Sibelius: os 150 anos de um compositor que está na base da identidade de seu país

Sibelius: os 150 anos de um compositor que está na base da identidade de seu país
Sibelius em 1939, já na época de seu longo e definitivo silêncio

Os finlandeses dizem que seu país é uma mistura de sauna, sisu e Sibelius. Todos sabem o que é sauna, mas você sabe o que é sisu? A palavra está naquele grupo de difícil tradução para outros idiomas. Trata-se de uma mistura de confiança e autonomia, algo que faz com que a pessoa se veja como capaz de realizar qualquer coisa. O povo finlandês teria o tal sisu e isto faz parte do orgulho nacional. E Sibelius? Bem, Sibelius é um compositor de música erudita que é outra das bases da identidade do país. Ele teve um impacto muito maior na mentalidade finlandesa do que o meramente musical.

Por exemplo, o poema sinfônico Finlândia. A peça era um protesto contra a crescente censura do Império Russo que controlava o país no final do século XIX. Como a execução pública da peça orquestral fora proibida pelos russos, tornou-se comum trocar seu nome nos anúncios de concertos. O fato adquiriu ares de piada. A peça foi mascarada foram numerosos títulos falsos. Se anunciassem a obra Sentimentos Felizes ao Amanhecer da Primavera Finlandesa, já se sabia o que viria. Finlândia evoca a luta nacional do povo finlandês. À medida que vai chegando ao final, a música torna-se tranquila e a melodia serena do hino da Finlândia é ouvida.

Outro exemplo é a Sinfonia Nº 2. Escrita na Itália logo após a composição de Finlândia, foi um acontecimento nacional. Numa época de invasão e opressão russas, ela foi ouvida novamente como representação sonora do nacionalismo finlandês. Quando de sua estreia, foi tocada quatro vezes em oito dias, até ser proibida. Mas não se precisa saber de tudo isso para gostar dela, a música sobrevive tranquilamente sem o contexto de sua origem. Do ponto de vista atual, a música de Sibelius não transparece revolta ou orgulho nacionalista, mas de forma muito particular, deixa claro quão vasto e frio é o país.

Johan Julius Christian Sibelius, conhecido como Jean Sibelius (1865-1957) foi um dos mais populares compositores do fim do século XIX e início do XX. Ele nasceu na cidade de Hämeenlinna, então pertencente ao Império Russo, em 8 de dezembro de 1865, há 150 anos. O compositor preferia utilizar a forma francesa de seu nome, Jean.

Ele terminou o ensino médio em 1885 e começou a estudar Direito na Universidade de Helsinque, porém a música sempre foi a responsável por suas melhores notas na escola e ele logo desistiu do Direito. De 1886 a 1889, Sibelius estudou música na escola de música de Helsinque (hoje a Academia Sibelius), depois estudou em Berlim de 1889 a 1890, e em Viena de 1890 a 1891.

Sibelius fez parte de um grupo de compositores que aceitou as normas de composição do século XIX e foi muitas vezes criticado como uma figura reacionária da música clássica do século XX. Apesar das inovações da Segunda Escola de Viena, ele continuou a escrever num idioma estritamente tonal. Entretanto, sua música é profundamente criativa e nova.

Sibelius é muito diferente de seus rivais na virada do século XIX para o XX. Gustav Mahler e Richard Strauss, eram adeptos de misturar temas muito diferentes, buscando contrastes quase bipolares, enquanto Sibelius transformava lentamente seus temas. Os temas apresentados são poucos, mas estes crescem organicamente, de forma lógica e sem grandes contrastes. Este gênero de música é geralmente entendido como uma representação do país. É curioso como um compositor que admirava a severidade de estilo e a profunda lógica que ligava intimamente os temas fosse tão popular.

Sua Sinfonia Nº 7, por exemplo, é composta de quatro movimentos sem pausas, onde as variações vem do tempo e do ritmo. Sua linguagem não é nada reacionária, apesar de tonal. Sibelius dizia que, enquanto a maioria dos outros compositores estavam preocupados em oferecer coquetéis à audiência, ele oferecia água pura e gelada.

Em O resto é ruído, Alex Ross explica-nos uma parte do drama de Sibelius. Citando um texto de Milan Kundera que fala das características das pequenas nações da Europa, ele se refere ao sentimento de isolamento que os heróis nacionais dessas pequenas nações podem sentir. Todos sabem tudo sobre eles, não havendo espaço para o erro. Isto pode ser uma pressão insuportável. A vida de Sibelius era um pouco pior. Sem espaço para erros na Finlândia, considerado um gênio nos EUA, o finlandês ressentia-se da recepção altamente negativa de seus trabalhos no resto da Europa. Alguns chamavam Sibelius de “o pior compositor de todos os tempos”, apesar de Richard Strauss ter admitido que sua produção era inferior a do finlandês.

Há dois tipos de composição onde Sibelius focou o seu talento: o poema sinfônico e a sinfonia. Mas há duas peças célebres fora do foco principal. Obviamente, estamos falando da belíssima Valsa Triste

… e do espetacular Concerto para violino e orquestra, obra excepcionalmente melódica e virtuosística.

No que diz respeito ao poema sinfônico, foi neste tipo de composição em que uma boa parte da identidade finlandesa se fixou. Não só porque Sibelius soube capturar musicalmente o espírito finlandês — indo buscar elementos no folclore, técnica na qual precedeu Bartók, Kodály e Stravinsky –, como também soube encontrar a poética adequada que o fixou definitivamente como o representante nacional. Há várias destas composições, Tapiola parece ser a melhor….

e Karelia, a mais divertida.

No que diz respeito às sinfonias, Sibelius procurava em cada uma delas basear-se na anterior, melhorando-a. É conhecido o fato de Sibelius ter destruído a sua 8ª Sinfonia — aquela que deveria resumir e dar um passo adiante em relação à sétima — depois de anos de tentativas e de ter por várias vezes prometido mostrá-la a seus fãs americanos. Mas a oitava nunca apareceu.

Como dissemos, as avaliações de Sibelius eram controvertidas. De um lado, o mundo anglófono — a Inglaterra e os Estados Unidos — consideravam suas sinfonias como monumentos de nossa época. Por outro lado, a Europa continental, principalmente os alemães, acusavam-no de ser um passadista medíocre, que não teve a coragem de fazer avançar a linguagem musical de seu tempo, permanecendo numa zona de conforto que lhe proporcionou popularidade.

Assim, para Olin Downes, o influente crítico do jornal The New York Times, e a opinião pública anglófona, Sibelius tinha lugar garantido entre os grandes sinfonistas do século ao lado do russo Dmitri Shostakovich. De outro lado, o mais influente crítico musical da vanguarda, Theodor Adorno, simplesmente considerava Sibelius o pior compositor do mundo.

Sibelius aos 30 anos

Hoje, a 150 anos de distância de seu nascimento e a 58 de sua morte, já possuímos distância histórica suficiente para avaliá-lo tão somente pela qualidade de sua música, ignorando os critérios estético-ideológicos. E o que se vê é, sim, um dos mais importantes sinfonistas do século 20. Suas sete obras neste gênero possuem uma lógica interna implacável.

Mahler foi um dos “culpados” ao escrever que considerava o finlandês um compositor provinciano.

Símbolo nacional e figura artística mundial, Sibelius parou subitamente de compor em 1927. Ele passou os trinta anos seguintes no mais completo silêncio criativo, recolhido a sua casa encravada numa floresta finlandesa e à qual de Ainola em homenagem a sua mulher.

Sibelius viveu 92 anos. O alcoolismo certamente contribuiu para o bloqueio criativo de 30 anos. Sua última aparição pública como maestro foi desastrosa — ele estava completamente bêbado. Mas, como imagina o escritor inglês Julian Barnes no conto O Silêncio (editado em 2006 no Brasil pela Rocco no livro Um toque de limão), o compositor, sentado diante de uma garrafa de vodca, deve ter proclamado a vitória. “Hoje, sou tão famoso por meu longo silêncio quanto o fui por minha música”.

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Fontes:
Jean Sibelius: os sons nórdicos de um dos maiores compositores do século passado
Jean Sibelius
Jean Sibelius (1865-1957)

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Estou precisando de algumas coisas

Precisaria de uns dois meses livres só para colocar as leituras em dia. Não posso seguir escrevendo sobre cultura sem ler Escuta Só, de Alex Ross, nem Tempo Fraturados, de Eric Hobsbawm. Fico me achando um embuste. Ademais, leria Terra Mátria, sobre a família de Thomas Mann no Brasil, e releria bastante coisa de meus amados Kafka e Sophia de Mello Breyner Andresen. Ah, também voltaria a Os Irmãos Karamázovi, que li com 15 anos e nunca mais. Aí, você pergunta se eu não poderia fazer isso em menos de dois meses e eu respondo que as leituras sim, mas que gostaria também de ir à Portugal. Só Lisboa e Porto, numa viagem turístico-literária, uma viagem para Pessoa e Sophia. E levaria a mais improvável das amigas, aquela que faz parte do tempo ora respirado, para que reconheçamos o deus lisboeta que era quatro e a poetisa portuense de quatro nomes próprios. Se sobrasse algum tempo, dormiria, pois esta é a descoberta desses dias: passei anos acordando antes do que devia e tenho recuperado com minúcia cada hora roubada. E, durante este período, arremessaria de volta os sapos que me fossem lançados e explicaria que vivemos num mundo imaginário onde até mesmo a imagem de nós mesmos é uma construção imaginária, o que significa dizer que acreditarmos no que nos é dito é o mesmo que dizer que não acreditamos em nada. Ao menos eu não acredito.

Como você agora ao me ler. Mas o que você não imagina é como eu acredito no que acabo de escrever.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Boa noite, Sophia

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O Resto é Ruído, de Alex Ross

o-resto-e-ruidoEu já tinha comprado este livro, mas ainda não o tinha lido. Surpreendi-me quando, em fevereiro, cheguei a Londres e descobri que o complexo de salas de concerto do Southbank Center estava apresentando uma série de espetáculos que teria a duração de um ano (é isso mesmo) e que era inteiramente baseada no livro de Ross. Ou seja, eles tinham lido O Resto é Ruído e já estavam escutando o século XX, como diz o complemento do título do autor norte-americano. Depois de comprar alguns ingressos com os quais pude assistir a um fantástico concerto com a Sagração da Primavera e outro sobre a obsessão de Ravel pela Espanha, não apenas me senti menos infeliz ao comparar Londres a Porto Alegre como decidi que leria imediatamente o livro. Quando voltei para casa, não precisei avançar muitas páginas para saber porque o ensaio, — que é recente, de 2007 — é objeto de tantos elogios, quase objeto de culto. Read More

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Ospa e Indiana Jones em noite cheia de aventuras

Karl Martin: Indiana Jones e a Última Cruzada
Karl Martin: Indiana Jones e a Última Cruzada

O concerto de ontem à noite no Theatro São Pedro trouxe um repertório de primeira linha e emoções inéditas. Primeiro, uma voz do além avisou-nos que haveria um atraso de 10 minutos para o início do concerto. Tudo ficou mais claro quando finalmente o maestro suíço Karl Martin adentrou o palco. Ele é muito parecido com o Indiana Jones dos últimos filmes e, como a maioria das aventuras do herói ocorre aproximadamente na década de 1930, nada melhor do que começar o concerto com a Sinfonia Op. 21 (1928) de Webern. Só que… Bem, o motivo do atraso foi que um músico esquecera suas partituras em casa, no bairro Guarujá, e teve buscá-las com a presteza do personagem de Spielberg. Certamente, o esquecimento foi inoculado em seu cérebro por algum cientista nazista daqueles que costumam perseguir Indiana no desejo de se apossar de relíquias como o Santo Graal e partituras de compositores vienenses. Ainda mais que Webern foi, na década de 40, o mais descabelado hitlerista dentre os compositores austro-germânicos (favor ler O resto é ruído, de Alex Ross) e deve ser muito querido entre os inimigos de Indiana. Ah, e depois ainda teríamos o judeu Mahler!

Bem, enquanto o músico atormentado permanecia em sua corrida pelas ruas, o concerto começou. É que as primeiras obras não tinham a participação dele. E, como dissemos, o concerto foi aberto  justamente com a Sinfonia de Webern. Webern sempre se caracterizou por se expressar de forma descontínua. Como Céline e suas milhares de reticências. Sua música é paradoxalmente densa como um haicai e rarefeita como a cabeleira de seu mestre Arnold Schoenberg. Suas composições têm movimentos muito curtos. Em 1927, decidiu expandir-se um pouco, então escreveu um Trio de Cordas que dura nove minutos. Logo depois veio esta Sinfonia que não é muito maior — 10 minutinhos — e que exibe uma beleza abstrata e estranha em seus dois movimentinhos. Anton Webern era um dos compositores da chamada Segunda Escola de Viena juntamente com Schoenberg e Alban Berg. A primeira teria sido formada por Haydn, Mozart e Beethoven, que não sabiam nada a respeito disso e que não pensavam como Schoenberg. No ano de 1928, ele escreveu: “A arte desde o princípio e por natureza não se destina ao povo. Mas querem forçá-la a isso. Espera-se que todos possam dar sua opinião. Pois a nova glória consiste no direito de falar: liberdade de expressão! Ó Deus!”.

(E o coro grego responde em intermezzo não programado:

— Ei, Schoenberg, vai tomá no cu! Olê, Inter, olê, Inter!)

Não obstante a tal obscura escola, eu curti o Webern.

E o nosso músico perdido? Nada de voltar. Então, ainda em Viena, voltamos no tempo para encontrar Mahler. Os lieder de Mahler, Strauss e Schubert são coisas a respeitar. No gênero, há dezenas de coleções e avulsos sublimes. As quatro Canções de um Viandante, com texto de autores da Idade Média compiladas no livro Das Kanben Wunderhorn, são lindíssimas. A segunda foi depois amplamente reutilizada por Mahler na Sinfonia Nº 1. (Aliás, quando iniciou este segundo lied, nosso músico adentrou o palco com enorme tranquilidade. Tal como Indiana Jones, ele não sua muito em suas correrias. parecia saído do banho.)

Mas voltemos ao Mahler. O barítono uruguaio Alfonso Mujica é magérrimo e garanto que todos pensaram numa voz fraca e inadequada para as canções, mas ele tirou de letra, dando a elas compreensiva interpretação, proporcionando-nos um dos mais belos momentos da temporada. Que seguiu com Haydn.

As últimas doze sinfonias de Haydn são as chamadas Sinfonias de Londres ou Sinfonias Salomon, nome do empresário esperto que as contratou. A Sinfonia Nº 92 é a última não londrina e tem o apelido de Oxford porque o compositor a conduziu na cerimônia onde recebeu o titulo de doutor Honoris Causa naquela Universidade. O pessoal de Oxford só pode ter adorado, não há como não sorrir àquela Sinfonia! Dentro da uma estrutura clássica de quatro movimentos (Grave-Alegro, Adagio,  Minueto e Presto), é uma música feliz, cheia de invenções e surpresas, daquelas que fazem as pessoas irem para a rua felizes. Foi o que aconteceu.

Belo concerto! All’s well that ends well (Tudo está bem quando termina bem), já dizia Shakespeare.

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