Minha aparição nas páginas policiais de Zero Hora

Minha aparição nas páginas policiais de Zero Hora
Legenda: ‘Em 18/11 quase foi atropelado. O carro travou em cima dele. Este é o exemplo da família!’

Meu tio João, irmão de minha mãe, era jogo duro. Eu, aos 11 anos, sabia que devia temê-lo um pouquinho, não muito. Vagamente, estava consciente de que não era adequado fazer brincadeiras com ele. O tio, na falta de seu pai, meu avô, àquela época muito doente, às vezes tentava substituí-lo, assumindo o cargo de reserva moral da família. Era maçom e aquilo tinha alguma importância naquela época. Só que ele vivia em Cruz Alta e nós em Porto Alegre, bem longe.

Um dia, recebemos um recorte de jornal. Era da Zero Hora. Nele, estava estampada uma fotografia minha: eu aparecia tranquilo, pronto a receber uma bola vinda da cobrança de um lateral pelo Batista (João Batista Carneiro Borges, meu melhor amigo da infância); em minha direção, além da bola, vinha o Cesare (Cesare Arturo Domenico Bianchini, onde andará?) correndo como um louco assassino, mais ou menos como o Guiñazu faz. Mas o craque, com segurança e completo domínio da situação, permanecia impassível… Tal lance ocorreu em 16 de novembro de 1968, quase dois meses após meus 11 anos.

O AI-5 logo ali e eu jogando bola feito um alienado…

Mas… Lembro bem. Almoçava quando minha mãe entrou na cozinha brandindo um envelope. Parecia pronta para uma briga. Logo soube que era uma carta do temido tio João. E contra mim!

— Milton Luiz, que forma de estrear nos jornais! Que vergonha!

Ela me entregou a foto e a carta, que não me interessou. Fiquei encantado com a foto; afinal, aparecer no jornal não era para qualquer um e nem minha irmã — a perfeita — havia conseguido aquilo. Meu pai entrou atrás, dizendo que aquilo era um absurdo. Só que senti que eles estavam bem humorados e logo meu pai perguntou se eu tinha visto o fotógrafo.

— O tio João escreveu meu nome errado, é com “z”.
— Responde à minha pergunta, por favor.
— Sim, vi. Ele falou conosco.
— E o que ele disse?
— Nada. Só que queria uma fotos de nós jogando bola.

Minha mãe revirou os olhos e olhou para minha irmã, visivelmente deliciada com o caso que demonstrava pela enésima vez que eu era um hooligan com um futuro de prisões e perseguições.

— Da próxima vez, não te deixa fotografar!!! — disse minha mãe.

Acho que meus pais sabiam que, trabalhando todo o dia fora — ambos eram dentistas –, não podiam cuidar muito de nós. Talvez até tivessem confiança em mim, sei lá. Ou sabiam que o futebol na Av. João Pessoa ou na Praça Piratini era inevitável. Uma horda de meninos passava a tarde jogando bola. Como evitar que eu fizesse o mesmo? Prendendo-me em casa? Minha mãe me advertiu frouxamente para cuidar com os carros ao buscar a bola. Perguntou sobre o tal carro que freara “em cima de mim”.

— Nunca, mãe. Pode perguntar pro Batista.

Naquele momento, tive algo como uma revelação. Os adultos não pensavam em bloco, a dureza de meu tio era amenizada pelos meus pais, que não me deram castigo nenhum e eu esqueci completamente da frase de meu tio “Este é o exemplo da família”.

Ontem, recebi por carta o recorte. Estava sem a carta de meu tio. Lembrei de tudo, inclusive do fato de que minha mãe o mostrava a seus clientes como um troféu… Olha como este guri é incontrolável, agitado e moleque! Só que, quando apresentava a prova de minha molecagem, seu cliente lia a frase ofensiva de meu tio, que era sistematicamente ignorada por ela.

Realmente, meu tio morava longe.

Se você perdeu o debate de ontem, saiba que a Feira Além da Feira segue

Se você perdeu o debate de ontem, saiba que a Feira Além da Feira segue

Cansei de ver músicos e palestrantes saírem do palco com a impressão de que fizeram bom papel e, bem, não foi nada daquilo. Como espectador, às vezes fico com um sorriso amarelo ao ver o sem noção da coisa. Então, de forma profilática, desconfio de meu exame sobre nossa participação no Feira Além da Feira de ontem à noite na Palavraria. Mas arrisco dizer que foi bem boa. Muito boa.

Em primeiro lugar porque o ambiente foi de completa cordialidade e interesse pelo assunto. Nunca abandonamos o tema da crítica. Muito qualificado, o público poderia ter-nos fatiado e servido em bandejas, mas nos ouviu e perguntou mansamente. O carrossel que fazia o microfone passar de mão em mão funcionou bem. A Alexandra Lopes da Cunha disse que nunca tinha mediado debates, mas vá acreditar nisso. Não apenas provocou e deu espaço e oportunidades a que todos falassem, como deu seus pitacos e pode declarar seu amor a George Orwell. O debate funcionou também pelo fato dos três entrevistados terem perfis bastante diferentes. Aprendi com as meninas. Eu cheguei com meu perfil clássico antiquado, a Camila von Holdefer super atualizada e profunda conhecedora da produção literária atual — devemos ler seu blog de cabo a rabo para saber o que está acontecendo — e a Laila Ribeiro com seu enorme conhecimento da literatura de entretenimento, algo que me surpreendia a cada fala sua. 

Os bons eventos de literatura são assim mesmo, com pessoas interessadas e alta participação. O tema era “O Espaço da Crítica Literária”, essa coisa quase inexistente. Engraçado como todos nós lemos literatura brasileira, mas temos certo receio de escrever a respeito. Nossos autores costumam se ofender. Eu parti deste texto, mas sem o mimimi que me fez incluir gatinhos ornamentais, e fui até o ponto de responder uma pergunta citando os autores que mais admirava vindo do Japão, passando pela Europa Oriental, Ocidental, América do Norte, do Sul e Brasil. Ou seja, a conversa teve momentos delirantes. Foram duas horas de divertidos momentos de amor à literatura. Às 21h, a livraria tinha que fechar…

O que posso dizer? Certamente que fiquei muito feliz com esta minha segunda participação na Feira além da Feira. cuja programação completa encontra-se aqui.

As fotos abaixo são de Alexandre Alaniz. Foram publicadas 44 imagens ao todo. Meu profundo, incondicional e esperado narcisismo ditou a seleção abaixo. As legendas são realistas, pero no mucho. E, gente, agora vou para uma reunião de condomínio. Sim, será bem pior.

Jéferson Tenório fala a plateia, Alexandra sorri confiante e eu pressinto a tragédia.
Jéferson Tenório fala à plateia, Alexandra sorri confiante e eu pressinto a tragédia.
Eu começo a desfiar absurdos. A Alexandra me olha com cara de "What the fuck?".
Eu começo a desfiar absurdos. A Alexandra me olha com cara de “What the fuck?”.
Eu sigo a desfiar absurdos, agora sob o olhar irônico da Camila.
Eu continuo, agora sob o olhar irônico da Camila.
Ninguém me detém.
Nada me detém.
Sérgio Karam pergunta-se: o que eu vim fazer aqui?
Sérgio Karam fica abismado com o que digo.
A Alexandra parece estar se divertindo.
A Alexandra até parece estar se divertindo.
Mas recua.
Mas recua após uma ameaça minha.
Nelson Rego chega para animar a festa.
Nelson Rego chega para animar a festa.
Mas a festa é minha.
Mas o show é só meu. Sintam só o tédio da Camila e da Laila enquanto eu falo no samba exaltação. A Alexandra se afasta para deixar meu braço passar.
Gustavo Melo Czekster me desafia a dizer seu sobrenome.
Gustavo Melo Czekster me desafia a dizer seu sobrenome. Priscila Pasko antevê meu fracasso. Nelson Rego está super-interessado.
Eu sou imparável.
Minha algaravia desconhece limites. Presa entre as cadeiras, Camila pensa em como voltar logo para Novo Hamburgo.
Tô falando até agora.
Sem assunto, começo a cantar. Alexandra mantém as aparências.

Porque hoje é sábado… Beijos

Porque hoje é sábado… Beijos

Em meu micro, há coisas muitas estranhas sob o diretório “Images”.

VJ DAY

Lá, encontra-se um diretório chamado “Beijos”.

(Há também um diretório chamado Pq Hj é Sáb).

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Ao lado dos Cartier-Bresson, Doisneau, Leibovitz, há fotos de cuja autoria nem imagino.

Observando seu conteúdo, descubro que adoro imagens de amantes beijando-se.

'O Beijo do Hotel de Ville', 1950

Sempre tive pequenas e grandes diferenças em relação às tias moralistas da família.

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Uma delas — e uma bem pequena — era aquela que proibia exibições públicas de carinho.

Nunca entendi porque era horrível dar longos beijos na rua, …

… principalmente pelo fato de adorar ver tais cenas.

Como tenho inato espírito de oposição, logo vi que me agradava proporcionar tais cenas.

Mesmo que algumas gurias simplesmente detestassem,

as pequenas transgressões sempre me fascinaram.

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E, ademais, elas nunca ultrapassaram os limites das novelas das seis.

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Ontem

Ontem

O tempo é uma coisa medida com precisão, mas nossa impressão dele sofre grandes variações. As coisas boas voam, as ruins se arrastam. Quando trabalhamos demais, achamos surpreendente como o tempo passa lento — hoje é só quarta-feira?, costumo pensar. Quando temos prazos a cumprir, parece que aquele muro cresce inexoravelmente sobre nós. Quando estamos em férias, o tempo voa. Hoje, coloquei a foto abaixo no Facebook com a legenda “Neste 31 de agosto, 2 anos”.

E foi ontem.

Foto: Ramiro Furquim
Foto: Ramiro Furquim

Eu hoje acordei assim

Eu hoje acordei assim
Bem, a foto é meramente ilustrativa.
Foto meramente ilustrativa.

Nos dias de aniversário, sempre saio da cama quando minha irmã me liga. É uma tradição: ela faz de tudo para me dar o primeiro Feliz Aniversário do dia e faço o mesmo com ela. Hoje, ela me ligou às 7h30. Para seus padrões, foi uma ligação tardia. Disse que estava finalmente frio e gostoso de ficar na cama. (Acho que ela, como eu, deixa o telefone um pouco longe a fim de que ele nos obrigue a levantar para desligar o despertador. Então, fica impossível ligar ou receber ligações na cama). Reclamou que a Elena tinha me dado os parabéns ainda ontem que isso era ilegal. Disse mais, disse que ficava assustada quando tinha que dizer sua idade, pois sua sensação interna é de juventude.

A minha também. Muitas vezes fico olhando aquela cara no espelho e o que vejo não bate com o que sinto. Melhor olhar pouco. Ainda mais agora que a Elena parece ter me dado uma injeção de juventude. Mas, enfim, são 58 anos, e eu sinto como se tivesse muito menos. Ontem ainda resolvi que ia conhecer um novo escritor, o japonês Yasunari Kawabata. Comprei dois livros dele no Mauro e ontem mesmo li as primeiras páginas de As Belas Adormecidas. O livro é de enorme sensibilidade e prestem atenção ao tema — que vai aqui sem talento e sem spoilers. Kawabata narra a história do velho Eguchi, de 67 anos, que descobre uma espécie de prostíbulo onde se paga para observar meninas virgens dormindo. Cada uma dessas meninas faz com que despertem diferentes memórias no velho, memórias de tempos mais felizes e viris. E elas nunca acordam para ele. Eu lia aquilo e pensava em como aquela história estaria longe de mim. Longe uma ova, como diria a Luciana Genro. Mas não cheguei lá. Nem perto, I hope.

Mas eu falava em juventude… Então informo que sigo o mesmo bobo alegre, há algum tempo na versão senhor, apesar da Elena me chamar de menino. Espero continuar trabalhando, lendo, ouvindo e enchendo o saco. E amando, porque assim tudo fica mais colorido. E mando um abraço à oposição. Sei que um Diabo como eu só se justifica se houver deuses.

O que o conforto pragmático me disse ontem sobre a Ospa

O que o conforto pragmático me disse ontem sobre a Ospa

Um violoncelista, virtuose internacional que me honra com sua amizade, contou-me que nos Estados Unidos e em parte da Europa, as orquestras e os intérpretes agradecem por escrito as críticas que recebem — mesmo as mais ácidas e debochadas. Sabem que qualquer menção é melhor que o silêncio. Há pragmatismo e boa noção de divulgação no hemisfério norte. Aqui na Ospa é justamente o contrário. O narcisismo, a infantilidade e a insegurança – palavras de Francisco Marshall — tornam o terreno pantanoso. Paradoxalmente, não há serenidade no recebimento de críticas por parte de pessoas que se expõem em público.

Então decidi que, a partir de agora, apenas vou escrever sobre os concertos mais marcantes, sobre aqueles que me tocarem de alguma forma — por serem muito bons ou demasiado ruins. Aviso a meus sete leitores: não esperem mais relatos de cada concerto. Os insignificantes e opacos — a maioria — me obrigam a um esforço que realmente não preciso fazer. Vou ficar com os que me satisfazem ou irritam, pois os primeiros merecem saudação e os últimos resultam em textos cômicos. Na verdade, o fundo de minha decisão é o fato de que estou ficando enfastiado dos trajes escuros do vilão que repete quão desafinados ou dispersos são alguns naipes. Sei que não vou corrigi-los e também mereço uma zona de conforto semelhante.

Também quero andar por aí sorridente, vestindo um terno branco com um elegante lenço colorido no bolso. E achando graça do que vejo e ouço. Vou me dedicar mais a outros assuntos. Tenho que me liberar de coisas que dão pouco prazer e retorno. Os concertos deste ano foram de qualidade tão duvidosa — com raras exceções, casos de Valentina e Petri, por exemplo — que muitas vezes sinto-me desconfortável e sem adjetivos para descrevê-los. Ou seja, o que era divertido tornou-se esforço.

(A coisa está tão preta que muitas vezes nem os músicos da orquestra divulgam os concertos em seus perfis do Facebook. É um termômetro infalível, conforme um membro da orquestra me ensinou. Cada vez que isso acontece, já sei o que vou escrever no dia seguinte e fico previamente deprimido).

Mais um item para meu Projeto Gambardella. Afinal, não sou tão jovem, “para perder tempo fazendo coisas que não quero fazer”.

Cena de "A Grande Beleza"
Cena de “A Grande Beleza” com Jep Gambardella (Toni Servillo)

O “Não” talvez não ganhasse no Brasil e outros temas

O “Não” talvez não ganhasse no Brasil e outros temas

Tenho certeza de que o “Não” venceu com tanta facilidade em razão da Grécia não possuir voto obrigatório. A obrigação do voto leva milhões de desinteressados em política às urnas. E estes votam segundo suas vagas impressões. Na Grécia, o “Não” recebeu 3,6 milhões de votos; o “Sim”, 2,2; e o número de nulos, brancos e abstenções foi de 4,1 milhões. É normal, o tema era fundamental para o país e foi uma boa participação. 59% das pessoas votaram e 41% não foram às urnas.

Foi uma vitória legítima e esmagadora.

Creio que, se passássemos a circunstância grega para o Brasil, um plebiscito desses seria sujado com todo tipo de ruído sem sentido vindo do pessoal que não está nem aí. Aqui, o voto não é um direito, mas um dever. É mais ou menos como suportar as opiniões daqueles comentaristas esportivos que se tornam especialistas em futebol de quatro em quatro anos, durante as Copas do Mundo.

A célebre frase de Arnold Toynbee, “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam, não vale no Brasil. A versão brasileira é “O maior castigo para aqueles que se interessam por política é que serão governados pelos eleitos da maioria que não se interessa”.

 Como seria nosso Congresso com o voto facultativo? Ah, duvido que fosse pior.

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Conheço gente que está vibrando com a vitória do “Não” na Grécia e que apoia o ajuste fiscal no Brasil.

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Conta-se que quando Churchill convocou a Inglaterra para um redobrado esforço de guerra, a fim de avançar com medidas que eram tidas como imperiosas para a resistência aos avanços nazistas, foi abordado pelo Ministro da Cultura do seu governo. Este teria lhe dito, conformado, “Vamos ter de cortar na Cultura!”, ao que Churchill teria respondido: “Nem pense nisso! Então, estamos a fazer esta guerra para quê?!”.

Não há comprovação de que esta resposta tenha sido de Churchill, mas que é perfeita é. E, pior, a Cultura não consome valores monetários muito importantes em nosso país, mas forma outros valores.

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Coluna social do blog. Cesare Battisti casou com Joice Lima, a companheira que sempre esteve ao seu lado nos bons e maus momentos pelos quais tem passado no Brasil. O casal tem uma filhinha.

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Saindo da política. Não creio que toda pessoa infiel seja mau caráter nem que toda fiel seja portadora de maior mérito. Afinal, talvez alguns destes só não tenham tido oportunidade de trair. Ou tenham negado amor a quem depois os traiu. Mas um subproduto defensivo de preconceitos burros é o fato de que conheço pessoas que traíram e que guardam raiva mortal do parceiro ou ex-parceiro fiel, inclusive mentindo a seu respeito. É como uma profilaxia contra a improbabilidade de este sair berrando por aí fui traído, fui traído! E criam todo o tipo de factoides a respeito, produzindo um fictício fracasso pessoal do outro. É como justificar o envenenamento de seu cão inventando que ele cagava toda a sala e mordia as visitas. É uma forma de recusa à veracidade causada pelo medo do julgamento.

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 53 anos da morte de William Faulkner, ontem.

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Esta manhã, ouvi os belíssimos Vingt regards sur l’enfant-Jésus (Vinte olhares sobre o menino Jesus). É uma suíte de 20 peças para piano solo do compositor francês Olivier Messiaen (1908-1992) . Foi composta em 1944 e tem duração aproximada de duas horas. A obra é uma meditação sobre a infância de Jesus. Mas sou ateu e, para mim, trata-se de música absoluta e fim. Simplesmente não faço conexões. Apenas gosto e acho que o carolão Messiaen foi um dos maiores compositores do século XX. Minha igreja é a sala de concertos, Messiaen.

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O Inter teve 24 jogadores lesionados em 2015. Um recorde.

Entrevista com Leonardo Padura

Entrevista com Leonardo Padura

Valeu a pena esperar quase uma hora por Padura, que dava uma entrevista de última hora em seu quarto para a Folha de São Paulo. Fiquei muito feliz entrevistando o escritor cubano Leonardo Padura. O resultado físico do encontro é a dedicatória que ele escreveu no meu exemplar de O homem que amava os cachorros, mas o resultado intangível e pessoal foi maior.

Abaixo, a dedicatória:

Para o amigo Milton, com o desejo que a vida lhe sorria e que visite Havana.
Com o abraço cubano de Padura
2015

Foto: Elena Romanov
Foto: Elena Romanov

Por algum motivo incompreensível, eu sabia que nos entenderíamos perfeitamente e que meu roteiro de perguntas era bastante adequado a um autor que lera com boa dedicação. O resultado da entrevista foi acima da média, porém o que mais gostei foi o que ficou, a pedido de Padura, off the record, confidencial. Fiz algumas perguntas sobre o mercado editorial que foram respondidas como se estivéssemos numa mesa de bar. Adentramos outros temas, como a cidade de Havana e a cultura em geral. Aludi ao fato de ter gostado muito de algumas partes de seu maior romance, deixando no ar certa contrariedade com certas proximidades. Ele entendeu e explicou tudo com lógica e sorrisos. Não faria sentido inserir minhas especificidades pessoais numa entrevista que já tinha cinco laudas, mas fiquei com a impressão de que poderíamos ter ficado horas conversando.

Saí de lá com a Fofonka, conversando sobre como a maioria das pessoas brilhantes não são arrogantes. E também sobre o fato de ele não ter perguntado sobre minha formação em literatura, como costumam fazer algumas sumidades da música porto-alegrense, que dizem que eu não entendo nada de sua arte, apesar do meu conhecimento do repertório. No caso de Padura, bastou lê-lo; no caso da música, não basta ouvir. Piada, né?

Acho vale a pena meus sete leitores darem uma olhada no link da entrevista. O Charlles Campos leu:

Rapaz, finalmente publicou a entrevista. Parabéns, Milton! (Pena que eu, claro, não tive meios de saber antecipadamente do evento, assim teria pedido a você o desconfortável favor de requisitar um exemplar do livro com o autógrafo do Padura, prontificando-me a pagar todas as despesas).

O homem que amava os cachorros, recomendação sua, foi um dos melhores romances latino-americanos que li nos últimos vinte anos. Creio que ele perde apenas para A festa do bode.

Note que Padura nunca externou a pretensão de pertencer ao primeiro time dos escritores cubanos. Ele não almeja nem a erudição de Carpentier, nem o esteticismo mirabolante de Cabrera Infante. Ele se contenta em ser um escritor de gênero_ a literatura cubana tem essa semelhança com a literatura norte-americana: se presta muito bem tanto ao alto cânone quanto a uma excelência de gênero. Há um artigo sobre Padura, publicado na revista Piauí, em que Padura diz que seu desejo é ser, apenas, o Paul Auster cubano. Ele conseguiu superar Paul Auster, que nunca escreveu um livro tão intenso e expressivo quanto O homem que amava os cachorros. O livro está sendo muito bem lido aqui no Brasil, e já se encontra em não sei qual reedição.

Abaixo, duas fotos do papo.

Foto: Roberta Fofonka
Foto: Roberta Fofonka
Foto: Roberta Fofonka
Foto: Roberta Fofonka

E chegamos ao post Nº 3000

E chegamos ao post Nº 3000

Milton RibeiroIniciei o blog em maio de 2003. Ele foi migrado três vezes: saiu do blogspot para a Verbeat, OPS e finalmente para o Sul21. Nessas transferências, principalmente na segunda, muitos posts e imagens foram perdidos, mas hoje posso dizer que tenho 3000 textos publicados e uns 140 rascunhos. Raramente revisito meus posts antigos. De certa forma, eles me apavoram por mostrarem o que conheço muito bem e nem sempre gosto. Então, me coleciono e depois deixo pegar pó. Só que o Google leva muita gente aos arquivos do passado, o que faz com que — mesmo eu estando desconectado de férias, por exemplo –, o blog receba uma média de 1000 visitas por dia — normalmente fico entre 1500 e 2000.

O MR atravessou várias fases da minha vida. Lembro que falava muito em meus filhos lá começo, pois o Bernardo tinha 12 anos e a Bárbara, 9. Ele passou pela morte de minha mãe, por meu acidente de 2004, pelo governo Yeda e pelo processo de Letícia Wierzchowski contra o blog — uma mancada minha, que a ofendi infantilmente. Houve fatos pessoais que não foram contados aqui, outros que foram relatados com seriedade e ainda outros foram amplificados até bem próximo da mentira. Ganhei muitos, mas muitos amigos com ele e arranjei uns poucos inimigos pelo caminho. Mas, sinceramente, gosto de todos eles, à exceção de Mônica Leal. Houve o período gravíssimo em que perdi meu emprego por não ter aceitado pagar propina a uma estatal na renovação de um contrato. Calei.

Orgulho-me das resenhas de livros e dos contos que escrevi para o blog, algo que faço cada vez menos por falta de tempo. Também de alguns textos esparsos. As resenhas dos concertos da Ospa são interessantes diversões. Gosto de escrever e procurar fotos para o Porque hoje é sábado e de escrever saudação matinal aos técnicos do Inter após os jogos — Bom dia, Diego Aguirre. Obriguei-me a falar pouco da política. Os fatos e as análises políticas são muito efêmeros e todo mundo opina. Eu seria um modesto e irritado comentarista.

Muitas vezes quis fechá-lo, mas sou meio viciado em escrever meus textos e, vocês sabem, não existe ex-viciado, nem ex-pavão. Certamente, ele se parece mais comigo do que o meu perfil no Facebook. O blog é um retrato meu e de minha habitual franqueza. Se parece meio fantasioso, desigual e aventuresco, é porque sou e penso assim. Se as piadas são horríveis, é porque em algum momento ri delas. Como não sairei vivo da vida, às vezes entro de cabeça no #prontofalei, mas creio que a principal função deste espaço é a de me liberar do algoz da rotina, deste cara chato, preocupado, insatisfeito, pontual e certinho do Milton Ribeiro, de vê-lo sob uma luz melhor ou distorcida, de mostrar que por trás de minha testa há um humor anárquico e uma visão desconsolada do mundo, de tornar minha vida melhor enquanto caminho pela rua, pois escrevo caminhando e, quando chego no computador, o texto só é retocado.

E, mesmo que seja desse jeito assimétrico e mesmo que os blogues tenham saído de moda, pretendo seguir por mais um tempo. A meus sete leitores, agradeço a preferência.

Meu primeiro toque retal

Meu primeiro toque retal

toque retalPisando a linha do vulgar, sem jamais ultrapassá-la.

Foi no início dos anos 90. Repentinamente, eu passei a sentir fortes dores. Não conseguia sentar direito, era obrigado a sentar de lado, levantar da cama exigia um esforço de rolamento especial, qualquer caminhada de uma quadra era difícil e ir aos pés era algo indizivelmente desagradável e penoso. O alívio só vinha mesmo se eu ficasse deitado de bruços.

Meu pai logo fez o diagnóstico: era uma crise hemorroidária. Vocês sabiam que por culpa de suas hemorróidas Napoleão ficou impedido de montar em seu cavalo e que, para aliviar as dores, ele teria ficado por horas e horas em posição fetal, ou genupeitoral, perdendo com isso tempo precioso para aplicar sua estratégia militar em Waterloo? Vocês sabiam que essa posição acabou conhecida como “a posição em que Napoleão perdeu a guerra”? Vocês sabiam que tal posição apenas agrava o problema? Pois é. Resolvi marcar uma hora no proctologista. Perguntei a uma amiga médica o nome de um. Ela me disse:

— Vai no Ignácio Mallmann. É muito bom.

Confesso que queria evitar, mas a dor era violenta e persistente.

— Sabe qual é o apelido do Ignácio?

— Não — respondi.

— É tala larga… Ele tem mãos grandes!

Arrã. Engraçadinha. Fui perguntar para minha irmã, que também é médica e ela confirmou que Ignácio era excelente médico.

— Diziam que ele era apaixonado pela M., mas não deu certo.

Eu não estava nada preocupado com a vida sexual do Dr. Ignácio… Ou deveria?

— Ele é muito hábil. O apelido dele é Paganini.

Sempre foi assim, sempre estive cercado de piadistas que não me levam a sério nem quando caminho todo torto, de lado, tentando não movimentar as pernas.

— Ah, é?

— Sim, ele é bom com dedos, além de acromegálico.

— Que interessante!

— Ele tem as mãos, os pés, o nariz e todas as extremidades gigantescas!

Ri de minha adorável irmã e marquei hora com o já lendário Ignácio. Devo ter chegado lá com ar de súplica. Contei para ele a desgraça enquanto media seus dedos. Não eram nada excepcionais e só naquele momento dei-me conta de que deveria ter ido numa doutora tamanho mignon, de delicadas e diminutas mãos. Se fosse um pouquinho inteligente, nunca escolheria um homem. Ele era simpático e eu nem por sonho falaria na sua paixão adolescente por minha amiga M. Imagina se ele pensasse nela durante o exame? Seria empalado.

Depois daquela conversinha que para mim assemelhava-se àqueles acertos que alguns fazem com as putas na janela de seus carros. Entrei no car…, digo, fui para uma salinha auxiliar onde havia uma espécie de poleiro de formato ameaçador. Logo imaginei a posição que ficaria, já a tinha visto no Kama Sutra. Olhei em volta procurando correntes, roupas de látex, chicotes ou algemas, mas era mesmo só o poleiro.

Deveria ter pedido um mordedor, mas nem pensei nisso. Tirei a roupa e fui para o poleiro ouvindo vozes do filme A Vida de Brian.

Crucifixion?

Yes, please.

Good!

Ignácio começou a rir. Eu recém tinha me empoleirado, de pernas abertas, mostrando com toda a clareza o problema para ele. Mas ele estava rindo de pena.

— Nossa, deve estar doendo muito. É aparente e está muito inchada. Dá para ver daqui.

Não sei a quantos metros ele estava de mim, mas achei que, já que era visível a olho nu, podíamos encerrar sem utilizar a luneta. Mas vocês conhecem os médicos. Como eu não estava ali pelo SUS, ele faria o serviço completo. Senti algo. Olha, a coisa doía tanto que não vou negar que a luva úmida e gelada do médico foi até agradável. O local parecia queimar. Ele disse que não era grave. Limpeza local e uns quinze meses de antiinflamatório resolveriam. Não, nada a ver com comida. Era constitucional, ou seja, a culpa era minha. Em três dias eu estaria bem.

Seu discurso era tranquilizador e eu ia pouco a pouco relaxando, entrando no clima. No clima de Waterloo. Olha, conversamos muito. Eu na posição napoleônica, ele na do Duque de Wellington. Mal sabia eu que aquelas eram as preliminares, pois, sem maior aviso, enquanto eu sustentava uma opinião qualquer, ele subitamente pontificou com tudo, ao mesmo tempo que dizia animadamente

— vamos aproveitar para dar uma olhada na tua próstata!

Não lembro se doeu muito ou não, só sei que pensei

— que merda, esse cara está me enrabando!

E acho que pus as mãos no rosto em gesto de absoluto pasmo. Minha honra, meu reto antes inexpugnável! Ele ainda falava, agora dizendo maravilhas de minha próstata, tão pequenininha em comparação a seu dedo. Eu devia ser muito bonito por dentro pois seu entusiasmo era realmente contagiante, se houvesse por ali alguém a fim de contágio. O exame finalizou como finalizamos qualquer ato sexual, com a retirada do dito cujo.

Após a curra, podia vestir-me, mas havia um problema. Eu ficara sem graça, meu rosto deixara de se mexer e a fala tornara-se monocórdica. Passei a responder a tudo sem sorrir, pensando porque diabos M. não curara aquele tarado em seus dias de juventude. Saí de lá direto para meu trabalho na Hewlett Packard. Sentei na minha mesa. Nem sentia mais dor. Ou não me importava mais. Foda-se… quero dizer… Ah, sei lá. Olhei para o lado e disse para o Dario:

— Porra, Dario, fui enrabado!

Quase vinte anos depois, no ano de 2007, durante a festa de aniversário do Dario, estávamos numa situação em que faríamos qualquer bafômetro acender a luz vermelha a cinqüenta metros. E ainda havia aquele narguilé… Bom, o fato é que tínhamos nadado num mar de espumante da melhor qualidade. Repentinamente, o Dario olhou para mim e deu uma trovejante gargalhada. Não sei por quê, adivinhei na hora o motivo. E ele começou a contar para TODOS minha reação ao Dr. Ignácio Mallmann e, pior, confessou que rira alto quando fizera seu primeiro exame de toque retal. Por quê?

Ora, porque lembrara de minha cara ao chegar na HP.

Podemos, todos nós, fazer suposições sobre o que o médico dele pensa de uma pessoa que dá risadas durante o ato, digo, exame, mas não explicito as minhas em respeito a um grande amigo.

Dedicado ao Dario. Abaixo, uma foto muito bonita de seu casamento.

Obs.: Ignácio Mallmann é excelente médico e espero que, se ele vier um dia aqui, perdoe-me a brincadeira. Afinal, o primeiro a gente nunca esquece.

A Autocensura

A Autocensura

Dia desses, tomei uma mijada por escrever posts tão pessoais quanto este. Levei bastante a sério a advertência — em geral, costumo receber bem as críticas — porque vinha de um querido amigo, mas não vou permitir mais autocensura.

No meu blog, eu me coleciono, para o bem e para o mal. Como isso aqui é uma especie de retrato meu, não consigo levá-lo tão a sério. Publico o que me dá na veneta, sendo às vezes muito pessoal. Ou seja, os posts de foro íntimo seguirão. E a vida já está difícil, o gênero confessional já foi a regra deste blog. Os posts em que falava sobre meu umbigo já foram muito mais numerosos e vão continuar aqui e ali. Acho que já convivo com demasiada autocensura. Sabem onde há autocensura? Vou tentar explicar abaixo.

autocensura

Como um dos editores do Sul21, não me sinto mais com toda aquela liberdade do passado. Não posso tirar sarro de forma escrachada de alguém que vamos entrevistar um dia, por exemplo. Os repórteres reclamariam de mim: Pô, Milton, o cara estava de má vontade por tua causa. Os assuntos políticos também ficaram mais raros, claro, pois há alguns assuntos que evito. Por exemplo, sabem que eu paguei R$ 11.257,00 para a Mônica Leal em 2014, por conta de uma publicação e de um juiz de direita? Isso intimida e gera mais autocensura. Tive de pagar porque era a única forma abrir o inventário de minha mãe. Só não pedi ressarcimento pelo Catarse porque uma amiga me prometeu fazer voltar cada centavo a meu bolso quando vencer outra ação.

Não gostaria de agregar mais autocensura e deixo para meu amigo dois poemas nos quais pensei enquanto escrevia.

Um de Drummond (os primeiros versos de Mundo Grande):

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo, por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

E outro de Chico Buarque (esse uma óbvia vingança por ter sido ameaçado de não poder falar de meu amor por Elena). É o final de Juca::

Juca ficou desapontado
Declarou ao delegado
Não saber se amor é crime
Ou se samba é pecado
Em legítima defesa

Batucou assim na mesa
O delegado é bamba
Na delegacia
Mas nunca fez samba
Nunca viu Maria [leia-se Elena].

Menos dez anos

Menos dez anos

Meu filho Bernardo tem razão quando diz que eu rejuvenesci dez anos. Achei que, para acompanhá-la, não havia outro jeito senão fazer isso.

Não que eu seja tão mais velho, é que deu vontade de ser mais jovem. Só isso. Dizem que ela também ficou mais moça. Faço planos para, daqui uns dias, invadirmos a puberdade.

Elena Romanov | Foto: Eduardo Beleske
Elena Romanov em concerto da Ospa em Pelotas. A música fica muito mais bonita com ela  | Foto: Eduardo Beleske

Qualquer coisa sobre o encantamento amoroso

Qualquer coisa sobre o encantamento amoroso
Ela e um bobalhão aí
Ela e um bobalhão aí

Ninguém tem vontade de falar de amor, se não for para alguém.
Roland Barthes — Fragmentos do Discurso Amoroso

O psiquiatra Flávio Gikovate tentou explicar o encantamento amoroso ou aquela mágica que nos dá o clique da fascinação e do arrebatamento. É um assunto que me interessa, pois, quando não esperava mais, tive o maior clique amoroso de minha vida no ano passado, aos 56 anos. Repentinamente, voltei a meus anos jovens. Quando não estava trabalhando ou fazendo algumas dessas coisa chatas a que nos obriga a maturidade, esquecia-me do restante da vida e passava a divagar longa e apaixonadamente sobre o ser amado. E passaram a acontecer coisas que eu quase já havia esquecido, como o prazer de apenas observá-la fazendo qualquer coisa. Ela não precisava estar tocando violino para ser admirada, poderia estar apenas cortando o pão durante o café da manhã ou fazendo outra coisa única e maravilhosa, como amarrar seus tênis. Pois o ser amado insiste em apresentar-se como algo novo e exclusivo. A característica mais marcante do ser amado, seja ele qual for, é ser “totalmente único e totalmente original”, ao passo que o amante, eu, no caso, é sempre ordinário, comum, não merecedor do ser que ama, como talvez tenha dito Barthes.

Flávio explica que o encantamento amoroso “não acontece por acaso e de modo mágico”. E coloca três ingredientes que considera fundamental na escolha sentimental: “o fato daquela pessoa despertar algum tipo de entusiasmo erótico, a presença nela de alguns ingredientes particularmente agradáveis para o aquele que se encanta e também um aspecto claramente racional relacionado com a admiração. Cada um desses elementos tem seu peso e, de alguma forma, todos participam do fenômeno, aparentemente mágico, que faz com que uma pessoa neutra se transforme, em pouco tempo, em alguém essencial e único, longe de quem parece impossível imaginar a continuidade da vida”.

Não vou falar do componente erótico, pois não creio que meus sete leitores estejam preparados para isso. Mas é claro que ele é fundamental e facilmente confundido com o amor. Também costuma ser péssimo conselheiro. Muitas vezes, o interesse que é detonado por uma característica física é pulverizado por um erro crasso de conjugação verbal, por exemplo. Então passemos aos próximos itens.

Às margens do puramente sexual estão a aparência, a voz, o caminhar, o olhar, os gestos, o modo de abraçar, o cheiro. Há outras admirações no campo intelectual. O humor, a resposta inesperada, e tudo que envolve a expressão, incluindo a roupa, que tem de ser colocada no campo da expressão, pois ela nos agrada e desagrada tanto quanto o que diz o ser amado.

Aos itens acima são somados outros ingredientes mais, digamos, psicológicos (ou patológicos). Pessoas com baixa autoestima admiram os mais seguros? Os tímidos admiram os expansivos, os apaziguadores valorizam os agressivos? Não sei. Sempre achei estranha aquela coisa de alguém ver um casal que não tem nada a ver um com o outro e dizer: “Como eles se completam!” Com minha habitual delicadeza interna, costumo pensar: “Se completam uma merda! Vão se detestar em um ano!”. Esse negócio de se completar, de preencher um ao outro, deve ser muito chato fora da cama. Gera atritos. Acho que um casal que cultiva gostos semelhantes deve estabelecer mais e melhores diálogos, tornando a relação mais interessante.

Apesar de seu total desconhecimento — “Um Gre-Nal é Grêmio contra quem?”, perguntou-me ela no ano passado — ela tem suportado até meu futebol. E ajudamo-nos mutuamente. E dividimos os gastos. E vamos muito bem. E não sei como acabar este texto improvisado. Até porque nada acabou e tenho ainda a sensação de que a procurava há incontáveis anos.

Em Pelotas, numa noite que deveria ter sido mais longa

Em Pelotas, numa noite que deveria ter sido mais longa

Isso ocorreu na quinta-feira, 27, mas só agora deu tempo de escrever a respeito.

Eu gosto muito de Pelotas. É uma cidade mais viva e cheia de personalidade do que o normal do interior do RS. Empobreceu nas últimas décadas, mas permanece com uma vida cultural muito mais ativa do que, por exemplo, os endinheirados da serra gaúcha. O comportamento dos pelotenses também é diferente. Exemplos: lá eles não torcem prioritariamente para Inter e Grêmio e sim para Brasil e Pelotas, tendo ainda o contraponto do Farroupilha. Mais um exemplo: a vida musical da cidade é ativa, com um alto número de espetáculos e festivais — proporcionalmente ao tamanho da população e ao estado em que vivem. Como o de Festival de Jazz, recém finalizado com a presença de Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos. É mole?

Só por isso já seria uma honra ser convidado para falar com os alunos de Jornalismo da UFPEL, mas havia mais. Quando cheguei à cidade, me aguardavam os professores Eduardo Silveira de Menezes acompanhado de outro professor, Ricardo Fiegenbaum, e de um cara que conhecia há quase 40 anos, e com o qual falara talvez uma vez, lá nos meus curtos e confusos tempos da Fabico. Naquela época, o Prof. Jairo Ferreira era um aluno incomum, pois era uma importante figura do DCE (presidente, senão me engano…), militando no partido com o qual eu mais simpatizava na época e em cujo candidato Lauro Hagemann votava: o PCB. Jairo era o segundo mais votado na rarefeita lista de candidatos comunistas. O reconhecimento de Jairo e o tratamento recebido na chegada à cidade foram muito estimulantes, porque vou contar uma coisa a vocês.

Eu sou um péssimo palestrante. Atrapalhado, sem técnica, às vezes nervoso, muito preocupado com o conteúdo e sempre surpreso por estarem me ouvindo, acabo por fazer resumos do que penso terem sido, horas antes, gloriosos ensaios. Mas, de vez em quando, a coisa funciona. Creio que funcionou no StudioClio com a Joana Bosak e funcionou novamente em Pelotas com o Prof. Jairo Ferreira. Ou talvez tenha sido a gentileza com que fui tratado pelo Prof. Eduardo Silveira de Menezes antes, durante e depois da palestra, ou o fato de falar para jovens, ou a proximidade do Bento Freitas. Não sei. Só sei que pela segunda vez na minha vida fiquei satisfeito com minha participação em uma palestra.

Mas sei que os méritos foram do Jairo, que sistematizava a torrente de argumentos e fatos que eu vomitava. O cara é tão bom e inteligente que tratou seguir os dados e informações que eu divulgava, buscando argumentos em sua erudição e num estudo de um aluno seu sobre a Lei de Meios, que apareceu coerente e inesperadamente na palestra improvisada. Ah, pois é: não disse o tema da palestra: era A função social do jornalismo. As possibilidades de se fazer um jornalismo comprometido com o interesse público. A ênfase era no Sul21, claro.

Depois do encontro, fomos a um espetacular restaurante. A conversa também era excelente. Comi a entrada e… Bem, quase morri lamentando para o Prof. e GPS Fábio Cruz o fato de ter que retornar a Porto Alegre no ônibus das 23h30. O prato principal foi apenas “provado” por mim, pois chegara á mesa ás 23h10… Pecado grave, deixei um copo de Patricia pela metade, imaginem! Mas o fato é que fiquei muito feliz de ter conhecido aquele grupo de pessoas e, na próxima oportunidade, se eles tiverem a coragem de me reconvidar, vou dar um jeito de comer e beber decentemente com eles.

Um idiota com o olhar perdido e o Prof. Jairo Ferreira
Um idiota com o olhar perdido e o Prof. Jairo Ferreira
Jairo Ferreira despeja coerência ao lado de um cidadão que não se encontra.
Jairo Ferreira despeja coerência ao lado de um cidadão que não se encontra.
Ele fala enquanto olha para o nada, provavelmente
Ele fala enquanto olha para o nada, provavelmente

Jairo Ferreira respondeu no Facebook:

Um belíssimo encontro com o Milton RibeiroRicardo FiegenbaumEduardo Silveira de MenezesGilmar Hermes, na faculdade de jornalismo na UFPEL.

Relatos de experiências. Para mim, discussão da lei dos meios articulada com a midiatização da sociedade. Coisa que comecei a pensar estimulado pela pesquisa do Eduardo Covalesky Dias, na UFPR, sobre as leis dos meios na Argentina. Coincidências. Estava na Argentina quando da mobilização pela lei dos meios. Isso ajudou na conversa.

Quem continua jovem é o Milton. Ideias jovens.

Inquietações juvenis. Ouvidos que não envelheceram. Olhar que não necessita de lentes para ver. Um jornalista. Seu rico relato me permitiu fazer inferências sobre a conjuntura dos meios que não tinha ainda feito.

De sobra, a novidade foi encontrar Milton falando como observador de minha adolescência militante. Não era presidente do DCE da UFRGS. Era da diretoria, responsável pela atividades culturais. Promovemos o primeiro festival da arte universitária, período da abertura. Fui presidente do DABICO, onde participei e liderei, com muitos colegas, a primeira greve por melhores condições de ensino na faculdade de jornalismo. Era do PCB, mas militava, no começo, com tendência do PC do B.

Eu, um cara que tento “botar a lógica” nisso que chamamos de comunicação, aprendi muito com o relato sobre o Sul21. Me senti envelhecido ao lado de suas preocupações típicas de um jovem jornalista.

Mas tudo rejuvenesce, sim, como bem diz o Milton, em Pelotas. Pelotas é uma cidade. Cidade maior. Cidade que lembra a minha infância, seis anos depois de ter nascido em Porto Alegre, com longas pescarias na Lagoa, no Canal e até na barra dos molhes em Rio Grande. Lembra meu avô negro, o Otacílio, filho de escrava alforriada, casado com minha avó Maria José, filha de um português pouco simpático. Anos depois, minha primeira esposa, minha primeira grande paixão, descendente de alemães. Dos casarios, com suas telhas portuguesas, à ditadura endurecendo em 68, com repressões aos movimentos estudantis. Lembra o sangue dos estudantes reprimidos.

Enfim, viva. Não só porque tem muitos restaurantes de qualidade, sempre ativados pelos olhares e escutas.

Mas, principalmente, porque Pelotas é onde também se vê estudantes em campanha defendendo a derrubada dos muros. Das fronteiras. Adeptos da osmose absoluta. Românticos e utópicos que me fizeram voltar feliz, mesmo que esteja, tanto tempo depois, sempre tentando entender porque somente alguns muros caíram e outros ficaram mais fortes.

Voltei mais militante pelo sucesso da experiência do Sul21. Prometi ao Milton que vou pensar nisso, tão logo minha intensa agenda acadêmica me permita fazê-lo.

Milton messiânico

Salomão
Salomão, meu colega do Eclesiastes

Milton Ribeiro ergue-se e diz, em tom bíblico:
(Milton, Capítulo 11, Versículos de 6 a 9).

Em verdade lhes digo que os ignorantes sempre querem ensinar, enquanto os sábios querem aprender. Os ignorantes falam, os sábios perguntam. Com as respostas, surgem novas perguntas e isso não acaba nunca.

Em verdade lhes digo que a ignorância gera certezas; a sabedoria, dúvidas.

Meu colega Salomão, o do poema Eclesiastes, dizia que “no acúmulo de sabedoria, acumula-se tristeza”. Eu discordo, acho que a sabedoria gera ceticismo, mas também não li o Eclesiastes inteiro para saber de seu exato contexto.

E sento-me para trabalhar, irmãos. Porque, se não o fizer, estarei fodido e mal pago.

Há um ano, a cidade estava assim

Há um ano, a cidade estava assim

E eu caminhava por aí no final da tarde sem saber em que cama dormiria. Havia vários convites, mas um me seduziu imediatamente.

— Não te preocupa com a chuva, vem para cá. Tenho lavadora e secadora. Amanhã, terás tudo limpo. És meu convidado.

Um ano depois, está um dia lindo, sem nuvens e de temperatura amena. E a vida vai bem.

Porque me retirei da Associação dos Amigos da OSPA

Logo-OSPA

Carta aberta a meus sete leitores 

Hoje foi o dia de receber e-mails me perguntando coisas. É normal. O anormal foi receber uma série de questionamentos acerca de minha não participação no grupo do Facebook chamado Associação dos Amigos da OSPA. Já havia recebido vários outros, mas o número de perguntas cresceu em função do espetáculo que a Orquestra apresentará neste fim-de-semana. Um de vocês me escreveu 3 vezes apenas hoje! Pô, cara! OK, respondo a todos aqui no blog, espaço administrado por mim.

Eu fui um dos moderadores do grupo e, além de só permitir posts que dissessem respeito à orquestra, ali publicava chamadas para os concertos que achava prometedores e para minhas opiniões críticas — elogiosas ou não. Só que a imaturidade de alguns, assim como a de uma moderadora, recebia extremamente mal quaisquer reparos que eu fizesse a um concerto. Eram esperados apenas elogios. Quando não cumpria minha função de mero elogiador, podia e fui chamado de palhaço, idiota, etc. Não vejo problemas. Tenho mais de um blog, vivo no Brasil e estou acostumado às ofensas. Mas as reações de alguns do grupo eram desproporcionais, por demais infantis, chegando às vezes à beira da psicopatia. O baixo controle comportamental parecia ser a regra, inclusive da moderadora. Aqui, vejo problemas, pois houve a invasão de problemas particulares da moderadora para comigo que nunca deveriam aflorar num grupo público. Para minha não-surpresa, logo deixei de ser um dos moderadores e, ato contínuo, deixei de poder postar no grupo. E minhas opiniões passaram a ser rejeitadas. Retirei-me silenciosamente.

Bem, meus caros sete leitores, não sou nada brilhante ou original, mas nasci com teimosia e opinião, infelizmente. Não pensem que o fato de não poder colocar meus humildes links no grupo diminuiu o número de pessoas que leem minhas observações concertísticas. Ao contrário, o número de leitores de meus posts sobre a Ospa aumentou inexplicavelmente. Fora do grupo, também não saí por aí fazendo campanha contra quem me combateu ou contra a moderadora que se candidatou a deputada estadual. Também não aconselhei ninguém a deixar o grupo. Mais: seria uma irresponsabilidade contra-atacar. Vocês sete foram 34 mil visitantes únicos em setembro. É muita gente, fico feliz. Mas é claro que não sirvo mais, pois, como externou equivocadamente um dos músicos, aquele grupo da futura Associação serve apoiar a Ospa, nunca para criticá-la (?). Hum… Pensei que criticar fosse uma das formas mais honestas e francas de apoio a uma instituição.

Sou um melômano de grande experiência como ouvinte. Sei quando as cordas desafinam ou quando bolas batem na trave ou na bandeirinha de escanteio. Sei também que vários maestros acabaram meus amigos, principalmente os melhores e principalmente após receberem críticas negativas. Por outro lado, sou um leigo e conheço a diminuta relevância de minhas observações. Talvez elas devam ser mesmo desprezadas, pois escrevo-as rapidamente, com grande liberdade e colorido de expressão. Há ideologia nisso. Mas algumas coisas eu mantenho para todos os casos: o texto tem que ser legível, informativo, divertido, leve e ousado, sem dobrar-se aos elogios baratos. Todos os meus poros se revoltam contra o compadrio. Não me serve a troca vazia de adulações, o “tu és genial” que aguarda o retorno de um “tu és fabuloso”. Isso só se faz com o filho pequeno quando se deixa que ele nos ganhe no futebol ou com a filha para convencê-la de que é a mais linda. E mesmo assim não devemos exagerar.

Esta é a segunda ou terceira Associação que se forma em torno da Orquestra de Porto Alegre. Nunca elas deram certo. Mas acredito mesmo que um dia a Ospa será como outras (grandes) orquestras e terá uma Associação digna. Pode ser que seja dessa vez, por que não? Espero que a atual dê certo e que fique totalmente afastada de partidos e dos interesses de pessoas partidarizadas. O que importa é a instituição. Sem isso, a Associação será novamente estéril. Quem estiver ao lado da orquestra tem que estar tanto pronto a defendê-la do que a prejudique quanto disposto a apontar publicamente seus problemas. Ou ao menos para seus membros. Hoje, a Ospa detesta discutir problemas. Faz de conta que tudo vai bem.

E eu? Eu, meus caros missivistas, permanecerei como gosto e como sou — um melômano que quer a melhor Ospa possível. E que vai escrever de vez em quando sabendo que, um dia, aparecerão pessoas para tecer criticas e que estas serão ouvidas por gente mais consistente e consequente. Ou tudo vai ficar mais ou menos assim para pior.