Quando já estava indo embora de um bar na cidade histórica, um artista de rua ofereceu-me esta caricatura. Parece que estou na privada, não?
Dia dos Pais de Alma Lavada
Ganhei um presente, o mais doce deles. Copio aqui o post que minha filha escreveu em seu blog:
ISSO É UMA HOMENAGEM AO MEU PAI:
Pai eu te amo muito eu não te troquaria por nada nesse mundo!!!!!!!!!
Eu te amo vc q me ajudou todos esses anos!!!
Nunka vou deixar de amalo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Eu te amo!!!!!!!!
Sempre me compriendeu!!!!!!!!!!!
Meu amor eu ti AMO!!!!!!
I LOVE YOU!!!!!!!!!!!!!!!!!
Pai vc é muito especial para mim!!!!!!!!!!!
Fasso qualquer coisa por vc!!!!!!!!!!!!!
EU TE AMO!!!!!!!!!!!!!Papai!!!!!!!!!!
Lindo efofo e gulochinho!!!!!!!!!!!!
Eu te adoro!!!!!!!!!
Meu amor!!!!!!!!!!!!!!
Bjs especialmente para o meu pai!
Digam-me: ainda preciso de presente? E no blog dela chegam comentários… É um carrossel de emoções…
Hate post
– Meu computador pessoal ou, mais especificamente seu disco rígido, desistiu de viver. Há cópias de segurança, mas a última é do dia 20 de junho. Como nunca perdi meus arquivos, fazia cópias muito raramente. Um técnico está tentando salvar alguma coisa. Estou num notebook que não é meu. A coisa está toda desconfigurada e sem os programas aos quais me escravizei. Sem meus “Favoritos”, tive que ligar para o Gejfin, pois nem sabia mais como postar.
– Se alguma lista de “Melhores CDs de Rock de Todos os Tempos” não incluir Odelay, do Beck, você saberá que a lista é anacrônica. Não perca tempo com ela.
– Fantástico o último post do Tiagón (link ao lado) sobre masturbação feminina. A franqueza de alguns comentários é surpreendente. Bom isto.
– Meus três próximos posts – a sexta parte do “Monólogo Amoroso”, um diálogo em que um Oficial de Justiça vem intimar uma mulher por ter fingido seus orgasmos por 15 anos (a ação fora impetrada por seu marido) e alguma anotações sobre música – estão (estavam) no disco que foi para o espaço.
– Um arquivo com um projeto importante para meu trabalho profissional também está (estava) lá.
– Para me acalmar, vou correr uns 8 Km em vez de almoçar. Fui.
Atualização das 15h40:
– Não é o HD. Não se sabe o que é. O computador às vezes carrega o S.O.; outras vezes, não. Pode ser a fonte, talvez a memória, etc. Enquanto isto, meus arquivos permanecem seqüestrados.
– Corri 4,8 Km em 28 minutos. Aí, eram mais ou menos 12h40 e me deu uma grande fraqueza. Voltei ao escritório para tomar um banho – há chuveiro aqui – e almoçar. Aconselho todos a correr. Dizem que faz bem para a saúde e, enquanto corremos, organizamos nossa vida, agenda e preparamos posts. Ninguém nos interrompe. Depois, o cansaço é tanto que dá até para receber telefonemas da ex-mulher sem reagir nem pensar e muito menos registrar (o que é ainda melhor para a saúde).
A Baixinha, a FLIP
Publicado em 5 de julho de 2005
Ela tinha 1,55m. Agora deve ter no máximo 1,50m. Recebeu educação rigorosa em colégios internos de Santa Maria e Porto Alegre. Tão rigorosa que era proibida de tocar tangos no piano do colégio da capital. Uma vez, pegaram-na tocando aquela música do demônio. Seu professor – que hoje está devidamente morto e é até nome de conservatório em nossa cidade – veio por trás e fechou violentamente a tampa do piano sobre suas mãos. Uma bela educação, com efeito. Inesquecível. Ela diz ela que doeu por muito tempo, que talvez tenha quebrado algum osso. Depois, formou-se dentista numa época e num estado onde somente outras três mulheres o eram. Foi trabalhar em Cruz Alta, mas veio outro dentista e a levou casada para Porto Alegre. Trabalhou a vida toda e teve dois filhos, que criou com cuidados (muitos) e preocupações. À noite, ora arrumava as roupas do filho mais novo que jogava futebol a tarde inteira, ora tomava as lições dele e de sua irmã. Muitas vezes ela, de tão cansada, dormia durante as lições e nós ficávamos paradinhos, torcendo para que ela não acordasse. Não sei de mãe melhor e não lembro de nenhum tapa; fomos criados sem as exemplares atitudes do defunto maestro Leo Schneider. Éramos uns duros, pois meu pai gastava horrores no turfe, mas nunca faltou nada em nossa casa, nem amor ao perdulário, que, aliás, era adorado por todos. Eu detestava vê-la bem arrumada, era sinal de que iria ao cinema com meu pai e que ficaríamos sozinhos. Odiava aqueles perfumes e casacos de pele. Ela tinha algumas curiosidades: a liberação de verbas era ilimitada se fosse para comprar livros ou qualquer coisa para nossa educação; porém, se fosse para aquilo que considerava bobagens, poderia haver vetos. Uma vez, eu tinha uns 18 anos e meus pais foram para a praia deixando-me em casa. Chamei uma namorada e passamos a noite juntos. Pela manhã, ouvi meus pais brigando na frente da porta do meu quarto. O tempo estava chuvoso e eles tinham retornado. Minha mãe dizia para meu pai, enquanto protegia a porta do meu quarto e tentava conter a voz: “Ele é um adulto e não interessa se está dormindo com alguém ou não. Sai daqui! Já!”
Parabéns à Dra. Maria Luiza Cunha Ribeiro, minha mãe, que hoje faz 78 anos e que me ajudou em tudo, até em minhas ereções adolescentes.
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Há uma série de autores que me interessam nesta FLIP. E eles não se chamam Jabor, Jô, Suassuna e muito menos Ondaatje. Pretendo assistir a duas palestras por dia, encontrar alguns amigos e respirar a atmosfera da cidade, tão especial durante a FLIP. Se der, pego carona em qualquer escuna e tomo um banho dedicado a meu filho Bernardo, que ama aquelas águas; depois, culpado, ligo para minha filha. Das estrelas, só Rushdie me interessa. Mas há muito mais: o fantástico Roberto Schwarz, o turco Pamuk, o português Pedro Rosa Mendes, o chef Bourdain, o cubano Latour, Paulo Henriques Britto e outros, além de Paulinho da Viola e do bandolim de Hamilton de Holanda. Se a festa permitir, pretendo escrever pequenos posts diários a respeito. Mas os cybers de Parati são de matar. Quem quiser me achar deve procurar aqui:
Pousada do Príncipe
Av. Roberto Silveira, 289
Telefone: (24) 3371.2120
Um descansado post de feriado
Publicado em 26 de maio de 2005
Me passam esta corrente sobre cinema. OK, lá vão minhas respostas:
1. Qual o último filme que viste no cinema?
A Queda – Os Últimos Dias de Hitler, de Oliver Hirschbiegel.
2. Qual a tua sessão preferida?
A das 8 da noite, seguida de um bom jantar.
3. Qual o primeiro filme que te fascinou?
O Rosto, de Ingmar Bergman.
4. Para que filme gostarias de te ver transportado(a)?
Para qualquer filme onde eu fizesse par romântico com Juliette Binoche. Escolheria aquele onde houvesse mais cenas de amor… A Insustentável Leveza do Ser, provavelmente. A seu lado, receberia de bom grado a visita dos tanques soviéticos.
5. E já agora, qual a personagem de filme que terias gostado de conhecer um dia?
Damiel, de Asas do Desejo, filme de Wim Wenders. Revisei uma imensa lista de mais ou menos 1400 filmes que mantenho e avalio há uns 15 anos – já escrevi sobre esta esquisitice… – e, casualmente, escolhi um personagem vivido no cinema por Bruno Ganz, o mesmo ator que faz o papel de Hitler no primeiro filme citado neste post.
6. E que actor(actriz), realizador(a), argumentista ou produtor(a) gostarias de convidar para jantar?
Convidaria Juliette Binoche, ora. Além de lindíssima, ela é simpática, inteligente, sensível e uma surpreendente piadista, qualidades que costuma demonstrar de sobra em suas entrevistas. É perfeita! O cardápio e o local não interessam.
7. A quem vou passar isto?
Não vou intimar ninguém. É feriado. Repasso a quem queira responder.
Respondendo a uma pergunta
Me fizeram uma pergunta daquelas nos comentários. De onde tirei a citação engraçadíssima de Heine com que encerrei o post anterior? Tenho a mania de copiar, em um arquivo do Word, citações que poderei utilizar um dia. Só que eu tinha esquecido de copiar a fonte daquela de Heine. A citação era esta:
Eu tenho uma mentalidade pacífica. Meus desejos são: uma cabana modesta, telhado de palha, uma boa cama, boa comida, leite e manteiga; em frente à janela, flores; em frente à porta, algumas belas árvores. E, se o bom Deus quiser me fazer completamente feliz, me permitirá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos nelas pendurados. De coração comovido eu haverei, antes de suas mortes, de perdoar todas as iniquidades que em vida me infligiram – sim, temos de perdoar nossos inimigos, jamais antes, porém, de eles serem enforcados.
Depois de algum trabalho aqui está: a citação foi retirada de “Pensamentos e Idéias” (Gedanken und Einfälle) e encontrei-a no prefácio de “Noites Florentinas” (Florentinische Nächte), Mercado Aberto, 1999, tradução de Marcelo Backes.
“Noites Florentinas” é uma excelente novela e o restante de minhas anotações – um pouco bagunçadas – sobre o livro é este:
É muito prazerosa a troca de papéis que Heine faz em relação ao modelo das 1001 Noites. Se nas 1001 Noites, Sherazade – uma mulher – conta histórias e mais histórias a fim de não morrer, nas NF Maximilian – um homem -, faz o mesmo para que Maria sobreviva. Sei lá se o Rei das 1001 Noites dormiu durante alguma história; mas posso dizer que fiquei quase escandalizado ao descobrir que, ao final da primeira noite, Maria dormia. Eu estava acordadíssimo. Outra surpresa é o clima erótico sugerido por Heine. A história se passa ao pé do leito de Maria e o escritor eleva a temperatura diversas vezes. Relembremos a passagem na qual os amigos “…olharam-se em silêncio por longo tempo. Em ambas as almas surgiam pensamentos que cada qual tratava de dissimular ao outro. A mulher segurou de súbito a mão do homem e a cobriu de beijos ardentes”, depois há o toque dos lábios de Max nos pés de Maria e a frase “Sorrindo cheio de afeto ao olhar afirmativo de Maria…”. Se tais trechos não servem àquilo a que a Playboy se propõe, pelo menos nos fazem sonhar. Alguns capítulos depois, a história de Mademoiselle Laurence também vai fundo neste sentido, apesar do onírico da situação. O trabalho do tradutor-prefaciador Backes é impecável.
Festa no Apê e outro tópicos menos eruditos
Publicado em 15 de fevereiro de 2005
FESTA NO APÊ: Sábado, enquanto respondia e-mails e comentava no blog da Meg, cantava “Festa no Apê” em altos brados. Dificilmente haverá quem mais depreze música ruim do que eu, só que a coisa colou na minha cabeça e sou uma natureza canora. Para me auxiliar – tenho certeza -, a Claudia ameaçou separar-se de mim imediatamente. Atiraria minhas coisas pela janela. Não deu certo. Depois, mais razoável, pôs a Pequena Missa Solene de Rossini em um volume ensurdecedor para qualquer vivente sem lesões auditivas. Isto fez passar a crise. Na semana passada, li esta frase em um e-mail: “Bons tempos aqueles em que uma festa no apê só incomodava os vizinhos“. Nada mais verdadeiro.
A ORAÇÃO DO ATEU: De sexta para sábado, tive um sonho em que via e ouvia um padre falar mais ou menos assim: Ó Pai, que estás nos céus, colocado lá por nossa fraqueza, medo, culpa e imaginação, feito a nossa imagem e portador de nossos defeitos, olhai por nós, pobres pecadores que não usamos teu nome para nada e que vivemos pelo mundo como cães sem dono. Permita que os cães com dono não nos mordam e que a bondade e desespero enviada por eles a ti, retornem na forma de grandes chuvas de bençãos e não como tens feito ultimamente. Que a beleza de tua figura, formada em cada poro e célula por nosso afeto a nós mesmos e nosso horror ao vazio, possa espalhar-se pelo mundo e transformar-se em vales onde jorrarão o leite e mel (*) necessários a nutrir teu povo… (Aqui acordei conjeturando se isto não daria um post…)
(*) “Vales onde jorram o leite e o mel…”. Da letra de Chico Buarque em Sobre Todas as Coisas, lembram?
O FRACASSO DA LITERATURA: Além de Perto Demais (Closer) – analisado espetacularmente pela Meg e respondido com argúcia ainda maior por mim (*) enquanto cantava Festa no Apê para a Claudia; bem, dizia eu que, além de Perto Demais, você deveria ver urgentemente Menina de Ouro (Million Dollar Baby), de Clint Eastwood. Acho uma pena isto, mas o cinema – e não a literatura – tornou-se nosso maior background cultural comum. Então, a gente tem que correr logo aos bons filmes para não ficar fora das discussões! Vê-se um filme em duas horas, lê-se um livro em alguns dias. As apresentações dos filmes nos cinemas são efêmeras, o livro espera na cabeceira ou na estante até a hora em que você decida-se a lê-lo. É mais difícil, pois, sincronizar leituras, enquanto os filmes são assistidos por muita gente numa mesma época. Discutamos filmes, então.
Observação: Tópico escrito com o auxílio etílico de Jussara Mussi e Ricardo Branco.
(*) Brincadeirinha, Meg. Sabes que só repeti o que disseste.
GÊNIOS ABSOLUTOS: Em minha opinião, William Shakespeare foi o maior gênio do século XVII; no século XVIII, elejo tranqüilamente Johann Sebastian Bach como o maior de todos os homens; já no século XIX, deixaria a láurea (fifty-fifty) nas mãos de Karl Marx e Charles Darwin e, no vizinho século XX, daria o prêmio a Sigmund Freud. Para o século XXI, tenho um candidato por ora imbatível: Hugo de León, técnico do Grêmio. Só um gênio imortal consegue fazer aquele grupo de cabeças-de-bagre jogar. Insuperável!
FIASCO: Se o Inter continuar jogando deste jeito, dedicar-me-ei ao hipismo ou ao golfe. Alguém aí conhece as regras do badminton? Ou seria badmilton?
Pequena Maratona Cinematográfica
Publicado em 17 de janeiro de 2005
Ontem, fiz uma maratona cinematográfica parecida com as que faz Guiu Lamenha. Às 22h, vi Antes do Pôr-do-sol, de Richard Linklater, e, às 24h, Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci. Curiosamente, estes filmes comunicam-se e dialogam. Se em Antes do Pôr-do-sol temos um casal lamentando sua juventude e talvez corrigindo-a, em Os Sonhadores temos três jovens convivendo e amando dentro do turbilhão de maio de 1968. Em comum há a juventude, o fato de ambos terem sido filmados em Paris, o bom humor e a descoberta de filmes instigantes e bons, muito bons. Os extraordinários diálogos do primeiro receberam bela resposta na liberdade e ousadia de Bertolucci. Gostei demais dos dois e a prova viva disto é que minha bunda não ficou quadrada após as 4 horas. Saí do Arteplex alegre, animado, querendo conversar.
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Meu início de dezembro foi muito ruim. Aconteceram coisas que nem lhes conto. Neste contexto, fiz um pequeno comentário no blog do Fabrício Carpinejar em que discordava jocosamente da utilização que ele dera à obra-prima de Vermeer “Moça com Brinco de Pérola” ou, como se dizia antigamente, “Moça com Turbante”. Como Fabrício não costuma responder à comentários em seu blog – não teria tempo para mais nada se o fizesse! -, fiquei surpreso ao encontrar esta resposta em meu e-mail. Como a tristeza iguala tudo, não a valorizei muito na época. Hoje, bem melhor, orgulho-me dela. Deveria pô-la num quadro.
oi meu amigo
cordial divergência sempre faz bem, até as que não são cordiais (risos)
eu sempre leio teu blog. é uma das casas que passo no início de meu dia.
Faraco, Monteiro e Backes são grandes amigos. afinidade é escolha.
abraços do teu
Fabrício
Esse negócio do grande poeta me visitar todo dia deve ser exagero ou loucura, mas só o fato de vir aqui de vez em quando me deixa inflado e feliz a mais não poder, ainda mais quando demonstra certo conhecimento das sandices que escrevo. Faraco é, evidentemente, Sergio Faraco, enquanto Monteiro é Fernando Monteiro e Backes é Marcelo Backes. Sou amigo dos dois últimos; Faraco é daquelas pessoas com as quais só converso durante a Feira do Livro, sempre ciceroneado pelo Backes. Nem imagina o meu nome. Mas eu e Fabrício somos admiradores dos três… e da Moça de Vermeer, que volta a meu blog. Não canso dela.
Dazed and Confused (1969, 1968) – Uma coisa, outra coisa
Incrível o upgrade sofrido por Jimmy Page ao mudar-se do The Yardbirds para um certo Led Zeppelin. São absolutamente chocantes as diferenças na qualidade do grupo e na abordagem da mesma Dazed and Confused e isso com apenas um ano de diferença.
Led Zeppelin – Dazed and Confused (London 1969)
Ou clique aqui.
The Yardbirds – Dazed and Confused (1968)
Ou clique aqui.
Alex Castro dixit:
Eu comemoro bastante datas, elas só tem que ter algum significado. O nascimento de um cara que provavelmente nem existiu e, se existiu, não nasceu nesse dia e, existindo ou não, deu origem a uma religião assassina… bem, não acho motivo de celebração.
Fala aê, Ferrari
Será que sai o PHES de amanhã?
O Fórum Social Mundial se despede
Publicado em 31 de janeiro de 2005
Durante a semana que está acabando hoje, recebemos 120.000 pessoas em Porto Alegre para o Fórum Social Mundial. A cidade inchou, perturbou-se, dobrou-se e, por fim, penso que acolhemos adequadamente os visitantes. Assisti a vários eventos do FSM e tenho críticas à organização, à divulgação e à pauta do evento, mas não desejo nem reforçar as reclamações indignadas do fundamentalismo de direita, nem elogiar indistintamente algo tão polêmico, pois isso incluiria alguns grupos incompreensíveis a mim (principalmente na área ecológica… Grrr…). Posso dizer que passei uma semana muito feliz vendo o colorido das roupas, ouvindo estranhos fonemas e constatando que somos bons neste faz-de-conta de cosmopolitas… Fiz minha parte ao conversar animadamente com muitos alienígenas, sendo que o mais inusitado foi meu contato com vietnamitas numa língua inacreditável, pois eles não falavam nenhum idioma ocidental. Rimos muito e creio tê-los mandado a algum lugar. Fico conjeturando se estão vivos.
Sou dos que lamentam o fato do Fórum sair daqui nos próximos anos. Sei que todos sentirão falta dele, até seus críticos. Nosso prefeito de direita já suplicou: fiquem, voltem! Não vão voltar, claro.
O Acidente de Minha Filha & Festa de Aniversário de Tiago Casagrande
Publicado em 31 de março de 2005
Minha filha Bárbara ama os cavalos. Há quadros de cavalos em seu quarto, há revistas sobre cavalos na bancada onde estuda, há reclamações indignadas quando vê cavalos maltratados em carroças, há manifestações eufóricas quando vai ou volta da aula de equitação, há cômicos comentários (em minha opinião) sobre a vida particular de cada um dos animais da escola, incluindo os cães. Ela diz que será veterinária. Creio que já se faria um veterinário completo com apenas 20% de sua paixão.
Há dois anos atrás, ela convenceu-me a apoiá-la num de seus maiores sonhos. Desejava sair do balé – de que não gostava – e ir para a equitação. Recebeu a adesão da Claudia, minha atual mulher, que também queria fazer aulas. Shakespeare tem razão ao dizer que “Onde não há prazer, não há proveito”. Depois de conseguirmos a concordância de sua mãe, ela começou as aulas e surpreendeu-nos o imediato aumento de sua concentração para os estudos – antes sempre difíceis – e sua nova forma de organizar a vida. Ela melhorou demais. Nunca se saberá o papel exato que o esporte teve nisto, mas não posso evitar a idéia de causa e efeito. Além disto, o pessoal da escola é muito afetivo e sei que ela adoraria passar seus dias lá, mesmo sem aula.
Pois ontem a Bárbara desconcentrou-se e teve uma queda durante um galope. Eu estava na beira da pista, deitado, lendo o Quixote. Não vi a queda. Quando levantei a cabeça, observei que Gabrielito – o cavalo que ela montava – vinha sozinho e que a Bárbara caminhava atrás, limpando-se da areia. Ela não chorou, apenas referiu-se a uma pequena dor nas costas e preparou-se para reassumir cavalo que, segundo ela, tinha disparado. Pediu ao Sílvio – o dono da escola e professor, grande professor – para apenas andar a passo. Sílvio, experiente nestas coisas, respondeu-lhe que a aula continuava normalmente; ela deveria galopar. Bárbara achou graça e a aula terminou tranqüila, entre risos.
Para a Bárbara é sempre uma vitória enfrentar e superar tal gênero de situação. Depois, conta o ocorrido como se fosse a protagonista de uma grande aventura. E quem há de negar? Mais de uma vez, disse-me que só pessoas corajosas faziam equitação. Então, à noite, ela recebeu uma ligação casual de sua mãe e contou-lhe alegremente o caso.
– Mãe, caí do Gabrielito! Mas não houve nada, só estou com uma dorzinha nas costas.
Como resposta, obteve o seguinte:
– Pergunta para o teu pai se ele não consegue se colocar no meu lugar, pergunta sobre como eu vou me sentir se algo te acontecer, pergunta sobre o que vou dizer a ele.
Minha filha murchou no telefone e desligou. Mas… O que importa não é o que a Bárbara sentiria ou o que todos nós sentiríamos? Ou, por acaso, o que importa é como Ela – um ser dotado de natural e justa precedência divina – se sentiria?
É claro que tenho receio (muito receio, cada vez mais receio) de que algo, um dia, possa ocorrer e não precisaria de nenhum auxílio externo para me culpar. Eu mesmo trataria disto, não me faltaria vontade de morrer e talvez o fizesse. Mas não seria criminoso impedi-la de fazer o que gosta? Qual é o percentual de vítimas de equitação? É muito diferente do percentual de quem sai à noite e é baleado? E a auto-estima recém adquirida pela excelente amazona Bárbara, de dez anos de idade? Não conta? E como ficaria a oposição que, hoje, ela consegue fazer a uma mãe de personalidade totalmente diferente da sua e que não aprendeu nem a andar de bicicleta por preferir viver segura e plastificada? Só porque sua mãe vive num laboratório, preferindo evitar o contato com a realidade e as experiências mais dolorosas, não quer dizer que os outros não possam desejar uma vida real.
Sei lá. Fico tão incomodado com estas coisas que me perco. Prometo a mim mesmo estancar o giro da pimenteira sobre o que sobrou de minha relação, mas não consigo.
Ontem, aquele que é verdadeiramente o maior blogueiro do mundo (desculpa, Rafael Galvão), escreveu isto em seu decálogo:
10. Toda blogagem se dará em paz e exercitará a liberdade de expressão inerente a qualquer democracia. A blogagem estará a salvo de perseguição política, religiosa ou doutrinária de qualquer caráter. O blogueiro será livre para dizer o que lhe venha à telha, desde que, obviamente, não cometa com a linguagem crimes de calúnia ou plágio.
Estou salvo. Vamos então a algo feliz.
(Back to Last Thursday)
É simples fazer uma festa legal. Basta que haja um número suficiente de pessoas legais num ambiente legal e elas logo começam a demonstrar sua legalidade. Funciona sempre. A festa de aniversário do Tiago Casagrande foi assim. Apesar da espetacular entrevista que fiz com ele em 20 de janeiro – não deixo por menos -, ainda não o conhecia pessoalmente. Conheci o Tiago, o Gejfin, a Francesca, a Tatjana, o Rafa e muitos outros que o álcool impede de lembrar. Todos ali tinham 20 anos a menos do que eu e 10 a menos do que a Claudia, mas pessoas legais costumam conversar de igual para igual com crianças e velhos e em um minuto estávamos adaptados. O local – o Bongô, bar da Cidade Baixa de Porto Alegre – era perfeito. As cervejas sempre vieram rápidas e dentro da CNTPpC (Condições Normais de Temperatura e Pressão para Cervejas; isto é, geladíssimas). O preço era adequado. A cozinha era tão boa que voltamos no dia seguinte para conferi-la melhor. A decoração, cheia de capas de discos e de partituras de rock coladas às paredes, fez com que o grupo familiar do segundo dia passasse a desejar que o lavabo da casa que estamos construindo tivesse páginas importantes de grandes livros coladas às suas paredes. O cara poderia fazer suas necessidades lendo o trecho em que Sancho Pança chama pela primeira vez Dom Quixote de O Cavaleiro da Triste Figura ou a Parábola do Grande Inquisidor (Os Irmãos Karamázovi, Dostoiévski) ou o oitavo (discussão sobre o Opus 111 de Beethoven) ou o vigésimo-quinto (Adrian Leverkühn e o demônio) capítulos do Doutor Fausto de Thomas Mann ou uma partitura da Oferenda Musical de Bach… Já pensaram? Porém, pecado mortal, tergiverso. Voltemos à festa.
Em meio à conversa, Tiago disse que sou um excelente leitor, pois tinha-o desnudado (é uma metáfora, bem entendido) em sua entrevista, através de questionamentos que o fizeram perguntar a seu analista se ele, por acaso, era transparente. Bondade e elogio dele, é claro. Muito mais que bom leitor, sempre fui tido por excelente observador. Vi, por exemplo, o olhar comprido e nostálgico que ele lançava a certa moça em nossa mesa. A nostalgia é, em minha opinião, algo que manifesta-se não só como saudade do que passou, mas também como saudade do que virá, ou não. Vi também, deliciado, que a amizade que o une ao Gejfin é daquelas coisas que só casamentos ou nascimentos de filhos farão diminuir em freqüência, nunca em intensidade. Vi também que gostaria cultivar amizade com estes dois; são pessoas generosas, inteligentes, tagarelas, agradáveis, que valem a pena. Agradeço ao vasto mundo por fazer existir tão perto pessoas deste calibre.
Entrevista com a Mônica, do Crônicas Mônica
Estava procurando escrever posts menores, mas aí veio-me a idéia de entrevistar minha amiga Mônica. Na primeira versão que preparei havia 15 perguntas; na segunda, exatas 43; na terceira e última, voltei a razoáveis 20. Razoáveis? Olha o tamanho do post! Mas garanto a vocês, vale a pena ler!
Eu e a Mônica não nos conhecemos pessoal ou telefonicamente. Não uso o MSN e nem foto dela eu vi, mas sabia quão incontrolável ela poderia ser. Comprovei quando recebi as respostas. Havia perguntas nas quais depositava grandes esperanças e vieram respostas secas…, que foram compensadas por réplicas antológicas onde não esperava. Para facilitar a leitura de meus 7 fiéis visitantes, esclareço que a Adorável, citada na pergunta 7, é irmã da Mônica, é blogueira e é também conhecida por Rô. Também explico que a única pessoa da blogosfera que desentendeu-se seriamente com a entrevistada foi exatamente… eu (pergunta 18), mas, como ela diz, hoje somos amigos, gostamos muito um do outro e vamos nos casar assim que ela me enviar uma foto. Para terminar (final da pergunta 19), fecho mais uma vez com a Mônica na indicação do CD El Negro del Blanco (Biscoito Fino), dos maravilhosos Paulo Moura e Yamandú Costa. Chega de papo e vamos à entrevista:
1. Que grau de compromisso tens com o Crônicas Mônica? É algo descartável ou deverá ter longa vida?
Não consigo pensar em nada descartável, pelo carinho. Gosto das pessoas e do blog em si. Levo bastante a sério. Mas posso implicar e acabar com tudo em um dia… jeitinho Mônica de ser.
2. O complemento do título do teu blog é “Uma escrita bem humorada sem compromisso literário”. Não consigo encarar este título de outra forma que não seja uma defesa de alguém que é normalmente muito autocrítico, mas que não quer ou pode dedicar-se 100% àquilo.
Bingo! E mal sabia eu que ao postar, pela primeira vez, já estava assumindo um compromisso danado.
3. Acho que as tuas melhores qualidades são a musicalidade e a falsa anarquia de teus textos. Às vezes uma sobrepuja a outra, mas, sob alguma forma, elas sempre estão lá. De onde tanta música? E esta vontade de quebrar tudo?
Sempre vou ter vontade de quebrar tudo; ao mesmo tempo, respeito as pessoas, me acho “meio” incorreta politicamente, então, nunca quebraria absolutamente tudo. A musicalidade? Bom, essa mora dentro do meu peito.
4. A clareza é outra característica tua. Os posts podem ser lidos rapidamente, mas uma segunda leitura sempre me demonstrou haver ambigüidades bem escondidas em tuas histórias que nos levam a rir ou a sentir compaixão por teus personagens. Quanto tempo te toma um post “daqueles”, isto é, daqueles bem trabalhados?
Acredite Milton, de 10 minutos a 2 horas, depende. Sempre tenho começo, meio e fim delineados na mente. O revisar, corrigir, formatar, muitas vezes toma mais tempo do que escrever (um daqueles bons). As ambigüidades são para os inteligentes…
5. Ainda no terreno dos elogios: afirmo que tens notável habilidade para criar climas, muitas vezes constrangedores, sempre engraçados. A Mônica real brinca também assim? És uma piadista nata?
Sou, sempre fui. Minhas filhas vivem dizendo: Comédia, você!!!!
6. Entrando levemente no terreno das críticas: teus últimos posts parecem ser mais descuidados do que os de três ou quatro meses atrás. Concordas com isto? Houve alguma coisa?
Milton, a última coisa que sou é uma pessoa descuidada. Mas cheguei a uma encruzilhada: paro agora (Wandeca) ou faço algo mais ligeiro, sem muita correção, tanta revisão. Não tenho mais tempo, entende?
7. Quais são teus melhores posts? Seria o famosíssimo da Miss Sujinha, aquele em inglês ou outro?
Na verdade, acho que você gosta da “Miss Sujinha”. Eu gosto também, mas depois de pensar em sua pergunta acabo achando que os posts de que mais gosto, não são os mais engraçados. Gosto de: “Quem matou Dana de Teffé” embora muita gente nem lembre de “O Cruzeiro” ou David Nasser; gosto de Tiazinha (Yolanda Penteado), A Moleca e alguns outros. De alguns não gosto e vejo que o leitor gosta.
Tem um não muito antigo, da Lígia, que transa virtualmente e quebra a perna.
Bom querido, eu tinha duas opções: deleteva tudo e deixava um “Gran finale”, um bom post, ou continuava, com menos tempo.
Vivo fazendo isso:
– ADORÁVEL, querida, nem reli! Leia e corrija pra mim, por favor (quando estou mais apelativa, digo; pelamordedeus). Obviamente, ela adora este trabalho, lê com grande prazer e me liga elogiando: arrumei algumas vírgulas bailarinas, alguns errinhos de gramática e está ótimo!!!
Milton, cansei um pouco de pensar, corrigir, revisar, reler e 90% das pessoas não entender nada.
Pense: ser avó, decorar uma casa, reformar uma outra, o apartamento da filha, decorar, enxoval de noiva e bebê, escrever para uma revista, fazer traduções. O fato da maioria não entender muito, desanima.
8. E o que mais te toca?
Palavras, música, às vezes, um olhar…
9. Qual é a freqüência de publicação em blogs que achas adequada para ti?
Penso que dois posts por semana estaria mais que bom, até porque acho que as pessoas sabem que deixo um post longo, algum tempo, propositadamente. O Crônicas Mônica fica pra depois, quando tiverem tempo. Ou seja, ao mesmo tempo que posso aborrecer o leitor com longos posts, dou-lhes tempo para ler.
10. Quando o teu computador não está infestado de vírus como agora, acordas e já vais ver os comentários e e-mails ou dá tempo para tomar um café?
Meu amigo, eu acordo, medito, tomo café e dou uma olhada antes de me enfiar em uma esteira. Geralmente estou on line, por ter uma filha fora de S. Paulo e outra bem barriguda…mas não necessariamente estou no computador.
11. O surpreendente post sobre a posição sexual 69 foi seguido de um meio anormal sobre “elegância”. O superego ordenou um arrependimento acompanhado de imediata reparação, os leitores te propuseram “coisas” ou o Milton está louco?
Milton é muito lúcido, mas aqui vou discordar. O post 69 é de autoria de Maitê Proença. Acho a escrita dela viva e gosto de gente que diz atrocidades com elegância. A Maitê tem aquele fio tênue entre a elegância e a vulgaridade. Gostei do artigo 69, publiquei…então eu pergunto no final (para fazer graça): Vamos lá! Todo mundo se entregando, quem faz? Quem não faz? Uns disseram: eu não me entrego assim fácil não, outros descreveram o ato completo… vai de gosto do freguês, no caso, do leitor.
Taí, eu gostei do post “Elegância”.
Eu me repito, ( já disse isso antes), se falo de amor, falo de novo, se falo de arsênico, em seguida falo de cicuta. Viagem, outra viagem. Doris Lessing disse (já disse isso também), que os personagens, às vezes chatinhos, a perseguiam. Eu me sinto igual. Como achei que, na medida do possível, Maitê foi elegante, falei de elegância, mas não foi para me redimir não, acredite. Foi um pensamento. Até porque não acho deselegante a modalidade.
12. Aquela série deliciosamente maluca, metade autobiografia, metade livre-associação, acabou? Se acabou, já digo: que merda!
Não acabou não, Lavoisier… aliás, comigo nada termina, tudo se transforma.
13. Levas a vida empurrando as coisas com a barriga ou ela é uma aventura jovem e surpreendente?
Uma aventura jovem, cheia de surpresas, e faço ontem o que preciso fazer amanhã. Adoraria ser um pouco inconseqüente e irresponsável, nunca fui…
14. A vida amorosa é tranqüila e linear ou é cheia de som e fúria?
Cheia de som e fúria.
15. E como convives com a jovem avó que está nascendo? (Escuta, o Francisco já chegou?)
Nossa!! Quase morri na primeira semana, choque! Achava que o “status” de avó não combinava comigo, agora amo a idéia e vai nascer em janeiro. Tenho uma barriga linda aqui perto de mim.
16. É paradoxal. A Mafalda Crescida te caracterizou como uma pessoa que dá conselhos, que auxilia. Eu mesmo já recebi vários conselhos teus e reconheço a pertinência – e a inteligência – de todos eles. És uma mãezona ou não? Porém, também opino que tens uma relação demasiado irônica com o mundo para ser aquela mãezona típica.
Ahhhhhhh, provavelmente a primeira palavra que vou ensinar pro neto é um palavrão. Mas tenho a “Lua em Câncer”, sou mãezona mesmo, cuido das pessoas, mimo-as.
Adoro dar conselhos, mas a experiência, me faz pensar duas vezes para aconselhar, o interlocutor pode não querer conselhos. Muitas vezes vejo com tamanha nitidez que preciso falar…
17. Meu Deus! E uma vez me pediste para fazer um link entre tu e a mesma Mafalda, pois, olha Milton, não parece mas sou muito tímida…
E aí, graças a você, conversamos duas vezes e ela é um amor… Sou tímida mesmo, mas acho que todo o ser humano é, cada um na sua área, do seu jeito próprio. Garanto que você, às vezes, é tímido também.
18. Tenho a impressão de que és como uma daquelas bolas de silicone que se usa para fazer exercícios com as mãos, só que com chumbo no centro. Há maciez no trato, mas cuidado! Esta bola pode voar em direção a alguém?
Posso ser. Especialmente se for vítima de alguma injustiça ou se alguém mexer com minhas filhas, mas acho que isso é natural. Normalmente, sou doce e meu limite de paciência é bem grande. Mas, se mandar a referida bola, mando em partes letais, falo baixo e arraso a pessoa.
Tenho verdadeiro horror a briga virtual, comentários maldosos em janelas, nem pensar…
Uma única vez briguei com uma pessoa virtualmente. Trocamos e-mails, a pessoa se desculpou, eu desculpei e hoje somos bons amigos, gosto dele….ele sabe disso.
19. Quem, dentre escritores, cineastas e músicos, te provoca frisson?
Ai! Esta pensei em dizer; sou eclética, gosto de tudo, mas isso não faz parte de mim. Então: palavrório, agüenta….
Escritores: O escritor promove aquilo que dizia Gilberto Freyre: e a carne se fez verbo! Então…
Machado de Assis : Meu preferido, eu acho, é preciso ter uma certa maturidade para entender a ironia de Machado, do Machado pós-1881. Outro dia eu estava lendo umas crônicas dele, numa seleção muito bem feita, da Editora Global. E lia umas crônicas que ele escreveu por volta do dia 13 de maio de 1888. Simplesmente saborosas, mostrando a realidade da escravidão, das relações menos folclóricas entre escravo e senhor.
Escrever é recorrer aos deuses internos e externos, para dizer algo relevante.
As crônicas, por mais ligeiras que sejam, podem e devem ser relevantes. As de Machado são excepcionais neste sentido. Parece que ele deu uma rasteira no deus Cronos e continua cada vez mais atual.
Oscar Wilde sempre amei. Conta-se que o pai dele, médico, recebia como pagamento de consultas, quando o paciente era pobre, histórias que, mais tarde, iria contar ao pequeno filho Oscar antes do menino pegar no sono.
“Se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração.” O. Wilde.
E Ernest Hemingway, sempre tive fascínio – O Velho e o Mar é um exemplo raro de narrativa poderosa, que jamais envelhece, e que fisga a gente!
Cineastas:
Orson Welles, Alfred Hitchcock, Quentin Tarantino, Frank Capra, e (pode rir) Steven Spielberg . Daqui há dez anos ele será reverenciado.
Lembro do meu amado Paulo Francis acabando com Steven.
(Ficou meio parecido com resposta de Miss? Nietzsche, Maiakovsky , Saint Exupéry e Paulo Coelho. Rss)
Músicos??? Milton Nascimento, (os mineiros todos, Clube da Esquina), misturo compositores e intérpretes: Mozart, Mendelssohn, Chopin, Weber, Liszt e Kachaturian; Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda, Almeida Prado, Edino Krieger, Villani Côrtes, Ernesto Nazareth, Eduardo Souto e Zequinha de Abreu, Villa Lobos, Tom Jobim, João Gilberto, João Donato.
Os cearenses: de Fagner a Belchior…..
Baianos…nem preciso citar, Caetano, Gil, Caymmi, João Gilberto…
Você há pouco tempo comparou Chico e Edu Lobo, então pensei: mas ele compara um poeta e um maestro?! Acho que você comparava a genialidade dos dois…
Elis Regina, Nana Caymmi, Zizi Possi, Adoniran Barbosa, Dominguinhos. Muita injustiça minha, passaria o dia aqui falando de nossos gênios, sem esquecer de Billie Holliday, Quincy Jones, Cesaria Évora, Nina Simone, Ella… Jim Morinson, Miles Davis, Chick Corea (chega, vou te aborecer, vc saberá do que gosto em breve). Ah! Gosto da Grande Fantasia Triunfal do Hino Nacional.
“Frisson”… atualmente quem me causa frisson é seu conterrâneo, Yamandú Costa. O último CD do Paulo Moura e dele é algo…
20. Como te sentiste respondendo a esta série de perguntas cujo único conector lógico é a numeração?
O conector lógico são números. Quem formulou as perguntas, foi alguém querido, adorei respondê-las.
Amizades imprescidíveis que me chegaram através da rede (Parte I)
Publicado em 19 de outubro de 2004
Caetano Veloso já perguntava em “Língua” sobre quem haveria de negar que a amizade é superior ao amor. Não vou discorrer a respeito, até porque ambos nos dão ganhos diferentes e não há motivo que nos impila a uma escolha. Fica-se com os dois e fim.
Tenho um grande amigo virtual na pessoa do escritor pernambucano Fernando Monteiro. Foi ele quem me escreveu primeiro e, ainda hoje, creio ser ele quem mais estimula nossa amizade acrescentando-lhe fatos novos. É que realmente não sou o campeão da auto-estima e fico constrangido de encher-lhe o saco… Tudo começou quando, ao responder em um post antigo (de 2 de agosto de 2003) a algumas questões sobre literatura, sentencei que o livro Aspades, ETs, etc., de Fernando, era um dos poucos livros dos últimos 10 anos que mereceriam a honraria de obra-prima. Então ele leu, descobriu meu e-mail e começamos uma animada conversação.
Neste ínterim, ficamos nos conhecendo um pouco mais e Fernando chegou a me citar numa coluna publicada no jornal literário Rascunho.
Há duas semanas, ele voltou a me surpreender. Recebi mais um presente pelo correio – mandei-lhe 2 e recebi uns 10! – e era uma descoberta estarrecedora. Explico: quem me lê sabe de minha admiração por Johann Sebastian Bach, Ingmar Bergman e Anton Tchékhov, entre outros. Num post anterior, escrevi sobre a curiosa ligação que Bergman tinha com Bach. Pois Fernando me manda um artigo de Hélio Pólvora em que está esmiuçada a relação que o filme Gritos e Sussurros, um pontos mais altos de Bergman, tem para com a obra-prima de Tchékhov As Três Irmãs. Após ler o texto ficamos sabendo que, inequivocamente, são obras… irmãs.
Após receber o mimo, escrevi a Fernando o que segue:
Meu amigo!
Muito obrigado pela lembrança. O artigo do Pólvora abriu meus olhos para uma obviedade de que não tinha me dado conta. Bergman deve ter dirigido peças de Tchekhov a vida inteira, nada mais natural então que se inspirasse nele de vez em quando, assim como fez com Strindberg. Será que há alguma coerência em minha paixão por Bach-Bergman-Tchekhov?
Fernando, tenho tratado muito mal todos os meus amigos; na verdade estou passando por apertos de todo o lado. Falo sobre tempo e dinheiro. Nada muito grave, nada que não possa ser resolvido com um pouco de “mais aperto”, mas fico preocupado, durmo mal, etc. Imagine que minha irmã pediu que eu pirateasse 10 CDs de música a minha escolha para lhe dar de aniversário e ainda não gravei nenhum para ela… que nasceu num 31 de julho!
Tenho que mudar minha vida e já. Este negócio de assumir as minhas broncas, as dos outros, de manter blog, coluna esportiva, de aceitar vários convites, de achar que tenho tempo para tudo, para a Claudia, para os filhos, para os amigos, para ser dono de restaurante e de empresa de informática, para escrever um livro (que está rigorosamente parado, morto lá pela página 30) está me atrapalhando muito.
Está na hora de pensar na vida. Desculpe o desabafo.
Grande abraço e, novamente, muito obrigado.
A propósito: quando é que sai o Graumann II?
Milton.
Recebi como resposta:
Milton amigo:
o Graumann II deve sair neste mês — caso não se atrase mais, na W11. Eu queria que saísse com o três, estava disposto a dar uma “corrida” neste, porém o Wagner Carelli preferiu lançar só “As Confissões de Lúcio”, por ora… o que me deu tempo de trabalhar mais no último volume do que, vá lá, pode ser chamada de “trilogia” graumanniana.
A vantagem de lançar juntos seria principalmente o impacto (?) dos dois livros – porém o Wagner me convenceu de que não se podia contar com a certeza dos distribuidores e/ou livreiros comprarem quantidades iguais de ambos, pra começar.
E eu queria — ao mesmo tempo — mais tempo para o 3.
Tempo, tempo – tudo é tempo. Tenha cuidado com o seu, sem dúvida. Principalmente, não se disperse, porque, depois dos 45, tudo vai se tornando urgente.
Abs, Fernando
PS. Bach-Bergman-Tchekohv são três encarnações do mesmo mistério, claro.
F.
E assim continuamos nossas conversas, eu em Porto Alegre, ele no Recife. Nunca nos vimos.
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Outro amigo virtual: meu primeiro contato com Alexandre Inagaki foi o pior possível. Ele escreveu um comentário apontando que eu tinha escrito um post que utilizava uma idéia que ele, Inagaki, já utilizara. Foi direto ao ponto, sem agressões ou ironias. Só que a idéia utilizada não era de nenhum de nós, mas de François Truffaut e referia-se aos “Grandes Filmes Doentes” (post de 13 de agosto de 2003). O comentário do Ina foi perdido numa destas crises do blogger, infelizmente. Rebater a suspeita foi fácil. Disse-lhe que havia lido a expressão na página X do livro com a grande entrevista que Truffaut fez com Hitchcock. Ele que olhasse no dele. Devo ter sido irônico e creio ter-lhe perguntado se ele não queria que eu mandasse o livro manuseado que possuo como prova… Fiquei irritado, mas a coisa não prosperou; comecei a ler o extraordinário Pensar Enlouquece e ele começou a me visitar. A desconfiança deu lugar ao respeito, o respeito foi superado pelo bom humor e admiração, os quais permaneceram, só que acompanhados pela confiança. Vim conhecê-lo em Parati, durante a FLIP.
Eu o imaginava como os japoneses das piadas, com tudo pequenino e aquilo proporcional. Mas estava enganado (o “aquilo” eu não vi nem quero, Ok?): o cara tem 1,80m, ou seja, é 9 cm mais alto que eu. E não é magro nem longilíneo. Está naquela fase da vida em que temos que optar: vou ser forte ou gordo? Creio que a segunda opção esteja fustigando nosso blogueiro campeão, mas ele ainda resiste.
Quando me apresentei (sim, parei na frente do japa e perguntei se ele era o célebre Inagaki), tive duas primeiras impressões. A primeiríssima era a de que ele inaugurava, na minha experiência, a classificação do “Japonês Baiano”. Nasceu em Campinas – até torce para um time de lá que logo logo irá para a segunda divisão – mas o ar descansado, de quem dorme 12h todas as noites, aquela cara sorridente, aquela malemolência… ah, é coisa que parece ter origem no mar da Bahia. A segunda primeira impressão foi de que ele entrava com méritos numa outra classificação: aquela que distingue as pessoas cuja inteligência parece ser tanta que esta ameaça sair pelos olhos. Não espero ser compreendido, mas quem conhece minha irmã sabe do que estou falando. E, quando começamos a conversar, vi que ela também podia sair pela boca. Porém daquele jeito tranqüilo, lento, baiano.
Conversamos 3 vezes, nunca longamente. Posso testemunhar que o Ina é daquelas pessoas com as quais a gente se sente tão bem que podemos deixar a conversa morrer e renascer sem a menor pressa. Vamos melhorar a frase anterior: o que quero dizer é que Inagaki nos dá tal impressão de calma, gentileza e espontaneidade, que em sua presença não nos sentimos pressionados a atuar, a falar por falar. Ele está ali, disponível, conversando e ouvindo. Gostei do cara.
Quase 4 meses após nossos encontros, ele vem e escreve um testimonial na minha abandonada conta do Orkut. Como 100 % destes textos, trata-se de um elogio. Sei que vocês, meus 7 leitores, vão pensar que a cópia deste texto aqui equivale a um auto-elogio e, como tal, seria um vitupério que lanço a mim. Porém acreditem, esta voz gentil é realmente a dele, a de sua expressão verbal. Leiam lentamente, em ritmo malemolente; imaginem uma voz baixa e sorridente:
Literato, musicólatra, cortês. Milton Ribeiro é um desses caras que tornam a vida da gente mais rica. Quem lê seus textos é constantemente brindado com doses precisas de emoção, bom humor, erudição, talento. Um dia ainda terei o privilégio de receber em mãos um livro autografado desse cara. Ok, eu já sei que na dedicatória Milton me escreverá algo do tipo “um abraço por trás, viadinho”. Tudo zen: esse cara é meu amigo.
Música, Música, Música
Publicado em 4 de outubro de 2004
Música, Música, Música
O Concerto de Martha Argerich e Nelson Freire em Porto Alegre. O repertório pianístico que emprega quatro mãos, seja sobre um ou dois teclados, é considerado inferior. É um preconceito derivado da função utilitária que teve por muitos anos. Houve tempo em que os editores costumavam publicar obras orquestrais facilitadas em arranjos a quatro mãos, e esta formação foi sempre considerada menos música de concerto e mais “coisa de sarau”. Bem, mas quando se unem duas estrelas do porte de Nelson Freire e Martha Argerich, tudo o que não acontece é um sarauzinho.
O repertório original para esta formação não é nada espetacular, mas é suficiente para um concerto de primeira linha, e como! Fui preparadíssmo para lá, tendo lido duas horas antes o post da Laura-RJ sobre o concerto no Rio e ouvido o disco de 1983 (em vinil, ainda), em que Freire e Argerich executam quase que todo o programa da noite. Estava tão mobilizado e entusiasmado que levei o bolachão comigo – como se pudesse ouvi-lo no carro – porém esta revelou-se depois uma providência muito inteligente.
Martha começou o concerto no mundo da lua. As Variações Sobre um Tema de Haydn (o Coral de Santo Antônio) não é uma peça complexa, mas vimos Brahms colocar repetidas bolas nas costas da argentina, que acabou comendo notas e embolando algumas frases. Sua vingança veio na Suíte Nº 2 de Rachmaninov, obra exigentíssima onde o virtuosismo da dupla nos mostrou claramente com quem estávamos lidando.
O resto foi maravilhoso. Uma peça de Lutoslawski – as Variações Sobre um Tema de Paganini -, um delicado Rondó de Schubert e La Valse, que merece comentário especial.
Ravel costumava trabalhar em várias obras ao mesmo tempo. Então, não é surpreendente que ele tenha trabalhado La Valse entre os anos de 1906 e 1920. Primeiramente, seu nome era simplesmente “Johann Strauss”, depois foi rebatizada para “Viena – Poema Coreográfico” e só em 1919 tornou-se “La Valse”. Trata-se de uma série de valsas divididas em duas partes, sendo a segunda uma repetição intensificada da primeira. É uma obra difícil, moderna, uma brilhante paródia. Ravel descreveu-a como “uma espécie apoteose da valsa vienense” – e, puxa vida, é mesmo! -, dando “a impressão de um redemoinho fantástico e fatal”. A mim, dá a impressão de casais dançando uma peça que não conseguirão acompanhar até o final, morrendo antes. É estranho que Ravel tenha escrito “fatal”. É uma obra sem palavras e fico surpreso e feliz que minha impressão seja corroborada por ele com tanta simplicidade. A versão orquestral da obra é mais famosa e ouvida, mas creio que a versão para 2 pianos seja ainda mais impressionante. Como ela finalizava o concerto, é óbvio que a platéia veio abaixo. Resultado: houve 7 bis. Nunca tinha assistido a um concerto com 7 bis e achei que a Laura tivesse errado quando afirmou que isto ocorrera no Municipal do Rio. E não pensem que eles voltavam loucos para tocar, eles hesitavam, recolhiam as rosas que a platéia jogava e iam embora… só sentavam nos pianos quando a mão da gente já estava doendo… O que Argerich e Freire fizeram em La Valse é algo que desejo nunca mais esquecer. Foi i-na-cre-di-tá-vel.
Na saída, exultantes, ficamos conversando com amigos no hall de entrada quando surgiram Freire e Martha para os autógrafos. Não sabia que isto estava programado e, depois de longa hesitação, fui buscar meu vinil no carro e entrei na fila. Martita recebeu o disco com surpresa, olhou a capa onde aparece jovem e sexy aos 43 anos ao lado de um Nelson Freire com 40 e ficou balançando a cabeça negativamente; então, olhou-me e disse mírame ahora. Não fui digno da grandeza do momento, fiquei nervoso, engoli em seco e disse idiotamente: isto foi há 21 anos atrás, Martha. Deveria ter-lhe dito que ela continuava linda, competente, profissional, perfeita e atraente ainda hoje, aos 64 (não, não, melhor não falar em idade…), mas só saiu-me aquela besteira. Não obstante, ela brindou-me com um enorme sorriso e escreveu na capa do disco 21 anõs después, Martha Argerich. Já Freire olhou longamente o disco como se fosse algo muito raro e de que não tivesse ainda conhecimento e assinou simplesmente: Nelson Freire.
Festival Mozart no Santander. Completando o fim de semana musical, fomos assistir a um recital no qual vários grupos de instrumentistas da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) interpretariam obras de câmara de Mozart. A OSPA recém fez concurso e há uma série de músicos jovens e de primeira linha loucos para tocar. Ainda não estão contaminados… E como são bons! Eles – acompanhados por alguns renitentes veteranos como Augusto Maurer e Arthur Elias – formam o novíssimo Collegium Musicum da OSPA, que esperamos que não tenha a vida efêmera de várias boas iniciativas culturais de nossa cidade. O programa focou exclusivamente aquela música de câmara de Mozart para sopros e cordas, algo de anormal coerência e que faz a alegria de qualquer ouvinte mediamente informado. Eu, pessoalmente, detesto aqueles programas malucos em que temos de viajar anos e quilômetros entre uma obra e outra. Ouvimos o jovem Quarteto para Flauta e Cordas K. 285, o Adágio para Corne Inglês e Cordas K. 580a (lindo!) e o esplêndido Quinteto para Clarinete e Cordas K. 581. Tudo foi muito bem executado e os três solistas de sopro foram impecáveis. Temos músicos bons que moram aqui, que trabalham aqui e não há razão para não ouvi-los. Vida longa ao Collegium Musicum!
No dia 29 de outubro, às 21h, o grupo reaparecerá no Teatro São Pedro. Quem estiver em Porto Alegre e gostar de música já sabe onde ir.
Minha Caixa de Entrada
Publicado em 30 de setembro de 2004
Minha Inbox é uma pândega. Por lá, entram mais de 100 mensagens diárias de pura porcaria. Porém, também entram aquelas 3 ou 4 que precisam ser lidas. Tive algumas trocas de mensagens que gostaria de tornar posts, mas não faria isto hoje, tarde da noite, pois antes teria que pedir permissão, etc. Trata-se de demonstrações tão grandes de civilidade e gentileza, que, por puro deleite, fico lendo e relendo as mensagens. Elas vieram principalmente da Diana Zeit – minha correspondente mais frequente dos últimos dias -, mas também da Magaly, da Denise Amon, da Claudia, da Mônica, da Rosele, da Helen, etc. Só agora me dei conta de que todas são mulheres.
Hoje estou cansadíssimo da festa e mais ainda do pós-festa de aniversário de minha filha Bárbara. Desta forma, vou revisar um post antigo a que me referi em minha correspondência com a Diana. É um post que se refere a dois adjetivos derivados de nomes de escritores. No caso do balzaquiano tenho 100% de certeza do que falo, já no kafkiano, acho que dou larga margem para eventuais contestações. Quando reli o post, achei-o simplório, muitíssimo abaixo do nível que a Diana sempre propõe em nossos contatos, mas, para mim, é uma curiosidade.
Balzaquianas e Kafkianos.
A Mulher de 30 Anos é um dos piores livros de Honoré de Balzac. É, certamente, o pior que li. Logo ele, um minucioso criador de personagens e tramas, escreveu um história frouxa, desarticulada e meio sem pé nem cabeça – devia estar apressado e premido por dívidas, o que muitas vezes lhe acontecia. Não pensem que tenho restrições à Balzac, poderia citar-lhe uma dúzia de romances perfeitos, porém este é ilegível. Apesar disto, seu belo título inspirou-nos a criar o termo “balzaquiana” no Brasil. Esta palavra, que só existe por aqui, serve para caracterizar as mulheres na faixa dos 30 anos, como no título da obra. Na época de Balzac e mesmo depois, a idade de 30 anos era um turning point decisivo para as mulheres: ou estavam caindo fora do mercado casamenteiro para tornarem-se tias – tolerados fracassos sociais, bem entendido – ou, se estivessem vivendo casamentos infelizes, estavam perplexas ante o irremediável, como é o caso da personagem do romance. Isto excita nossa imaginação, mas…
Dos 17 volumes das obras de Balzac editadas e reeditadas pela Globo (com traduções impecáveis de gente como Mário Quintana, Paulo Rónai, etc.), li uns 12. Posso dizer que as balzaquianas são a exceção da obra de Balzac. As balzaquianas típicas são as jovenzinhas e as tias velhas, nunca as mulheres de 30 anos. Nossa confusão criou uma expressão culta e equivocada… pura fantasia sobre o nome de um livro. O autor não deu maior atenção aos problemas das trintonas.
Porém, além das mulheres balzaquianas, existem as “situações kafkianas”… e este penso ser um equívoco mundial. Cada vez que alguém está numa situação que julga incomprensível, passa a vivenciar uma “situação kafkiana”. Concordo que pequena parte da obra de Kafka seja dedicada a problemas de natureza incompreensível, mas e o resto? O fato literário mais típico e perturbador da obra de Kafka é a revolucionária e insistente utilização da parábola. Esta sim é kafkiana. Segundo o dicionário Aurélio, um dos significados da palavra parábola é o de ser uma Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior. Não é a descrição perfeita de Franz Kafka?
Rascunho sobre a Bárbara, que fará 10 anos sábado
Publicado em 23 de setembro de 2004
Minha querida filha está de aniversário novamente. Já recebeu antecipadamente seu presente – mais um bicho em nossas vidas -, mas creio que o mais importante ainda está por vir: a Claudia está organizando sua primeira reunião dançante – com DJ e tudo o mais. A evolução que a Bárbara teve nos últimos 12 meses é visível em centímetros e sensível quando falamos com ela. Mudou muito, tornou-se uma pequena mulher, cheia daquelas surpresas que estes seres não param de nos apresentar. Sob uma perspectiva muito pessoal, as últimas novidades são as inumeráveis variações de que se utiliza para expressar sua paixão por mim.
Ela disputa com a Claudia o número de beijos trocados comigo, diz que me conheceu antes (e que, por isto, já me deu muito mais beijos do que a Claudia poderia dar algum dia), quer e oferece provas de amor a cada momento, costuma ficar olhando e provocando minha companheira enquanto me faz carinho, mete-se entre nós quando nos abraçamos, diz que é mais bonita e é criativa ao imaginar suas vantagens, vinganças, trunfos. Faz tudo isto com inalterado bom humor para com sua grande amiga e colega de equitação e loucuras, que lhe retribui a amizade da mesma forma. Pela manhã, costuma invadir nosso quarto dizendo para a Claudia se afastar, pois, afinal, tu já passaste a noite inteirinha com ele, né…? Rimos muito. O que ela faz é uma caricatura sincera de ciúmes. Sorri muito, achando maravilhoso desafiar a Claudia e ficar me chamando de bonitinho, fofinho, quentinho. Eu adoro.
Filha de pais separados, tornou-se atenta à agendas e compromissos, às roupas que estão lá e cá, às coisas que tem que ser carregadas e costuma ver com antecipação os problemas que ocorrerão por incompatibilidade de horários. Tem extremo medo disto e quer agradar aos dois lados quando destes impasses. É tarefa impossível, Bárbara.
E, ora bolas, seus medos geram dor de barriga! Quando fica angustiada, é sempre acometida deste tipo de dor. Ao saber disto, minha mãe revirou os olhos e disse que até nisto ela é igual a mim. Dor de barriga, mãe? Sim, acompanhada de muito choro. Faz um mês, um cavalo mais agitado disparou quando ela lhe cravou os calcanhares. Ela não caiu, nada de grave ocorreu, só o susto. Mas depois, toda a vez que chegava a hora da equitação, vinham as dores. Ficou 15 dias sem poder ir às aulas de equitação.
Nos últimos 12 meses, seu desenvolvimento na escola foi estupendo. Sua organização começou a aparecer nos temas e no interesse em aprender. Já não era sem tempo! Não é nada literária, gosta de matemática e de animais, só lê quando obrigada, normalmente ameaçada por terríveis torturas. Por motivos que não entendo, fico comovido quando a vejo fazer seus temas, torço para que surjam dúvidas e para que ela não me interrompa imediatamente com um “Já entendi!” que sei nem sempre ser verdadeiro.
(Meus filhos não lêem meu blog. Escrevo isto sobre a Bárbara na esperança de que ela um dia se interesse por estas memórias a seu respeito. É uma forma simples de registrar a passagem do tempo, como os aniversários também fazem. É uma forma simples de registrar como sempre foi bom amá-la.)
Sonho com Marcelo Backes e Blogueiros + Inverno Quente
Publicado em 9 de setembro de 2004
Nossos termômetros chegaram a 36,4 graus e era 7 de setembro. Não temos termômetros malucos, somos apenas gaúchos. Pela manhã, não acreditava no calor que sentia; abri a janela e vi algumas pessoas caminhando com blusas de mangas compridas (estes confiam cegamente no calendário) e outras de camiseta ou sem camisa (os realistas). Eu e as crianças fomos para a piscina, mas é inverno e poucas estavam prontas para uso. Não senti frio algum quando entrei na água. Pensei: é setembro, tenho um monte de coisas por fazer, a Claudia ficou revisando um livro que recém traduziu e eu aqui, brincando de afogar o Bernardo e a Bárbara. Quem sabe volto para casa e dou um jeito de ser produtivo? Não, continuei na piscina.
Como a temperatura subiu, quis mudar de leitura. Ora, se o contexto é outro – calor, piscina, braços e pernas à mostra -, mude-se o livro! Peguei um comprado em Buenos Aires em 1990, El Mago, de John Fowles. Seu início é arrebatador, mas já estão dizendo que vai esfriar no próximo fim de semana e aí voltarei à mistura de Graciliano e Paul Auster em que me encontrava. O jornal decidirá. Abro na previsão do tempo: ficaremos entre 9 e 14 graus no próximo sábado. Sei que o jornal está certo, vivo neste estado há muito tempo e sei o quanto o tempo pode ser louco. I´m going back to Graciliano and Auster.
Há anos não lembro de meus sonhos. Eles se evaporam. Invejo a Claudia quando ela vem me contar o que sonhou logo cedo. Nunca tenho nada para contrapor e fico ouvindo suas histórias delirantes e cheias de ratos. Talvez tenha sido o calor, o fato é que lembrei de um sonho.
O SONHO. O começo é comum ao sonho de todos os brasileiros: ganhei na Megasena. Porém, minha primeira providência foi algo que nunca pensei fazer. Viajei imediatamente à Alemanha, mais exatamente à Freiburg para falar com meu amigo Marcelo Backes. Propus a ele fundarmos uma editora – a Ribeiro & Backes. Eu tinha a grana, estava rico. Instalamos a firma na casa de minha mãe, que é bem grande e logo ficamos com a garagem e todos os cantos cheios de Luiz Ruffato, Sergio Faraco, Fernando Monteiro, Luís Vilela, etc. Reeditamos também clássicos brasileiros em pocket. As capas eram espantosamente belas, como só se vê em sonhos ou na Cosac & Naify. Com Marcelo indicando os livros, conversando e pagando os editores culturais de várias publicações brasileiras e portuguesas, começamos a ganhar notoriedade e dinheiro. Só trabalhávamos à tarde. Pela manhã, tínhamos outras atividades. Por volta das 18h, fazíamos um happy-hour reunindo amigos e champanhe. Lembro de só de uma cena que nos incluía, além da Alda, Claudia, Franklin, Branco, Helen e alguns funcionários desconhecidos.
Um dia, com a bunda posta numa pilha do enorme, notável e nunca traduzido romance Daniel Martin, de John Fowles, um best-seller exclusivo da R & B (já sabem que não me refiro a Rhythm & Blues e sim a Ribeiro & Backes) , propus ao Marcelo lançarmos pockets de blogs. Em meu sonho disse-lhe para ler o Literatus, a Mônica, o Guiu, a Tchela, o Tiagón, a Meg, o Inagaki, a Mafalda Crescida, a Praia no Nelson, o Zadig e a Nora, lembro destes. (Calma, gente, isto é só o começo da coleção e o melhor fica para o final…) Marcelo era contra, mas resolveu aceitar; afinal, eu era o cara do dinheiro e meu plano era de fazer livros baratinhos com 100 páginas no máximo. Algo para se ler em duas horas. A capa da coleção – chamada apenas “Blogs” – era linda. Vi um exemplar do livro do Tiagón: letras pretas sobre fundo laranja: Bereteando com Tiago Casagrande – 50 Posts do Ano da Graça de 2004 e, abaixo, fotos em preto e branco e coloridas com referências à cultura pop. Só que a parte colorida formava um desenho que era plastificado – o restante era fosco – e, quando prestávamos atenção, víamos um pterodáctilo. Quem conhece o Tiago entende o motivo da presença do lagartão. Quando vi esta capa, acordei. Apesar desta descrição, juro-lhes, meus amigos, no meu sonho a capa era linda! Deve ter vendido bem.



