Oito e meio, de Federico Fellini

ottoemezzo_02Ontem, na Sala 8 do Espaço Itaú do Bourbon Country em Porto Alegre, teve início a 8 ½ Festa do Cinema Italiano com a apresentação, em gloriosa cópia renovada e digitalizada, do clássico de Federico Fellini Oito e meio (8½). A programação da Festa pode ser conferida aqui.

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Rever Oito e meio (1963) em impecável projeção digital é uma grande alegria. Para quem não sabe, Oito e meio é um filme autobiográfico de Federico Fellini cujo foco está no bloqueio criativo de um diretor de cinema, alter ego do próprio diretor. Este já tem os atores contratados e disponíveis, o produtor, o dinheiro do mesmo e a equipe, só lhe faltam as cenas e a história. Só. Muitas das cenas do filme foram retiradas da vida do próprio Fellini, outras, de seus sonhos e inseguranças. O título é uma referência à carreira do próprio, que até então já havia dirigido sete filmes e meio, sendo este o de número 8,5º.

Uma das imagens do sonho da sequência inicial
Uma das imagens do sonho da sequência inicial

O cineasta chama-se Guido Anselmi. Ele está esgotado e resolve se internar em uma estação-de-águas para buscar inspiração. Anselmi é conhecido por fazer filmes desencantados, sem esperança, e ele próprio parece tomado destas perspectivas em relação a si mesmo. Da mesma forma, Fellini passara por um desses bloqueios, só que utilizou uma estratégia engenhosa para contornar o que estava sentindo: narrou a própria dificuldade. Então, Oito e meio é metalinguístico, usa a linguagem do cinema para comentar um filme que parece que não vai acontecer. Só que muita, mas muita coisa ocorre na tela enquanto os personagens perguntam ao diretor o que farão.

Como disse, a ideia foi concebida em meio às dificuldades do próprio Fellini com um roteiro que simplesmente não andava. No caso real, a confiança em Fellini era tão completa que a produção — cujo roteiro nem existia — já tinha recebido financiamento, elenco principal e equipe técnica. Então, em vez de comunicar aos profissionais o cancelamento, o diretor criou uma original, rarefeita e simbólica história sobre um diretor de cinema sob bloqueio criativo. E foram realmente notáveis a liberdade de criação e os recursos disponibilizados pelos produtores. Assim, os fantasmas do diretor ganharam corpo e voz num filme de narrativa caótica, com um vasto exército de atores e figurantes, mas com cenas altamente estudadas. Várias delas parecem verdadeiros balés realizados em frente às câmeras. Todo um mundo onírico é mostrado paralelamente à realidade.

Fellini demonstra a seu alter ego Mastroianni como fazer
Fellini demonstra a seu alter ego Mastroianni como fazer

É um filme incrivelmente belo e confuso. O olho de Fellini parece mover-se impacientemente sobre cenas altamente plásticas, sem se fixar. Estamos realmente assistindo a uma crise. Guido Anselmi — interpretado por Marcello Mastroianni — é vazio e parece não ter o menor respeito por si e pela produção. Parece arrependido do que está causando, mas não consegue ou não quer fazer a máquina do cinema parar. O resultado é um filme todo quebrado em diversos episódios soberbos.

Também é uma história de culpa, de uma vida compartimentada onde a mentira está presente em todos os escaninhos. Ele diz aos produtores que tem um filme, quando na verdade não tem. Diz aos atores que o roteiro está pronto, quando não escreveu nada. Tenta apaziguar sua mulher — Anouk Aimée, lindíssima –, enquanto tem um caso.

Na cena da mesa do café, Guido está com sua esposa enquanto a amante, Sandra Milo, parece mostrar fisicamente a falta de direção do filme. Toda torta, suas pernas voltam-se para um lado, mas ela vai para outro… (Nota: Milo era a amante de Fellini na vida real). Como se não bastasse, ele parece criar uma mulher de sonho, a inatingível Claudia, vivida por uma inacreditável Claudia Cardinale.

Cardinale: beleza ideal, inacreditável
Cardinale: beleza ideal, inacreditável

Tudo isso vai acontecendo em uma crescente e estranha atmosfera de desencanto circense, um clima do qual apenas Fellini tinha a fórmula. A incerteza sobre o filme, a angústia, parecem não importar muito. Valem mais o riso e a reflexão. O final é esplêndido ao mostrar a vida como uma festa. Após formar uma imensa roda com todos os figurantes e equipe, espécie de melancólica despedida (a vida é triste, mas também é uma festa a ser compartilhada), Fellini cria um dos mais emocionantes momentos do cinema quando Guido e sua esposa, reconciliados, aderem à dança que Guido não dirige mais, passando a fazer parte dela.

Guido entra na dança da vida, confundindo-a com a arte
Guido entra na dança da vida, confundindo-a com a arte

 

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Os melhores filmes do século XXI, segundo a BBC

Os melhores filmes do século XXI, segundo a BBC
Cena de A Fita Branca, de Michael Haneke
Cena de A Fita Branca, de Michael Haneke

Ao final deste post, deixo para vocês o link para a lista dos 100 melhores da BBC. Lá está, por exemplo, em 71º, o português Tabu, que estaria no meu Top 10. Destaco abaixo os 25 melhores deles.

Concordo com as presenças de Cidade dos Sonhos, Sangue NegroBrilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, A Separação4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, Holy MotorsA Fita Branca — para mim o melhor de todos — Encontros e Desencontros e Amnésia.

Além de Tabu, Cidade de Deus (38º), Amor (42º), Cópia Fiel (46º) e Dogville (76º) também estariam no meu Top 10 com A Fita BrancaCidade dos Sonhos, A Separação, 4 Meses, 3 Semanas e 2 DiasHoly Motors. Teria que arranjar lugar para A Vida dos Outros (32º).

Os 25 primeiros da BBC.

01. Cidade dos Sonhos — Mulholland Drive (David Lynch, 2001)
02. Amor À Flor Da Pele — In the Mood for Love (Wong Kar-wai, 2000)
03. Sangue Negro — There Will Be Blood (Paul Thomas Anderson, 2007)
04. A Viagem de Chihiro — Spirited Away (Hayao Miyazaki, 2001)
05. Boyhood (Richard Linklater, 2014)
06. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças — Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Michel Gondry, 2004)
07. A Árvore da Vida — The Tree of Life (Terrence Malick, 2011)
08. Yi Yi — Yi Yi: A One and a Two (Edward Yang, 2000)
09. A Separação — A Separation (Asghar Farhadi, 2011)
10. Onde os Fracos Não Têm Vez — No Country for Old Men (Joel and Ethan Coen, 2007)
11. Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum — Inside Llewyn Davis (Joel and Ethan Coen, 2013)
12. Zodíaco — Zodiac (David Fincher, 2007)
13. Filhos da Esperança — Children of Men (Alfonso Cuarón, 2006)
14. O Ato de Matar — The Act of Killing (Joshua Oppenheimer, 2012)
15. 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias — 4 Months, 3 Weeks and 2 Days (Cristian Mungiu, 2007)
16. Holy Motors (Leos Carax, 2012)
17. O Labirinto do Fauno — Pan’s Labyrinth (Guillermo Del Toro, 2006)
18. A Fita Branca — The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)
19. Mad Max: Estrada da Fúria — Mad Max: Fury Road (George Miller, 2015)
20. Synecdoche, New York (Charlie Kaufman, 2008)
21. Grande Hotel Budapeste — The Grand Budapest Hotel (Wes Anderson, 2014)
22. Encontros e Desencontros — Lost in Translation (Sofia Coppola, 2003)
23. Caché (Michael Haneke, 2005)
24. O Mestre — The Master (Paul Thomas Anderson, 2012)
25. Amnésia — Memento (Christopher Nolan, 2000)

Aqui, a lista completa dos 100 melhores filmes do século XXI, segundo a BBC.

Obs. tardia: é IMPOSSÍVEL deixar O Cavalo de Turim fora desta lista. E Sobre Meninos e Lobos?

Cena de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive)
Cena de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive)

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Francofonia, de Alexander Sokúrov

Francofonia, de Alexander Sokúrov

francofonia-Sokurov(****) Filmado em boa parte no Museu do Louvre, Sokúrov questiona a permanência da arte mesmo em um momento tão grave quanto a 2ª Guerra Mundial. Jacques Jaujard, diretor do Louvre, e o Conde Wolff-Metternich, general da ocupação nazista em Paris, inimigos e posteriormente colaboradores, formaram uma aliança para a preservação dos tesouros do museu francês. Explorando as relações entre arte e poder, o filme mostra o Louvre como um exemplo de nossa civilização. Misturando documentário e ficção, o denso filme do grande Aleksander Sokúrov (de Arca Russa e Fausto) reflete poeticamente sobre os papéis da arte e da civilização. Como pano de fundo, vemos toda a grande cultura europeia tendo que escapar de ser pisoteada. Belo filme.

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Funcionário do Mês, de Gennaro Nunziante

Funcionário do Mês, de Gennaro Nunziante

Funcionario do Mês(***) Esta comédia dirigida por Gennaro Nunziante arrecadou mais de € 65 milhões (US$ 71 milhões), transformando-se no filme italiano mais rentável de todos os tempos. Com humor ácido e muitas críticas ao funcionalismo público na Itália, o longa traz a história de Checco, interpretado por Checco Zalone. Ele nasceu numa família que possui uma larga linhagem de burocratas que nunca soube o que é ter que colocar a mão na massa e trabalhar duro. Em sua vida adulta, ele desfruta da confortável e ultra vantajosa posição de funcionário público numa repartição que não exige muito. Uma verdadeira sinecura. Depois de muito evitar o trabalho duro, sua situação começa a mudar quando um governo mais austero assume a missão de fazer cortes no funcionalismo público, forçando sua demissão ao colocá-lo em funções cada vez piores. Eu curti.

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Porque hoje é sábado, algumas mulheres dos filmes de Bergman

Porque hoje é sábado, algumas mulheres dos filmes de Bergman

Gosto tanto das personagens femininas dos filmes de Bergman, que costumo extasiar-me com suas atrizes. Adoro-as todas, as bonitas e as nem tanto. Este post é feito de registros de alguns filmes do mestre.

Sem mostrar o rosto, temos acima Harriet Andersson em Mônica e o Desejo (1953).

A extraordinária e engraçada Eva Dahlbeck vê seus amantes discutirem em Sorrisos de uma Noite de Verão (1955).

E faz pose de contrariada em Para não falar de todas as mulheres (1964).

Acima, uma Bibi Andersson saltimbanco conversa com o marido em O Sétimo Selo (1957).

E vira caroneira em Morangos Silvestres (1957).

Victor Sjöström and Bibi Andersson in Wild Strawberries, 1957

Até foi uma das 5 mulheres com as quais Bergman casou.

bibi-andersson

Acaba numa universidade levada por …

Ingrid Thulin, …

… que aparece lindíssima neste filme…

… e ainda mais bonita no ano seguinte, em O Rosto (1958).

Gunnel Lindblom participou de vários filmes, mas só em O Silêncio (1963) — vocês já a viram ao fundo na foto de Bibi Andersson caroneira, lembram? — , ocupou um dos papéis principais.

A maior das atrizes bergmanianas, Liv Ullmann, começa a tomar o poder em Persona (1966).

Bergman une os rostos de Bibi Andersson e Liv Ullmann no mesmo e esplêndido filme.

Uma foto das três irmãs e da criada no filme que talvez mais vezes tenha visto, Gritos e Sussurros (1972), um Tchékhov transformado em Bergman. A foto é de Liv, Thulin, Harriet e Kari Sylwan, no papel de criada.

Não é nada disso que vocês estão pensando… Erland Josephson está ofendendo Liv Ullmann. Descreve o que o tempo fez com o rosto de Liv de um ponto de vista, digamos, moral.

Ingrid Bergman, a mais bela mulher do cinema, faz sua despedida das telas no embate entre mãe e filha de Sonata de Outono (1978).

Christine Buchegger sumiu no horizonte, mas seu rosto ficou imortalizado no estranho Da vida das marionetes (1980).

Fato semelhante ocorreu com a maravilhosa Ewa Fröling, a inesquecível mãe de Fanny e Alexander (1982). Bergman queria que seus atores olhassem para ela como se quisessem comê-la, mordê-la… Não devia ser difícil.

Lena Olin nem pensava na insustentável leveza, nem em gregos ou chocolates quando fez Depois do Ensaio (1984).

E a despedida no mestre deu-se com a musa Liv Ullmann já sessentona, em Sarabanda (2003).

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14 Frases célebres (e ácidas) da atriz russa Faína Ranevskaia

14 Frases célebres (e ácidas) da atriz russa Faína Ranevskaia

faina— “Todo mundo se queixa por sua aparência, mas ninguém reclama da própria inteligência”.

— “Não se produz um pum alegre com uma bunda triste”.

— “Saúde é ter dores todos os dias em lugares diferentes”.

— “Ia mandar você, mas estou vendo que você já é de lá”.

— “O homem perfeito lembra sempre o aniversário da mulher e nunca sua idade”.

— “O homem que nunca lembra o aniversário, mas não esquece a idade da mulher, é o marido”.

— “Solidão é quando você tem telefone em casa, mas quem toca é o despertador”.

— “Quando alguém te fizer mal, dê-lhe docinhos e repita isto até o dito cujo ter diabetes”.

— “Que sentido tem em fazer uma cirurgia plástica? Você renova a fachada mas a canalização fica a mesma”.

— “Ai meu Deus como sou velha, ainda lembro de gente honesta”.

— “Já faz tempo que ninguém me chama de puta, estou perdendo popularidade”.

— “Deus criou mulheres belas para que os homens pudessem amá-las, e bobas para elas poderem amar os homens”.

— “Você casará e vai entender o que é felicidade, só que então será tarde”.

— “Trabalhar num filme ruim é o mesmo que cuspir para a eternidade”.

De Faína Ranevskaia (1896-1984), atriz russa. (trad. de Elena Romanov)

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Paulina, de Santiago Mitre

Paulina, de Santiago Mitre

Gostei muito do filme argentino Paulina. É oportuníssimo, ainda mais após o estupro coletivo que ocorreu semanas atrás no RJ. Paulina é filha de um conceituado juiz. Advogada militante, com um suposto “futuro brilhante na carreira”, ela decide abandonar os estudos para dedicar-se a um trabalho como professora no interior da Argentina. Diz que a situação é temporária. Sabe que isto pode lhe custar alguns anos de carreira, mas o idealismo a leva inevitavelmente em direção ao projeto. Ela vai, mas logo nos primeiros dias é atacada e estuprada. O primeiro ponto polêmico são os velhos argumentos machistas levantados durante a investigação policial, e apontados de forma clara pelo excelente diretor Mitre, como o questionamento sobre que roupa Paulina estava vestindo… O segundo é que a advogada descobre que não sabe manejar seus alunos. Na verdade, é surpreendida pelo comportamento deles. O terceiro é que ela mantém suas convicções e vai em linha reta. “Quando os envolvidos são pessoas pobres o Judiciário não procura justiça, mas sim culpados.” Creio que o único problema do filme é a própria Dolores Fonzi, a atriz que faz Paulina e que tem belos olhos, mas que, a partir de determinado momento, não parece mais movida por seus ideais e sim pela birra. Ela é muito inexpressiva e calada para uma militante que vai a campo, acho eu. Mas tal fato torna o filme ainda mais desconcertante e digno de discussão. Mais uma joia argentina.

Mitre-Paulina

Paulina é um remake. Aqui está o filme de 1960. Também argentino, com o mesmo título original (La Patota) e igualmente um filmaço. Mirtha Legrand, a Paulina de 1960, parece fazer uma atuação “mais inteira” do que Fonzi. O trabalho do diretor Santiago Mitre é excelente, mas, afora este fato, é útil para sairmos discutindo a questão. É impossível não falar sobre o filme após a sessão.

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Nossa ida ao Cine Gourmet do Hotel Casa da Montanha de Gramado

Nossa ida ao Cine Gourmet do Hotel Casa da Montanha de Gramado

Chegamos ao Hotel Casa da Montanha no final da tarde de sexta-feira para participar de uma sessão do Cine Gourmet. A semana de trabalho fora complicada e era nossa primeira vez — minha e da Elena — neste evento que dura todo o fim de semana. O Casa da Montanha é sensacional e fomos recebidos com extrema gentileza pelos atendentes que fizeram o check-in. E olha, só de pisar no hotel, já deu vontade de ficar por lá. É tudo muito aconchegante e agradável. Quando chegamos ao nosso quarto, havia referências de muito bom gosto ao evento do qual iríamos participar.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

Sobre a mesa estava um vinho de boas-vindas, além de toda a programação relativa ao Cine Gourmet, onde seria apresentado Volver, de Pedro Almodóvar. Todo o material recebido dizia da obra e tinha o colorido do cineasta espanhol. A agenda previa que na noite de sexta-feira seriam servidos queijos e vinhos para receber os participantes do evento. O filme seria passado na noite de sábado e os dias de sábado e domingo eram para aproveitar o hotel e a cidade.

Após chegarmos, passaram-se alguns minutos e bateram em nossa porta para nos oferecer uma comidinha rápida, desejar-nos uma boa estadia e perguntar se estávamos satisfeitos com a acolhida e o quarto. É claro que estávamos, muito. O prato que nos entregaram era  bem interessante para quem recém chegara de viagem.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

Então descemos para uma voltinha rápida pela cidade. Na verdade, precisávamos de muito mais comida, pois não tínhamos almoçado em Porto Alegre. A temperatura estava na casa dos 5ºC, caindo. Apesar da excelente impressão inicial, nossa ignorância sobre o hotel ainda era quase total. E, imaginem, poderíamos ter jantado no La Cacería, localizado no próprio Casa e especializado em receitas de caças — “Cacería” significa “Caçada” em espanhol –,  além de risotos, massas e saladas. Só que a gente não lê manual nem folder e acabamos numa jantinha mais ou menos.

DSC03096No retorno, mais uma surpresa. Sobre a cama havia dois chocolates — excelentes, garanto-lhes — e informações sobre a previsão do tempo do dia seguinte. Seria um dia nublado, como indicava a marcação, e a temperatura estaria entre os 6 e 16°C.  Começamos a nos acostumar com a coisa: vocês conhecem a facilidade com que o ser humano se acostuma ao bom tratamento.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

Depois fomos ao tal queijos e vinhos do hotel, onde conhecemos boa parte do pessoal que estaria na sessão do dia seguinte. Novamente, tudo perfeito. Havia vinhos perigosamente leves e outros encorpados que enfrentavam com galhardia os maravilhosos queijos.

Como disse, o dia de sábado, antes da sessão de cinema, era livre para flanar pela cidade e fizemos uma boa divisão entre o hotel e as ruas.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

É óbvio que o conforto do Casa da Montanha se impôs e acabamos permanecendo mais nele do que fazendo turismo. Poderíamos ter ficado na piscina, mas esses animais viciados em leituras têm outros hábitos como os mostrados acima e abaixo. Então, dei o pontapé inicial na leitura de O Adolescente de Dostoiévski.

Há vários espaços no hotel destinados a quem quer ver TV, tomar chá, conversar, ler, exercitar-se, nadar, o diabo. Mas a cadeira acima e abaixo parece ser um point preferencial. Todos convergiam para lá, mas eu fui mais rápido.

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

E fomos para a sessão de cinema. O coquetel temático começou uma hora antes do início do filme. Homenageando um detalhe cômico do filme, foi servido um canapé de beterraba chamado “russo” que deixou a Elena encantada. Ela agradeceu especialmente à chef Gabriela Carvalho ao final do jantar, pois teve que ir à Gramado para reconhecer um sabor de sua infância.

Foto: Cibele Peccin
Foto: Cibele Peccin

O Cine Gourmet acontece mensalmente e os filmes são selecionados pelo crítico de cinema Robledo Milani. Ele é o curador do evento desde a primeira edição, há 10 anos. Ele revelou que Volver era uma visita ao passado do diretor Almodóvar. O filme se passa em grande parte na cidade onde ele nasceu e baseia-se nas mulheres-personagens que povoaram sua infância. “Volver é a comida que comia na infância. Também é a fome e a família”.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Milani explicou que as mulheres da infância de Almodóvar eram curvilíneas e voluptuosas. Deste modo, se a personagem principal, vivida por Penélope Cruz, não precisou aumentar seus seios, teve que usar um aplique para arredondar o traseiro. Não, não apresentarei fotos comprobatórias.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

A chef Gabriela Carvalho também falou. Fez uma breve referência ao fato de haver muito em comum entre as cozinhas brasileira e espanhola, e garantiu que haveria ousadias no cardápio — sempre secreto — que seria servido. Que ousadias? Ora, já veríamos. Ela disse que não admitiria uma mera reprodução do que aparecia na tela e que tudo fora recriado instintivamente.

Foto: Cibele Peccin
Foto: Cibele Peccin

Após o filme, no caminho para o Restaurante La Cacería, havia atores fazendo releituras de cenas do filme. Na saída da sala, por exemplo, mulheres de preto choravam desesperadas e davam-nos “pêsames” como se tivéssemos saindo de um velório e, bem na entrada do restaurante, estava uma nova Penélope Cruz sobre um freezer com uma faca na mão. Bem, quem viu o filme sabe o motivo. E ela cantava Volver, canção que Penélope recém cantara no filme (na verdade, ela é dublada).

E chegamos ao restaurante.

Foto: Cibele Peccin
Foto: Cibele Peccin

Por sorte, fomos convidados para ficar numa mesa com Robledo e Guilherme Cerveira. Em companhia tão agradável, nem precisaríamos de vinho para ficarmos loquazes. Mas, com eles e o festival de sabores servido sob a batuta de Gabriela Carvalho, a conversa ficou mais do que animada. Na verdade, chegou às raias das inconfidências.

Bem, a partir de agora, sofram.

Foto: Cibele Peccin
Foto: Cibele Peccin

Assim como a palavra cão não morde, a foto acima não vem com gosto. Se viesse, vocês imediatamente morderiam o monitor do computador ou a telinha do celular. Isto foi um bacalhau realmente enlouquecedor para o neto de portugueses que vos escreve. Sou antigo admirador das variações sobre o tema bacalhau. E garanto-lhes, mesmo sendo incondicionalmente ateu, que a coisa estava no mais alto grau de divindade.

Agora babem:

— A entrada foi um mojito de presunto cru, melão, pepino, hortelã e limão siciliano, harmonizado com um PradoRey Classic Verdejo Sauvignon 2014 (Rueda, Espanha).

— O primeiro prato ficou chamado de Raimunda, nome do personagem de Penélope Cruz. Era uma Tortilla de batatas e bacalhau, compota de tomates frescos e alho, harmonizadas com um Artero Rosado La Mancha 2014 (La Mancha, Espanha). Na minha opinião, este prato roubou a cena, mas o resto da mesa ficou abobado foi com…

— O segundo prato. Era um Cozido Madrileño de cerne de cerdo, chorizo, garbanzo e ervas com a harmonização a cargo do i-nes-que-cí-vel Tribu 2010 — El Angosto (Valência, Espanha). Olha, realmente, este Cozido não se intimidou com o citado bacalhau.

— A sobremesa foi Arroz doce espanhol com cardamomo e canela. O vinho que o acompanhava era um Alambre Moscatel de Setúbal 2010 (Setúbal, Portugal).

Foto: Cibele Peccin

Foto: Cibele Peccin

Após o jantar, conversamos longamente com a chef Gabriela, pessoa de extrema modéstia que nem parecia ter-nos acabado de conduzir com tanto brilhantismo por algumas coisas boas da vida.

Eu e Elena agradecemos ao Robledo Milani pelo convite, deixando claro que estamos disponíveis. Imagina se não?

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Uma aulinha de gramática cinematográfica

Uma aulinha de gramática cinematográfica

Este post é do roteirista Sylvio Gonçalves via Hsu Chien.

Dogville

Trata-se de um belo vídeo do Cinefix com 10 filmes que romperam regras. Que evolução teria o cinema sem a subversão de produções como DOGVILLE, que aboliu os cenários, e O ANO PASSADO EM MARIENBAD, que abriu mão da lógica narrativa? Ou a ousadia de ERA UMA VEZ EM TÓQUIO, que infringiu completamente a regra dos 180 graus, ACOSSADO, que estabeleceu o uso narrativo dos jump cuts, ou até do (aparentemente tradicional) PSICOSE, cujo roteiro ousou mudar de protagonista? Vale muito a pena assistir ao vídeo, que apresenta várias sugestões de filmes anti-convencionais.

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O Marabá está morto

O Marabá está morto

Não há quase mais cinemas de rua em Porto Alegre. Todos os cinemas se internaram em shoppings. À noite, não se vê mais placas luminosas com letras quase sempre tortas ou faltantes anunciando filmes. Além, disto, os cinemas reduziram seu tamanho. Já faz tempo que desapareceram aquelas imensas salas em que funcionários com lanterninhas nos indicavam os lugares livres depois de iniciar a sessão. O VHS, a televisão, o DVD, o Now, o Netflix, a pandemia e o streaming, aliados à falta de espaço, de tempo e de charme transformaram nossas salas em coisas diminutas.

Mas a época do Marabá era diferente. O Marabá era um cinema que ficava em um bairro contíguo ao centro da cidade. Ou no bairro mais próximo a ele, se considerarmos que nosso centro é, na verdade, uma ponta enfiada no rio-lagoa-estuário Guaíba. O Marabá não tinha nenhum charme, não era frequentado por mulheres elegantes que deixavam rastros não de ódio, mas de perfume, atrás de si. Essas iam a outros lugares. Nenhuma surpresa nisto, pois o Marabá, fora construído para passar reprises e porcarias. Os filmes mais artísticos que lá vi foram as obras-primas kitsch de Jack Arnold: O Monstro da Lagoa Negra, O incrível homem que encolheu e — como esquecer dos gritos da mocinha? — A Revanche do Monstro. O enorme cinema ficava na rua Cel. Genuíno, 210, próximo à Av. José do Patrocínio. Só que, um dia, cansado de tanto passar filmes ruins, alguém de lá enlouqueceu e começou a passar somente grandes filmes em programas duplos. Eram apenas duas sessões — uma iniciava às 14h e outra às 20h — mas, meus amigos, que sessões! Um belo dia, estando eu na casa dos quinze anos, abri o jornal e li que o Marabá passava A Noite, de Antonioni, e Viridiana, de Buñuel, em seu programa duplo. Talvez a nova geração desconheça a expressão “programa duplo”. É o seguinte: semanalmente, eram apresentados dois filmes com um pequeno intervalo no meio para irmos ao banheiro e ao bar comprar balas, fumar, conversar, beber, namorar ou simplesmente esticar as pernas. Só que os programas duplos apresentavam normalmente filmes pornográficos ou de pancadaria. Nunca coisas daquele calibre.

Eu e um bando de loucos por cinema começamos a acorrer ao lúgubre Marabá. Aposentados e desocupados também pagavam o ingresso baratíssimo do cinema não muito limpo. Grupos de estudantes vinham ver e rever filmes enquanto matavam aulas. Minha sessão habitual era a das 14h. Formávamos uma peculiar fauna de jovens secundaristas, universitários, velhos e desempregados. Lembro de ter saído muitas vezes rapidamente de casa, batido a porta, lembro de pegar e pagar o ônibus, de parar nas imediações do centro e de correr como Catherine, Jules e Jim (ou Lola, para os mais jovens) em direção ao cinema. Comigo, chegavam outros esbaforidos. Trocávamos um cumprimento rápido e entrávamos. Comigo, muitas vezes veio Maria Cristina, minha primeira namorada. Quando víamos os filmes pela primeira vez, não protagonizávamos grandes cenas de amor nas poltronas desconfortáveis de encosto de madeira, deixávamos para fazer isto no corredor do edifício onde ela morava, na rua Santana. No máximo, trocávamos alguns beijos apaixonados no intervalo — afinal, estávamos ali pelo cinema. Porém, quando conseguíamos ir duas vezes na mesma semana, a segunda tarde era dedicada quase que inteiramente ao amor. Foi numa cadeira do Marabá — ou em duas, mais precisamente — que minhas mãos e boca tiveram seu primeiro contato com o seio feminino. Inesquecível. Não entrarei em detalhes sobre tudo o que fiz pela primeira vez no Marabá, mas não exagerem na imaginação, pois nossa primeira relação sexual, a minha e a dela, ocorreu numa noite, atrás do sofá da sala de sua casa… Voltemos ao cinema.

Depois vieram outros programas duplos. Houve Gritos e Sussurros (Bergman) e Amarcord (Fellini), Jules e Jim (Truffaut) e Ascensor para o Cadafalso (Malle), O Mensageiro (Losey) e Petúlia, um Demônio de Mulher (Lester), Janela Indiscreta e Um corpo que cai (ambos de Hitchcock), Cidadão Kane e A Marca da Maldade (ambos de Welles), Paixões que alucinam (Fuller) e O Sétimo Selo (Bergman), O Magnífico (de Broca) e A Malvada (All About Eve, de Mankewicz), West Side Story (Wise-Robbins) e O Criado (Losey), e, comprovando que a loucura tomara conta do programador, houve Andrei Rublev (Tarkovski) e Acossado (Godard), evento que deixou nossas bundas quadradas por longo tempo. Em 1975, após um programa duplo que apresentava Contos da Lua Vaga (Mizoguchi) e Morangos Silvestres (Bergman), comecei a ter aulas à tarde e a estudar para o exame vestibular. Planejava voltar ao Marabá quando entrasse na universidade, em 1976. Só que, neste ínterim, o Marabá morreu para virar garagem. Sim, após Dillinger está morto (Ferreri) fazer dupla com Um Caso de Amor ou O Drama da Funcionária dos Correios (Makavejev) começou a demolição. Ou seja, a glória do Marabá, um cinema de 1800 lugares fundado em 1947, foi sua agonia, a agonia de um querido dinossauro.

Não há mais cinemas de rua em Porto Alegre e também não há nenhuma cinemateca alucinada e radical como o Marabá. Quando as salas menores pareciam ter o poder de reabilitar para nós a gloriosa história do cinema, algo as trouxe para a isonômica mediocridade dos blockbusters. Resta-nos ver os filmes em nossa casa, às vezes na cama, podendo a sessão ser interrompida pelo telefone ou pela campainha da porta. Apesar das imagens perfeitas, não há o ritual de ir ao cinema, nem a sala escura onde somos ininterrompíveis, nem — perversão minha — o divino cheiro de mofo do Marabá, hoje substituído pela fuligem dos automóveis e pelos gritos dos manobristas.

A Cel. Genuíno hoje. Ela é a da direita.

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Bom dia

Bom dia

Ingrid Bergman e Humphrey Bogart em Casablanca (1942)

via Drops da Fal

Bogart Bergman 1Bogart Bergman 2

Bogart Bergman 3Bogart Bergman 4

Bogart Bergman 5Bogart Bergman 6

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Porque hoje é sábado, Quanto mais quente melhor

Porque hoje é sábado, Quanto mais quente melhor

É a comédia perfeita. Tudo está no lugar: ritmo, roteiro, atores, direção, fotografia, o que vocês imaginarem. É um superclássico, nada envelheceu nele, só os carros e os telefones.

A história. Chicago, 1929. Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon) são músicos de jazz desempregados. Estão desesperados por trabalho. Eles acidentalmente testemunham o Massacre do Dia de São Valentim, assistindo o criminoso Spats Colombo e seu cúmplice aniquilarem Toothpick Charlie e sua gangue. Forçados a apressadamente deixarem a cidade, Joe e Jerry pegam o primeiro trabalho que podem arrumar: tocar na banda de garotas Sweet Sue e suas Sincopadoras. Em trajes femininos, os dois se juntam ao resto da banda em um trem que vai para Miami, Flórida. Diante desta situação, Joe adota o nome de Josephine e Jerry torna-se Daphne. Eles conhecem Sugar Kane (Marilyn Monroe), a vocalista da banda de Sweet Sue. Jerry se apaixona na hora, mas Joe o lembra que ele não pode se fazer notar. Porém, após chegarem a Miami, um milionário (Joe E. Brown) se apaixona por Daphne e Joe resolve se fazer passar por um milionário para tentar conquistar Sugar, tudo isto em meio à uma reunião dos Amigos da Ópera Italiana, uma convenção de criminosos que traz à cidade Spats Colombo e sua gangue.

Perdidas na rede, encontrei 36 fotos raras obtidas no set de filmagem e decidi fazer um PHES especial com elas. Espero que gostem.
Some Like It Hot color (1)

Some Like It Hot color (2)

Some Like It Hot color (3)

Some Like It Hot color (4)

Some Like It Hot color (5)

Some Like It Hot color (6)

Some Like It Hot color (7)

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Uma historinha curta de Umberto Eco, lembrada pelo Nelson Moraes

Uma historinha curta de Umberto Eco, lembrada pelo Nelson Moraes

Depois que o Jean-Jacques Annaud filmou O Nome da Rosa, foram perguntar ao Umberto Eco se ele tinha gostado da adaptação cinematográfica. “Você deve estar brincando”, ele respondeu. “Pegaram meu livro, cortaram dois terços dele, tiraram todas as discussões sobre Escolástica e centraram o enredo no crime do mosteiro e na iniciação sexual do noviço, além de colocarem um galã como o Sean Connery para interpretar William de Baskerville — que no livro era um monge baixinho e feioso — para assim chegar a milhões e espectadores no mundo todo, e você pergunta se eu gostei? Eu adorei!”

SPETT.UMBERTO ECO A NAPOLI(SUD FOTO SERGIO SIANO)

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O movimento e a composição das cenas nos filmes de Kurosawa

O movimento e a composição das cenas nos filmes de Kurosawa

E eu me pergunto o que se perdeu pelo caminho para piorarmos tanto?

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Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock — apresentamos a obra-prima em 8 gifs…

Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock — apresentamos a obra-prima em 8 gifs…

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A baixa autoestima retratada em uma tremenda cena de Angel-A, de Luc Besson

A baixa autoestima retratada em uma tremenda cena de Angel-A, de Luc Besson

Uma pessoa de baixa autoestima tende a apresentar vontade de isolamento e ansiedade, também é sensível à críticas, tem dificuldade para expressar opiniões e necessidades, desiste das coisas com facilidade, evita desafios e eventuais confrontos e tem reduzida clareza de si mesmo. Tem uma estrutura emocional pouco sólida, a qual origina pessimismo e reações de defesa e negatividade. Não se sente merecedor de amor e respeito por parte dos outros.

Mas isso quase todo mundo sabe.

Angel-A

Abaixo, mostro um extraordinário, um raro momento cinematográfico. A cena foi retirada do filme Angel-A (2005), do diretor francês Luc Besson. André (Jamel Debbouze, 1,65 m) tem dívidas junto a poderosos mafiosos. Além do mais, sofre de baixa autoestima. É claro que, apesar de possuir características perfeitamente normais, estas lhe parecem menores, como se fosse defeitos inaceitáveis. Prestes a cometer suicídio atirando-se de uma das mais altas pontes de Paris, André nota a presença de uma outra suicida, uma linda loura (Rie Rasmussen, 1,79 m + salto). Depois de resgatá-la das águas, André e a misteriosa mulher descobrem que têm muito mais coisas em comum do que imaginam.

O que se segue é uma das principais cenas do filme. O anjo da guarda de André trabalha notavelmente, mas o destaque absoluto é a participação de Jamel Debbouze, de um virtuosismo arrebatador. Os atores são acompanhados de forma inteligente pela câmera de Besson.

 

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E se o famigerado sétimo episódio de Star Wars fosse dirigido por Michael Haneke?

E se o famigerado sétimo episódio de Star Wars fosse dirigido por Michael Haneke?

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O novo Macbeth é uma completa idiotice

O novo Macbeth é uma completa idiotice
Cotillard, muito melhor fora do filme
Cotillard, muito melhor fora do filme

Marion Cotillard disse que sua Lady Macbeth não é a personagem manipuladora frequentemente retratada. E é verdade. É que sua personagem simplesmente NÃO É Lady Macbeth. Aliás, este Macbeth — Ambição e Guerra não é o Macbeth de Shakespeare, só tem som, fúria e é contado por um idiota.

Por que alguns diretores de cinema pensam que são mais espertos do que Shakespeare? Por exemplo, Shakespeare tinha três bruxas — mas no filme de Kurzel temos 3,5. Shakespeare escreveu um discurso brilhante e seminal para elas… Que foi eliminado. A complexa psicologia entre os Macbeths e o declínio mental de cada um deles também foi limado.

O australiano Justin Kurzel orgulha-se de que seu Macbeth seja parecido com Game of Thrones, mas, sabem?… Bem, vamos tentar abordar a lambança por partes.

Lambança 1: Kurzel usa o texto original de Shakespeare, mas de forma muito incompleta. Até o ousado Romeu + Julieta — um bom filme — teve o bom senso de não retirar da adaptação a força dos diálogos. Ora, o autor é Shakespeare. Quem é Kurzel?

Lambança 2: Os castelos e a Escócia ficaram com um visual de videogame perverso. Tudo é escuro. Há cenas em câmera lenta, outras saturadas de filtros de cor e de intervenções digitais. Mas tudo sempre escuro. As palavras de Shakespeare são usadas apenas para ligar uma cena de visual injustificado à seguinte. Para deixar uma história terrível, não é necessário pintar tudo em tons de cinza e vermelho sangue, ainda mais com Shake à mão.

Lambança 3: A terrível lentidão do filme. Ora, Shakespeare requer ação. Harold Bloom disse que Shakespeare acelera muito e é verdade. O próprio teatro elisabetano era assim. As histórias eram longas e com constantes alterações para pegar um público de atenção fugidia que via as peças em pé. Há que ter ritmo. Em Shakespeare, especialmente, a ação é rápida, de profundidade filosófica e — milagre que só o bardo de Stratford-upon-Avov conseguia — com personagens complexos e bem caracterizados. Nada disso permaneceu neste filme.

Lambança 4: Há duas previsões feitas pelas bruxas em seu segundo encontro com Macbeth. São fundamentais na história. Elas dizem: Macbeth jamais será vencido, a menos que o Bosque de Birnam marche contra ele. E também dizem que ninguém nascido de mulher poderá fazer-lhe mal. A segunda predição está no filme e é demonstrada a Macbeth por Macduff, mas a primeira some. Onde está a ordem de Malcolm: “Que cada soldado derrube um galho e carregue-o à sua frente. Desse modo, estaremos camuflando o número exato de nosso contingente”. E o mensageiro não diz a Macbeth que o bosque está caminhando.

Lambança 5: O ambiente “escocês”. A maioria do elenco fala com um sotaque escocês horroroso, agravado por uma trilha sonora difusa e pelo incessante zumbido de fundo. Há, é claro, gaitas de foles. As batalhas do filme são travadas em meio à constante fumaça. A Escócia de Kurzel está eternamente em chamas.

Lambança 6: Os próprios apoiadores de Macbeth, ao final da história, voltam-se contra ele. Isto não fica claro no filme.

Lambança 7: Outra cena final que é fundamental é aquela em que Macduff aparece com a cabeça de Macbeth. Cadê?

Lambança 8: Em Macbeth, Shakespeare trata da ambição, da maldade, das grandes intenções e da pequenez do homem. Mas Kurzel disse que vê a história como um faroeste. Nunca vi nenhum xerife em Shakespeare. Vejo é que a grandiosidade de um texto que fala também sobre o poder e as formas de governar, foi substituída por imagens rebuscadas de vazia grandiloquência. E, se a vida é uma história “contada por um idiota cheia de som e fúria, que não significa nada”, Kurzel fez o papel de idiota.

Michael Fassbender sorrindo no escuro. Logo a seguir, um efeito especial acabará com este sorriso | Divulgação
Michael Fassbender sorrindo no escuro. Logo logo um efeito especial acabará com este sorrisinho | Divulgação

Dica quente: veja o Macbeth de Kurosawa, Trono manchado de sangue, e o de Polanski. Esses sim!

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Por que o cinema não é ensinado nas escolas?

Por que o cinema não é ensinado nas escolas?

É fato conhecido de que a educação no Brasil não funciona. Sei por experiência própria. Fiz trabalhos comunitários dando aulas de matemática na periferia de Porto Alegre e, mais do que a maioria, posso falar sobre como muitos meninos vão para o Ensino Médio sem saber como fazer uma regra de três. Alguns até entendem o conceito, mas ignoram a operação de divisão… Sei também como é complicado manter esses garotos atentos. Eles não têm a menor vivência do que é concentrar-se sobre um tema ou ouvir longamente alguém falar. O assunto deste texto pode parecer uma filigrana, uma ingenuidade, algo como um telhado de 16 m² colocado sobre o crime ambiental de Mariana e seus imensos arredores, mas talvez tenha alguma lógica.

Cena de Numa Escola de Havana
Cena de Numa Escola de Havana

Não tenho nada contra a literatura e outras artes — sou mais apaixonado pela literatura e pela música do que pelo cinema! –, mas creio que o cinema tem a peculiar característica de poder mostrar a nossa e outras realidades de forma desconstruída e facilmente analisável. Tudo isso em duas horas e de forma coletiva, concomitante. Ou seja, imaginem uma sala de aula onde fosse apresentado, por exemplo, o notável filme cubano Numa Escola de Havana (foto acima). É bem diferente de todos lerem um livro, cada um em sua circunstância. Há que considerar também que muitos alunos vêm de famílias disfuncionais, são muito pobres e simplesmente não conseguem isolamento para ler. Além do mais, uns leem pela metade, outros leram faz tempo e talvez lembrem mal do livro, etc. O cinema não. Ele pode ser apresentado in loco e a discussão a respeito dele pode ocorrer logo após sua apresentação, com todos os detalhes presentes na memória.

O cinema não é apenas diversão, é multidisciplinar e, digamos, multiuso. Não encontro argumentos para não colocar o cinema como uma das ciências humanas nas escolas. Seria uma matéria que apoiaria outras, tais como história, literatura e filosofia. O cinema tem a característica de nos mostrar diferentes culturas e formas de pensar, de abalar valores e conceitos. Suas histórias de duas horas desnudam fatos e seus modus operandi, dando novos olhares a fatos conhecidos, estimulando a discussão.

Claro que os filmes teriam que ser clássicos de qualidade indiscutível. As famílias já viram o filme do Oscar do ano passado e as porcarias e filmes médios deveriam ficar de fora. Porém, produções de mais de 20 anos e que permanecem poderiam dar apoio a aulas de história, geopolítica, ética e conhecimentos gerais.

Isto não significa que cinema seja uma arte maior do que as outras. Mas creio que ele seja mais educacional que as outras, talvez por poder ser coletivo. Hhá peculiaridades no cinema — sua instantaneidade, sua facilidade e concomitância de apreensão — que o tornam muito adequado para a criação de espírito crítico nos jovens. Como se não bastasse, o cinema, com seus personagens, torna possível um pensamento afetivo, aquele mais próximo da ética, além de possibilitar o contato com novas estéticas.

Quando eu escrevo ensinar cinema, não quero formar diretores  ou roteiristas de filmes, mas dar uma boa visão da história da jovem arte cinematográfica. Há maravilhosos e exemplares filmes que exploram fatos históricos assim como posturas e resultados de políticas. É claro que os filmes a serem discutidos não seriam os de 007 ou American Pie, e sim as obras mais relevantes sobre os temas escolhidos.

Sou uma pessoa muito preocupada com a baixa qualidade de nossa educação. Vejo nossas crianças deprimidas ou desinteressadas nas salas de aula. Causa ou consequência, nossos professores são péssimos. Aloizio Mercadante, ministro da Educação, tem toda a razão ao dizer que “Se o Brasil formasse médicos como forma seus professores, muita gente morreria”. Sou um filho da educação pública — nunca paguei para estudar, deste o maternal até o ensino superior — e sei que lá se formam garotos para conviver com o fracasso escolar diante daqueles egressos dos colégios particulares (que são um pouco menos péssimos que os públicos). Então, diante da incompetência, da falta de informação e da óbvia infelicidade, acho que devemos mostrar outras realidades, vidas e aspirações para que nossos filhos possam ter adolescências mais suportáveis e críticas.

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O time das 11 melhores comédias, uma antologia pessoal

O time das 11 melhores comédias, uma antologia pessoal

Para deixar nossos dias mais leves.

1. Monty Python em Busca do Cálice Sagrado
(Monty Python and the Holy Grail,
roteiro de Graham Chapman, John Cleese, T. Gilliam, Eric Idle, T. Jones e Michael Palin,
direção de Terry Jones e Terry Gilliam,
1975)

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2. Quanto Mais Quente Melhor
(Some Like It Hot,
roteiro de Billy Wilder e I.A.L. Diamond,
direção de Billy Wilder,
1959)

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3. Meu Tio
(Mon Oncle,
roteiro e direção de Jacques Tati,
1958)

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4. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
(Annie Hall,
roteiro de Woody Allen e Marshall Brickman,
direção de Woody Allen,
1977)

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5. O Jovem Frankenstein
(Young Frankenstein,
roteiro de Gene Wilder e Mel Brooks,
direção de Brooks,
1974)

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6. A Vida de Brian
(Monty Python’s Life of Brian,
roteiro de Graham Chapman, J. Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, T. Jones e Michael Palin,
direção de Terry Jones,
1979)

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7. Um Peixe Chamado Wanda
(A Fish Called Wanda,
roteiro de John Cleese,
direção de Charles Crichton,
1988)

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8. M*A*S*H
(M*A*S*H,
roteiro de Richard Hooker e Ring Lardner Jr.,
direção de Robert Altman,
1970)

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9. Cliente Morto Não Paga
(Dead Men Don’t Wear Plaid,
roteiro de Steve Martin, Carl Reiner e George W. Gipe,
direção de Carl Reiner,
1982)

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10. Feitiço do Tempo
(Groundhog Day,
roteiro de Danny Rubin and Harold Ramis,
direção de Ramis,
1993)

Groundhog Day

11. Dr. Fantástico 
(Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb,
roteiro de Stanley Kubrick, Terry Southern e Peter George,
direção de Kubick,
1964)

Dr. Strangelove or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb

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