Filmes Vistos

Fazia tempo que eu não fazia uma listinha dessas, né? Acho até que esqueci de anotar alguns filmes na agenda. As notas ao final de cada linha revelam meu grau de satisfação à saída do cinema e significam algo como isso:

5 – Não deixe de ver
4 – Muito bom
3 – Vale a tentativa
2 – Medí­ocre
1 – Uma bomba
0 – Além de bomba, mal intencionado.

21 – A Casa de Alice – A Casa de Alice – 2007 – Brasil – Chico Teixeira – 3
20 – Em Paris – Dans Paris – 2006 – França – Christophe Honoré – 4
19 – A Era da Inocência – L`Âge de Ténèbres – 2007 – Canadá – Denys Arcand – 5
18 – Uma Canção de Amor para Bobby Long – A Love Song for Bobby Long – 2004 – EUA – Shainee Gabel – 3
17 – Margot e o casamento – Margot at the Wedding – 2007 – EUA – Noah Baumbach – 2
16 – Os Amantes – Les Amants – 1958 – França – Louis Malle – 5
15 – 4 meses, 3 semanas e 2 dias – 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile – 2007 – Romênia – Cristian Mungiu – 5
14 – Tomates Verdes Fritos – Fried Green Tomatoes – 1991 – EUA / Inglaterra – Jon Avnet – 3
13 – O Sonho de Cassandra – Cassandra`s Dream – 2007 – EUA / Inglaterra / França – Woody Allen – 3
12 – Um Beijo Roubado – My Blueberry Nights – 2007 – China / França / EUA – Kar Wai Wong – 2
11 – Desejo e Reparação – Atonement – 2007 – Inglaterra – Joe Wright – 4
10 – Três Mulheres – Three Women – 1977 – EUA – Robert Altman – 4
9 – M.A.S.H. – M.A.S.H. – 1970 – EUA – Robert Altman – 4
8 – O Caçador de Pipas – The Kite Runner – 2007 – EUA – Marc Forster – 1
7 – Mutum – Mutum – 2007 – Brasil – Sandra Kogut – 5
6 – Maria – Maria – 2005 – EUA / França / Itália – Abel Ferrara – 2
5 – Onde os fracos não têm vez – No Country for Old Men – 2007 – EUA – Ethan e Joel Cohen – 4
4 – Juno – Juno – 2007 – EUA – Jason Reitman – 3
3 – Meu nome não é Johnny – Meu nome não é Johnny – 2008 – Brasil – Mauro Lima – 2
2 – A Desconhecida – La Sconosciuta – 2006 – França – Giuseppe Tornatore – 2
1 – Coisas que perdemos pelo caminho – Things we lost in the fire – 2007 – EUA / Grã – Bretanha – Susanne Blier – 3

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Uma Obsessão: A Lista Anual de Filmes

Publicado em 28 de agosto de 2003

Na próxima semana, prometo voltar à literatura; hoje, quero falar sobre uma mania que costuma divertir muito – às vezes até demais! – alguns de meus amigos. Desde 1997, sempre no dia 31 de dezembro, distribuo um e-mail com a lista de todos os filmes que vi, acompanhada de suas avaliações e daqueles que considerei os melhores do ano. Normalmente, há discordâncias, concordâncias, pedidos de retificações,etc. e a troca de e-mails e telefonemas acaba se extendendo até o final de janeiro. Esta lista é acumulativa e já está em 1030 filmes. Não é muito, se considerarmos que faço as anotações de cada ida ao cinema há 17 anos. Dá uma média de apenas 1,20 filmes por semana.

A “famosa” lista consiste em uma tabelinha do Word com a totalidade dos filmes vistos e é sempre acompanhada de um texto no corpo do e-mail, onde analiso com simplicidade o ano cinematográfico através de seus melhores filmes. Cometi o deslize de reler estes textos e, pior, acabei gostando quando eles cumpriram sua missão de me fazer lembrar de filmes esmaecidos na memória e que gostaria de rever. Coloquei abaixo os que escrevi nos últimos 3 anos. Resolvi compartilhá-los com vocês na esperança de que lhes seja útil, de alguma forma. Se algum de vocês quiser receber a lista completa, basta pedir deixando um comentário com seu e-mail. (Ou me enviem um e-mail, enquanto os comentários não voltarem…)

Ano 2000:

Caros Amigos.

Aí está a atualização da mui afamada relação de filmes do Milton.

Para quem não lembra ou está a recebê-la pela primeira vez, explico que se trata de uma lista de 959 filmes, os últimos que assisti… Apesar do número, há muitas lacunas nos anos iniciais, pois só em 1987 me disciplinei. Por exemplo, é absolutamente certo que vi mais de 8 vezes a Gritos e Sussurros – 3 vezes na primeira semana – e o filme não está na lista, apesar de ainda hoje aquelas quatro mulheres estarem caminhando em minha direção (Agnes, Karin, Maria e Anna). Espero também que ninguém acredite que vi Janela Indiscreta apenas no final de 1999; este é outro que vi mais de 4 vezes.

As avaliações que faço não devem ser levadas tão a sério. O teste final de um filme será a nossa afeição por ele anos depois; é como o teste de nossos amigos.

O que retorna de alguns de vocês compensa e dá sentido ao trabalho de anotação. Um vai com a listagem para as locadoras de vídeo, diz obedecer a ela e é tão polido que nunca contestou minhas avaliações; na verdade não acredito que ele me conceda tanto poder. Outro transformou-a em uma base (banco) de dados e “descobriu” matematicamente que o diretor que mais admiro é Woody Allen, o que não é verdade. Outro quer discutir cada avaliação e, por pura preguiça, fico quieto. O mesmo volta a querer discutir cada avaliação e, por puro ódio, mas me achando bondoso, resolvo explicar-lhe os filmes O Guardião da Floresta e Afogando em Números – tudo inútil. Outra, bem mais legal, conheceu Hal Hartley e me agradece comovida. Outro se apaixonou pelos escandinavos do Dogma 95, como se fosse possível o contrário. Etc., etc., etc.

Este ano foi péssimo para os cinéfilos. Entenda-se por cinéfilos as pessoas que ainda gostam de se fechar com pessoas estranhas em uma sala escura, a fim de assistir a uma projeção. Muitíssimos filmes ruins. Acho que os melhores – e estes foram realmente excelentes – foram Regras da Vida, Magnólia, Assédio, Os Cinco Sentidos e Wintersleepers.

Não sei porque antecipei em 3 dias a remessa deste mail, ainda mais depois de saber que entrou um “novo” filme (1998) do Hartley na cidade.

O significado as notas:

5 – Não de deixe de ver
4 – Muito bom
3 – Vale a tentativa
2 – Medíocre
1 – Uma bomba
0 – Além de bomba, mal intencionado

Feliz ano novo. Milton.

Ano 2001:

Caros Amigos.

Pontualmente distribuída pelo quinto ano consecutivo, aí está a atualização da aguardada (?) e cada vez mais célebre (…) relação de filmes do Milton.

O ano cinematográfico de 2001 não teve nada a ver com o de 2000. Houve muitos filmes bons. Neste ano, farei um curtíssimo comentário sobre os melhores que vi. Quem discordar de mim sabe o que fazer. Espero que as discussões deste ano sejam tão divertidas quanto as ocorridas após as listas dos anos anteriores.

Os que mais gostei foram estes:

1. Dançando no Escuro: aqueles que são hostis aos caras do Dogma 95 terão que me desculpar. Foi o filme mais original que vi em muitos anos.

2. Poucas e Boas: quem não morreu de rir na cena em que Sean Penn encontra o verdadeiro Django Reinhardt? Um dos melhores de Woody Allen.

3. Traffic: este filme perdeu o Oscar para quem mesmo?

4. As Confissões de Henry Fool: junto com Infiel, o melhor de 2001. Um belíssimo filme sobre a amizade. Uma pena que só umas 100 pessoas o viram em Porto Alegre. Quem de vocês viu? Se tiver em vídeo ou DVD, aluguem-no logo.

5. Infiel: o filme perfeito. Texto, atores, sinceridade, realismo. Um filme sobre a necessidade de ferir o outro.

6. Código Desconhecido: foi visto por 10 pessoas no cofre do Santander. Só foi passou uma vez em Porto Alegre. Em São Paulo, ficou dois meses. Um filme demolidor sobre a violência racial na França.
7. Benvindos: Tão terno, humano e engraçado… Uma bela sobremesa.

8. Harry chegou para ajudar: Um brilhante filme todo baseado em O Terceiro Tiro (The TROUBLE with HARRY) de Hitchcock. Este Harry passa todo o filme dizendo não tem problemas, o de Hitch era o próprio problema. Este gera defuntos, o de Hitch é um defunto. Repentinamente, as pessoas deste filme começam a recitar as falas do filme de Hitch, só que no negativo. No final, os filmes acabam iguais, com gente feliz e os Harrys mortos. Pura diversão!

9. Inteligência Artificial: Ah, fala sério! O filme é ótimo de cabo a rabo. Gostei até do final, com aquela lombriga citando A Montanha Mágica de Thomas Mann.

10. Uma Relação Pornográfica: outro filme perfeito. Alguém imagina o que eles faziam no hotel?

11. Os Outros: junto com o Harry, a melhor diversão do ano.

Chega de conversa! Voltando à vaca fria, em anexo está uma tabelinha do Word com o ano em que vi o filme, o nome, o diretor e a nota que dei a ele. Elas significam mais ou menos isto:

5 – Não de deixe de ver
4 – Muito bom
3 – Vale a tentativa
2 – Medíocre
1 – Uma bomba
0 – Além de bomba, mal intencionado

Feliz ano novo. Milton.

Ano 2002:

Lista de Filmes do Milton 2002.

Aqui está, pelo sexto ano consecutivo, a aguardada (já recebi e-mails perguntando sobre a continuidade da dita cuja), festejada (?), célebre (!) e principalmente inevitável lista de filmes do Milton. Foi um ano de grandes filmes europeus, especialmente franceses. Estes dias, navegando na Internet, descobri uma lista de melhores filmes de 2002 feita por Woody Allen. Sei que é sempre bom e desonesto solicitar auxílio de uma grife destas para avalizar nossas escolhas, mas os filmes que me impressionaram estavam lá, um atrás do outro: O Gosto dos Outros, Fale com Ela, Amélie Poulain, Italiano para Principiantes, Um Casamento à Indiana, etc. Não tem como errar.

Com a proliferação de novas salas de cinema em Porto Alegre – o que é ótimo -, não dá para ver tudo o que há. Mesmo tendo visto mais de 90 filmes este ano, fiquei aquém do que gostaria. Antes de (re) explicar a lista em anexo, vamos aos melhores de 2002, segundo este que vos escreve. Em 2000, coloquei apenas 5 entre os melhores; em 2001, foram 11 e, neste ano, 15.

1. Terra de Ninguém (Bósnia-Herzegovina) , de Danis Tanovic: páreo duro com Fale com Ela para melhor do ano. Uma implacável parábola da guerra na Iugoslávia. O roteiro nos mostra desde a conduta individual dos soldados em meio à guerra, até à imprensa que, mesmo que nos traga a realidade do front, é oportunista e trouxa. Mas a maior crítica vai para a ONU, cujos oficiais preferem manter uma distância profilática do conflito a intervir. Apesar da seriedade dos temas – a guerra, o ódio entre povos, as disputas de autoridade -, Terra de Ninguém não assume em momento algum um tom excessivamente trágico, melancólico ou engajado.

2. O Gosto dos Outros (França), de Agnès Jaoui: uma maravilhosa comédia de costumes com um roteiro bem escrito e elenco afinado. Um pequeno filme perfeito que sobre o preconceito nas relações humanas.

3. O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (França), de Jean-Pierre Jeunet: uma história que nos lembra os personagens de Cortázar. Irresistível, com todo seu ludus, estratégias e comportamentos malucos e engraçados. Não é nada surpreendente o fato de ser amado pelas crianças. Minha filha de 8 anos o viu quatro vezes em 24h (havia tirado na locadora) e pediu o DVD de Natal. Ganhou.

4. A Cidade Está Tranqüila (França), de Robert Guédiguian: um filme estupendo e pesadíssimo, mesmo para quem, como eu, não se incomoda com temas desconfortáveis (drogas, morte, pobreza, etc.).

5. O Quarto do Filho (Itália), de Nanni Moretti: faço minhas as palavras de Marcelo Bartolomei, da Folha de São Paulo: o longa-metragem O Quarto do Filho (“La Stanza del Figlio”) é uma obra-prima do cinema italiano: trata de um tema extremamente triste, mas não tira o espectador da sala com um sentimento de depressão; só o faz refletir. É isto. (Não abro mais dois pontos dentro de dois pontos, tá?)

6. O Closet (França), de Francis Veber: desde o Monty Python não tinha rido tanto em uma comédia. E que atores! Auteuil e Depardieu estão soberbos!

7. O Homem que não estava lá (EUA), de Joel Cohen: uma história meio boba, mas narrada com grande senso de estilo e elegância. Imperdível.

8. Italiano para Principiantes (Dinamarca), de Lone Scherfig: o tipo de “pequeno filme” que me é especialmente sedutor. Adorei. Nunca pensei que Veneza pudesse aparecer tão bela em um filme do Dogma 95. Os outros filmes do Dogma não se permitiam paisagens. Porém, se me lembro dos dez mandamentos do Dogma, não há nada que as impeça, desde que não se altere a luz natural com filtros e efeitos. A história daqueles 6 solitários é contada com um olhar cheio de ternura. O filme mostra, cena a cena, as pessoas aprendendo e reaprendendo nova linguagens emocionais, além de italiano, é claro.

9. Cidade dos Sonhos (EUA), de David Lynch: tá bom, vocês vão querer brigar comigo por causa dos polêmicos 10 minutos finais. Creio tê-los entendido. Escrevi ¿creio¿… mas, como perguntaria Isak Dinesen, precisamos compreender tudo? Um filme envolvente como poucos. David Lynch é o máximo.

10. Um Casamento à Indiana (Índia), de Mira Nair: possui o enorme mérito de ser um dos poucos indianos a conseguir distribuição por estas bandas. Para quem não sabe, a Índia é o segundo país em produção de filmes no mundo. Penso que este foi o meu primeiro indiano… E que belo filme! Uma celebração à família em uma história com personagens de carne e osso. Imperdível.

11. Promessas de um Mundo Melhor (EUA), de Justine Shapiro, B. Z. Goldberg e Carlos Bolado: teve milhares de espectadores em São Paulo e Rio de Janeiro, pois foi adotado pelas escolas que levaram seus alunos para vê-lo. Aqui, teve vida curta. É um excelente documentário a respeito do cotidiano das crianças palestinas e israelenses durante o conflito. Comovente e cheio de boas entrevistas.
12. Cidade de Deus (Brasil), de Fernando Meirelles e Kátia Lund: um grande e empolgante filme. Se o livro já era um fato importante, o filme só acrescenta.

13. O Príncipe (Brasil), de Ugo Giorgetti: poucos o viram, já que ficou apenas no circuito alternativo. É a expressão da náusea de Giorgetti para com a política cultural, o abandono das preocupações sociais de uma geração e a convivência com a violência. Pra lá de pessimista e desolador. Mais um trabalho impecável do melhor cineasta brasileiro.

14. Fale com Ela (Espanha), de Pedro Almodóvar: em minha humilíssima opinião, o melhor do ano. A idéia do filme dentro do filme é um achado brilhante que nos prepara para o final da história. Genial! Não gostava do Almodóvar provocador do passado. Eu mesmo provoquei algumas discussões sobre o que pensava ser a “vulgaridade” do diretor. Porém, acho seus três últimos filmes (Tudo Sobre Minha Mãe, Carne Trêmula e este) grandes obras. Mais um grande filme sobre a amizade entre homens, como já fora o extraordinário As Confissões de Henry Fool (Hal Hartley), que passou aqui no ano passado.

15. O Filho da Noiva (Argentina), de Juan José Campanella: um filme perfeito! Roteiro monumental que equilibra boa comédia, drama consistente e que, ao final, quando lágrimas querem surgir em nossos olhos, o diretor interrompe os créditos para fazer um importantíssimo esclarecimento, que acaba por ser uma das melhores piadas do filme. Imperdível (deve estar ainda em cartaz).

Já as maiores decepções do ano foram Oito Mulheres, Depois da Vida, Onze Homens e um Segredo e principalmente O Senhor dos Anéis I.

Bem, chega de papo. Voltando à lista em anexo, ela é composta dos últimos 960 filmes que vi e lembrei de anotar. Os mais atentos notarão que ela diminuiu seu tamanho, pois antes de 1987 (entre 79 e 86), minha disciplina era bastante boêmia; então retirei da lista uns 200 filmes destes anos. Em anexo, há uma tabelinha do Word com a relação dos filmes que vi entre 1987 e 2002. Lá estão seus nomes, diretores e a nota que dei a eles. Para quem não sabe como ela começou: costumava anotar em minhas agendas os filmes que via e dava-lhes notas; uma vez resolvi jogar fora as agendas, mas achei que aquela relação de filmes poderia ser útil em idas a locadoras de vídeos. Digitei todos os filmes em um arquivo do Word e, durante uma discussão cinematográfica com meu amigo Franklin, na qual tínhamos esquecido o nome de um diretor, mostrei-lhe o arquivo. O arquivo foi recebido com tamanho entusiasmo que resolvi distribuí-lo anualmente, o que causa sempre muita confusão, pois alguns de vocês são muito chatos, opiniáticos e insistem em discordar de mim…

As notas significam mais ou menos isto:

5 – Não de deixe de ver
4 – Muito bom
3 – Vale a tentativa
2 – Medíocre
1 – Um saco
0 – Além de saco, mal intencionado

Feliz ano novo. Milton.

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Tropa de Elite (ou Da Impossível Simplicidade), de José Padilha

I was not writing the Bible.
Resposta lacônica de Doris Lessing na Feira do Livro de Buenos Aires, em 1990, ao responder a uma leitora — de Veja?, já naquela época? — sobre o motivo do personagem X ter dito a Y aquela determinada frase presciente naquele determinado momento iluminado… Puf!

-=-=-=-=-

Observação: Resolvi ver o filme após ler a discussão que corria lá no Torre de Marfim. E valeu a pena enfrentar a enorme fila. É um bom e importante filme brasileiro. Minhas considerações são parcialmente influenciadas por diversos posts e críticas lidas por aí, então não esperem cem por cento de ineditismo. Começo desorganizadamente pela periferia e vou pouco a pouco entrando nas questões principais de Tropa de Elite. Ao final, copio, no melhor estilo Fausto Wolff (mas com o devido crédito), alguns trechos lidos que achei especialmente esclarecedores ou inteligentes acerca do filme.

Não é o tipo de filme que normalmente me agrada; muitos personagens interessantes ficam inexplorados em troca da ação. Por exemplo, a esposa do Capitão Nascimento passa todo o filme repetindo a mesma ladainha ? e, porra (desculpem, deve ser influência do filme), seu papel mereceria maior desenvolvimento, pois é ela quem cobra de forma peremptória a saída do marido do BOPE ? e mesmo a burguesinha gostosa e correta poderia ser algo mais particularizada. Outra coisa que perturbou minha atenção é que eles suam o tempo inteiro. Parece um filme feito no insuportável verão gaúcho e não no calor bem mais seco do Rio. Talvez o drama e a tensão dos personagens devesse sair fisicamente por seus poros, mas com Wagner Moura, André Ramiro e Caio Junqueira atuando de forma soberba, nem precisava besuntar os atores. A tensão está na cara de todos eles. E por que a burguesa vivida por Fernanda Machado não sua tanto? Se os burgueses não sentem calor então por que compram tanto ar condicionado? Bom, OK.

Vale a pena discutir a acusação de que o filme seria fascista? Não fala em globalização, em Lula, não defende o capitalismo, a família, o patrimônio, nem os Estados Unidos ou Bush, vai sempre em linha reta sem proteger-se de eventuais assuntos espinhosos, Wagner Moura não tem nada de Stallone ou de Schwarzenegger e até obedece à esposa, não se fala de onde vem a droga e não há cartazes neo-nazistas nem de Che Guevara e muito menos resquícios de bolivarismo. Então…? Mais: na sessão em que assisti o filme, o público não aplaudiu ou aprovou as cenas de violência; ou seja, não me pareceu haver grande prazer em ver aquela violência tão pouco estilizada.

Maniqueísta? (Maniqueísmo: Doutrina que se funda em dois princípios opostos, antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo.) Maniqueísta? Mas quem é quem? E olha, mesmo que seja, considere que estamos no cinema, local onde o bem e o mal já travaram belas lutas e travarão outras, espero. O esquema mocinho-bandido é maniqueu, goste ou não você da palavra. E ponto. O foco narrativo do filme reforça o maniqueísmo ao partir exclusivamente do Capitão Nascimento ? cuja mulher está grávida e que deseja deixar aquele serviço – e do BOPE. Trata-se de uma visão, portanto, parcial e emocionada, dentro de um tom que permanece longe do narrador onisciente a derramar-se em verdades. Então, mesmo dentro do esquema tradicional do the good and the evil, José Padilha expõe certas fragilidades de seu personagem, deixando-o à crítica, por assim dizer. Diferentemente do que faria um filme fascista a proclamar suas teses, ele nos apresenta um ser humano plenamente contraditório e que, portanto, pode ser contestado. É claro que nos sentimos identificados com o narrador ? o filme infelizmente trata a bandidagem muito superficialmente -, mas nossa simpatia pelo narrador a priori o abraça, sendo ele bonzinho como eu ou mauzinho como o Alex Castro.

O principal mérito do filme é o de não dar razão a ninguém. É como a vida. Sei que é muito complicado para alguns espectadores – e também para o leitor médio da revista Veja – entrar em contato com uma história deficitária em termos de sínteses intelectuais (sínteses que na verdade só servem para nublar a realidade e outras camadas de experiência que, sabemos, têm o glorioso costume de serem inesgotáveis). Ah, o leitor de Veja não deve chegar próximo a Tchekhov, pois o russo, tal como Padilha, expõe problemas, mas nega-se a resolvê-los. Fala, professor: “Não cabe ao escritor a solução de problemas como Deus ou o pessimismo; seu trabalho consiste em registrar quem, em que circunstâncias, disse ou pensou sobre Deus e o pessimismo.” Obrigado pelo auxílio, Anton Pavlovitch. Ora pro nobis.

Há cenas brilhantes no filme.

1. A cena em que o inteligente Matias ? finalmente metamorfoseado em homem violento da repressão – enfrenta diretamente o menino rico que liga-se ao tráfico e ao crime é uma espécie de recapitulação (*) do conflito externo. Fantástico. Ponto para Padilha.
2. A cena dos comprimidos, na qual o capitão Nascimento presumidamente evita matar-se com seus calmantes, jogando fora na pia o conteúdo do frasco. O conflito interno é demonstrado em cena curta e elegante. Mais um ponto para Padilha.

E há duas cenas lindas.

1. Na cena do nascimento do filho do Capitão Nascimento, Wagner Moura tem uma atuação absolutamente tocante, fazendo com que eu lembrasse de meus dois episódios semelhantes que ocorreram comigo. Principalmente do segundo, em que olhava para minha menina pensando no esforço que fizera para que aquilo acontecesse. Soma mais um para ele!
2. A cena em que são avaliados os policiais que participarão do Curso do BOPE: o elenco, como se estivesse brincando numa mesa de reuniões, improvisa uma série de piadas sobre os ?noviços?. Tal cena lúdica, talvez tomada num ensaio, é um refrescante interlúdio para o espectador. Brilhante.

E três fatos que reforçam o estranhamento.

1. O capitão Nascimento é um profissional que ama sua família, mas…
2. O traficante Baiano despede-se da mulher e filha quando sabe que enfrentará o BOPE. É uma atenção meio tosca, mas é a autêntica e…
3. Não quer que seu rosto seja desfigurado por um tiro, pois quer estar adequado em seu enterro.

São homens preocupados com suas famílias. Seres humanos.

Copy and Paste:

Arranhaponte escreveu isso na citada Torre:

(…)

Resgata a polícia da demonização desmiolada de uma certa intelligentsia, mas apenas para lhe fazer fortes reprimendas. Neste sentido, é um filme profundamente civilizatório.Eu quase diria que chamar Tropa de Elite de fascista é uma atitude fascista, por ser uma aposta na barbárie da rebeldia primitiva.

(…)

As pessoas que classificam o filme de fascista são aquelas caricaturizadas na aula sub-foucaldiana na PUC-Rio. Não apenas e necessariamente consumidoras de drogas, mas adeptas da visão do bandido como revolucionário primitivo, e da polícia como agente da reação. Tropa de Elite é um ?ataque do Bope? ao miolomolismo desta gente. Porrada pura.

(…)

Não é o marginal como vítima do sistema, mas o policial como vítima e verdugo do sistema.

Grande Arranhaponte!

E Sergio Leo, invariavelmente exato, expõe certa loucura da mídia:

Na capa da Veja, leio que o sucesso do filme Tropa de Elite se dá porque finalmente, alguém “trata bandido como bandido”. Meu amigo Bode Orelana, analista político de plantão, me garante que o filme é bom, e que desnuda a engrenagem hedionda capaz de fabricar torturadores de boas intenções. Leio na Folha um rapper defender a tese imbecil de que o crime é um mecanismo de justiça social, e o Reinaldo Azevedo, em vez de desmontar o argumento, dizer, babando pelo canto da boca, que a democracia pede a supressão sumária de vozes como essa.

(*) Termo utilizado de forma análoga ao da música erudita (as sonatas têm três partes: exposição, desenvolvimento e recapitulação): Recapitulação é a seção que tem a função dramática de afirmar o tom original, após a transferência para a dominante no final da exposição.

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Tropa de Elite recebe o Urso de Ouro

Dez anos depois de Central do Brasil, Tropa de Elite repete o feito. Fico autenticamente feliz, pois este blog foi dos primeiros a defender o filme quando começaram as acusações de fascismo, etc. Tenho certeza de que o Arranhaponte e o Idelber devem ter ficado bem felizes. Acredito que nem eu nem eles precisemos de grifes para apoiar nossas opiniões, porém, como não somos cineastas, não vou deixar de utilizar o fato de o presidente do juri berlinense ser alguém que saberia reconhecer um filme fascista de longe: o diretor grego Constantin Costa-Gavras.

Tropa de Elite (ou Da Impossível Simplicidade), de José Padilha

Tropa De Elite

Observação: Resolvi ver o filme após ler a discussão que corria lá no Torre de Marfim. E valeu a pena enfrentar a enorme fila. É um bom e importante filme brasileiro. Minhas considerações são parcialmente influenciadas por diversos posts e críticas lidas por aí, então não esperem cem por cento de ineditismo. Começo desorganizadamente pela periferia e vou pouco a pouco entrando nas questões principais de Tropa de Elite. Ao final, copio, no melhor estilo Fausto Wolff (mas com o devido crédito), alguns trechos lidos que achei especialmente esclarecedores ou inteligentes acerca do filme.

I was not writing the Bible.

Resposta lacônica de Doris Lessing na Feira do Livro de Buenos Aires, em 1990, ao responder a uma leitora – de Veja?, já naquela época? – sobre o motivo do personagem X ter dito a Y aquela determinada frase presciente naquele determinado momento iluminado… Puf!

Não é o tipo de filme que normalmente me agrada; muitos personagens interessantes ficam inexplorados em troca da ação. Por exemplo, a esposa do Capitão Nascimento passa todo o filme repetindo a mesma ladainha – e, porra (desculpem, deve ser influência do filme), seu papel mereceria maior desenvolvimento, pois é ela quem cobra de forma peremptória a saída do marido do BOPE – e a burguesinha gostosa e correta poderia ser algo mais particularizada. Outra coisa que perturbou minha atenção é que eles suam o tempo inteiro. Parece um filme feito no insuportável verão gaúcho e não no calor bem mais seco do Rio. Talvez o drama e a tensão dos personagens devesse sair fisicamente por seus poros, mas com Wagner Moura, André Ramiro e Caio Junqueira atuando de forma soberba, nem precisava besuntar os atores. A tensão está na cara de todos eles. E por que a burguesa vivida por Fernanda Machado não sua tanto? Se os burgueses não sentem calor então por que compram tanto ar condicionado? Bom, OK.

Vale a pena discutir a acusação de que o filme seria fascista? Não fala em globalização, em Lula, não defende o capitalismo, a família, o patrimônio, nem os Estados Unidos ou Bush; vai sempre em linha reta sem proteger-se de eventuais assuntos espinhosos; Wagner Moura não tem nada de Stallone ou de Schwarzenegger e até obedece à esposa; não se fala de onde vem a droga e não há cartazes neo-nazistas nem de Che Guevara e muito menos resquícios de bolivarismo. Então…? Mais: na sessão em que assisti o filme, o público não aplaudiu ou aprovou as cenas de violência; ou seja, não me pareceu haver grande prazer em ver aquela violência tão pouco estilizada.

Maniqueísta? (Maniqueísmo: Doutrina que se funda em dois princípios opostos, antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo.) Maniqueísta? Mas quem é quem? E olha, mesmo que seja, considere que estamos no cinema, local onde o bem e o mal já travaram belas lutas e travarão outras, espero. O esquema mocinho-bandido é maniqueu, goste ou não você da palavra. E ponto. O foco narrativo do filme reforça o maniqueísmo ao partir exclusivamente do Capitão Nascimento – cuja mulher está grávida e que deseja deixar aquele serviço – e do BOPE. Trata-se de uma visão, portanto, parcial e emocionada, dentro de um tom que permanece longe do narrador onisciente a derramar-se em verdades. Então, mesmo dentro do esquema tradicional do the good and the evil, José Padilha expõe certas fragilidades de seu personagem, deixando-o à crítica, por assim dizer. Diferentemente do que faria um filme fascista a proclamar suas teses, ele nos apresenta um ser humano plenamente contraditório e que, portanto, pode ser contestado. É claro que nos sentimos identificados com o narrador – o filme infelizmente trata a bandidagem muito superficialmente -, mas nossa simpatia a priori abraça o narrador, sendo ele bonzinho como eu ou mauzinho como o Alex Castro.

O principal mérito do filme é o de não dar razão a ninguém. É como a vida. Sei que é muito complicado para alguns espectadores – e também para o leitor médio da revista Veja – entrar em contato com uma história deficitária em termos de sínteses intelectuais (sínteses que na verdade só servem para nublar a realidade e outras camadas de experiência que, sabemos, têm o glorioso costume de serem inesgotáveis). Ah, o leitor de Veja não deve chegar próximo a Tchekhov, pois o russo, tal como Padilha, expõe problemas, mas nega-se a resolvê-los. Fala, professor: “Não cabe ao escritor a solução de problemas como Deus ou o pessimismo; seu trabalho consiste em registrar quem, em que circunstâncias, disse ou pensou sobre Deus e o pessimismo.” Obrigado pelo auxílio, Anton Pavlovitch. Ora pro nobis.

Há cenas brilhantes no filme.

1. A cena em que o inteligente Matias, finalmente metamorfoseado em homem violento da repressão – enfrenta diretamente o menino rico que liga-se ao tráfico e ao crime é uma espécie de recapitulação (*) do conflito externo. Fantástico. Ponto para Padilha.
2. A cena dos comprimidos, na qual o capitão Nascimento presumidamente evita matar-se com seus calmantes, jogando fora na pia o conteúdo do frasco. O conflito interno é demonstrado em cena curta e elegante. Mais um ponto para Padilha.

E há duas cenas lindas.

1. Na cena do nascimento do filho do Capitão Nascimento, Wagner Moura tem uma atuação absolutamente tocante, fazendo com que eu lembrasse de meus dois episódios semelhantes que ocorreram comigo. Principalmente do segundo, em que olhava para minha menina pensando no esforço que fizera para que aquilo acontecesse. Soma mais um para ele!
2. A cena em que são avaliados os policiais que participarão do Curso do BOPE: o elenco, como se estivesse brincando numa mesa de reuniões, improvisa uma série de piadas sobre os noviços. Tal cena lúdica, talvez tomada num ensaio, é um refrescante interlúdio para o espectador. Brilhante.

E três fatos que reforçam o estranhamento.

1. O capitão Nascimento é um profissional que ama sua família, mas…
2. O traficante Baiano despede-se da mulher e filha quando sabe que enfrentará o BOPE. É uma atenção meio tosca, mas é a autêntica e…
3. Não quer que seu rosto seja desfigurado por um tiro, pois quer estar adequado em seu enterro.

São homens preocupados com suas famílias. Seres humanos.

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Arranhaponte escreveu isso na citada Torre:

(…)Resgata a polícia da demonização desmiolada de uma certa intelligentsia, mas apenas para lhe fazer fortes reprimendas. Neste sentido, é um filme profundamente civilizatório.Eu quase diria que chamar Tropa de Elite de fascista é uma atitude fascista, por ser uma aposta na barbárie da rebeldia primitiva.(…)As pessoas que classificam o filme de fascista são aquelas caricaturizadas na aula sub-foucaldiana na PUC-Rio. Não apenas e necessariamente consumidoras de drogas, mas adeptas da visão do bandido como revolucionário primitivo, e da polícia como agente da reação. Tropa de Elite é um ataque do Bope ao miolomolismo desta gente. Porrada pura.

(…)

Não é o marginal como vítima do sistema, mas o policial como vítima e verdugo do sistema.

Grande Arranhaponte!

E Sergio Leo, invariavelmente exato, expõe certa loucura da mídia:

Na capa da Veja, leio que o sucesso do filme Tropa de Elite se dá porque finalmente, alguém “trata bandido como bandido”. Meu amigo Bode Orelana, analista político de plantão, me garante que o filme é bom, e que desnuda a engrenagem hedionda capaz de fabricar torturadores de boas intenções. Leio na Folha um rapper defender a tese imbecil de que o crime é um mecanismo de justiça social, e o Reinaldo Azevedo, em vez de desmontar o argumento, dizer, babando pelo canto da boca, que a democracia pede a supressão sumária de vozes como essa.

(*) Termo utilizado de forma análoga ao da música erudita (as sonatas têm três partes: exposição, desenvolvimento e recapitulação): Recapitulação é a seção que tem a função dramática de afirmar o tom original, após a transferência para a dominante no final da exposição.

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