O supermercado como local de encontros

O leitor alienígena, aquele que não é de Porto Alegre, é maioria absoluta em meu blog. Então, terei de começar por algumas explicações. O Supermercado Zaffari é o melhor da cidade. Disparado, não obstante suas lojas serem um horror arquitetônico dignos do cão enlouquecido de Gaudí, o interior é livre das sandices externas, limpo, até bonito, bem organizado, ar condicionado, a oferta de produtos é ótima e o número de caixas fazem a alegria de quem está com pressa. Ou seja, é um local agradável. Acho que quase todos nós preferimos o Zaffari, apesar do aspecto externo. Abaixo, um dos lados do Zaffari Bourbon Country. Destaque para as três árvores torturadas frente a arquibancadas de vasinhos a observar seu fim. Parece uma foto de filme americano onde uma plateia assiste uma execução.

Já eu, Milton Ribeiro, também tenho lay-out pra lá de estranho. 1,71 m, 75 Kg, 52 anos. Até o ano passado corria 10 Km achando graça do calor de 35º. E não pesava menos por isso. O que me torna ridículo é o fato de toda a gordura de meu corpo dirigir-se inexoravelmente à barriga. Todos me acham magro, exceto minha mulher, filha, irmã e outros poucos que insistem em sentar sobre minha baixa autoestima. Tenho certeza de que os Caetés, se vissem minha barriga, não pensariam que estivesse grávido de três meses e talvez deixassem de lado o Bispo Sardinha, pois a manta de gordura que a recobre faz dela uma verdadeira picanha adornada por bordas de catupiri — os pneus. O que eu quero dizer com este comercial é que sou um sujeito comum, com barriguinha próspera, cabelos ma non tanto grisalhos, em forma pero no mucho, que vai ao supermercado comprar umas coisinhas e que repentinamente…

… nota que é objeto de observação das mulheres.

Faz duas semanas, era um domingo, 17h30, horário que os maridos veem futebol e as mulheres vão em busca de víveres. Víveres… Claro! Eu tinha ouvido um amigo falar que o Zaffari era um local sofisticado de caça e qual não foi minha surpresa ao entrar na alça de mira das gazelas de meia idade. Como dizemos eu e meu amigo Branco, somos naturezas fiéis e ficamos cheios de pudor nestas circunstâncias, mas ali parecia maravilhoso, era o retorno à juventude. Então, com meu olhar antropológico, comecei a caminhar pelos corredores e, logo, o óbvio: um homem mais ou menos da minha idade, com um produto na mão, aproxima-se de uma moça que estava há anos parada na frente de uma interessantíssima gôndola. Faz-lhe uma pergunta. Começam a conversar. Sorrisos em ambas as direções. O amor.

Outro fato digno de nota são as roupas. Sabem aquela informalidade medida, aqueles cabelos inequivocamente femininos, cheios de voltas incompreensíveis, com um palitão enfiado? Ou curtos, mas preparados por longos minutos no espelho? Não sei se vi palitões, mas o espírito era aquele. E estava quente, havia shorts e sandálias de verão, nem tão altas mas longe das havaianasriders. Sim, muita gente vestida para matar às 17h30. Os homens estavam limpinhos, de camisetas e tênis novos. Menos eu, menos eu, que tinha dado banho nas cachorras e estava com muito mais feromônios que o habitual. Há gente que gosta, tanto que aquela moça de short branco e blusa amarela parecia estar com vontade de utilizar meu call center a respeito dos pães árabes.

Meu amigo — sim, aquele primo lá de Passo Fundo — me relatou que os melhores locais são os vinhos, as especiarias, os dietéticos e os iogurtes. São todos locais tranquilos onde as dúvidas surgem naturalmente. (Quando cheguei em casa, contei para a Bárbara e ela me deixou pasmo. Pai, uma vez a mãe estava pegando Patricias e um cara veio todo meloso perguntando se era tão boa quanto a Norteña e dizendo que era muito triste beber cerveja sozinho. Tratava-se certamente de um sério observador da espécie humana!) O mesmo amigo me disse que os infantis também são locais interessantes para quem quiser relações mais tranquilas com mulheres ocupadas por filhos. Ele declarou, sacana: Ali, é o local para quem quer uma rapidinha. Perguntei se muitas delas são carentes, querendo se vingar do marido horrível que não a auxilia devidamente com o filho. Ele replicou é uma possibilidade. E completou: é importante que se saiba bastante ou nada sobre os produtos. Mulheres gostam de extremos, ou cuidarão de nós ou serão cuidadas.

Chegando em casa, recebi a visita de um casal de amigos. Contei-lhes tudo. Atrasada ou profilática, a mulher ficou meio puta, pois o marido costumava passar longas temporadas vespertinas no Zaffari e dizia que adorava examinar todas as novidades para esperá-la com um jantarzinho pronto. Tá bom. O homem ouvira falar que o estacionamento era local de namoros e encontros. E eu, ingênuo, que só dou uns amassos na minha mulher na fila dos frios!